Informativo de Jurisprudência n. 419
Período: 16 a 31 de julho de 2020
Versão em áudio: informativo419.mp3 — 31.5 MB
Publicação: 19 de agosto de 2020
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Índice
Direito Administrativo
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Licença remunerada para estudo – descumprimento do período mínimo no cargo – suspensão da cobrança dos valores devidos até o término do prazo de vacância
- Paciente grave – demora na realização de procedimentos essenciais – óbito – responsabilidade civil do Estado
Direito Civil e Processual Civil
- Indenização securitária paga a credor putativo – validade – teoria da aparência
Direito Constitucional
- Vídeos gravados nas dependências do Congresso Nacional – publicação em redes sociais – imunidade parlamentar
Direito da Criança e do Adolescente
- Notícia de abandono e maus-tratos de criança – falsidade ideológica e falsa identidade – absorção pelo crime de embaraço à ação do Conselho Tutelar
Direito do Consumidor
- Falha na remessa de valores para conta no exterior – dano moral
- Transporte terrestre interestadual – obstáculo à utilização do “passe livre” por pessoa com deficiência – indenização
Direito Empresarial
- Sociedade em conta de participação – empréstimo sem autorização de sócio oculto – responsabilidade exclusiva do sócio ostensivo
Direito Penal e Processual Penal
- Autorização a detento para trabalho aos domingos – garantia do repouso semanal – prevalência do direito à liberdade
Direito Tributário
- ITCMD – direitos aquisitivos de imóvel arrematado em leilão – repetição de indébito tributário
Direito Administrativo
Licença remunerada para estudo – descumprimento do período mínimo no cargo – suspensão da cobrança dos valores devidos até o término do prazo de vacância
O servidor público que usufrui licença remunerada para estudo e, antes de cumprir o período mínimo exigido por lei, toma posse em outro cargo inacumulável deve restituir os valores recebidos durante o afastamento. Tal cobrança, contudo, pode ser suspensa até o término do prazo de vacância, haja vista a possibilidade de recondução ao órgão de origem. Ex-professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal impetrou mandado de segurança contra o ente federado a fim de suspender, até o término do período de vacância, a cobrança de valores recebidos durante o afastamento remunerado que usufruiu como servidor efetivo e estável. Alegou que, por ter sido empossado em outro cargo público e ainda estar em estágio probatório, possui direito à recondução ao órgão de origem, se necessário. O Juízo a quo concedeu a segurança. Ao analisar a remessa obrigatória e a apelação interposta pelo ente distrital, o Colegiado esclareceu que o artigo 161 da Lei Complementar Distrital 840/2011 determina a permanência do servidor que goza de licença remunerada para estudos no efetivo exercício de suas atribuições por período igual ao do benefício concedido, sob pena de ressarcimento proporcional das despesas havidas com o afastamento. Ressaltou a peculiaridade da hipótese, pois o impetrante, ao tomar posse em outro cargo inacumulável, não rompeu totalmente o vínculo jurídico com o DF, de forma que poderá requerer a recondução ao órgão de origem até o fim do estágio probatório. Assim, em observância ao princípio da razoabilidade e à interpretação sistemática das leis, os Desembargadores concluíram que a medida mais adequada é a suspensão da cobrança do valor devido pelo servidor até o término do prazo de vacância, quando o vínculo com o cargo originário será encerrado. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso e à remessa necessária.
Acórdão 1260418, 07071232120198070018, Relatora Desª. LEILA ARLANCH, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 1º/7/2020, publicado no DJe: 21/7/2020.
Paciente grave – demora na realização de procedimentos essenciais – óbito – responsabilidade civil do Estado
A morte de paciente em estado grave, causada por falta de cuidados fundamentais em período pós-cirúrgico, representa a perda de uma chance à manutenção da vida e configura responsabilidade estatal por danos causados a familiares. A irmã de uma paciente da rede pública de saúde, que veio a óbito após a realização de cirurgias no cérebro, ingressou com pedido de reparação de danos contra o Distrito Federal em razão de falhas por parte da equipe médica. Alegou que, após o último procedimento, houve excessiva demora na realização de exame tomográfico e no gerenciamento da vaga em UTI, situação que levou à piora significativa no quadro de saúde da irmã, a qual deixou de falar, de deglutir e de se movimentar. Os pedidos foram julgados procedentes em primeira instância, e o réu foi condenado ao pagamento de danos materiais, decorrentes de despesas com o funeral, e morais, no importe de cem mil reais. Ao examinar o recurso interposto pelo DF, os Desembargadores consignaram que o estado de saúde da paciente era muito grave e que a atuação da equipe médica deveria ter sido extremamente diligente na realização de exames e nos cuidados intensivos. Entenderam, todavia, que, no caso, o DF não demonstrou suficientemente ter adotado todas as medidas necessárias à preservação da vida da enferma. Destacaram que a espera de quase cinco dias para providenciar uma tomografia de crânio por falta de funcionário e que a não internação em unidade de terapia intensiva, porque o sistema virtual de gestão de vagas estaria "fora do ar", configuram omissão e negligência dos agentes públicos. O Colegiado acrescentou que a falta de leito de UTI para doentes graves representa a perda da chance de manutenção da vida, pois o óbito ocorre sem que o indivíduo tenha acesso a tratamento adequado. Com isso, a Turma confirmou a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados à irmã da falecida (artigo 37, § 6º, da Constituição Federal), razão pela qual negou provimento ao recurso.
Acórdão 1262084, 07110990720178070018, Relator Des. ROBERTO FREITAS, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 1º/7/2020, publicado no PJe: 16/7/2020.
Direito Civil e Processual Civil
Indenização securitária paga a credor putativo – validade – teoria da aparência
É válido o pagamento de indenização securitária realizado de boa-fé a pessoa que se habilita como herdeira do falecido, mesmo que posteriormente seja demonstrada a existência de outros beneficiários, com fundamento na teoria da aparência. A companheira e o filho menor de pessoa falecida propuseram ação judicial para recebimento de indenização relativa a seguro por morte, haja vista a seguradora contratada ter efetuado o pagamento do prêmio à ex-companheira (R$ 78.458,28) e às duas filhas do de cujus (R$ 39.229,14 para cada uma). O Juízo sentenciante julgou o pedido improcedente, uma vez que os autores habilitaram-se como beneficiários e entregaram a documentação exigida pela requerida tardiamente. Ao analisarem a apelação interposta, os Desembargadores esclareceram que a teoria da aparência, consagrada no artigo 309 do Código Civil, considera válido o pagamento realizado à pessoa que aparenta ter poderes para receber, denominado credor putativo. Salientaram que o segurado tem a faculdade de indicar qualquer pessoa como beneficiária, até mesmo indivíduo sem qualquer grau de parentesco. Além disso, caso não sejam apontados os nomes dos favorecidos, o pagamento do pecúlio deve ser feito de acordo com a ordem hereditária, nos termos do artigo 792 do CC. Na hipótese, consignaram que, além de o falecido não ter designado na apólice as pessoas que deveriam receber o seguro, sua ex-convivente apresentou-se como herdeira, juntamente com as duas filhas, alegando ter vivido em união estável com o de cujus até a data do falecimento, tendo amparado suas declarações em documentação verossímil. Os Julgadores acrescentaram que a autora somente entregou à seguradora os registros – considerados incompletos – acerca da sua condição de atual companheira do falecido, bem como da existência do filho recém-nascido do casal, após o pagamento da indenização em favor da ex-companheira e das filhas. Assim, a Turma entendeu caracterizadas a boa-fé da seguradora e a higidez do pagamento putativo, efetuado a pessoas que documentalmente demonstraram ostentar a condição de beneficiárias do contratante falecido, motivo pelo qual negou provimento ao recurso.
Acórdão 1265303, 07269177920198070001, Relatora Desª. DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 15/7/2020, publicado no DJe: 28/7/2020.
Direito Constitucional
Vídeos gravados nas dependências do Congresso Nacional – publicação em redes sociais – imunidade parlamentar
A conduta de congressista que veicula vídeos pela internet com manifestações ofensivas, mas de conteúdo político, relacionadas ao exercício do mandato e a questões de interesse público, não gera dano moral, pois está acobertada pela imunidade parlamentar material. Um Secretário do Estado ingressou com ação de reparação por danos morais em decorrência de publicações, que considerara aviltantes, divulgadas por Senador da República em redes sociais. O Sentenciante julgou improcedente o pedido, pois, ainda que o político utilize palavras pesadas e ofensivas em seus discursos, caso elas decorram do debate político, como na hipótese, estarão acobertadas pela imunidade material parlamentar. Interposta apelação, os Desembargadores asseveraram que, apesar de as declarações terem sido transmitidas pela internet, os vídeos veiculados pelas redes sociais foram gravados dentro do Congresso, prova de que a explanação aconteceu em razão do mandato, sob o manto da imunidade material. No entendimento do Colegiado, os adjetivos e os comentários acerca da vida patrimonial do apelante, conquanto deselegantes, têm cunho de crítica política relacionada ao exercício do cargo. Os Julgadores acrescentaram que as explanações do requerido possuem natureza de oposição parlamentar ante a possibilidade da indicação do requerente para cargo de Ministro de Estado. Além disso, com fundamento no princípio da representatividade, é usual o interesse da sociedade em informações sobre a família, patrimônio e vida privada de futuros candidatos a cargos políticos. Assim, configurado o nexo de causalidade entre as declarações do apelado e suas funções de parlamentar, a Turma concluiu ser incabível a pleiteada responsabilização civil por danos morais.
Acórdão 1263268, 07134157320198070001, Relator Des. CARLOS RODRIGUES, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 15/7/2020, publicado no DJe: 24/7/2020.
Direito da Criança e do Adolescente
Notícia de abandono e maus-tratos de criança – falsidade ideológica e falsa identidade – absorção pelo crime de embaraço à ação do Conselho Tutelar
As condutas de genitora que finge ser outra pessoa e presta declarações falsas a agentes públicos são absorvidas pelo crime-fim de embaraçar o trabalho do Conselho Tutelar na apuração de notícia de maus-tratos a menor, porquanto cometidas no mesmo contexto fático e levadas a efeito para atingir delito mais grave. Na origem, o Conselho Tutelar recebeu informações anônimas contra uma mãe, acusada de abandono e de maus-tratos da filha de cinco anos. Após a tramitação regular do processo, a ré foi condenada por falsidade ideológica, falsa identidade, desacato e por impedir a atuação dos servidores públicos. Inconformada, interpôs apelação. Alegou que as condutas de falsidade ideológica e de desacato seriam atípicas e apontou bis in idem na condenação por falsa identidade, cumulada com o delito previsto na lei especial. Ao analisar as razões recursais, o Colegiado entendeu que as condutas da apelante – de se apresentar com outro nome e de fornecer informação inverídica para alterar a verdade sobre fato jurídico relevante – caracterizam os crimes de falsidade ideológica e de falsa identidade (artigos 299 e 307 do Código Penal). Isso porque, além de assinar nome que não era o seu em documento público, a genitora declarou que a pessoa procurada não residia no endereço diligenciado. Por outro lado, a Turma reconheceu que tais crimes serviram como meios para alcançar conduta típica mais grave, qual seja, o crime-fim de embaraçar a ação fiscalizatória de servidores do Conselho Tutelar, previsto no artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, por incidência do princípio da consunção e para evitar o bis in idem, a Turma absolveu a apelante dos dois delitos, porque não constituíram infrações autônomas, foram cometidos no mesmo contexto fático e se exauriram naquele propósito final. Os Julgadores mantiveram a condenação pelo crime de desacato (artigo 331 do Código Penal), por compreenderem que, ao proferir xingamentos e tentar agredir fisicamente uma conselheira tutelar, a ré teve o dolo de ultrajar a função pública exercida pelos servidores. Ressaltaram que o descontrole emocional ou a indignação não excluem a imputabilidade da apelante, haja vista que o tipo penal dispensa prova do ânimo calmo e refletido. Nesse contexto, os Desembargadores deram provimento parcial ao recurso.
Acórdão 1265390, 00028533920168070005, Relator Des. DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 16/7/2020, publicado no PJe: 27/7/2020.
Direito do Consumidor
Falha na remessa de valores para conta no exterior – dano moral
O atraso na remessa de dinheiro para banco internacional em decorrência de falha nas informações fornecidas por empresa especializada configura defeito na prestação do serviço e gera dano moral ao consumidor lesado. Um cliente relatou ter contratado, por meio das empresas rés, serviço de transferência de valores da sua conta bancária no Brasil para instituição financeira situada no Canadá. Declarou que uma das requeridas era administradora do site eletrônico no qual eram realizadas as remessas do numerário para o estrangeiro, enquanto a outra exercia atividade de correspondente cambial. Argumentou que, em razão da demora em realizar a movimentação bancária, teve de contrair empréstimo com terceiros. O Sentenciante julgou procedente o pedido e condenou as rés ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais in re ipsa. Em grau de recurso, os Desembargadores consignaram que as empresas apelantes, por deterem o domínio dos procedimentos e rotinas para envio de valores ao exterior, tinham o dever de alertar o cliente acerca da possibilidade de repasse direto das quantias para conta em banco internacional, com explicações claras sobre a desnecessidade do uso de banco intermediário para concretizar as transações em moeda estrangeira. Asseveraram que, como a finalidade da disponibilização de serviço especializado por empresas de câmbio e repasse de valores é garantir ao consumidor maior segurança e êxito na conclusão do negócio, cabia às recorrentes a prestação de informações quanto ao preenchimento adequado dos formulários, inclusive a conferência dos dados do usuário antes da confirmação da remessa. A Turma acrescentou que o atraso em efetuar a remessa do dinheiro para o banco estrangeiro gerou prejuízo substancial ao usuário, o qual ficou sem recursos para as despesas própria e da família, além de ter sido impedido de comemorar o aniversário da filha por possuir apenas R$ 65,00 (sessenta e cinco reais) em conta-corrente. Nessa acepção, os Julgadores reconheceram a responsabilidade objetiva das fornecedoras pela prestação do serviço defeituoso (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor) e mantiveram o quantum indenizatório por ser proporcional e razoável ao dano causado.
Acórdão 1264959, 07264682420198070001, Relator Des. FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2020, publicado no DJe: 28/7/2020.
Transporte terrestre interestadual – obstáculo à utilização do “passe livre” por pessoa com deficiência – indenização
A obstrução do acesso aos direitos da pessoa com deficiência por meio da imposição de regras não contempladas em lei configura prática ilícita pela empresa de transporte e gera o dever de indenizar. Na origem, dois deficientes visuais ajuizaram ação de obrigação de fazer cumulada com repetição de indébito e danos morais por terem sido impedidos de utilizar o benefício denominado “passe livre” em viagem terrestre interestadual ao argumento de que o ônibus estaria com lotação preenchida. Alegaram que, logo após a vedação do embarque, constataram a venda de passagens a outros consumidores no balcão da empresa ré e, devido à premente necessidade de deslocamento, adquiriram dois bilhetes. O Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos por considerar que a ré não descumpriu a legislação de regência, a qual reserva dois lugares a pessoas com deficiência quando solicitados com antecedência mínima de três horas da viagem. Na análise do recurso interposto pelos autores, os Desembargadores ressaltaram que a proteção aos direitos da pessoa com deficiência (PcD) decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição Federal) e que a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de Emenda Constitucional, sendo estes os principais norteadores do tema. Consignaram que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/2015) busca reduzir os obstáculos que impedem o pleno exercício dos direitos por ela protegidos. Nesse contexto, a Lei 8.899/1994 concedeu “passe livre” às PcD carentes usuárias do sistema de transporte coletivo interestadual, e o Decreto 3.691/2000 regulamentou a restrição de dois assentos, mas tal limitação foi julgada ilegal pelo TRF da 3ª Região e confirmada pelo STF, em ação civil pública (ACP) com alcance nacional. O Colegiado entendeu que a exigência de três horas antes do início da viagem para concessão do benefício, estabelecida por Portaria Ministerial (GM 261/2012), representa outra barreira ao acesso das pessoas que dele necessitam, especialmente aquelas com múltiplas deficiências, devido ao longo prazo de espera entre a solicitação e o início do transporte, além de extrapolar o poder regulamentar da norma. Assim, os Julgadores concluíram que não há limite da quantidade de assentos por veículo para concessão do “passe livre” e, havendo disponibilidade de vaga, deverá esta ser disponibilizada ao beneficiário sem condicionante de tempo. Com isso, a Turma deu provimento ao recurso para condenar a recorrida a restituir em dobro o valor das passagens compradas pelos autores, bem como a pagar R$ 1.800,00 a cada recorrente a título de danos morais.
Acórdão 1262547, 07553158820198070016, Relator Juiz ALMIR ANDRADE DE FREITAS, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 7/7/2020, publicado no DJe: 17/7/2020.
Direito Empresarial
Sociedade em conta de participação – empréstimo sem autorização de sócio oculto – responsabilidade exclusiva do sócio ostensivo
Na sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo responde por mútuo firmado com terceiro sem o consentimento expresso e prévio de sócio oculto, ainda que na forma de aporte financeiro para negócio comum, pois atua em nome próprio e na qualidade de gestor exclusivo. Os autores de ação de obrigação de pagar quantia certa narraram ter ajustado com as requeridas contrato para gestão e exploração de serviços de eventos e decidiram constituir uma sociedade em conta de participação (SCP) para assunção das dívidas decorrentes do negócio. Declararam ter realizado aportes de recursos para a finalização das obras do projeto e que o valor investido deveria ser pago por todos os sócios, porque foram pactuados na forma de empréstimo, expresso em cláusula contratual. Afirmaram, contudo, que alguns membros da SCP ficaram inadimplentes e, por tal razão, sócios ostensivos e ocultos firmaram confissão de dívida com um particular para a quitação do débito. Em primeira instância, o pedido para condenação de todos os devedores, indistintamente, foi julgado improcedente, porque o Juízo não reconheceu o dever de pagamento dos sócios participantes. Ao analisarem as razões da apelação interposta pelos autores, os Desembargadores consignaram que, na SCP, a gestão do negócio e a relação ajustada com terceiro são exercidas unicamente pelo sócio ostensivo, pois o sócio oculto atua como mero investidor participante do resultado obtido pela empresa (artigo 991 do Código Civil). Destacaram que o sócio investidor somente pode ser responsabilizado solidariamente por aportes de investimento feitos pelo sócio ostensivo mediante autorização expressa e prévia. Nesse contexto, concluíram que o encargo pela quitação do mútuo deve recair exclusivamente sobre um dos sócios ostensivos, pois este atuou sozinho, em nome próprio, ao confessar a dívida acordada com particular. Os Julgadores salientaram que a confissão se deu sem a anuência dos sócios participantes, a qual não pode ser suprida pela confissão de débito firmada por outrem e na iminência de vencer a dívida, sobretudo porque só houve ciência do deficit depois da contratação. Ademais, pontuaram não haver provas, nos autos, que demonstrem eventual relação direta de sócio oculto com terceiro, haja vista que, nesse tipo empresarial, os sócios investidores não podem exigir o cumprimento de obrigação assumida por pessoas alheias à composição societária. Com tais fundamentos, o Colegiado negou provimento ao recurso.
Acórdão 1265050, 07045141920198070001, Relator Des. SANDOVAL OLIVEIRA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2020, publicado no DJe: 28/7/2020.
Direito Penal e Processual Penal
Autorização a detento para trabalho aos domingos – garantia do repouso semanal – prevalência do direito à liberdade
No aparente conflito entre o direito ao repouso semanal e a pretensão de trabalhar em domingos alternados para remir a pena prevalece o direito à liberdade, assegurado ao apenado o descanso durante as saídas quinzenais e temporárias. Um interno do sistema penitenciário do Distrito Federal interpôs agravo em execução contra o indeferimento do pedido de trabalho extramuros aos domingos, alternadamente. Ao examinar o recurso, o Colegiado reconheceu o conflito aparente entre a norma trabalhista – que preconiza o repouso semanal como forma de descanso e recomposição das energias do empregado – e o direito à liberdade, haja vista que a finalidade última do requerimento é a remição da pena privativa por meio do labor. Nesse contexto, asseverou que entre as duas garantias deve prevalecer a última, pois ambas visam proteger o trabalhador detento, a quem assiste também o legítimo interesse de tentar abreviar seus dias no cárcere. Os Desembargadores esclareceram que o limite máximo de 44 horas semanais de atividade laboral é fixado apenas para o regime normal de serviço (artigo 7º, XIII, da Constituição Federal). Não se aplica, portanto, para a jornada extraordinária, que tem, inclusive, remuneração 50% superior à regular (artigo 7º, XVI, da CF). Acrescentaram que, como o repouso será garantido ao apenado durante as saídas quinzenais e temporárias, não existe risco para integridade física ou mental dele. Por outro lado, observaram que o tipo de ofício atualmente exercido pelo agravante, negociação de imóveis numa imobiliária, constitui expediente que não cessa aos finais de semana. Com isso, a Turma deu provimento ao recurso, por maioria de votos. O Relator originário, vencido, entendeu que a pretensão seria incompatível com as já mencionadas regras constitucionais e com o artigo 33 da Lei de Execução Penal, que estabelece a necessidade de descanso aos domingos e feriados.
Acórdão 1265923, 07273058220198070000, Relator Designado Des. GEORGE LOPES, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/7/2020, publicado no DJe: 29/7/2020.
Direito Tributário
ITCMD – direitos aquisitivos de imóvel arrematado em leilão – repetição de indébito tributário
A base de cálculo do ITCMD no caso da arrematação de direitos aquisitivos de imóvel em leilão judicial é o preço livremente acordado entre as partes na hasta pública, por se tratar de relação obrigacional e não real. O Distrito Federal interpôs recurso inominado contra a sentença que o condenou a restituir R$ 6.770,21, cobrados a título de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos – ITCMD, a contribuinte que arrematou imóvel em leilão judicial. O ente federado sustentou a regularidade do montante exigido do adquirente, dimensionado a partir da base de cálculo do valor venal do bem, de acordo com a Lei Distrital 3.804/2006. Na apreciação do recurso, os Magistrados esclareceram que, muito embora a hipótese de incidência dessa espécie tributária seja a transmissão da propriedade ou do domínio útil, no caso concreto há uma distinção, pois o que houve de fato foi a transferência dos direitos aquisitivos do imóvel alienado em hasta pública. Dessa forma, a transação não tratou dos direitos reais do bem em si, mas da relação obrigacional que surgiu para o contribuinte apenas com o ato da arrematação. Asseveraram que a base de cálculo do ITCMD, na espécie, deve levar em conta o preço ofertado pelo arrematante e acolhido durante a alienação pública, o qual se tornou o valor da compra e venda a partir de então. Os Julgadores ressaltaram que nesse tipo de negociação o conceito de valor venal dos imóveis se convola no preço “livremente fixado pelas partes”. Assim, a cobrança tributária feita pelo DF foi indevida porque baseada em elemento material de incidência tributária equivocado, qual seja, a ideia de que teria havido a transferência efetiva do bem, em vez dos direitos aquisitivos a ele pertinentes. Por tais razões, a Turma manteve a repetição do indébito em favor do contribuinte.
Acórdão 1266125, 07546966120198070016, Relator Des. ARNALDO CORRÊA SILVA, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 20/7/2020, publicado no DJe: 30/7/2020.
Informativo
1ª Vice-Presidência
Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito
Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto
Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Letícia Vasco Mota, Maria Celina Fernandes de Souza, Patricia Lopes da Costa, Paulo Gustavo Barbosa Caldas, Risoneis Alvares Barros e Rodrigo Bruno Bezerra Pereira
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR
As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.
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