Maus-tratos, submissão de criança a constrangimento vexatório e corrupção de menor praticados por cuidadora de berçário – ausência de bis in idem na condenação

A prática de inúmeras condutas abusivas contra criança, por cuidadora de creche, pode configurar os crimes de maus-tratos, submissão de criança a constrangimento vexatório e corrupção de menor, em concurso material, se demonstrada a pluralidade de condutas e de resultados lesivos. Na primeira instância, a cuidadora de um berçário foi condenada pelos crimes de: maus-tratos contra pessoa menor de quatorze anos, submissão de criança a constrangimento e corrupção de menor (artigo, 136, § 3º, do CP; artigos 232 e 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente). Interposta apelação, a ré pediu o reconhecimento de bis in idem entre as duas primeiras infrações. Ao examinarem o recurso, os Desembargadores asseveraram que as diversas ações praticadas pela cuidadora – agredir as crianças com socos e tapas, atingi-las com brinquedo e sandálias, forçá-las a ingerir o próprio vômito, e instigar a colocação de saco plástico na cabeça, dentre outras barbáries – comprovam o crime de maus-tratos. De igual modo, asseveraram que os atos coordenados e contínuos praticados pela requerida, condizentes com a estimulação sexual precoce dos menores, além da distinção proposital de tratamento entre crianças consideradas “feias” e bonitas caracterizaram o delito de submissão de menor a constrangimento vexatório. Para o Colegiado, a cuidadora abusou dos meios de correção ao exercer a atividade na pré-escola com o intuito de expor a perigo a vida e a saúde de menores sob sua autoridade, guarda ou vigilância. Os Julgadores assinalaram que o delito de corrupção de menor, por se tratar de crime formal, dispensa a prova da efetiva corrupção (Súmula 500 do STJ). Destacaram que, após a temporada na creche, as vítimas passaram a apresentar mudança de comportamento e transtornos psicológicos severos, como agressividade, emotividade exacerbada e reprodução dos atos abusivos em casa, com os parentes. Ao final, a Turma concluiu que os tipos penais de maus-tratos e de submissão de criança a constrangimento não ensejaram bis in idem, por constituírem delitos autônomos, com pluralidade de condutas e de resultados lesivos, interpretação que afastou a possibilidade de consunção entre as infrações. Acrescentou que, embora os vestígios do delito de maus-tratos tenham desaparecido com o tempo, é desnecessária a prova do efetivo dano aos infantes, por tratar-se de crime de perigo. Por fim, a maioria dos Julgadores reconheceu o concurso material entre as infrações e negou provimento ao recurso.

Acórdão 1226941, 20181210021743APR, Relator Des. CARLOS PIRES SOARES NETO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/1/2020, publicado no DJe: 4/2/2020.