Bloqueio judicial de ativos financeiros – valor superior ao da execução – inocorrência de crime previsto pela nova Lei de Abuso de Autoridade – necessidade de dolo específico

A indisponibilidade e a penhora de ativos financeiros em valor superior ao da execução, quando praticadas por Juiz sem o dolo específico de prejudicar o processo ou os devedores, não configuram crime de abuso de autoridade. Uma empresa interpôs agravo de instrumento contra decisão de Magistrado que, em cumprimento de sentença, indeferiu o pedido de penhora de ativos financeiros em nome da devedora, devido à possibilidade de incorrer em delito instituído pelo artigo 36 da Lei 13.869/2019. Ao apreciarem as razões recursais, os Desembargadores asseveraram que, para a configuração do crime tipificado pela nova lei, é necessário que o Juiz pratique, com dolo específico, a conduta de decretar a indisponibilidade de ativos financeiros em valor muito superior ao estimado para a satisfação do crédito e, questionado acerca da excessividade da medida, deixe de retificar o ato constritivo, com a intenção exclusiva de desvirtuar a finalidade de processo judicial em benefício próprio ou de terceiro, para satisfação pessoal ou em prejuízo a outrem. Na hipótese, o Colegiado entendeu injustificado o receio externado pelo Juízo a quo de que a determinação de bloqueio de diferentes contas bancárias em nome da executada, com base apenas nos cálculos apresentados pela credora, caracterize conduta temerária para fins de tipificação do crime de abuso de autoridade. Isso, porque tal medida está em consonância com as normas relativas à satisfação do crédito previstas no Código de Processo Civil (artigos 513 a 527 e 824 a 854), não sendo contrária à legislação penal nem ofensiva a bem jurídico relevante. Além disso, os Julgadores ressaltaram que, caso a constrição ultrapasse o valor total da execução, incumbe ao Magistrado promover, em 24 horas, o cancelamento ou a correção da penhora indevida (artigo 854, § 1º, do CPC). Por fim, consignaram que a devedora se manteve inerte quanto à decisão que rejeitou a impugnação ao cumprimento de sentença, circunstância que tornou definitivo o valor do débito exequendo. Nesse cenário, a Turma deu provimento ao agravo para deferir a pesquisa e o bloqueio em sistema eletrônico (BACENJUD) de bens suficientes para o pagamento da dívida à credora.

Acórdão 1238496, 07256819520198070000, Relator Des. CESAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 18/3/2020, publicado no DJe: 4/5/2020.