ABANDONO AFETIVO – DANO MORAL "IN RE IPSA"

Os filhos abandonados afetivamente fazem jus à reparação extrapatrimonial, que segue a lógica jurídica do dano moral decorrente da morte efetiva dos pais das vítimas de ato ilícito. Ação de reparação de danos morais ajuizada por filha que passou quase duas décadas sem receber qualquer contato ou apoio do pai foi julgada procedente em primeira instância. Ao examinar o recurso interposto pelo genitor, os Desembargadores afirmaram que esse tipo de negligência gera dano a direito da personalidade do descendente, em especial após a Constituição de 1988, que elevou ao ápice normativo a dignidade da pessoa humana, a paternidade responsável e a proteção integral do interesse da criança. Ressaltaram que, embora o planejamento familiar seja um direito subjetivo do cidadão, impõe-se um dever objetivo de cuidado dos filhos, no mínimo até a maioridade. Os Julgadores esclareceram que o direito à reparação do prejuízo extrapatrimonial sofrido pelos “órfãos de pais vivos” deve seguir a lógica jurídica do dano moral advindo da morte efetiva dos pais das vítimas de ato ilícito, cuja configuração é presumida (in re ipsa) pela sociedade e pelo Judiciário. Alertaram que o genitor que abandona a prole “suicida-se moralmente” como forma de sepultar as obrigações decorrentes da paternidade responsável, o que ocorreu na hipótese, pois o pai encontrou-se com a infante aos dois anos de idade e só a reencontrou quatorze anos depois. Ressaltaram que o abandono afetivo ficou ainda mais evidenciado em razão da discrepância entre o tratamento atencioso dispensado pelo pai à filha nascida do segundo casamento e aquele conferido à requerente, tida como prole “de segunda classe”. Concluíram que o propósito da condenação não é criar uma obrigação de os pais amarem os filhos, mas mitigar a falta de cuidado daqueles que têm o dever de prestá-lo. Com isso, a Turma, por maioria, manteve a indenização de 50 mil reais pelos danos morais.

Acórdão 116219620160610153899APC, Relator Designado Des. DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 28/3/2019, publicado no DJe: 10/4/2019.