Informativo de Jurisprudência n. 414

Período: 1º a 15 de maio de 2020

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Publicação: 10 de junho de 2020

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Direito Administrativo

Verba remuneratória paga a servidor público preso – inocorrência de efetiva atividade laboral – dever de ressarcimento ao Poder Público

Direito Ambiental

Instalação de represa em área de proteção ambiental – risco integral – elaboração e execução de plano de recuperação de área degradada (PRAD)

Direito Civil e Processual Civil

Bloqueio judicial de ativos financeiros – valor superior ao da execução – inocorrência de crime previsto pela nova Lei de Abuso de Autoridade – necessidade de dolo específico

Notícia falsa veiculada na internet - desindexação do nome do ofendido por "site" de busca -  inexistência de direito coletivo de acesso à informação inverídica

Direito Constitucional

Metrô/DF – empresa pública prestadora de serviço de transporte público com exclusividade e sem fins lucrativos – submissão ao regime de pagamento via precatório

Direito do Consumidor 

Treino em escola de artes marciais – acidente vascular cerebral (AVC) – inocorrência de omissão de socorro ou falha na prestação do serviço – descabimento de dano moral

Direito Empresarial

Afastamento de sócio-administrador – excepcionalidade – prática de atos prejudiciais à empresa não demonstrada

Direito Penal e Processual Penal

“Pacote Anticrime” – inovação legislativa – processamento de acusado de estelionato – ação penal pública condicionada à representação da vítima

Estupro de vulnerável – embriaguez completa não comprovada – casal separado sob o mesmo teto – absolvição

Direito Tributário

Financiamento de veículo – fraude de terceiro – responsabilidade tributária do credor fiduciário – “pecunia non olet

Direito Administrativo

Verba remuneratória paga a servidor público preso – inocorrência de efetiva atividade laboral – dever de ressarcimento ao Poder Público

O pagamento de remuneração a servidor público encarcerado é indevido, haja vista a incompatibilidade entre o exercício das atividades laborativas e o cumprimento da sanção penal, motivo pelo qual cabe ressarcimento ao erário dos valores recebidos ilegalmente, sob pena de enriquecimento sem causa em detrimento da coletividade. Um ex-servidor do Distrito Federal interpôs apelação contra sentença que determinou o ressarcimento de R$ 3.122,88 recebidos indevidamente dos cofres públicos, acrescidos de juros e atualização monetária. O apelante defendeu o não cabimento da devolução, pois tal montante já estaria incluído em acordo regular de parcelamento de débito feito com o ente federativo em data anterior. Ao apreciar o recurso, a Turma afirmou que, muito embora não seja obrigatória a devolução de verba alimentar percebida de boa-fé por servidor público em razão de equívoco da Administração, no caso específico dos autos, inexistia circunstância para justificar tal remuneração, pois o apelante estava recluso no período em que recebera o dinheiro. Esclareceu que, nos termos do artigo 66 da Lei Complementar 840/2011, a retribuição pecuniária somente é devida se existir a contrapartida da prestação do serviço público, ausente quando o titular do cargo cumpre pena de prisão. Do contrário, estaria configurado enriquecimento sem causa em detrimento da coletividade, numa dupla violação normativa: ao Código Civil (artigo 884) e à Lei de Improbidade Administrativa (artigo 9º da Lei 8.249/1992). Os Desembargadores acrescentaram que a documentação juntada aos autos demonstra que a composição de dívida firmada com o GDF incluiu somente parte dos valores que deveriam ser devolvidos pelo apelante, e não a totalidade do passivo, como quis fazer crer. Nesse contexto, assentaram que a situação de encarceramento impõe o afastamento das atividades laborais e suspende o vínculo jurídico com a fonte pagadora, razão pela qual a importância recebida correspondente a esse período deve ser objeto de ressarcimento aos cofres públicos. Assim, o Colegiado negou provimento ao recurso.

Acórdão 1245960, 07051970520198070018, Relatora Desª. GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 29/4/2020, publicado no DJe: 12/5/2020.

Direito Ambiental

Instalação de represa em área de proteção ambiental – risco integral – elaboração e execução de plano de recuperação de área degradada (PRAD)

A construção de represa em área de proteção ambiental impõe responsabilidade civil objetiva com risco integral ao infrator, que fica obrigado a elaborar e a executar projeto técnico para recuperação do local degradado. Na origem, o Ministério Público propôs ação civil pública, cumulada com indenização por danos coletivos, para condenar um particular a promover a regeneração de Área de Proteção Ambiental (APA), degradada durante a execução de obra em sua fazenda. O Sentenciante julgou procedente o pedido. Insatisfeito, o requerido interpôs recurso por meio do qual alegou não possuir condição financeira ou técnica para realizar a obra necessária ao reparo da área danificada. Ao julgarem as razões recursais, os Desembargadores consignaram tratar-se de responsabilidade civil objetiva, por risco integral, imputada aos infratores que causem dano direto ou indireto ao meio ambiente. Nesse caso, é suficiente a demonstração do nexo causal entre a ação comissiva ou omissiva praticada pelo ofensor e o prejuízo gerado ao bem transindividual (artigo 37, § 6º, da Constituição Federal e artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 - Política Nacional do Meio Ambiente). Na hipótese, a Turma confirmou a responsabilidade do particular, o qual foi compelido a desenvolver e a executar o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), em razão dos danos ambientais decorrentes da implantação de uma represa sem a licença ambiental prévia, cuja edificação resultou em danos absolutos à APA. Ressaltaram que tal degradação alterou o fluxo de regime híbrido do córrego, pois, segundo prova pericial, houve desmatamento de árvores nativas e da faixa de mata ciliada à margem do curso d’água. Os Julgadores destacaram que o réu não apresentou fato impeditivo, extintivo ou modificativo que evidenciasse a não ocorrência dos prejuízos ao ecossistema ou a minoração desses estragos. Ao contrário: os elementos de prova produzidos pelo infrator não foram hábeis a afastar a veracidade e a presunção de legitimidade do laudo técnico formulado pela polícia civil do Distrito Federal, o qual concluiu pela efetividade das lesões em área de preservação. Nesse contexto, o Colegiado manteve a obrigação de regenerar o terreno e de indenizar eventuais danos coletivos remanescentes.

Acórdão 1241544, 00416669620168070018, Relator Des. MARIO-ZAM BELMIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 1º/4/2020, publicado no DJe: 4/5/2020.

Direito Civil e Processual Civil

Bloqueio judicial de ativos financeiros – valor superior ao da execução – inocorrência de crime previsto pela nova Lei de Abuso de Autoridade – necessidade de dolo específico

A indisponibilidade e a penhora de ativos financeiros em valor superior ao da execução, quando praticadas por Juiz sem o dolo específico de prejudicar o processo ou os devedores, não configuram crime de abuso de autoridade. Uma empresa interpôs agravo de instrumento contra decisão de Magistrado que, em cumprimento de sentença, indeferiu o pedido de penhora de ativos financeiros em nome da devedora, devido à possibilidade de incorrer em delito instituído pelo artigo 36 da Lei 13.869/2019. Ao apreciarem as razões recursais, os Desembargadores asseveraram que, para a configuração do crime tipificado pela nova lei, é necessário que o Juiz pratique, com dolo específico, a conduta de decretar a indisponibilidade de ativos financeiros em valor muito superior ao estimado para a satisfação do crédito e, questionado acerca da excessividade da medida, deixe de retificar o ato constritivo, com a intenção exclusiva de desvirtuar a finalidade de processo judicial em benefício próprio ou de terceiro, para satisfação pessoal ou em prejuízo a outrem. Na hipótese, o Colegiado entendeu injustificado o receio externado pelo Juízo a quo de que a determinação de bloqueio de diferentes contas bancárias em nome da executada, com base apenas nos cálculos apresentados pela credora, caracterize conduta temerária para fins de tipificação do crime de abuso de autoridade. Isso, porque tal medida está em consonância com as normas relativas à satisfação do crédito previstas no Código de Processo Civil (artigos 513 a 527 e 824 a 854), não sendo contrária à legislação penal nem ofensiva a bem jurídico relevante. Além disso, os Julgadores ressaltaram que, caso a constrição ultrapasse o valor total da execução, incumbe ao Magistrado promover, em 24 horas, o cancelamento ou a correção da penhora indevida (artigo 854, § 1º, do CPC). Por fim, consignaram que a devedora se manteve inerte quanto à decisão que rejeitou a impugnação ao cumprimento de sentença, circunstância que tornou definitivo o valor do débito exequendo. Nesse cenário, a Turma deu provimento ao agravo para deferir a pesquisa e o bloqueio em sistema eletrônico (BACENJUD) de bens suficientes para o pagamento da dívida à credora.

Acórdão 1238496, 07256819520198070000, Relator Des. CESAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 18/3/2020, publicado no DJe: 4/5/2020.

Notícia falsa veiculada na internet – desindexação do nome do ofendido por “site” de busca – inexistência de direito coletivo de acesso à informação inverídica

Pessoa falsamente acusada da prática de crime por matéria jornalística divulgada na internet possui direito à desindexação do nome pelos sites de busca, uma vez que o interesse coletivo de acesso à informação não tutela notícia inverídica. Na origem, o autor ajuizou ação de obrigação de fazer contra sítio eletrônico de pesquisa para que seu nome fosse desvinculado de notícias jornalísticas que o acusavam da prática de estelionato, porque teria cobrado por cursos que não ministrou. O Sentenciante julgou procedente o pedido inicial. Irresignado, o réu interpôs apelação sob o argumento de que deve prevalecer o direito à liberdade de expressão e à informação em detrimento ao direito de imagem do requerente. Ao apreciar o recurso, o Colegiado asseverou que o debate consiste na possibilidade de se determinar o rompimento do vínculo estabelecido pelos sítios de busca entre os dados do autor e o resultado da pesquisa, sem a exclusão do conteúdo publicado. Os Magistrados consignaram que, apesar de a Lei 12.965/2014 – Marco Civil da Internet – assegurar tanto a liberdade de expressão quanto o direito de acesso à informação, a Constituição Federal não comporta direitos absolutos. Ressaltaram que, apesar da imputação de delito noticiada por jornal na internet, não há inquéritos policiais ou ações penais movidas em desfavor do autor que demonstrem seu envolvimento com o crime de estelionato, motivo pelo qual consideraram tratar de provável conteúdo falso. Acrescentaram que, se a jurisprudência pátria admite a possibilidade de se retirar conteúdo verdadeiro de buscadores da internet nas hipóteses em que as informações são eminentemente privadas ou em razão do decurso de tempo (direito ao esquecimento), com mais razão deve autorizar a desindexação relativa a conteúdos inverídicos. Nesse contexto, por inexistir interesse coletivo de acesso à informação falsa, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1243871, 07041641620198070006, Relatora Desª. FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 14/4/2020, publicado no DJe: 4/5/2020.

Direito Constitucional

Metrô/DF – empresa pública prestadora de serviço de transporte público com exclusividade e sem fins lucrativos – submissão ao regime de pagamento via precatório

A Companhia do Metropolitano do Distrito Federal – Metrô/DF, por ostentar natureza jurídica de empresa pública prestadora de serviço público exclusivo sem finalidade lucrativa, submete-se ao regime de precatórios constitucionalmente previsto para pagamento de dívidas da Fazenda Pública. Uma sociedade empresarial interpôs agravo de instrumento contra decisão que, em fase de cumprimento de sentença, assegurou à empresa executada (Companhia do Metropolitano do Distrito Federal – Metrô/DF) a aplicação do regime de precatórios como forma de satisfação dos valores aos quais foi condenada a pagar. Alega a agravante que empresas públicas que exploram atividades econômicas não gozam da referida prerrogativa, motivo pelo qual a obrigação de pagar quantia certa deve ser efetivada em pecúnia. Ao analisar o recurso, o Colegiado consignou que o artigo 100 da Constituição Federal impôs à Fazenda Pública a sistemática de pagamento de dívidas por meio de precatório ou requisição de pequeno valor. Além disso, a Lei Distrital 513/1993, que dispôs sobre a criação da companhia executada, conferiu a ela natureza de empresa pública prestadora de serviço público exclusivo e vedou a distribuição de dividendos, participações ou benefícios que couberem aos acionistas, o que caracteriza ausência de fins lucrativos. Nesse contexto, os Desembargadores entenderam que, apesar da personalidade jurídica de direito privado, o Metrô/DF é entidade integrante da Administração Pública indireta e, portanto, as execuções contra ele existentes devem observar a sistemática de pagamento via precatório, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1241776, 07261590620198070000, Relator Des. ALVARO CIARLINI, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 3/4/2020, publicado no DJe: 4/5/2020.

Direito do Consumidor

Treino em escola de artes marciais – acidente vascular cerebral (AVC) – inocorrência de omissão de socorro ou falha na prestação do serviço – descabimento de dano moral

Acidente vascular cerebral sofrido por aluno, durante treino de arte marcial, em decorrência de riscos pessoais de saúde afasta a responsabilidade civil da academia e não gera dano moral. Um aluno de escola de lutas marciais interpôs apelação contra sentença na qual foi julgado improcedente pedido de reparação por danos morais decorrentes de acidente vascular cerebral - AVC isquêmico sofrido durante treino de "jiu-jitsu", após a execução de manobra denominada “estrangulamento”. Alegou que houve falha na prestação de serviço do instrutor, porque permaneceu no local por mais de meia hora à espera da chegada de familiar sem que fosse providenciado atendimento médico especializado. Relatou que, após a admissão hospitalar, permaneceu três dias na UTI e outros dois no ambulatório, além de ter ficado afastado por quinze dias das atividades laborais. Ao analisar o recurso, o Colegiado consignou que o AVC é uma patologia que não decorre de causas externas imediatas, mas do risco de saúde de cada indivíduo ligado a fatores internos, de forma que pode ocorrer em qualquer ambiente e geralmente sem previsibilidade. Entendeu que, na hipótese, não há provas de que a moléstia tenha decorrido da aplicação do golpe realizado na aula ou de omissão da apelada na prestação de socorro, nem de que eventual atendimento médico imediato teria sido decisivo para evitar o quadro sofrido pelo aluno. Os Julgadores ressaltaram a atuação diligente do professor, que possuía curso de primeiros socorros e habilitação para ser instrutor da modalidade. Destacaram ainda que, após se recuperar do desmaio, o aluno conseguiu caminhar e sentar sem dar sinais de que algo mais significativo estaria acontecendo, uma vez que a dificuldade de fala e a paralisia facial só ficaram evidentes minutos antes da chegada da esposa. Nesse contexto, a Turma concluiu pela inexistência de nexo causal entre o resultado lesivo e o serviço prestado e negou provimento ao recurso.

Acórdão 1244262, 07009162420198070012, Relator Des. HECTOR VALVERDE, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 22/4/2020, publicado no DJe: 5/5/2020.

Direito Empresarial

Afastamento de sócio-administrador – excepcionalidade – prática de atos prejudiciais à empresa não demonstrada

A exclusão de sócio da administração da empresa constitui medida excepcional, que somente pode ser autorizada mediante prova inequívoca da prática de atos contrários aos interesses da pessoa jurídica. Os requerentes de uma ação de dissolução parcial de sociedade interpuseram agravo de instrumento contra decisão que indeferiu pedido liminar para afastar um dos sócios da administração da empresa e nomear um administrador judicial provisório em favor da pessoa jurídica. Alegaram que a “desastrosa” gestão do agravado causou-lhes lesões patrimoniais gravíssimas. No exame do recurso, os Desembargadores aduziram que a exclusão de sócio da administração societária e a consequente nomeação de outra pessoa para a tarefa são medidas excepcionais, somente autorizadas mediante prova inequívoca da prática de atos contrários aos interesses da empresa que a exponham a risco de ruína financeira ou social. Para os Julgadores, os argumentos trazidos pelos agravantes não encontram respaldo em prova documental que demonstre eventual impossibilidade de gestão. Por outro lado, assinalaram que os estatutos sociais não impõem o gerenciamento conjunto dos líderes, de forma que, ainda que existissem falhas nos comandos provenientes do agravado, restaria a autoridade gerencial da representante legal solidária, legitimamente investida de poderes para tratar da saúde financeira das sociedades autoras. De todo modo, ressaltaram que, em situações urgentes, nas quais a omissão ou o retardamento de providências resultam em dano grave ou irreparável, a outra sócia administradora pode agir para preservar os interesses das pessoas jurídicas (artigo 1.014 do Código Civil). Com tais fundamentos, a Turma negou provimento ao agravo.

Acórdão 1244336, 07214381120198070000, Relator Des. JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 22/4/2020, publicado no DJe: 11/5/2020.

Direito Penal e Processual Penal

“Pacote Anticrime” – inovação legislativa – processamento de acusado de estelionato – ação penal pública condicionada à representação da vítima

A Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) modificou a forma de processamento do acusado por crime de estelionato, antes apurado mediante ação penal pública incondicionada, para exigir, em regra, a representação prévia da vítima como condição de procedibilidade. O Ministério Público apresentou reclamação contra decisão que deixou de receber denúncia oferecida contra uma mulher acusada da prática do crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal) sob o fundamento de que, com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 ("Pacote Anticrime"), a representação da vítima constitui requisito de procedibilidade a ser cumprido pelo Parquet dentro do prazo decadencial. Ao analisar a liminar requerida, o Relator determinou a suspensão da decisão reclamada. No julgamento do mérito, os Desembargadores consignaram que, com a novel legislação, o estelionato passou a ser processado por meio de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Há exceção apenas para os casos em que a vítima for maior de 70 anos, criança ou adolescente, incapaz, deficiente mental ou se for a própria Administração Pública (artigo 171, § 5º, do CP), hipóteses em que a ação penal continua sendo incondicionada. Explicaram que tal norma possui caráter processual penal material e, por ser mais benéfica, deve ser aplicada também aos processos pendentes. Acrescentaram que, conforme jurisprudência dominante, não é necessária a elaboração formal de um termo de representação, mas tão somente a demonstração inequívoca da vontade do ofendido de que haja a persecução penal. No caso, o comparecimento das vítimas à delegacia para noticiar o delito, apresentar provas e registrar ocorrência policial demonstrou evidente interesse no processamento da acusada. Por fim, os Julgadores ressaltaram que a insistência em se questionar a vítima sobre intenção já exteriorizada caracteriza a indesejada revitimização. Com isso, a Turma julgou procedente a reclamação para determinar que o Juízo de origem examine o recebimento da denúncia como de direito.

Acórdão 1248197, 07022786320208070000, Relator Des. MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 7/5/2020, publicado no PJe: 15/5/2020.

Estupro de vulnerável – embriaguez completa não comprovada – convivência de casal separado sob o mesmo teto – absolvição

A condenação por crime de estupro de vulnerável requer a certeza da infração penal e de sua autoria, ausente quando não comprovada a embriaguez completa que exponha a vítima, ex-mulher do acusado e ainda residente no lar comum, à total incapacidade de resistência ao ato sexual. Uma mulher acusou o ex-companheiro de estupro de vulnerável após ter mantido relação sexual não consentida com ele, numa noite em que ambos decidiram ingerir bebidas alcoólicas na residência comum. A declarante alegou que, apesar de dividirem o mesmo teto, o casal não se relacionava intimamente havia cinco anos e que não conseguiu reagir durante o ato libidinoso, por causa do estado de embriaguez provocado pelo álcool. O Juízo de primeira instância condenou o réu pelo crime previsto no artigo 217-A, § 1º, do Código Penal. O condenado interpôs apelação ao argumento de que o coito teria sido consentido. Para os Desembargadores, as circunstâncias fáticas deixam dúvidas acerca da anuência da mulher e de sua capacidade de opor-se à relação sexual, haja vista que confirmou ter despertado durante o ato, que o réu havia sido seu companheiro, que os dois dividiam a mesma casa há 15 anos, além de terem filhos em comum. Os Julgadores destacaram, ainda, que não foi realizado exame técnico para certificar se a quantidade de bebida consumida teria sido suficiente para retirar por completo a capacidade de resistência da vítima, pois, no caso de vulnerabilidade temporária, a prova dessa incapacidade absoluta é imprescindível para embasar a procedência do pedido acusatório. Assim, por entender que a condenação pressupõe a certeza do crime e de sua autoria, a Turma deu provimento ao recurso e absolveu o réu.

Acórdão 1245529, 00018390720188070019, Relator Des. JAIR SOARES, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe: 7/5/2020.

Direito Tributário

Financiamento de veículo – fraude de terceiro – responsabilidade tributária do credor fiduciário – “pecunia non olet”

O financiamento de veículo aprovado com a apresentação de documentos falsos não afasta a responsabilidade do banco credor fiduciário de arcar com o pagamento do IPVA, do licenciamento e do DPVAT vinculados ao bem, por força do princípio “pecunia non olet”. Uma motorista que teve a carteira de habilitação (CNH) clonada propôs ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com indenização por danos morais contra os DETRANs do Distrito Federal e de Goiás e o banco que financiou um veículo em nome dela, mediante fraude praticada por terceiros. O Juízo de primeiro grau julgou o pedido parcialmente procedente. O ente distrital e o DETRAN/DF interpuseram apelações  nas quais alegaram que os débitos do IPVA, do licenciamento e do DPVAT deveriam ser pagos pela instituição financeira, por ser a credora fiduciária do veículo. Ao analisar as razões recursais, a Turma verificou que a autora fora vítima de estelionato ao ter sua CNH adulterada e transferida para outro Estado da Federação, local onde os criminosos conseguiram financiar o automóvel que originou os débitos. Explicou que, uma vez confirmada a farsa, os atos administrativos se tornaram nulos, desde a origem, o que exclui a responsabilidade da vítima sobre os ônus decorrentes da compra fraudulenta, pois em nada concorreu para o crime. Por outro lado, os Desembargadores ressaltaram que tampouco se deve imputar a obrigação aos estelionatários, haja vista que não existe posse legítima de pessoa que adquire bem mediante fraude. Nesse contexto, entenderam que o encargo deve recair sobre a instituição financeira, conforme prevê a Lei Distrital 7.431/2015, a qual regulamenta o IPVA e atribui também ao titular do domínio útil o recolhimento do imposto, em caso de alienação fiduciária. Afirmaram ainda que, ao tratar dos casos de inexigibilidade do tributo em decorrência de fraude, a norma não abarcou a hipótese de bem fruto de estelionato, de modo que deve ser enfatizada a solidariedade entre os contribuintes, sob pena de causar prejuízos aos cofres públicos. O Colegiado esclareceu que, por força do princípio pecunia non olet, eventual invalidade do negócio jurídico não afasta a responsabilidade pelo pagamento do tributo (artigo 118 do Código Tributário Nacional). Os Julgadores asseveraram, por fim, que o risco de fraude é considerado fortuito interno, pois inerente à atividade empresarial exercida mediante lucro e, assim, incapaz de afastar o nexo causal entre o fato gerador e o lançamento tributário. Com isso a Turma deu parcial provimento ao recurso para condenar a instituição, como proprietária resolúvel do bem, ao pagamento dos débitos tributários contraídos mediante fraude.

Acórdão 1246481, 07017674520198070018, Relator Des. ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 29/4/2020, publicado no DJe: 13/5/2020.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Gressiely Marinho Guimarães, Letícia Vasco Mota, Maria Celina Fernandes de Souza, Paulo Gustavo Barbosa Caldas e Rodrigo Bruno Bezerra Pereira 

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

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