Informativo de Jurisprudência n. 416

Período: 1º a 15 de junho de 2020

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Publicação: 8 de julho de 2020

Direito Administrativo

Abandono de cargo por servidor público cedido – inobservância do prazo de reapresentação ao órgão cedente – penalidade de demissão

O servidor público cuja cessão foi revogada deve se reapresentar de imediato ao órgão de origem para reassumir as suas atribuições, sob pena de iniciar a contagem do prazo para configuração de abandono do cargo, que pode levar à demissão. Um médico pleiteou a reintegração ao cargo público de que era titular na Secretaria de Saúde do Distrito Federal, depois de ter sido demitido por abandono das atividades, mediante regular processo disciplinar. Irresignado com a decisão de improcedência do pedido em primeira instância, o autor interpôs apelação. Ao apreciarem as razões recursais, os Desembargadores consignaram que o servidor público, após o término do prazo de cessão, deve reassumir as atividades no órgão de origem até o dia seguinte ao ato de exoneração ou revogação, dispensada a comunicação oficial entre os órgãos cedente e cessionário acerca desse recomeço. O não retorno imediato do servidor gera o início da contagem do prazo de 30 dias para caracterização do abandono de cargo, circunstância que o sujeita à demissão (artigos 64 e 153 da Lei Complementar 840/2011; artigos 132, 138 e 151 da Lei 8.112/1990). Na hipótese, o Colegiado entendeu que o não retorno às funções clínicas no DF, após o fim da cessão no estado de Alagoas, que deveria ocorrer em dezembro de 2014, configurou abandono de cargo. Isso porque o apelante somente se apresentou à secretaria distrital em junho de 2016, permanecendo em solo nordestino por tempo muito superior ao permitido, apesar de notificado pessoalmente sobre a negativa de prorrogação da cessão. Asseverou que não se sustenta a explicação dada pelo agente, de que não teria retornado ao órgão de origem porque aguardava notificação oficial de sua devolução, haja vista que tal procedimento não consta da lei de regência. Ademais, segundo os Julgadores, ficou configurado o requisito subjetivo do animus abandonandi, pois as provas constantes dos autos indicaram que o servidor tinha a intenção de efetivamente permanecer na secretaria alagoana, haja vista ter escolhido o lugar como domicílio principal e centro da vida profissional e familiar. Acrescentaram que a reassunção das atribuições pelo servidor, depois de consumado o abandono, não excluiu a responsabilidade, nem caracterizou perdão tácito da Administração Pública. Por fim, salientaram que o Judiciário não pode interferir no mérito administrativo para flexibilizar a penalidade aplicada, uma vez que se trata de ato vinculado, de modo que o exame dos Magistrados deve se ater ao controle da legalidade, sob pena de ofensa à independência entre os poderes. Com isso, a Turma manteve a sentença que reconheceu a legalidade do ato de demissão, porquanto observado o contraditório e a ampla defesa e adequada a penalidade às peculiaridades do caso concreto.

Acórdão 1250445, 07055158520198070018, Relator Des. CARLOS RODRIGUES, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 20/5/2020, publicado no DJe: 2/6/2020.

Licença-maternidade – servidora lactante – violação dos princípios da isonomia e da legalidade administrativa

A concessão de licença-maternidade à servidora responsável pela amamentação do filho, gestado pela companheira, viola os princípios da isonomia e da legalidade administrativa por criar situação diferenciada entre as demais conformações familiares. Na origem, uma servidora pública federal ajuizou ação para requerer a concessão de licença-maternidade em razão do nascimento de filho gestado pela companheira. Embasou o pedido na necessidade de amamentar a criança, haja vista a impossibilidade de lactação da outra mãe. O Juízo sentenciante julgou improcedente o pedido. Interposto recurso, os Desembargadores destacaram que a interpretação extensiva do direito à licença para genitora não parturiente contraria o princípio da legalidade administrativa por inexistência de autorização legal. Ressaltaram que ambas as mães – uma gestante e outra amamentante – são servidoras públicas, e a dupla concessão do benefício geraria tratamento desigual em relação aos casais heterossexuais e homoafetivos do gênero masculino. Nesse contexto, o Colegiado, por maioria, concluiu não ser razoável a extensão do benefício à autora, embora esta tenha realizado tratamento hormonal para amamentar a criança, e adotou a posição firmada por outros tribunais, em que uma genitora goza licença-maternidade e a outra licença-paternidade. No entendimento vencido, o Julgador asseverou que a amamentação estreita o vínculo familiar por meio de processo nutricional reconhecidamente benéfico para mãe e filho, e que o Estado deve assegurar, com absoluta prioridade, o direito de alimentação da criança (artigo 227 da Constituição Federal). Com isso, reconheceu ser devida a concessão da licença-maternidade para a mãe lactante, ainda que a companheira também seja beneficiária do afastamento legal.

Acórdão 1252262, 07062927020198070018, Relator Designado Juiz ALMIR ANDRADE DE FREITAS, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 3/6/2020, publicado no PJe: 8/6/2020.

Direito Civil e Processual Civil

Cumulação entre danos moral e estético – imprescindibilidade de comprovação de fatos geradores distintos - vedação ao "bis in idem"

O dano estético é uma espécie do gênero de reparação extrapatrimonial e pode ser cumulado com danos morais, desde que exista fundamentação individualizada para justificar cada uma das condenações, sob pena de bis in idem. Os autores ingressaram com ação de reparação por danos morais, materiais e estéticos, em razão de acidente automobilístico que lhes gerou graves sequelas físicas e emocionais. O Sentenciante reconheceu a cumulação dos danos e julgou os pedidos parcialmente procedentes. Ao analisarem a apelação interposta pelo réu, os Desembargadores esclareceram que o dano estético é uma espécie do gênero dano extrapatrimonial, de modo que, para existir cumulação entre as duas pretensões, o dano moral não pode estar contido no mesmo fundamento do pedido de reparação por dano estético, sob pena de bis in idem. Nesse contexto, os Magistrados explicaram que “por dano estético compreende-se a fealdade produzida, a deformação provocada, a supressão do que era belo, a feiura permanente”. Acrescentaram que o principal dano sofrido por uma das vítimas – perda de parte da massa encefálica – não configura o dano meramente estético, pois o prejuízo sofrido na hipótese é muito mais abrangente do que isso. Houve sequelas neurológicas tão graves que não só alteraram o comportamento do apelado, como também justificaram sua interdição. Assim, o Colegiado reconheceu que não é a perda da boa aparência do ofendido que lhe causa intenso sofrimento, mas o aniquilamento da sua condição existencial, o qual possui envergadura mais ampla e profunda. Destacou que prejuízo de tal monta não pode ser confundido com simples dano estético, pois o sofrimento do autor não decorre da imperfeição, mas do conjunto de sequelas existenciais que devem ser reparadas por meio da indenização por dano moral. No tocante ao quantum indenizatório, os Julgadores consignaram que – não obstante a gravidade das consequências do evento – não se pode impor uma condenação que ultrapasse a capacidade econômica do réu, pois este ostenta modesto padrão de vida, incapaz de cumprir a obrigação imposta. Com isso, a Turma deu parcial provimento ao recurso para afastar a condenação por dano estético, por considerar que o fato gerador do sofrimento experimentado pela vítima é único e coincide com a causa de pedir da reparação por danos morais, qual seja, o acidente automobilístico. Por fim, reduziu o valor da indenização para R$ 130 mil em benefício do primeiro autor e R$ 20 mil para a segunda, por considerar compatível com a extensão dos danos de cada um e com a capacidade econômica do requerido.

Acórdão 1252335, 00138339120158070001, Relator Designado Des. DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 3/6/2020, publicado no DJe: 8/6/2020.

Direito Constitucional

Recusa a transfusão de sangue heteróloga – testemunha de Jeová – termo de consentimento informado – prevalência do direito à vida

O conflito entre as normas constitucionais fundamentais que asseguram o direito à vida e à liberdade religiosa deve ser solucionado mediante juízo de ponderação de valores no qual prevalece aquele, mormente porque assegura o exercício pleno de todas demais garantias constantes da Carta Magna. Na origem, a autora ingressou em Juízo com a finalidade de compelir uma associação hospitalar a realizar cirurgia com cláusula de vedação expressa de transfusão sanguínea, mesmo em caso de risco de óbito, sob o argumento de convicção religiosa. O pedido foi julgado parcialmente procedente para a realização do procedimento independentemente da assinatura do termo de consentimento informado, assegurada a transfusão, como última alternativa para salvar a vida da paciente. Inconformada, a autora interpôs apelação na qual sustentou afronta à Constituição Federal e a tratados internacionais, além de violação aos direitos de autonomia, liberdade religiosa e dignidade. Ao examinarem o recurso, os Desembargadores registraram que a controvérsia reside na possibilidade, ou não, de conferir o direito à autora sem a assinatura do documento. Verificaram que, in casu, a colisão entre os direitos fundamentais à vida e à liberdade religiosa, ambos de hierarquia constitucional, deve ser resolvida por meio da técnica de ponderação de valores, com aplicação concreta do princípio da proporcionalidade. Da avaliação, concluíram pela prevalência daquele, haja vista que sem a vida não se viabiliza o exercício de nenhum outro direito assegurado pela Carta Maior. Os Magistrados explicaram que, quando necessário e observadas as técnicas e medidas de segurança adequadas, o recebimento de sangue de terceiros não configura tortura ou tratamento desumano ou degradante, pois visa evitar o falecimento do paciente. Nesse contexto, ressaltaram que a transfusão de sangue foi considerada, inclusive, como um dos meios menos danosos para evitar a morte da autora. Por outro lado, aduziram que eventual óbito seria capaz de ensejar a responsabilização civil e criminal dos médicos envolvidos, os quais prestaram juramento de salvar vidas. Alertaram ainda que um resultado negativo ou não esperado atribuído aos profissionais envolvidos no procedimento cirúrgico pode gerar direitos subjetivos indenizatórios aos sucessores do paciente, que não necessariamente compartilham do mesmo credo religioso. Com tais considerações, o Colegiado negou provimento ao recurso.

Acórdão 1251296, 07126198220198070001, Relatora Desª. VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJe: 3/6/2020.

Direito da Criança e do Adolescente

Disponibilização de bebida alcoólica para adolescente – conduta criminosa – erro de tipo não configurado

A conduta de fornecer bebida alcoólica para menor de idade, tendo conhecimento dessa condição, não pode ser acobertada pela excludente de erro de tipo, pois manifesta a prática do crime previsto no artigo 243 do ECA. Na origem, 5 réus foram condenados por terem comprado e servido bebida alcoólica a duas menores durante uma festa na casa de um deles, inclusive com a disponibilização de maconha, energético e “narguilé”. Inconformados, os sentenciados apelaram. Alegaram a atipicidade da conduta, pois não sabiam que as jovens possuíam menos de 18 anos de idade. Ao examinarem as razões recursais, os Julgadores concluíram que os apelantes incorreram na conduta criminosa descrita no artigo 243 do ECA por terem adquirido e fornecido vodka a adolescentes, sem qualquer controle ou supervisão e de forma livre e facilitada, uma vez que a bebida estava disponível na geladeira da residência. Na hipótese, reconheceram que deve ser afastada a causa excludente de erro de tipo, porque um dos acusados – dono da casa – tinha conhecimento da menoridade das vítimas por ter estudado na mesma escola que elas, mas em série mais graduada. Ademais, a compleição física juvenil de uma das meninas denunciava idade próxima a 15 anos. O Colegiado destacou a gravidade da ação praticada, pois o consumo abusivo de álcool ocasionou hemorragia interna e edema pulmonar em uma das jovens, que acabou falecendo. Ressaltou a apatia da adolescente que, em estado de coma alcoólico, oscilava entre momentos de inconsciência e lucidez, sem condições de pedir ajuda, tendo feito as necessidades fisiológicas na roupa e permanecido deitada na cama em um dos quartos sozinha até o óbito. Segundo os Desembargadores, o fato de a adolescente morta ter participado da “vaquinha” para a compra da vodka não torna a infração penal atípica, porquanto os réus tinham consciência de que o excesso na ingestão da bebida poderia causar danos à saúde da menor. Assim, a Turma manteve a condenação dos réus.

Acórdão 1251542, 00005625320188070019, Relator Des. WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 21/5/2020, publicado no DJe: 3/6/2020.

Direito do Consumidor

Problemas de relacionamento entre alunos em ambiente escolar – “bullying” não caracterizado

A dificuldade de relacionamento vivenciada por estudante em ambiente escolar, quando não evidenciados atos de contínua e deliberada exposição a humilhações, exclusão ou isolamento pelos colegas, não caracteriza a prática de bullying, nem falha na prestação de serviço da instituição de ensino. As autoras, ex-aluna da instituição de ensino requerida e sua genitora representante, ingressaram com ação judicial a fim de pleitear reparação por danos morais pela omissão da escola em coibir ofensas sofridas pela adolescente. O Juízo de primeiro grau reconheceu a responsabilidade da entidade escolar pela ocorrência de bullying em suas dependências, condenando-a ao pagamento de 20 mil reais a título de indenização. Em grau de recurso, os Desembargadores explicaram que a prática de bullying, prevista no artigo 2º da Lei Distrital 4.837/2012, caracteriza-se pela intimidação, violência física ou psicológica, realizada de forma sistemática, continuada e intencional com o deliberado objetivo de agredir, intimidar, humilhar, causar sofrimento e dano físico ou moral à vítima. Na hipótese, asseveraram que os entreveros e as divergências de relacionamento vivenciados pela autora no ambiente escolar não se confundem com bullying, à míngua de evidências quanto à prática contínua e deliberada, pelos alunos envolvidos, de atos capazes de expor a menor a humilhações, exclusão ou isolamento. Segundo os Julgadores, a dificuldade de relacionamento entre os estudantes – em parte típico da idade – foi intensificada pelas intervenções da mãe da jovem. Isso porque o temperamento explosivo da genitora, associado à dificuldade de lidar com adversidades e contrariedades da vida, prejudicava a solução dos atritos entre os adolescentes, que acabavam se afastando, na medida em que passaram a evitar a aluna com receio de serem confrontados pela mãe. Os Magistrados acrescentaram que o quadro psicológico da discente foi afetado não somente em razão dos dissabores vivenciados no ambiente escolar, mas também por problemas de convivência com o pai e com outras crianças da vizinhança, motivo pelo qual não se poderia responsabilizar exclusivamente o estabelecimento de ensino. Além disso, aduziram que a unidade educacional, na tentativa de resolver as divergências ocorridas, demonstrou ter adotado providências quando verificado excesso ou desvio pelos alunos, além de ter promovido ações preventivas, das quais faziam parte um projeto de conscientização dos estudantes sobre intimidação sistemática. Por fim, consignaram que as provocações e os insultos cometidos em grupos de mensagens e redes sociais, ainda que envolvendo colegas de escola, fogem do controle do estabelecimento de ensino e devem ser resolvidos pelos menores e/ou responsáveis. Nesse contexto, a Turma concluiu não ter havido falha na prestação de serviço pela requerida e julgou improcedente o pedido de danos morais.

Acórdão 1251338, 07118578220188070007, Relator Des. ESDRAS NEVES, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJe: 12/6/2020.

Direito Empresarial

Transferência de pontuação para programa de milhagem – companhia aérea em recuperação judicial – crédito sem privilégio – primazia da preservação da empresa

Os créditos de consumidores oriundos da conversão de pontos de cartão em milhagem de companhia aérea que suspende voos após entrar em processo de recuperação judicial devem respeitar a ordem de pagamento da Lei 11.101/2005, sem qualquer privilégio, em razão da primazia da conservação da empresa em relação ao direito individual. Três consumidores participantes de um programa de milhagem interpuseram apelação contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de indenização por danos material e moral formulados em desfavor de uma empresa que gere programa de recompensas. Argumentaram que a requerida ofertou uma ação promocional por meio da qual os pontos acumulados no cartão poderiam ser convertidos em passagens aéreas de determinada companhia, que suspendeu as viagens após entrar em processo de recuperação judicial. Sustentaram a responsabilidade solidária entre a ré e a recuperanda para responder pelos prejuízos decorrentes do não uso das milhas. No julgamento do recurso, a Turma asseverou que os apelantes tinham à disposição uma série de prêmios para escolher, contudo optaram por aquele que lhes pareceu mais vantajoso à época, mas que, por outro lado, estava vinculado a uma cláusula contratual que atribuía a responsabilidade por atrasos e cancelamentos de voos à companhia aérea. Nesse contexto, os Desembargadores entenderam inexistente qualquer abusividade na prática de transferência de pontuação, sobretudo porque houve escolha consciente, dentre múltiplas opções oferecidas, e foi ultrapassado o prazo para arrependimento do negócio – artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor – sem que os autores tivessem alterado a seleção original. O Colegiado ressaltou que, na hipótese, as regras que protegem os consumidores “não podem blindá-los” dos efeitos do processo da recuperação judicial, sobretudo porque a situação da empresa já vinha sendo anunciada desde 2018. Dessa forma, os Julgadores concluíram que os créditos buscados pelos autores não detêm qualquer privilégio e, portanto, devem se submeter ao procedimento de pagamento constante da Lei 11.101/2005, que, por opção legislativa, enaltece a preservação da empresa em detrimento dos provimentos jurisdicionais individuais.

Acórdão 1250652, 07387769220198070001, Relator Des. ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 20/5/2020, publicado no DJe: 2/6/2020.

Direito Penal e Processual Penal

Pesca com rede de emalhe no Lago Paranoá – crime ambiental – afastamento da insignificância – erro de proibição inevitável

O princípio da insignificância não se aplica à pesca com uso de rede de espera no Lago Paranoá, por não ser possível evitar a captura de espécies em extinção, mas é admitido o reconhecimento do erro de proibição escusável para réus com baixo grau de instrução e que praticaram a conduta delitiva em local sem placa indicativa do impedimento. A Defensoria Pública do Distrito Federal interpôs apelações contra sentença que condenou dois pescadores pela prática de crime ambiental, por utilizarem rede de pesca no Lago Paranoá (artigo 34, parágrafo único, II, da Lei 9.605/1998). A defesa alegou a complexidade da legislação ambiental e pediu a aplicação do princípio da insignificância porque os peixes capturados não eram de espécies raras, mas sim tilápias e carás. Alternativamente, pleiteou o reconhecimento de crime impossível ou absolvição baseada em erro de proibição, pois os acusados são pescadores amadores – com baixo grau de instrução e condição social humilde – que não tinham conhecimento da vedação legal. Na análise dos recursos, os Julgadores consignaram que a legislação específica é complexa, em razão da competência concorrente entre os entes federados para tratar da matéria, cuja mescla normativa acaba por permitir o uso de tarrafas e redes em algumas regiões, mas proíbe em outras. Asseveraram que a ação não pode ser considerada insignificante porque a rede de emalhar é capaz de prender também espécie em extinção. Além disso, não houve perícia para certificar os tipos dos pescados apreendidos e os agentes responsáveis pela abordagem não chegaram a um consenso quanto à quantidade de peixes encontrada com os réus. O Colegiado rejeitou a hipótese de crime impossível, pois não há que se falar em ineficácia absoluta do meio, por se tratar de crime formal, em que a mera utilização de instrumento proibido já caracteriza o ilícito ambiental, independentemente da efetiva apreensão de peixes. Sobre a tese absolutória de erro de proibição, os Desembargadores ressaltaram que os réus não tinham condições de compreender a ilicitude do fato, pois não havia placa de sinalização informando da proibição de pesca com rede, material cuja comercialização não é proibida ou controlada. Ademais, salientaram que o tema não é objeto de campanhas de esclarecimento voltadas para pescadores eventuais, como os apelantes, que afirmaram desconhecer o impedimento. Assim, a Turma deu provimento aos recursos para reconhecer a hipótese de erro de proibição escusável e absolver os réus da imputação criminal.

Acórdão 1250835, 00079003520188070001, Relator Des. JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 21/5/2020, publicado no PJe: 3/6/2020.

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar

Crime militar impróprio – tentativa de estelionato

Configura-se tentativa de estelionato quando policial militar, utilizando a farda da corporação, requer retribuição financeira a comerciante sob o pretexto de realização de programa social para orientação de jovens, não obtendo a vantagem em razão de circunstâncias alheias à sua vontade.  O Juízo de origem, Auditoria Militar do Distrito Federal, condenou por tentativa de estelionato (artigo 251, caput, c/c artigo 30, II, do Código Penal Militar) integrante da polícia militar que, vestido com o fardamento da corporação, abordara dono de estabelecimento comercial requerendo valores, a título de contribuição, para suposto programa social de orientação para jovens, a fim de prevenir violência sexual, consumo de drogas, cigarro e outros temas afins. O pretenso projeto da Polícia Militar do DF consistiria na distribuição de cartilhas informativas aos clientes da vítima, além de palestras que seriam ministradas pelo acusado em igrejas e escolas. Interpostas apelações pela acusação e pela defesa, os Julgadores asseveraram que a materialidade e a autoria foram comprovadas, uma vez que o acusado não obteve a vantagem porque a vítima, desconfiada, se valeu da presença de outros policiais no dia em que repassaria o valor solicitado. Consignaram que, para a caracterização do estelionato, é necessário o elemento subjetivo geral – o dolo, e este deve ser anterior ao emprego do meio fraudulento, fato demonstrado pelo conjunto probatório. Nesse sentido, destacaram a inconsistência da alegação do réu de que apenas pretendia promover campanha educativa contra as drogas. Ao analisar a pena imposta, a Turma considerou as circunstâncias judiciais que devem ser observadas na fixação da pena-base, conforme artigo 69 do CPM, destacando-se a intensidade do dolo e as atitudes de insensibilidade e indiferença post factum para justificar a majoração neste ponto. Continuando a dosimetria, os Desembargadores entenderam ser correta a não aplicação da agravante genérica prevista no artigo 70, III, do CPM, sob alegada violação de dever funcional, pois configuraria bis in idem, uma vez que o estelionato é crime militar impróprio, inserido no Código Penal Militar apenas em razão de o agente ter praticado os fatos no exercício e em razão da função militar. No tocante à minorante relativa ao crime tentado, ponderaram pela diminuição do quantum de redução da pena, observada a distância percorrida no iter criminis, pois o sentenciado somente não logrou êxito na empreitada criminosa em razão da prisão no momento do pagamento. Dessa forma, o Colegiado negou provimento à apelação da defesa e deu parcial provimento ao recurso da acusação para aumentar a pena imposta.

Acórdão 1250848, 00177090921058070016, Relator Des. ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 21/5/2020, publicado no DJe: 4/6/2020.

Direito Tributário

Redução da alíquota de IPTU/TLP – mudança da destinação do imóvel

A redução da alíquota do IPTU/TLP em razão da alteração de uso do imóvel – comercial para residencial – depende de prévio requerimento administrativo para que seja feita a atualização do cadastro imobiliário fiscal. O Distrito Federal interpôs apelação contra sentença que, em sede de embargos à execução fiscal, reconheceu a redução da alíquota relativa ao IPTU e à TLP durante o período pleiteado, haja vista a destinação exclusivamente residencial do imóvel do contribuinte, e determinou ao ente federado o recálculo do valor inscrito em dívida ativa. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores consignaram que o contribuinte é corresponsável pela atualização dos dados do imóvel no Fisco Distrital, de modo que caberia ao executado, por meio de prévio procedimento administrativo, solicitar a alteração da destinação do bem – comercial para residencial – no cadastro imobiliário fiscal a fim de reduzir a alíquota do IPTU (de 1% para 0,3%). A Turma verificou que o apelado não apresentou requerimento para a atualização do cadastro imobiliário no período alegado, mas apenas recentemente, quando o pedido foi deferido pelo ente federado com efeitos prospectivos. Além disso, pontuou que o contribuinte manteve-se inerte em relação às publicações da Secretaria de Fazenda, realizadas em cada ano de apuração, com avisos gerais sobre o lançamento do IPTU e respectivo prazo para impugnação. Nesse contexto, o Colegiado entendeu que foram assegurados ao executado todos os instrumentos necessários à obtenção da pretendida elisão fiscal, de forma que não seria razoável onerar a Fazenda Pública por erro de fato a que não deu causa, mas responsabilizar o contribuinte pela própria desídia. Assim, os Julgadores deram provimento ao recurso do DF para julgar improcedentes os embargos à execução fiscal.

Acórdão 1252769, 07171220420198070016, Relatora Desª. DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJe: 10/6/2020.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Letícia Vasco Mota, Patricia Lopes Da Costa, Paulo Gustavo Barbosa Caldas e Rodrigo Bruno Bezerra Pereira 

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

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