Informativo de Jurisprudência n. 417
Período: 16 a 30 de junho de 2020
Versão em áudio: informativo417.mp3 — 33.6 MB
Publicação: 22 de julho de 2020
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Direito Administrativo
Direito Ambiental
Morte de animal domesticado – golpes com ferramenta “pá e bico” e chicotadas – crime de maus-tratos
Direito Civil e Processual Civil
Direito Constitucional
Direito da Criança e do Adolescente
Negligência dos genitores nos cuidados com o filho – destituição do poder familiar
Direito do Consumidor
Direito Empresarial
Direito Penal e Processual Penal
Condenada gestante – pandemia (COVID-19) – manutenção da prisão preventiva
Direito Tributário
Direito Administrativo
Morte de feto – corpo incinerado acidentalmente por hospital público – responsabilidade civil subjetiva do Estado
A morte de feto e a posterior incineração acidental do corpo em razão de sequência de atendimentos falhos na rede pública de saúde geram o dever de indenizar os danos morais sofridos pela genitora, haja vista o intenso sofrimento com a perda do bebê e a privação do direito de sepultar os restos mortais da criança. Na origem, uma usuária do serviço público de saúde ingressou com pedido de reparação por danos contra o Distrito Federal após a morte de seu bebê na fase final da gestação. Segundo a autora, ao procurar a unidade de saúde em razão da perda de líquido amniótico, ela foi informada de que a situação era normal naquela etapa gestacional (trinta e oito semanas), especialmente por causa da pressão do útero sobre a bexiga. Afirmou que, cerca de dez dias depois do referido atendimento, a morte do feto foi constatada por hospital da rede pública, onde foi realizada a cesárea e encaminhados os restos mortais para autópsia. Relatou que, somente após alguns dias de reclamação do corpo para fazer o sepultamento, recebeu informação de que o cadáver havia sido acidentalmente cremado com o material placentário. O Juízo sentenciante reconheceu o ilícito e condenou o réu ao pagamento de 50 mil reais a título de danos morais, decisão contra a qual o DF recorreu e sustentou o cumprimento correto dos protocolos de saúde por parte dos profissionais envolvidos no caso. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que a responsabilidade estatal pelo erro médico ocorrido na rede pública de saúde, no caso, é subjetiva, amparada na teoria da falha do serviço (faute du service), e requer a comprovação da conduta negligente, imprudente ou inábil do profissional que conduziu o atendimento. Destacaram que, muito embora a autora tenha realizado todo o acompanhamento gestacional sem nenhuma intercorrência, houve falha na assistência realizada no final da gravidez, pois sequer foi identificada a natureza do líquido expelido nem foram solicitados exames complementares para melhor compreender a condição gestacional. Além disso, ressaltaram que a morte do feto foi atestada poucos dias após a consulta e, posteriormente, a perícia técnica verificou que o óbito decorreu de causas relacionadas à perda de líquido amniótico, o que faz concluir a existência de conduta negligente por parte de agentes públicos. O Colegiado asseverou ainda que, não bastasse a dor pela perda do filho, outra falha se seguiu à primeira: a autora teve suprimida a oportunidade de realizar um funeral para a criança por desídia do poder público, situação que lhe gerou intenso sofrimento físico, moral e psíquico. Nesse contexto, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1257197, 00254271720168070018, Relator Des. CARLOS RODRIGUES, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 24/6/2020, publicado no PJe: 29/6/2020.
Direito Ambiental
Morte de animal domesticado – golpes com ferramenta “pá e bico” e chicotadas – crime de maus-tratos
O excesso de golpes com ferramenta e chicotadas em animal domesticado que resulta em morte configura a prática do crime de maus-tratos previsto no artigo 32, caput, da Lei 9.605/1998. O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de acusado pela prática, consciente e voluntária, de crime de maus-tratos contra animal domesticado (artigo 32, caput, da Lei 9.605/1998). Sustentou que o denunciado perdeu a paciência porque a égua parou de obedecê-lo, momento em que passou a desferir diversas chicotadas para que o animal seguisse em frente. Contudo, este, esgotado pelo cansaço e ferimentos, permaneceu inerte. O Parquet afirmou que o acusado desferiu aproximadamente 50 chicotadas e, posteriormente, cerca de 10 golpes com uma ferramenta tipo "pá e bico", tendo cessado as agressões apenas após a chegada da Polícia Militar, que o conduziu à delegacia. Acrescentou que, após quarenta e cinco dias, o animal morreu. O Juízo de primeiro grau acolheu os pedidos da peça acusatória para condenar o réu por crime contra a fauna. Interposta apelação, os Desembargadores entenderam que o conjunto probatório corrobora, de forma firme e coesa, os fatos descritos na denúncia. Afirmaram que, segundo testemunhas, mesmo sendo advertido para cessar com as agressões, o acusado continuou a bater no animal com um chicote de corda por aproximadamente 10 vezes. Os Magistrados ressaltaram que, em razão dos maus-tratos, o animal possuía ferimentos grandes, na altura dos joelhos – possivelmente decorrentes de uma queda, de modo que era possível visualizar o osso. Ademais, o dono do animal confessou a autoria do delito ao afirmar que perdeu a paciência com a égua e, então, passou a maltratá-la. Assim, comprovadas a autoria e a materialidade, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1257646, 00062576020148070008, Relator Juiz FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 23/6/2020, publicado no PJe: 30/6/2020.
Direito Civil e Processual Civil
Colisão entre ambulância e carro particular – inobservância das regras de tráfego para veículo em missão de socorro – responsabilidade civil
O condutor de ambulância em serviço de emergência deve transitar na faixa da esquerda com dispositivos luminosos e sonoros ligados, como forma de alerta e orientação aos demais motoristas da via, para não incorrer em culpa exclusiva por acidente causado após ação imprudente. Na origem, o Magistrado julgou improcedente pedido indenizatório formulado por condutor de veículo particular, ao reconhecer a culpa concorrente por colisão com ambulância de hospital privado, em via pública. Inconformado, o requerente interpôs recurso inominado. Pleiteou a exclusão da responsabilidade civil e o pagamento de lucros cessantes, haja vista trabalhar como motorista particular vinculado a plataforma de aplicativo móvel e auferir renda dessa atividade. A Turma asseverou que são garantidos aos motoristas de ambulâncias a prioridade de trânsito, livre circulação, inclusive com mudança de faixa, estacionamento e parada, desde que tais veículos estejam em serviço de urgência e com os dispositivos de alarme sonoro e de iluminação vermelha devidamente acionados (artigo 29, VI, “d”, e VII, “a”, do Código de Trânsito Brasileiro). Explicou que a ativação do “hot light” serve como alerta e orientação aos demais condutores quanto à proximidade do automóvel de socorro para que deixem livre a passagem da faixa da esquerda e passem a dirigir à direita da via. Ao analisarem a dinâmica do acidente, os Desembargadores concluíram que o motorista da ambulância, apesar de estar em missão de emergência, ter prioridade de passagem no trânsito e estar com os dispositivos de urgência ligados, não observou os deveres de cuidado e segurança necessários para impedir o sinistro. Isso porque saiu da faixa da esquerda e avançou, de repente, para a faixa da direita, chocando-se com o veículo do autor, que bateu no meio-fio e foi arremessado ao canteiro, apesar de imprimir velocidade reduzida (20 km/h). Assim, foi configurada a responsabilidade civil por culpa exclusiva do motorista da ambulância diante a assunção do risco e o consequente dever de indenizar (artigo 945 do Código Civil). Para os Julgadores, a conduta imprudente foi potencializada, pois os outros carros já estavam parados quando da batida e o acesso ao hospital mais próximo localizava-se logo à direita. Com isso, o Colegiado deu parcial provimento ao recurso para condenar o hospital réu ao pagamento de danos materiais causados ao veículo do autor. Contudo, afastou os lucros cessantes, uma vez que ausente a prova da condição de condutor associado ou veículo cadastrado em plataforma de aplicativo de transporte particular de passageiros.
Acórdão 1251940, 07043858420198070010, Relator Juiz ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 25/5/2020, publicado no DJe: 16/6/2020.
Direito Constitucional
“Superpreferência” no pagamento de precatório – ampliação do teto constitucional – vedação ao duplo ingresso em fila prioritária
A Emenda Constitucional que aumenta o limite do pagamento preferencial de precatório não alcança os credores que já receberam o adiantamento com base em norma anterior, pois o direito à “superpreferência” somente pode ser exercido uma única vez, sob pena de violação da ordem cronológica própria da fila de parcelas prioritárias. Um beneficiário do sistema de pagamento preferencial de precatório impetrou mandado de segurança contra decisão do Juízo da Coordenadoria de Conciliação de Precatórios do Distrito Federal que negou pedido para recebimento de mais de 20 salários-mínimos, em complementação ao adiantamento prioritário por ele já percebido. Alegou que a Emenda Constitucional 99/2017 ampliou o teto para pagamento, de 3 para 5 vezes o valor da requisição de pequeno valor (RPV). Ao analisarem o mandamus, os Julgadores entenderam que o direito à “superpreferência” (artigo 100, § 2º, da Constituição Federal) somente pode ser exercido uma única vez em cada precatório, haja vista que, com o adimplemento do pedido, ocorre a preclusão consumativa, porquanto consolidada a situação jurídica do credor nos limites da legislação vigente à época. Dessa forma, o novo teto previsto pela EC 99/2017 deve ser aplicado somente àqueles que ainda não usufruíram da preferência. Além disso, asseveraram que eventual complementação dos valores já recebidos subverte o objetivo da norma constitucional, pois violaria a ordem cronológica própria da fila de pagamentos preferenciais, em verdadeira concessão duplicada do benefício. Por fim, ressaltaram que o enunciado 14 da Câmara Nacional de Gestores de Precatórios – o qual veda mais de um pagamento preferencial no mesmo precatório, ainda que por fundamento diverso – não admite interpretação extensiva e é plenamente aplicável à hipótese. Com isso, por entender ausente o direito líquido e certo à complementação, a Câmara negou o pedido de reinserção do crédito do impetrante na lista de “superpreferência”.
Acórdão 1253791, 07272417220198070000, Relator Des. GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 1ª Câmara Cível, data de julgamento: 1º/6/2020, publicado no DJe: 30/6/2020.
Direito da Criança e do Adolescente
Criança entregue pela mãe para guarda de casal após o parto – ciência da irrevogabilidade da adoção – vínculo afetivo consolidado com a família substituta
A permanência de menor com a família biológica pode ceder diante de contexto fático que demonstra o atendimento do melhor interesse da criança no núcleo familiar substituto, com o qual desenvolveu vínculo afetivo consolidado no tempo. O Ministério Público interpôs apelação contra a sentença que julgou procedente o pedido de adoção formulado por um casal que já detinha a guarda de menor há quatro anos, e a consequente perda do poder familiar da mãe biológica. O Parquet sustentou a nulidade da decisão, por considerar que a genitora não recebeu orientação interprofissional prestada pela equipe da Vara da Infância e da Juventude, sobretudo quanto à irrevogabilidade da medida (artigo 166 e §§ do Estatuto da Criança e do Adolescente). No julgamento do recurso, a Turma aduziu que a criança foi entregue aos adotantes, de forma voluntária, dois dias após o parto e, desde então, ficou sob guarda e cuidados dos apelados. O Colegiado refutou a tese de ausência de informação técnica, pois a mãe biológica foi regularmente cientificada acerca das consequências legais do ato de adoção e, nas diversas oportunidades em que foi questionada sobre o fato, manifestou compreender os desdobramentos de sua iniciativa. Nesse contexto, os Desembargadores asseveraram que a análise da controvérsia não pode se restringir ao exame do mencionado artigo 166, mas a todo o microssistema que rege a matéria, de forma aprofundada e em busca da salvaguarda absoluta da menor. Enfatizaram que, embora “louvável” a pretensão do MP de manter a infante no seio da família natural ou extensa, a realidade demonstra que a permanência da menina com os apelados é a maneira mais satisfatória aos metaprincípios da proteção integral e do melhor interesse da criança, consagrados nos artigos 227, caput, da Constituição Federal e 1º do ECA. Destacaram que, em quase 8 anos à distância, não há registros de providências concretas tomadas pela genitora com o objetivo de reverter a guarda da filha. Assim, concluíram que eventual procedência do pedido seria capaz de causar traumas irreversíveis, haja vista que a atual referência familiar da garota é constituída dos adotantes e de seus agregados, com quem desenvolveu inegável vínculo afetivo.
Acórdão 1253940, 00076072920188070013, Relatora Desª. MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 3/6/2020, publicado no PJe: 17/6/2020.
Negligência dos genitores nos cuidados com o filho – destituição do poder familiar
A reiterada negligência dos pais nos cuidados com a prole viola os direitos da criança e conduz à situação excepcional de destituição do poder familiar. O Ministério Público ajuizou procedimento de acolhimento institucional cumulado com busca e apreensão e destituição do poder familiar em favor de uma criança de 2 anos de idade que se encontrava em situação de vulnerabilidade, cujos irmãos já haviam sido transferidos para abrigo social pelas mesmas razões. O pleito de destituição do poder familiar foi deferido pelo Juízo sentenciante e a criança foi recebida em família substituta. Os genitores apelaram. Sustentaram que nunca desistiram da filha nem praticaram condutas que justificassem a perda do poder familiar. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores consignaram que o poder familiar é o conjunto de direitos e obrigações exercidos pelos pais e está relacionado ao dever de sustento dos filhos, à assistência moral, emocional e educacional por meio do convívio, da interação e da responsabilidade (artigos 227 da Constituição Federal, 1.634 do Código Civil e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Destacaram que, de acordo com o relatório do Conselho Tutelar, o núcleo familiar é acompanhado desde 2012 e, no início de 2017, o órgão recebeu denúncias de agressão física e psicológica perpetradas pelos apelantes contra os filhos, uso imoderado de bebida alcoólica na residência, choro constante de criança e menores em idade escolar ainda não matriculados na rede de ensino. Além disso, o Conselho relatou que, no mesmo ano, os recorrentes foram denunciados pela morte de outra filha (de 2 meses de idade) decorrente de intoxicação por paracetamol após queda violenta sem que os pais tivessem providenciado o atendimento médico adequado. O Colegiado entendeu que os fatos narrados demonstram a conduta reiterada dos recorrentes em negligenciar os cuidados com a prole, o que foi corroborado pela instituição acolhedora ao informar que, mesmo após um mês de admissão da criança, os genitores não haviam ido visitá-la. Os Julgadores concluíram que o histórico de maus-tratos, a vulnerabilidade social e a conduta omissa dos apelantes expuseram os menores a situações de risco e violaram direitos fundamentais das crianças, motivo pelo qual não possuem condições de garantir a proteção integral da filha. Nesse contexto, a Turma registrou que a decisão do Juízo a quo baseou-se não apenas na falta de recursos materiais dos genitores, mas em “elementos situacionais e estruturais da família e da indisponibilidade de os pais se organizarem física e mentalmente para assumir responsavelmente os cuidados da filha”, e, assim, negou provimento ao recurso.
Acórdão 1255448, 00064398920188070013, Relator Des. JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 10/6/2020, publicado no PJe: 22/6/2020.
Direito do Consumidor
Suicídio de paciente internado em hospital especializado em doenças cardíacas – responsabilidade civil não configurada
O suicídio de paciente internado em hospital especializado em doenças cardíacas, sem queixas anteriores de distúrbios mentais, não caracteriza falha na prestação do serviço, pois a responsabilidade civil do nosocômio restringe-se às obrigações efetivamente assumidas para o tratamento contratado. Paciente com cardiopatia, internado para realizar cirurgia cardíaca de revascularização, sem histórico de depressão ou ansiedade e ausentes indícios de distúrbios psiquiátricos, tirou a própria vida ao quebrar a vidraça e atirar-se da janela da unidade de terapia intensiva de centro hospitalar. Em ação indenizatória promovida pelos familiares do falecido, o Juízo a quo condenou o hospital ao pagamento de 30 mil reais a cada autor, a título de danos morais, e de pensão por determinado prazo. Ao julgar a apelação do requerido, o Colegiado pontuou que, configurada a relação consumerista, os familiares do paciente enquadram-se no conceito de consumidor por equiparação (bystander), pois podem ser afetados direta ou indiretamente pelo serviço prestado, conforme preceitua o artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor. De fato, destacaram os Magistrados, aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva do nosocômio, independentemente de o dano advir em razão de imprudência, negligência ou de erro na prestação do serviço. Contudo, ponderaram que a responsabilidade prevista na legislação baseia-se na teoria do risco e, portanto, deve se referir aos serviços efetivamente contratados. Nessa linha, asseveraram que o hospital requerido tem por escopo atividades médico-hospitalares de média e alta complexidade na área de cardiologia, inexistindo a oferta de tratamento psiquiátrico para pacientes acometidos por quadros depressivos, o que afasta a exigência do dever de vigilância e de cuidado constantes. Além disso, consignou o Órgão julgador que não havia qualquer previsibilidade acerca do suicídio do familiar dos autores, uma vez que o paciente não possuía histórico de disfunções psiquiátricas antecedentes e interagia bem com a equipe médica. Nesse sentido, os Desembargadores reconheceram que o evento danoso derivou de ato imprevisível e invencível do enfermo, que cometeu suicídio durante a internação. Dessa forma, afastada a responsabilidade objetiva, pois rompido o nexo causal em razão da culpa exclusiva do paciente (artigo 14, § 3º, II, do CDC), a Turma reformou a sentença condenatória, para eliminar o dever de indenizar os autores.
Acórdão 1254451, 00044626420198070001, Relator Des. ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 10/6/2020, publicado no DJe: 22/6/2020.
Direito Empresarial
Processo falimentar – recusa do credor em efetuar depósito-caução dos honorários de administrador judicial – extinção do feito
A recusa do credor em efetuar depósito-caução dos honorários do administrador judicial, conforme determinado em decisão judicial, enseja a extinção prematura do processo falimentar por irregularidade na petição inicial. Uma sociedade credora interpôs apelação contra sentença que extinguiu processo de falência por descumprimento da determinação de emenda à petição inicial atinente à falta de depósito-caução dos honorários do administrador judicial. Alegou que a verba arbitrada superava o teto legal de 2% do crédito obtido com alienação dos ativos da devedora (artigo 24, §§ 1º e 5º, da Lei 11.101/2005). Ao analisar as razões recursais, o Colegiado esclareceu que é dever das partes a antecipação das despesas relativas aos atos processuais por elas postulados, desde o início da ação até a sentença. Ressaltou que a exigência do depósito da remuneração do administrador judicial pelo credor no início do rito falimentar objetiva a reserva de quantia justa para prestigiar o trabalho desenvolvido na localização de ativos e bens, haja vista a incerteza quanto à existência de patrimônio suficiente para adimplir as obrigações da massa falida. Na hipótese, a microempresa devedora não foi encontrada, sendo citada por edital e nomeada a Curadoria Especial para representá-la no Juízo falimentar. Ademais, não foram localizados bens pertencentes à empresa ré passíveis de penhora para quitação das dívidas. Segundo os Julgadores, os honorários do administrador – fixados em R$ 4 mil – são proporcionais e razoáveis ao grau de complexidade das atividades desempenhadas e ao valor estipulado em mercado. Com isso, a Turma manteve a sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto de constituição válida do processo (artigo 321, parágrafo único, do Código de Processo Civil).
Acórdão 1255536, 07276281320178070015, Relator Des. HUMBERTO ULHÔA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 10/6/2020, publicado no DJe: 23/6/2020.
Direito Penal e Processual Penal
Condenada gestante – pandemia (COVID-19) – manutenção da prisão preventiva
A condição gravídica, por si só, não tem o condão de fundamentar a conversão da prisão preventiva em domiciliar, ainda que no atual cenário da pandemia de COVID-19, especialmente na hipótese de não cumprimento pela sentenciada de medidas cautelares já impostas e de reiteração delitiva. A Defensoria Pública impetrou habeas corpus para assegurar a uma mulher grávida o direito de recorrer em liberdade das condenações impostas em ação penal, sob o argumento de insalubridade nas condições da penitenciária. Aduziu que a pandemia de COVID-19 poderia colocar em risco a integridade física da assistida, que se encontra na décima oitava semana de gestação, razão pela qual requereu a conversão da prisão preventiva em liberdade provisória ou, subsidiariamente, em prisão domiciliar. A liminar foi indeferida. Ao examinarem o mérito do pedido, os Desembargadores explicaram que a paciente já foi beneficiada com a liberdade, contudo, além de não cumprir as medidas alternativas impostas, rompeu a tornozeleira eletrônica e voltou a delinquir, comportamento que aumenta a reprovabilidade da conduta e evidencia risco para a manutenção da ordem pública. Os Julgadores esclareceram que, em situações excepcionais, é possível a conversão de prisão preventiva em domiciliar para gestantes, ressalvadas as hipóteses de crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o que não se aplica ao caso, pois a paciente foi condenada por roubo circunstanciado e corrupção de menor (artigos 157, § 2º, I e II, do Código Penal e 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente). Acrescentaram que a negativa de recorrer em liberdade, nas hipóteses de cumprimento de pena em regime semiaberto, não configura constrangimento ilegal, desde que preenchidos os requisitos que autorizam a custódia cautelar em estabelecimento prisional adequado. Afirmaram que a Vara de Execuções Penais criou um grupo de monitoramento emergencial das unidades prisionais do Distrito Federal voltado para a adoção de medidas que objetivam evitar a propagação do vírus, ressaltada a comunicação diária de intercorrências que demandem pronto atendimento. De outro lado, os Magistrados entenderam que a paciente deve ser transferida para um estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto, sob pena de se impor uma situação prisional mais grave do que a fixada na sentença. Ressaltaram ainda que, a despeito da ostensiva recomendação de permanecer em isolamento social, a requerente persiste na prática delitiva, de forma que sua soltura, além de colocar em risco a coletividade, não será suficiente para livrá-la de eventual contaminação. Com isso, a Turma concedeu em parte a ordem a fim de que a condenada seja transferida para estabelecimento prisional compatível com o regime fixado pelo Juízo de primeiro grau.
Acórdão 1256088, 07123103020208070000, Relator Des. JAIR SOARES, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 4/6/2020, publicado no PJe: 25/6/2020.
Direito Tributário
Desoneração de ICMS – inconstitucionalidade da norma remissória – exclusão dos créditos posteriores à data de publicação da ata de julgamento
A remissão tributária decorrente de lei posteriormente declarada inconstitucional abrange apenas os créditos anteriores à decisão, sob pena de violação da coisa julgada e repristinação, por via transversa, de norma já incompatível com o ordenamento jurídico. Produtores rurais do Distrito Federal interpuseram apelação contra sentença que julgou improcedente pedido para extinção de crédito tributário advindo da diferença entre uma apuração normal de ICMS e outra calculada com base em remissão concedida por lei sobre operações com produtos agropecuários. Sustentaram que um acordo entre os Estados autorizou a desoneração e a anistia dos créditos do tributo, constituídos ou não, que fossem derivados de benefícios fiscais instituídos por legislação distrital (Convênio ICMS 190/2017). No exame do recurso, os Desembargadores explicaram que, de fato, a Lei 2.708/2001 concedeu redução na base de cálculo do imposto sobre as referidas mercadorias, mas essa norma foi declarada inconstitucional pelo Conselho Especial do TJDFT, com efeitos ex nunc, por extrapolação da delegação legislativa (ADI 2013.00.2.018454-8). Nesse contexto, apenas os débitos anteriores ao julgado estariam abrangidos pela remissão acordada no convênio. Como os créditos tributários reclamados pelos apelantes são posteriores à decisão do Órgão, não poderiam ser alcançados pelo benefício. Caso contrário, haveria violação à coisa julgada e repristinação, por via transversa, de norma incompatível com o ordenamento jurídico. A Turma ressaltou também que o termo inicial de eficácia da declaração de inconstitucionalidade firmada em controle concentrado é a data da publicação da ata de julgamento, e não a disponibilização do acórdão no diário eletrônico, como alegado pelos apelantes. Com essas considerações, o Colegiado negou provimento ao recurso.
Acórdão 1256730, 07070175920198070018, Relator Des. ROMEU GONZAGA NEIVA, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 17/6/2020, publicado no DJe: 29/6/2020.
Informativo
1ª Vice-Presidência
Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito
Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto
Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Eliane Torres Gonçalves, Letícia Vasco Mota, Patricia Lopes da Costa e Rodrigo Bruno Bezerra Pereira
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR
As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.
Acesse também:
Direitos fundamentais na visão do TJDFT
Entendimentos Divergentes no TJDFT
Jurisprudência Administrativa Interna
Lei Maria da Penha na visão do TJDFT