Publicação: 9 de setembro de 2020

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Índice

Direito Administrativo

  • Licitação – atraso ínfimo na apresentação de documento pela empresa vencedora – flexibilização do prazo – prevalência do interesse público

Direito Ambiental

  • Rinha de galo – crime de maus-tratos contra animais

Direito Civil e Processual Civil

  • Locação em shopping center – paralisação de atividades em razão da pandemia – suspensão da cobrança de aluguel

Direito Constitucional

  • Retirada de vídeos de plataforma digital – abuso de direito não configurado – primazia da liberdade de expressão do pensamento

Direito da Criança e do Adolescente

  • Armazenamento de vídeo em celular – cenas de sexo com bebê – fixação da pena-base

Direito do Consumidor 

  • “Golpe no whatsapp” – depósito em conta clonada por terceiro – culpa exclusiva do cliente
  • Tumulto e desorganização em estádio – falha na prestação de serviço – danos a torcedor com deficiência física

Direito Empresarial

  • Cessão fiduciária de recebíveis – decretação da recuperação judicial da empresa cedente – impossibilidade de liberação das “travas bancárias” – direito de crédito incorporado ao patrimônio da instituição cessionária

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar

  • Prisão em flagrante – não apresentação do detido à delegacia nem registro de ocorrência policial – crimes militares de prevaricação e constrangimento ilegal

Direito Tributário

  • Base de cálculo de ICMS nas vendas a prazo – parcelamento feito pelo comerciante – inclusão das taxas cobradas por operadoras de cartão

Direito Administrativo

Licitação – atraso ínfimo na apresentação de documento pela empresa vencedora – flexibilização do prazo – prevalência do interesse público

O excesso de formalismo da Lei de Licitações pode ser mitigado para flexibilização do prazo de entrega de documento em procedimento licitatório em prol do interesse público, a fim de preponderar a proposta mais vantajosa e econômica à Administração em detrimento do atraso mínimo no repasse de carta proposta pela empresa vencedora. Uma empresa de pequeno porte propôs demanda para declarar a nulidade de licitação promovida pela instituição bancária ré, que tinha como objeto a contratação de serviço de locação de veículos automotores. Alegou que foi participante do certame, no qual outra microempresa – segunda requerida – logrou-se vencedora, apesar da tardia entrega de carta proposta. A instância monocrática julgou improcedente o pedido. Interposta apelação pela autora, os Desembargadores consignaram que a Lei 13.303/2016 – ao estabelecer regras específicas de licitação para empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – prevê, no artigo 56, possibilidade de flexibilizar prazo de entrega de documentos na licitação em prol do interesse público e de coibir exigências descabidas e iníquas aos licitantes. Explicaram que o diploma legal buscou reduzir o formalismo e rigor excessivos da Lei 8.666/1993, a fim de prestigiar a eficiência, a economicidade e a permanência de contratações com empresas que estejam regulares. In casu, os Julgadores concluíram que o atraso de entrega da carta proposta – oito minutos após o horário previsto no edital – foi mínimo e não comprometeu o prosseguimento da licitação. Isso porque foi alcançada a proposta mais vantajosa – economia de dez mil reais mensais à Administração efetuada por empresa sem registros de inadimplência contratual, não se justificando a desclassificação ou a anulação antecipada do certame. Entenderam que a demora foi razoável e proporcional e se encontra ajustada ao prazo do instrumento convocatório relativo à entrega e à análise dos documentos de habilitação na fase de lances, inexistindo prejuízo aos demais participantes que competiram em igualdade de condições. Segundo a Turma, a desclassificação da apelada não resultaria na chamada imediata da apelante, pois fora classificada apenas em quarto lugar, situação que implicaria a convocação de outras licitantes em posição superior e com melhores condições técnica, financeira e jurídica, conforme critérios de desempate (Lei Complementar 123/2006). Nessa conjuntura, o Colegiado manteve o reconhecimento da tempestividade da carta proposta e a adjudicação do objeto da licitação em favor da microempresa ré.

Acórdão 1268515, 07006974420198070001, Relator Des. FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2020, publicado no DJe: 5/8/2020.

Direito Ambiental

Rinha de galo – crime de maus-tratos contra animais

A manutenção de galos feridos e mutilados em acomodações inadequadas, associada à apreensão de instrumentos indicativos da prática de rinha, caracteriza o crime de maus-tratos de animais. O proprietário de um galpão de criação de aves foi condenado em primeira instância pela prática do crime de maus-tratos contra animais, nos termos do artigo 32, caput, da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998). Em sede de apelação, o Colegiado consignou que 27 galos domésticos foram encontrados com ferimentos e sinais de mutilação característicos da prática de rinha. As aves estavam acomodadas em gaiolas e baias escuras, sem ventilação, água e alimentos adequados. Além disso, os Magistrados destacaram a apreensão de diversos utensílios clínicos (biqueiras, buchas, lixas e serras), fato denunciativo da mutilação e da amputação dos animais. Nesse contexto, a Turma reconheceu a materialidade e a autoria do crime ambiental e negou provimento ao recurso.

Acórdão 1269153, 00004063120198070019, Relator Juiz ARNALDO CORRÊA SILVA, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 5/8/2020, publicado no PJe: 10/8/2020.

Direito Civil e Processual Civil

Locação em shopping center – paralisação de atividades em razão da pandemia – suspensão da cobrança de aluguel

A inflexibilidade de shopping center em renegociar contrato de locação de loja, mesmo diante da situação imprevisível e da onerosidade excessiva causadas pela pandemia de coronavírus, viola os princípios da boa-fé objetiva, da colaboração e da solidariedade. Dessa forma, é possível a suspensão da cobrança do aluguel por decisão judicial como forma de corrigir o desequilíbrio contratual. Empresa de esmalteria, locatária de imóvel localizado em shopping center, ajuizou ação de reequilíbrio econômico do contrato de locação, com pedido de tutela de urgência, haja vista a impossibilidade de exercer suas atividades no contexto da pandemia de coronavírus. A liminar foi deferida pelo Juízo a quo para suspender o pagamento do aluguel mínimo mensal contratualmente previsto e determinar o reajuste em percentual fixado sobre o faturamento da autora a partir de março de 2020. Irresignado, o empreendimento comercial interpôs agravo de instrumento, sob as alegações de que já havia concedido benefícios a todos os lojistas, indistintamente, e de que não caberia ao Poder Judiciário, por decisão liminar, impor a suspensão de obrigações que interfiram no cálculo financeiro do shopping. Na análise do recurso, os Desembargadores asseveraram que as medidas adotadas pela agravante não são capazes de atender os comerciantes de forma isonômica, pois estes, além de possuírem condições financeiras distintas, tiveram suas atividades negociais impactadas de maneiras diferentes pela pandemia. Consignaram que a agravada, uma microempresa prestadora dos serviços de manicure e pedicure, teve suas atividades totalmente paralisadas em razão dos sucessivos decretos expedidos pelo Governo do Distrito Federal, motivo pelo qual apresentou proposta de negociação do contrato, sem obter qualquer resposta específica. Segundo os Julgadores, a referida indisposição de negociar por parte do shopping caracteriza violação dos princípios da boa-fé objetiva, da colaboração e da solidariedade. Além disso, explicaram que é possível a intervenção judicial para revisão do contrato, nos termos do artigo 317 do Código Civil, na hipótese de falta de composição entre as partes, de imprevisibilidade dos fatos e de possível onerosidade excessiva do negócio. Nesse contexto, a Turma entendeu que, apesar do inquestionável impacto financeiro imposto pela pandemia sobre as atividades de ambas as partes, a violação dos princípios que regem os negócios jurídicos pela agravante e a demonstração das despesas da agravada durante período de completa paralisação das atividades justificam as medidas determinadas liminarmente, motivo pelo qual negou provimento ao recurso.

Acórdão 1269034, 07092833920208070000, Relator Des. HECTOR VALVERDE, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 29/7/2020, publicado no DJe: 10/8/2020.

Direito Constitucional

Retirada de vídeos de plataforma digital – abuso de direito não configurado – primazia da liberdade de expressão do pensamento

A exclusão de conteúdo armazenado em plataforma de compartilhamento de vídeo, como forma de limitação à liberdade de expressão, somente se justifica se constatado abuso de direito, sendo necessário ordem judicial específica ao provedor de busca.  Na origem, um parlamentar ajuizou ação de obrigação de fazer em desfavor da Google Brasil para exclusão de diversos vídeos publicados por dois produtores de conteúdo digital, os quais versam, de forma ofensiva, sobre a conduta do autor antes e depois do cargo eletivo que ocupa. Sustentou que as divulgações atingiram sua honra e imagem de forma intencional e ilícita. O Juízo sentenciante julgou improcedente o pedido. Na análise da apelação interposta pelo autor, os Desembargadores consignaram que o direito à liberdade de expressão representa o pluralismo da sociedade democrática e auxilia a construção de decisões coletivas por meio do debate público; logo, eventual restrição deve ser conduzida apenas na ocorrência de abuso de direito (artigo 187 do Código Civil). Acrescentaram que a garantia constitucional da livre manifestação do pensamento “assegura ao indivíduo o direito de declarar o que se passa em seu intelecto” e, como tal, representa tanto o direito de não ser arbitrariamente privado de se manifestar quanto a garantia de receber informações e conhecer o pensamento alheio. Segundo os Julgadores, a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) dispõe que o provedor de internet não será civilmente responsabilizado pelo conteúdo disponibilizado por terceiros, com o intuito de preservar a liberdade de expressão e coibir a censura. Asseveraram que somente após ordem judicial específica é que os hospedeiros de conteúdo deverão tornar indisponíveis vídeos considerados impróprios e/ou ilegais. Na hipótese, entenderam que as manifestações questionadas, apesar de grosseiras e ofensivas, não se referem à vida pessoal do apelante, mas à sua atuação como parlamentar. Pontuaram que o recorrente é pessoa pública e sua conduta política é suscetível de análises e opiniões como ônus do cargo que exerce, motivo pelo qual não se justifica a intervenção no conteúdo divulgado por meio da provedora de busca. Assim, concluíram que as publicações não ultrapassaram a finalidade social e econômica, a boa-fé ou os bons costumes no exercício do direito de expressão dos produtores digitais. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1268054, 07125721120198070001, Relator Des. ROBERTO FREITAS, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 29/7/2020, publicado no DJe: 4/8/2020.

Direito da Criança e do Adolescente

Armazenamento de vídeo em celular – cenas de sexo com bebê – fixação da pena-base

É desproporcional a fixação da pena-base no máximo legal quando existente apenas uma circunstância desfavorável, a despeito da extrema culpabilidade e da evidente ofensa aos direitos da criança na conduta de armazenar vídeo pornográfico envolvendo um bebê. Uma mulher, condenada por manter armazenado em celular vídeo de pequena duração contendo cenas de sexo explícito com um bebê, interpôs recurso para pedir sua absolvição por insuficiência de provas. Em defesa, argumentou desconhecer a procedência das imagens. Na análise da apelação, os Desembargadores reconheceram o elevado grau de culpabilidade para justificar a condenação às penas do artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), pois o vídeo mostrava uma cena de aproximadamente quinze segundos em que um adulto mantinha o órgão genital no rosto do infante, chegando a ejacular. Consignaram que a conduta da apelante demonstrou sua condescendência com o ato de extrema violência e completo desprezo à figura da criança, que é o sujeito da proteção penal violada. O Colegiado destacou que a apreensão da mídia e o depoimento idôneo do policial – que descobriu o arquivo fortuitamente durante a investigação de um golpe – são suficientes para embasar a condenação. Os Julgadores ressaltaram, entretanto, que a pena-base foi fixada com excessivo rigor no máximo legal, haja vista a presença de uma única circunstância judicial desfavorável. Desse modo, apesar de reconhecerem que a cena de barbárie evidenciou elevada ofensividade aos direitos da personalidade da criança, concluíram que a fixação em patamar extremo foi desproporcional, de acordo com os parâmetros normativos aplicáveis ao caso. Assim, a Turma reduziu a pena-base com fundamento no artigo 241-B, § 1º, do ECA, o qual prevê a incidência de causa redutora quando se tratar de pequena quantidade de material apreendido.

Acórdão 1269496, 07046193920198070019, Relator Des. GEORGE LOPES, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 30/7/2020, publicado no PJe: 12/8/2020.

Direito do Consumidor

“Golpe no whatsapp” – depósito em conta clonada por terceiro – culpa exclusiva do cliente

O consumidor que transfere dinheiro para conta bancária clonada por golpista, sem se cercar das cautelas mínimas necessárias para conferir a veracidade da informação recebida via aplicativo de mensagens, deve suportar, sozinho, o prejuízo causado por sua ação imprudente. Na origem, um usuário de telefonia móvel narrou ter recebido mensagem no whatsapp de pessoa que se identificou como amigo para solicitar o empréstimo de determinada quantia. Declarou que foi induzido em erro, pois realizou a transferência para conta-corrente clonada por um desconhecido, imaginando se tratar de pessoa próxima – "golpe no whatsapp". Relatou que, embora tenha registrado boletim de ocorrência relativo à fraude, não conseguiu o estorno do dinheiro, razão pela qual pleiteou o ressarcimento em ação de indenização. Os pedidos foram julgados procedentes em primeira instância, e a empresa ré foi condenada ao pagamento de danos materiais, no importe transmitido ao fraudador, além de três mil reais por danos morais. Inconformada, a ré interpôs apelação. Em grau de recurso, a Turma consignou que a responsabilidade objetiva do fornecedor deve ser afastada quando este demonstrar que o dano foi causado por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros (artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor). Entendeu que, na hipótese, a fraude não ocorreu mediante clonagem de chip do celular gerenciado pela operadora de telefonia ou com a participação de seus funcionários, mas por acesso indevido de terceiro ao aplicativo de mensagens instantâneas. Aduziu que o consumidor não foi diligente ao transferir valor significativo para conta bancária clonada (R$ 1.100), uma vez que efetivou o depósito sem conferir a veracidade do conteúdo da mensagem. Os Julgadores concluíram, portanto, que o cliente agiu sem a cautela e a segurança mínimas que seriam adotadas pelo homem médio em situações análogas, de modo a impedir o desfalque. Assim, o Colegiado deu provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos e excluir a responsabilidade civil da operadora de telefonia.

Acórdão 1269877, 07101878120198070004, Relator Des. DIAULAS COSTA RIBEIRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 29/7/2020, publicado no DJe: 12/8/2020.

Tumulto e desorganização em estádio – falha na prestação de serviço – danos a torcedor com deficiência física

O excesso de desorganização em partida de futebol, que impede torcedor com deficiência de usufruir adequadamente do entretenimento, configura falha na prestação do serviço prestado por empresa de eventos e gera danos materiais e morais ao consumidor prejudicado. Na origem, um torcedor de futebol ajuizou ação por danos materiais e morais contra a empresa de eventos que organizou partida entre Botafogo e Palmeiras no Estádio Mané Garrinha, por falta de organização do evento. Sustentou a formação de longas filas, a liberação de catracas sem controle do público e a não localização de sua cadeira, circunstâncias que o impediram de desfrutar satisfatoriamente do jogo. O Sentenciante julgou procedente a pretensão inicial, decisão contra a qual a requerida interpôs apelação. Ao analisar o recurso, o Colegiado reconheceu que os serviços não foram prestados na forma pactuada e que a desorganização do evento gerou enorme tumulto e confusão, o que dificultou a entrada do autor no espetáculo, com os padrões de segurança esperados para um jogo de grande porte. Os Julgadores observaram que o consumidor não conseguiu sequer assistir à partida, pois o ingresso o direcionou equivocadamente para a arquibancada superior, em vez da área VIP a que tinha direito, e o pessoal contratado para fazer o apoio lhe negou acesso ao elevador que permitia chegar ao local correto. Consignaram que, diante da situação caótica, o requerente, de fato, não desfrutou do entretenimento a contento, mormente por ser portador de esclerose múltipla, cuja condição física não lhe permite manter-se de pé por longos períodos, razão pela qual teve de se sentar de costas para o campo durante a partida. Assim, os Juízes entenderam que houve falha na prestação de serviço, ensejando prejuízos ao autor que transbordaram os limites dos meros aborrecimentos toleráveis. No que concerne ao quantum indenizatório, a Turma afirmou que este deve ser pautado pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sopesando as condições econômicas das partes envolvidas, sob pena de gerar enriquecimento sem causa. Com isso, deu provimento em parte ao recurso para reduzir o valor da indenização por dano moral, antes fixada em R$ 5 mil, para R$ 2.500; bem como manteve a restituição dos R$ 130, desembolsados para aquisição do bilhete de entrada.

Acórdão 1270635, 07316980220198070016, Relator Juiz ALMIR ANDRADE DE FREITAS, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 3/8/2020, publicado no DJe: 14/8/2020.

Direito Empresarial

Cessão fiduciária de recebíveis – decretação da recuperação judicial da empresa cedente – impossibilidade de liberação das “travas bancárias” – direito de crédito incorporado ao patrimônio da instituição cessionária

A decretação de recuperação judicial após o aperfeiçoamento do contrato de cessão fiduciária – “travas bancárias” – não interfere nos efeitos do negócio jurídico, porque já consolidada a transferência dos créditos ao patrimônio da instituição cessionária. Na origem, três empresas realizaram cessão fiduciária de direitos creditórios com as instituições financeiras requeridas. Após o ajuste celebrado, foi deferido o processamento da recuperação judicial das sociedades cedentes, que se valeram dessa condição para requerer a suspensão dos efeitos do contrato perante o Juiz singular, o qual negou o pedido. Inconformado, o grupo empresarial interpôs agravo de instrumento. Na análise do recurso, os Desembargadores explicaram que a cessão fiduciária de recebíveis, denominada "travas bancárias”, consiste em negócio jurídico no qual uma das partes cede à outra seus direitos de créditos perante terceiros como garantia do cumprimento de obrigações, geralmente as de mutuário, cuja regulamentação se encontra disciplinada no artigo 66-B da Lei 4.728/1965. Ressaltaram que, nessa modalidade de contrato, celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, opera-se verdadeira transferência de crédito, assegurada ao cessionário fiduciário a continuidade do recebimento de valores até a liquidação da dívida garantida. Nesse contexto, os Magistrados entenderam que alegar irregularidades no negócio jurídico após ter usufruído dos benefícios, ao argumento do princípio da continuidade e da preservação da empresa, implica invocação de comportamento contraditório em benefício próprio. Asseveraram que, não obstante a recuperação judicial, devem ser prestigiados os princípios da autonomia de vontade e do ato jurídico perfeito consolidados anteriormente à decretação da recuperação judicial. Os Julgadores acrescentaram que o pedido de alteração de domicílio bancário se mostra igualmente desprovido de fundamento legal, uma vez que pode ser feito sem a intervenção judicial, desde que mantidos os termos do contrato ajustado. Com isso, a Turma negou provimento ao agravo.

Acórdão 1268498, 07015476720208070000, Relator Des. TEÓFILO CAETANO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2020, publicado no DJe: 5/8/2020.

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar

Prisão em flagrante – não apresentação do detido à delegacia nem registro de ocorrência policial – crimes militares de prevaricação e constrangimento ilegal

As condutas de transportar pessoa presa em flagrante no cubículo de viatura policial e de permanecer com o detido por tempo considerável, sem encaminhá-lo à delegacia nem registrar a ocorrência dos fatos, configuram os crimes militares de constrangimento ilegal e prevaricação. Três policiais militares do Distrito Federal interpuseram apelação contra sentença que os condenou por lesão corporal, prevaricação e constrangimento ilegal, em decorrência de condutas praticadas durante a abordagem de um motorista bêbado na direção de veículo automotor. Na análise do recurso, os Desembargadores entenderam que o conjunto probatório não foi suficiente para embasar a condenação por lesão corporal (artigo 209 do Código Penal Militar), haja vista que o depoimento das testemunhas destoou da narrativa dos agentes e das características dos ferimentos nas vítimas. Por um lado, aduziram ser plenamente possível que um aglomerado de pessoas, alteradas em razão do consumo de bebida alcoólica, representasse perigo real à ação da polícia. Por isso, entenderam previsível a reação dos PMs, com uso de spray de pimenta e balas de borracha, para repelir a aproximação de curiosos que tentaram interferir na atuação deles. Assim, a dúvida, neste particular, militou em favor dos agentes públicos. Por outro lado, a Turma asseverou que os requeridos incorreram em crime de constrangimento ilegal (artigo 222 do CPM), ao transportar o conduzido no cubículo da viatura, por tempo considerável, liberando-o a uns três quilômetros do local da abordagem, sem encaminhá-lo à delegacia para lavratura do boletim de ocorrência. Contudo, o Colegiado explicou que, embora a ação tenha sido praticada por todos, o delito não pode ser imputado indistintamente ao grupo, mas apenas ao sargento que comandava a viatura, porque tinha o dever legal de agir corretamente, na condição de superior hierárquico dos outros dois soldados. No que diz respeito ao crime de prevaricação (artigo 319 do CPM), assentou que a conduta dos réus se amolda ao tipo penal, pois os servidores deixaram de fazer o que lhes era devido por ofício, com a finalidade de mera satisfação de interesse pessoal. Em conclusão, os Julgadores deram provimento parcial ao apelo.

Acórdão 1265444, 00044021720178070016, Relator Des. SEBASTIÃO COELHO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 23/7/2020, publicado no DJe: 4/8/2020.

Direito Tributário

Base de cálculo de ICMS nas vendas a prazo – parcelamento feito pelo comerciante – inclusão das taxas cobradas por operadoras de cartão

A base de cálculo do ICMS para negociação a prazo é a soma de toda a operação, o que inclui as taxas das operadoras de crédito quando não há prova de que o produto vendido foi financiado por terceiro; a despeito disso, para não configurar confisco, a multa sobre a omissão de receita não pode exceder a 100% sobre o valor principal. O Distrito Federal e uma empresa de comércio eletrônico interpuseram apelações contra sentença que, ao reconhecer débito oriundo do não recolhimento de ICMS, reduziu a multa fixada sobre o valor principal. O ente federado sustentou não ter havido confisco na espécie. A sociedade, em contrapartida, se insurgiu contra a base de cálculo do tributo que, na sua interpretação, deveria suprimir o valor retido pela operadora de cartões; além disso, questionou o aproveitamento de créditos e o montante da multa. Ao examinarem os recursos e a remessa oficial, os Desembargadores esclareceram que o compartilhamento de informações entre as administradoras de cartões e o Fisco revelou omissão de receita por parte da autora com relação a operações mercantis e prestações de serviços, haja vista que a pessoa jurídica comunicou à Fazenda Pública valores inferiores aos efetivamente transacionados. Explicaram que a base de cálculo do imposto é o valor de toda a operação (artigo 13, I, da Lei Complementar 87/1996), cuja soma pode ser parcelada com acréscimo pelo próprio comerciante, o qual retém o lucro, mas a quem também incumbe a obrigação de recolher o tributo calculado sobre o montante da venda completa. No caso concreto, como a empresa não comprovou que as operações foram financiadas por terceiro, o Colegiado entendeu que todo o somatório, inclusive as taxas das maquininhas, deveria compor a base para o ICMS, de modo que não há falar em cobrança abusiva ou violação ao princípio do não confisco. A Turma negou o direito ao aproveitamento de créditos – requerido com base no artigo 155, § 2º, I, da Constituição Federal – porque a apelante omitiu receita tributável entre os anos de 2016 e 2018, e um dos requisitos para a compensação pretendida é exatamente a constatação de idoneidade na escrituração contábil da sociedade. Ao final, os Julgadores asseveraram que a aplicação da multa punitiva em percentual de 200% não é razoável nem proporcional para os fins a que se destina. Por tal motivo, mantiveram a redução para 100% sobre o montante da obrigação principal.

Acórdão 1267901, 07081036520198070018, Relatora Desª. GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2020, publicado no DJe: 3/8/2020.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Eliane Torres Gonçalves, Maria Celina Fernandes de Souza e Risoneis Alvares Barros 

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

Acesse também:

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Decisões em Evidência

Direitos fundamentais na visão do TJDFT

Doutrina na Prática

Entendimentos Divergentes no TJDFT

Inconstitucionalidades

Jurisprudência Administrativa Interna

Jurisprudência em Detalhes

Jurisprudência em Perguntas

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Lei Maria da Penha na visão do TJDFT

Novo Código de Processo Civil e o TJDFT

Saúde e Justiça