Informativo de Jurisprudência n. 421
Período: 16 a 31 de agosto de 2020
Versão em áudio: informativo421.mp3 — 30.4 MB
Publicação: 23 de setembro de 2020
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Índice
Direito Administrativo
- Construção em imóvel público – impossibilidade de acessão inversa ou invertida
- Posse inacumulável em outro cargo público – direito à vacância no cargo antecedente
Direito Ambiental
- Ação civil pública – ocupação de sítio de voo instalado em área de proteção ambiental – violação do interesse coletivo
Direito Civil e Processual Civil
- Ação de execução – pesquisa e bloqueio de ativos sob a guarda de instituições financeiras digitais (Fintechs) – expedição de ofício judicial
- Prorrogação indefinida do mandato de síndico durante a pandemia – encargo delimitado – validade de eleição por meios que assegurem o distanciamento social
Direito Constitucional
- Ação popular – ausência de indicação de ato concreto – meio processual não sucedâneo do controle de constitucionalidade
Direito do Consumidor
-
Queda de placa de metal na cabeça de consumidor – falha na prestação de serviço – dano moral
Direito Empresarial
-
Rede hoteleira internacional – empresa brasileira de mesma marca – grupo econômico não caracterizado
Direito Penal e Processual Penal
- Teoria da “cegueira deliberada” em delito de lavagem de dinheiro – aplicabilidade – corrupção ativa e passiva entre políticos e empresários
Direito Tributário
-
Isenção de IPVA para aquisição de veículo novo – pessoa com deficiência – não atendimento de requisito previsto em lei
Direito Administrativo
Construção em imóvel público – impossibilidade de acessão inversa ou invertida
A construção realizada em bem pertencente a empresa pública, ainda que de boa-fé e de valor consideravelmente superior ao do imóvel, não autoriza a aquisição da propriedade por meio de acessão inversa, haja vista a indisponibilidade dos bens públicos. Um particular propôs ação de conhecimento contra a Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP com a pretensão de adquirir imóvel público, mediante pagamento de indenização, em razão da construção de um hangar cujo valor superaria consideravelmente o do bem perseguido. O Juízo a quo julgou improcedente o pedido com base na indisponibilidade dos bens públicos e na constatação da precariedade da ocupação do terreno. Em sede de apelação, os Desembargadores esclareceram que o apelante pretende a aquisição do solo por meio da acessão inversa ou invertida, sob a alegação de que o edifício de aeronaves fora construído de boa-fé, conforme previsão do parágrafo único do artigo 1.255 do Código Civil. Entretanto, destacaram os Magistrados que a análise da intenção ou da má-fé do requerente não é elemento relevante para o deslinde do litígio, porquanto o hangar foi erguido em terreno de propriedade da TERRACAP, bem imóvel público, fato que inviabiliza o pleito autoral. Além disso, a Turma ponderou que, se o ordenamento jurídico, por meio de interpretação sistemática de normas constitucionais (artigos 183, § 3º, e 191 da Constituição Federal), veda a aquisição originária de propriedade pública por meio de usucapião – instituto jurídico mais antigo e com mais requisitos a serem atendidos pelo interessado –, maior razão persiste na impossibilidade jurídica da acessão invertida. Dessa forma, por ostentar natureza de bem público, o Colegiado entendeu que não há de se falar em usucapião, tampouco em acessão artificial, e negou provimento ao recurso.
Acórdão 1275495, 07022828020198070018, Relator Des. ROMEU GONZAGA NEIVA, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 19/8/2020, publicado no DJe: 24/8/2020.
Posse inacumulável em outro cargo público – direito à vacância no cargo antecedente
O servidor público estável tem direito à vacância do cargo efetivo até então ocupado quando tomar posse em outro cargo público inacumulável, independentemente do regime jurídico da nova função, ou seja, ainda que o novo vínculo aconteça com ente de outra esfera da Federação. A autora, ocupante do cargo de Técnico de Transportes Urbanos no DFTrans, teve negado pela Administração Pública o pedido de vacância com a finalidade de tomar posse no cargo de Técnico Judiciário do TJDFT, órgão integrante do Poder Judiciário da União. Proposta ação para determinar a recondução da ex-servidora à função de origem, o Juiz de primeira instância considerou que a exoneração teria se dado a pedido e, por isso, julgou improcedente a pretensão autoral. Em grau de recurso, a Turma consignou que a Lei Complementar 840/2011 estabelece que o servidor estável distrital, em razão de posse em outro cargo inacumulável, pode pedir a vacância do cargo anteriormente ocupado desde que o novo vínculo se estabeleça com órgão, autarquia ou fundação do Distrito Federal, apenas. Na hipótese, destacou que não há comprovação pela Administração Pública do pedido de exoneração. Com efeito, pontuaram os Magistrados que o requerimento de vacância fora indeferido em razão de o novo cargo público não pertencer aos quadros funcionais do Distrito Federal, conforme preconiza o artigo 54 da mencionada Lei Complementar Distrital. Nesse contexto, os Julgadores asseveraram que as hipóteses de vacância devem ser ampliadas para situações de posse em cargos de outras esferas administrativas. Além disso, ponderaram que, uma vez indeferido o pedido de vacância formulado pela autora e verificada a acumulação ilegal de cargos, a Administração deveria ter oportunizado o exercício do direito de opção por um deles, nos termos do artigo 48 da LC 840/2011. Dessa forma, o Colegiado reconheceu a nulidade do ato de exoneração e determinou a recondução da autora ao cargo de origem.
Acórdão 1271335, 07627649720198070016, Relator Juiz CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 4/8/2020, publicado no DJe: 21/8/2020.
Direito Ambiental
Ação civil pública – ocupação de sítio de voo instalado em área de proteção ambiental – violação do interesse coletivo
A ocupação de unidade de conservação ambiental, sem autorização da Administração Pública, para realizar atividade de pilotagem de aeronave leve com risco de causar danos ao meio ambiente e à coletividade viola o interesse público. Na origem, o Ministério Público ajuizou uma ação civil pública contra o Distrito Federal, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (IBRAM) e a Associação Representativa dos Pilotos de Ultraleve de Brasília (APUB) com o intuito de suspender termo de compromisso ambiental firmado pelo instituto, em afronta a decreto distrital, para autorizar a associação a ocupar um parque ecológico após dez anos de uso irregular da área pública. Além disso, requereu a interdição das práticas de voo, da escola de pilotagem e do funcionamento do posto de combustível lá instalado, bem como a efetiva desocupação da área. O Juízo sentenciante reconheceu a perda de objeto do pedido relacionado ao acordo ambiental – porque revogado no curso da lide – e julgou improcedentes os demais. O Órgão Ministerial interpôs apelação. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que as atividades econômicas exercidas no aeródromo representam riscos de danos imprevisíveis para a unidade de conservação, haja vista a falta de licenciamento ambiental para as construções realizadas, o perigo concreto de ocorrência de acidentes aéreos e a ameaça de ruptura de adutora de água de alta pressão, sobre a qual foi ampliada uma pista de pouso. Ressaltaram a necessidade de condenar o IBRAM a se abster de atos que permitam o funcionamento das atividades da associação no local, a fim de evitar que o uso precário e irregular da região possa ser convalidado, como ocorreu com a assinatura do termo de compromisso ambiental. Destacaram ainda a importância da retirada da associação da área, sob pena de tornar inócuas não só a atuação administrativa, mas as próprias decisões judiciais. Com isso, a Turma deu parcial provimento ao recurso e determinou a desocupação da área no prazo de trinta dias, sob pena de multa diária, em homenagem ao princípio da precaução – que rege o direito ambiental – e à prevalência do interesse público.
Acórdão 1271746, 00249404720168070018, Relator Des. JOSÉ DIVINO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 12/8/2020, publicado no DJe: 17/8/2020.
Direito Civil e Processual Civil
Ação de execução – pesquisa e bloqueio de ativos sob a guarda de instituições financeiras digitais (Fintechs) – expedição de ofício judicial
Em caso de ação executiva, revela-se plausível o deferimento de ofício judicial a instituições financeiras digitais – Fintechs – para informar a existência de eventuais valores em nome do executado, porque tais entidades não são alcançadas pelo sistema BacenJud na pesquisa de ativos. Em ação de execução de título extrajudicial promovida por instituição bancária contra particulares, o Juízo a quo indeferiu o pedido de expedição de ofício a entidades financeiras digitais – Fintechs – para informar a existência de cadastro e possíveis valores disponíveis em nome dos devedores. Interposto agravo de instrumento, fora concedida a antecipação da tutela recursal em razão do perigo de esvaziamento das contas digitais, haja vista a facilidade de movimentação de quantias em plataformas eletrônicas. Por ocasião da análise do mérito, os Desembargadores informaram a prévia realização de pesquisa no BacenJud, mas os valores encontrados não foram suficientes para saldar o débito. Destacou que o mencionado sistema é instrumento de comunicação entre o Poder Judiciário e instituições participantes, com intermediação do Banco Central do Brasil, concebido para viabilizar a indisponibilidade de ativos financeiros dos executados. Em continuidade, pontuaram que as Fintechs, por atuarem exclusivamente por meio eletrônico com a oferta de produtos e serviços financeiros, não integram a base de dados de consulta do BacenJud e, portanto, os ativos nelas constantes não são alcançados por eventual ordem de bloqueio. Nesse sentido, a Turma destacou que, embora caiba primordialmente ao credor a realização de diligências para a localização de bens dos executados, afigura-se plausível a expedição de ofício judicial àquelas entidades a fim de auxiliar a parte no prosseguimento do feito e dar efetividade à tutela jurisdicional do Estado. Dessa forma, o Colegiado deu provimento ao agravo para determinar a expedição de ofícios às Fintechs indicadas pelo credor.
Acórdão 1273528, 07199932120208070000, Relator Des. RÔMULO DE ARAÚJO MENDES, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 12/8/2020, publicado no DJe: 24/8/2020.
Prorrogação indefinida do mandato de síndico durante a pandemia – encargo delimitado – validade de eleição por meios que assegurem o distanciamento social
A prorrogação do mandato de síndico por prazo indeterminado, requerida com base na quarentena imposta pelo coronavírus, não se adequa às disposições do Código Civil e à existência de alternativas viáveis para a escolha de novo representante, por meio virtual, sem custos e com resultados legítimos. Em procedimento de jurisdição voluntária, um condomínio interpôs agravo de instrumento contra decisão que prorrogou, por prazo determinado e improrrogável, o mandato da atual síndica, assegurada a realização de eleição virtual ou votação presencial, se respeitado o distanciamento exigido pelos tempos da pandemia. O agravante sustentou a indeterminação do mandato durante a quarentena, haja vista a continuidade da obrigação que a mandatária tem de prestar contas, administrar e representar os moradores. Ao examinarem o recurso, os Desembargadores explicaram que a situação de anormalidade decorrente do coronavírus requer a adoção das normas recomendadas pelas autoridades sanitárias, especialmente quanto à restrição do agrupamento de pessoas. Asseveraram competir ao síndico a representação dos condôminos e a prática de atos na defesa dos interesses comuns (artigo 1.348 do Código Civil), mas alertaram que a escolha em assembleia se dá para mandato com prazo máximo de dois anos, garantida a reeleição (artigo 1.347 do CC). Nessa linha, o Colegiado entendeu que não se mostra prudente a prorrogação indefinida do encargo da síndica, quando existem alternativas viáveis para a escolha de novo representante, inclusive por meio virtual, sem custos e com resultados legítimos. A Turma acrescentou que a sociedade tem-se adequado bem às condições peculiares dos tempos atuais e, assim, por tais razões, negou provimento ao agravo.
Acórdão 1268967, 07112996320208070000, Relatora Desª. LEILA ARLANCH, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 29/7/2020, publicado no DJe: 18/8/2020.
Direito Constitucional
Ação popular – ausência de indicação de ato concreto – meio processual não sucedâneo do controle de constitucionalidade
A ação popular não é o meio processual adequado para realizar o controle de constitucionalidade abstrato de norma, pois destina-se a questionar a validade de atos lesivos concretos ao meio ambiente ou ao patrimônio público. Na origem, dois cidadãos propuseram ação popular em razão de suposta omissão do Distrito Federal em legislar sobre a utilização de fogos de artifício que produzam ruído em patamar acima do permitido pela Resolução 1/1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Sustentaram que o som dos estampidos pode provocar danos irreparáveis aos animais e aos seres humanos. O Juízo sentenciante julgou os pedidos improcedentes. Interposta a apelação, os Desembargadores consignaram que a pretensão dos autores não se volta para a nulidade de ato lesivo concreto, mas, sim, para alegada inadequação da norma que dispõe sobre a fabricação, o comércio e o uso de artigos pirotécnicos (Decreto-Lei 4.238/1942). Nesse contexto, explicaram que as hipóteses de cabimento da ação popular estão enumeradas no artigo 5º, LXXIII, da Constituição Federal, o qual inclui a matéria ambiental, mas não com a abordagem extensiva desejada pelos postulantes. Ressaltaram que o pleito autoral foi equivocado ao “utilizar a ação popular como via transversa para obter a declaração parcial de nulidade da norma sem redução de texto”, pois, para atacar o ato supostamente danoso, investiram contra a lei em tese, almejando, de forma indireta, o controle abstrato. O Colegiado ratificou as razões de decidir da sentença a fim de, excepcionalmente, admitir a declaração de inconstitucionalidade de lei por meio da ação popular; todavia, nesse caso, a controvérsia que envolve dispositivo da Constituição não deve ser o pedido principal. Desse modo, entendeu ser inviável admitir o manejo da ação popular como substitutivo da ação própria, pois aquela reveste-se de natureza eminentemente desconstitutiva. Aduziu, assim, que a via eleita não é o meio processual adequado para condenar o ente federado à obrigação de fazer consistente na elaboração de lei que estabeleça limites à poluição sonora. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1274083, 07067915420198070018, Relator Des. EUSTÁQUIO DE CASTRO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 13/8/2020, publicado no DJe: 26/8/2020.
Direito do Consumidor
Queda de placa de metal na cabeça de consumidor – falha na prestação de serviço – dano moral
Acidente ocorrido nas dependências de parque aquático que causa traumatismo craniano em consumidor caracteriza falha na segurança do serviço prestado e gera dano moral. O consumidor comemorava o dia dos pais com a família no bar da piscina de um parque aquático, quando foi atingido por uma placa de metal que se desprendeu de duas hastes próximas ao local, impacto que lhe custou 32 pontos na parte frontal da cabeça. A vítima ajuizou ação de indenização por dano moral contra o clube, o qual foi condenado a pagar a importância de R$ 10.000,00, devido à gravidade dos fatos, ao descaso na manutenção do lugar e à falta de assistência no momento do acidente. Na análise do recurso interposto pela empresa requerida, os Magistrados consignaram que a versão do sinistro narrada pelo autor foi corroborada pelas provas juntadas ao processo, o que evidencia a responsabilidade do parque pela falha na prestação do serviço (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor). Destacaram a severidade das lesões, haja vista o traumatismo craniano sofrido em razão da queda da placa de ferro, além da dor e do abalo decorrentes do prejuízo à saúde e à integridade física do requerente. Nesse contexto, a Turma entendeu ser devida a reparação por dano moral, considerando razoável e proporcional o valor arbitrado pelo Juízo a quo.
Acórdão 1267497, 07384542720198070016, Relator Juiz FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 17/7/2020, publicado no DJe: 28/8/2020.
Direito Empresarial
Rede hoteleira internacional – empresa brasileira de mesma marca – grupo econômico não caracterizado
A utilização de bandeira hoteleira internacional não implica a existência de grupo econômico, se ausentes os elementos característicos dessa composição societária, especialmente o controle centralizado e a comunhão de esforços para a obtenção dos melhores resultados empresariais. Dois turistas brasileiros que passaram as férias no México propuseram ação de indenização contra rede hoteleira internacional em razão de furto ocorrido nas dependências do hotel onde se hospedaram. Argumentaram a responsabilidade solidária de grupo empresarial existente no Brasil e que utiliza a mesma marca do estabelecimento no exterior. O pedido foi julgado improcedente em primeira instância, sentença contra a qual os autores recorreram. Ao examinarem a apelação, os Desembargadores esclareceram inicialmente que as sociedades integrantes do mesmo grupo econômico não respondem de forma solidária, mas podem vir a ser condenadas subsidiariamente, em caso de deficiência patrimonial do fornecedor que provocou o dano (artigo 28, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor). Explicaram também que a formação de uma agremiação societária se caracteriza pelo conjunto de pessoas jurídicas empresariais, unidas sob controle político centralizado e que atuam de maneira sincronizada para garantir a maior eficiência de suas atividades. No caso concreto, todavia, os Julgadores entenderam que não ficou configurada a formação do grupo societário em questão. Muito embora a empresa ré ostente idêntico nome fantasia do hotel no exterior, não possui com ele qualquer relação jurídica. O Colegiado alertou, por fim, que a simples vinculação entre marcas não é o suficiente para evidenciar a formação de grupo econômico, quando ausente o “entrelaçamento jurídico” exigido pela lei de regência, seja pelo comando central, seja pela convergência de esforços para atingir os melhores resultados (artigos 265 e seguintes da Lei 6.404/1976). Com tais fundamentos, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1267710, 07088472520178070020, Relator Des. JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 29/7/2020, publicado no DJe: 28/8/2020.
Direito Penal e Processual Penal
Teoria da “cegueira deliberada” em delito de lavagem de dinheiro – aplicabilidade – corrupção ativa e passiva entre políticos e empresários
A teoria da “cegueira deliberada” é aplicável ao crime de lavagem de capitais na hipótese em que os réus, por escolha consciente, ignoram a origem ilícita da vantagem econômica obtida mediante atos de corrupção e, a despeito da ilegalidade, realizam condutas direcionadas para dissimular e ocultar a aquisição irregular de ativos. Na origem, o Ministério Público ofereceu denúncia contra ex-governador do Distrito Federal por aceitar apartamentos em troca de obter facilidades na repactuação de financiamento de dívida em instituição bancária pública distrital. A sentença condenou o ex-político e outras pessoas, denunciadas no mesmo contexto fático, pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e ocultação de bens (artigos 317 e 333 do Código Penal; artigo 1º da Lei 9.613/1998). Em recursos interpostos pelos réus, os Julgadores entenderam que as condutas criminosas ficaram comprovadas por meio do oferecimento de doze unidades residenciais para o ex-chefe do Executivo local – levado a efeito por sócios da construtora, com o objetivo de obter vantagem econômica indevida – e do político, pela atitude de aceitar receber tais bens, em troca da promessa de influência sobre ex-dirigentes do banco. Como a corrupção passiva é crime formal, os Desembargadores aduziram ser irrelevante o fato de o proveito econômico não ter sido efetivamente recebido pelos agentes públicos. Do mesmo modo, consideraram indiferente para a tipificação do crime a transação comercial ter observado as normas bancárias de liquidez e segurança. Em razão da conjuntura em que ocorreram as negociações delituosas, o Colegiado decidiu aplicar ao crime de lavagem de capitais a teoria da “cegueira deliberada”. Concluiu, na hipótese, que os réus preferiram ignorar a ilicitude da oferta e, mesmo cientes da natureza criminosa da propina, realizaram diversas condutas direcionadas à percepção do proveito econômico indevido. Os Magistrados constataram, por exemplo, a inclusão de honorários advocatícios fictos nos aditivos de contrato do refinanciamento. Ocorre que esse tipo de negócio sequer gera a percepção de tal verba, a qual serviu exclusivamente para dissimular e ocultar a origem ilegal das transações. Por fim, a Turma reconheceu as causas de aumento de pena nos crimes de corrupção, porque os empregados do banco infringiram dever funcional, ao inserir a renegociação da dívida em ata de reunião oficial, de modo fraudulento e à revelia da diretoria da instituição. Com isso, os Desembargadores negaram provimento às apelações dos réus, mas deram provimento parcial ao recurso do MP, para elevar a dosimetria da pena, em vista do elevado grau de reprovabilidade dos atos cometidos contra a Administração Pública do DF. Mantiveram ainda o montante de 510 mil reais de indenização civil mínima, a título de reparação de danos ao erário.
Acórdão 1272264, 00047354820168070001, Relator Des. JAIR SOARES, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 13/8/2020, publicado no PJe: 18/8/2020.
Direito Tributário
Isenção de IPVA para aquisição de veículo novo – pessoa com deficiência – não atendimento de requisito previsto em lei
A pessoa com deficiência não possui direito adquirido à isenção de IPVA para veículo novo quando opta por comprá-lo em valor acima do teto de dispensa, estabelecido por lei posterior ao fato gerador, e que impõe condição nova e limitativa a contribuintes dessa categoria. Um contribuinte com deficiência física impetrou mandado de segurança contra ato do Secretário de Economia do Distrito Federal para garantir o direito à isenção de IPVA de seu carro novo, adquirido em 2020. Alegou que a lei mais recente sobre a matéria, ao fixar um parâmetro máximo de preço para a concessão do benefício fiscal, não poderia retroagir em prejuízo do direito já reconhecido em anos anteriores. Ao apreciarem o mandamus, os Desembargadores consignaram que a Lei Distrital 6.466/2019 passou a estabelecer um teto limite de custo para a compra de veículos novos, de modo a propiciar a isenção do IPVA à pessoa com deficiência. Observaram que a negativa da benesse ocorreu porque o impetrante comprou um automóvel de quase 100 mil reais, montante que superou o teto de desoneração fiscal permitido para a categoria, delimitado em 70 mil reais, previsto como novo pré-requisito elencado na norma. Os Julgadores entenderam que, in casu, a autoridade coatora apenas aplicou a lei tributária mais nova – e já vigente à época da ocorrência do fato gerador do imposto – em observância ao princípio da legalidade estrita, que rege as hipóteses de isenção. Segundo os Magistrados, o fato de o impetrante ter usufruído da dispensa em anos anteriores, inclusive em 2019, não significa direito adquirido ao benefício, pois necessário reunir as condições essenciais preceituadas na lei específica. Por fim, o Colegiado negou o pedido de lançamento parcial da alíquota do imposto, relativo à quantia que excedeu ao teto de isenção, cerca de 30 mil reais, porque o artigo 111 do Código Tributário Nacional veda a ampliação ou o fracionamento nos casos de exclusão do débito. Nesse particular, ressaltou que a flexibilização dessa regra acarretaria danos à fiscalização e à arrecadação do IPVA pela Fazenda do DF, haja vista que a hipótese de incidência e a base de cálculo do imposto podem sofrer alterações durante o exercício financeiro anual e que cabe ao contribuinte se adequar a tais ajustes. Assim, a Câmara denegou a segurança.
Acórdão 1274838, 07008755920208070000, Relator Des. JOÃO EGMONT, 2ª Câmara Cível, data de julgamento: 17/8/2020, publicado no DJe: 28/8/2020.
Informativo
1ª Vice-Presidência
Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito
Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto
Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Eliane Torres Gonçalves, Paulo Gustavo Barbosa Caldas e Risoneis Alvares Barros
Revisão: José Adilson Rodrigues
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR
As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.
Acesse também:
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Entendimentos Divergentes no TJDFT
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Lei Maria da Penha na visão do TJDFT