Publicação: 7 de outubro de 2020

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Índice

Direito Administrativo

  • Cotas raciais em concurso público – necessidade de critérios objetivos na fase de heteroidentificação

Direito Ambiental

  • Evento ‘Na Praia’ – dano moral em decorrência da perturbação do sossego

Direito Civil e Processual Civil

  • Penhora de veículo utilizado em transporte de paciente com câncer – afastamento da constrição – prevalência do direito à saúde

Direito Constitucional

  • Vídeo ofensivo divulgado na internet por presidente de sindicato – violação à imagem e à honra de filiado – danos material e moral

Direito da Criança e do Adolescente

  • Vara da Infância e da Juventude – audiência por videoconferência – medida de contenção da pandemia e da proteção do menor

Direito do Consumidor 

  • Compra de cosméticos à base de veneno de cobra – consumidora hipervulnerável pela idade avançada – ausência de abusividade

Direito Empresarial

  • Empresa “multinível” – multiplicação ficta de associados – dano moral a pessoa jurídica

Direito Penal e Processual Penal

  • Quebra do sigilo de dados armazenados em “nuvem” e em correio eletrônico – obrigatoriedade de disponibilização do conteúdo pela empresa responsável – Marco Civil da Internet 

Direito Previdenciário

  • Declaração para reconhecimento de tempo de serviço como aluno-aprendiz para aposentadoria – necessidade de preenchimento dos requisitos previstos em norma federal

Direito Tributário

  • Retificação extemporânea de declaração de IR – doação de quantia em dinheiro – incidência de ITCMD

Direito Administrativo

Cotas raciais em concurso público – necessidade de critérios objetivos na fase de heteroidentificação

Em concurso público, a fase de heteroidentificação – realizada para conferir a veracidade da autodeclaração dos candidatos negros que concorrem às vagas reservadas ao sistema de cotas raciais – deve pautar-se por critérios estritamente objetivos para a análise do fenótipo do concorrente, sob pena de ilegalidade. Candidata que se autodeclarara negra para participar de concurso público, pelo sistema de cotas raciais, para cargo no Ministério Público da União ingressou em juízo contra a banca examinadora por ter sido eliminada na etapa de heteroidentificação. Em sede de primeiro grau, foi reconhecida a condição de cotista à autora a fim de mantê-la na classificação do certame. Ao analisar a apelação interposta pela organizadora do concurso, o Colegiado esclareceu que o sistema de cotas constitui elevada ação afirmativa para promover a ascensão social dos notoriamente discriminados, mormente quando se considera a conformação histórica do racismo estrutural brasileiro. Trata-se de discriminação positiva voltada para possibilitar a fática consagração do princípio constitucional da igualdade, estabelecido pela Lei 12.990/2014. Nesse sentido, ressaltou que a etapa de heteroidentificação tem por escopo confrontar se as características pessoais do candidato confirmam a veracidade da autodeclaração apresentada por ocasião da inscrição no certame, mediante estrita análise do fenótipo do concorrente. Na hipótese, os Julgadores reconheceram ilegalidade nos parâmetros subjetivos utilizados pela comissão avaliadora, pois valeu-se de critérios especulativos, meramente calcados em padrões de beleza, para concluir que a candidata, embora negra/parda, não apresenta traços fisionômicos historicamente passíveis de preconceitos e ordinariamente atribuídos a negros e, por isso, não teria sofrido discriminação social. Dessa forma, a Turma, por maioria, considerou a existência de vício na motivação do ato administrativo e concluiu pela manutenção da autora como concorrente às vagas do sistema de cotas.

Acórdão 127337807029916920198070001, Relator Designado Des. TEÓFILO CAETANO, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 19/8/2020, publicado no DJe: 3/9/2020.

Direito Ambiental

Evento ‘Na Praia’ – dano moral em decorrência da perturbação do sossego

A poluição sonora – emissão de ruídos em desacordo com a legislação do silêncio – representa violação aos valores ambientais constitucionais e pode constituir dano moral passível de indenização. O direito ao empreendedorismo (artigo 170 da Constituição Federal), indispensável ao desenvolvimento social, não representa direito absoluto ou ilimitado, devendo ser condicionado pela proteção ao meio ambiente. Moradores de região nobre da Capital Federal apresentaram ação de indenização contra empresas promotoras de entretenimento em razão de evento artístico e cultural realizado em onze finais de semana consecutivos, às margens do Lago Paranoá. Aduziram que as festas e os shows conhecidos como ‘Na Praia’ reuniram nove mil pessoas aproximadamente, sempre notabilizados por balbúrdia e excesso de ruídos, fato constatado pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal – IBRAM. O Juízo de primeiro grau reconheceu a ocorrência de dano moral e condenou a requerida ao pagamento de dez mil reais a cada um dos autores. Em sede de apelação, ante o argumento de que as medições de ruídos não foram realizadas a partir das residências dos autores – cerca de 5 km do local do evento, e de que o palco estava posicionado em direção oposta, os Desembargadores asseveraram a evidente violação aos limites da Lei Distrital 4.092/2008 – Lei do Silêncio, haja vista a emissão de som apta a gerar poluição sonora suficiente para comprometer o descanso e a tranquilidade dos requerentes. Nesse sentido, destacaram a natureza objetiva da responsabilidade ambiental pela perturbação do sossego, conforme preconiza a Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), devendo prevalecer o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado em detrimento do exercício abusivo da livre iniciativa. Com efeito, o Colegiado destacou que a degradação da qualidade de vida lesa o direito indisponível à tranquilidade do indivíduo, não subsistindo a alegação de ausência de boa-fé na proposição da demanda, ante o fato de os requerentes terem comprado inúmeros ingressos para frequentar o evento. Assim, por maioria, a Turma entendeu pela pertinência da condenação por danos morais, mas reduziu o valor para cinco mil reais para cada requerente, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. O voto minoritário, entretanto, destacou o grande potencial econômico das requeridas e a repercussão do fato no meio social, além das finalidades compensatória, punitiva e preventiva da indenização, e compreendeu, desse modo, pela manutenção do quantum  arbitrado na sentença. 

Acórdão 1277907, 07115562220198070001, Relatora Desª. MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 2/9/2020, publicado no DJe: 11/9/2020. 

Direito Civil e Processual Civil

Penhora de veículo utilizado em transporte de paciente com câncer – afastamento da constrição – prevalência do direito à saúde

O direito à plena recuperação da saúde deve preponderar sobre o interesse que o exequente tem de perseguir a satisfação de seu crédito pois, no cotejo entre os dois valores tutelados pelo ordenamento jurídico, a preservação da vida se sobrepõe, como vetor constitucional e garantia de uma existência digna. Em fase de cumprimento de sentença, uma pessoa jurídica interpôs agravo de instrumento contra decisão que, ao acolher a impugnação da executada, liberou a penhora sobre automóvel utilizado para transportar a filha desta, submetida a tratamento de câncer. Sustentou que os veículos de transporte não estão incluídos entre os bens impenhoráveis, referidos na Lei 8.009/1990. Na análise do recurso da agravante, os Desembargadores consignaram que a referida penhora está de acordo com os requisitos constantes dos artigos 789 e 835, IV, do Código de Processo Civil. Todavia, no caso concreto, evidencia-se um flagrante conflito entre o direito patrimonial do credor e o direito à saúde, ambos tutelados pelo ordenamento jurídico. Os Julgadores ressaltaram que a saúde constitui direito social a ser garantido pelo Estado também às crianças e com absoluta prioridade, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal. Ressaltaram que ter um meio de locomoção seguro e disponível é essencial para o tratamento da filha da executada, pois a baixa imunidade resultante da doença não permite deslocamento em transporte coletivo ou em carros particulares de terceiros, como são os de aplicativo, conforme recomendado pelos médicos. O Colegiado destacou que, no embate entre o direito da credora quanto à satisfação de seu crédito e a preservação da dignidade humana, esta última deve prevalecer. Nesse contexto, os Julgadores concluíram que, se o automóvel é indispensável à manutenção do tratamento e à plena recuperação da saúde, então o interesse patrimonial deve ser mitigado em favor do bem mais relevante, que é a preservação da vida. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso e manteve a impenhorabilidade do veículo.

Acórdão 1276080, 07049807920208070000, Relatora Desª. FÁTIMA RAFAEL, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 19/8/2020, publicado no DJe: 2/9/2020. 

Direito Constitucional

Vídeo ofensivo divulgado na internet por presidente de sindicato – violação à imagem e à honra de filiado – danos material e moral

O sindicato e seu representante devem ser responsabilizados, de forma solidária, por compartilhamento em redes sociais de vídeo ofensivo contra filiado, pois tal conduta viola os direitos fundamentais à imagem e à honra da vítima e extrapola os limites do exercício da proteção sindical. Um sindicato e sua presidente interpuseram recurso contra sentença que determinou a retirada de vídeo publicado no site da entidade, no Youtube e em grupo de WhatsApp, por divulgar conteúdo ofensivo contra filiada, além de ter condenado os recorrentes ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Nas razões recursais, alegaram que a atuação se restringiu à defesa e aos interesses da categoria profissional, sem exceder quaisquer liberdades individuais. Ponderaram que a matéria foi direcionada apenas para denunciar a atuação irregular da autora como agente público no cargo de gerente de enfermagem em uma unidade de saúde do Distrito Federal. No entendimento dos Desembargadores, a presidente e o sindicato são solidariamente responsáveis por eventuais excessos praticados com culpa, aptos a gerar ressarcimento (artigos 186 e 927 do Código Civil). Aduziram que a reprodução e a disseminação dos vídeos, nos quais a representante do sindicato xinga a sindicalizada de “ratazana” e, ainda, sugere sua retirada do cargo comissionado que ocupava – sob a acusação da prática de assédio moral contra funcionários – caracterizam afronta a direitos e garantias constitucionais à imagem e à honra, previstos no artigo 5º, X, da Constituição Federal. Além disso, os Magistrados asseveraram ser patente a lesão experimentada pela vítima, que necessitou de acompanhamento psiquiátrico contínuo, em razão de transtornos psicológicos severos causados pela repercussão negativa na vida pessoal e profissional. Destacaram que a livre manifestação do pensamento e o exercício da proteção sindical não justificam a prática de abuso de direito pelo representante do sindicato contra a filiada. Acrescentaram que a retirada da ofendida do cargo comissionado constitui ato ilegal, pois a demissão ou a exoneração de função pública é ato de competência exclusiva de autoridade administrativa. Por fim, o Colegiado pontuou que não há evidências de registros desabonadores quanto à conduta laboral da recorrida ou de perseguições a subordinados. Nesse contexto, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1277489, 07096837520198070004, Relator Juiz CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 26/8/2020, publicado no DJe: 3/9/2020.

Direito da Criança e do Adolescente

Vara da Infância e da Juventude – audiência por videoconferência – medida de contenção da pandemia e da proteção do menor

É autorizada a realização de audiência por videoconferência pelo Juízo da Vara da Infância e da Juventude durante a pandemia da COVID-19, por ser medida adequada para proteger o adolescente do risco de contaminação e garantir a continuidade da prestação judicial. Na origem, um adolescente foi condenado a cumprir medida socioeducativa de internação por prazo indeterminado, em razão da prática de ato infracional equiparado ao tráfico de drogas (artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006). Inconformada, a defesa interpôs apelação por meio da qual busca, em suma, o reconhecimento da nulidade absoluta do julgado – sob a alegação de cerceamento de defesa decorrente da realização de audiência por videoconferência – e, quanto ao mérito, a absolvição por insuficiência de provas. Na análise da preliminar suscitada, os Desembargadores esclareceram que o modelo de audiência por videoconferência é excepcional e atende às prescrições de combate à pandemia da COVID-19, conforme disposto nas portarias conjuntas editadas pelo TJDFT e nas orientações do Conselho Nacional de Justiça, além de garantir a continuidade da prestação jurisdicional. Explicaram que a suspensão das audiências durante todo o prazo de confinamento social determinado pelas autoridades sanitárias representaria atentado aos interesses da justiça e nítida violação aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, aplicáveis à esfera da infância e da juventude. Aduziram que a medida, recomendada principalmente aos processos que tramitam em Juízos criminais com pessoas privadas de liberdade, pode ser aplicada no âmbito da infância e juventude nos casos de ato infracional cometido com violência ou grave ameaça, por serem situações equiparadas que demandam providências com reduzido risco de contaminação. Na hipótese, os Julgadores ressaltaram que o defensor teve prévio contato com o menor e que o Juiz de origem acompanhou, em tempo real, os depoimentos e as expressões corporais dos envolvidos, de modo que não se vislumbrou qualquer prejuízo para a defesa. No tocante ao mérito, comprovadas a autoria e a materialidade do ato infracional, entenderam escorreita a sentença combatida, razão pela qual negaram provimento ao recurso. 

Acórdão 128115000008054420208070013, Relator Des. MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 3/9/2020, publicado no PJe: 15/9/2020.

Direito do Consumidor

Compra de cosméticos à base de veneno de cobra – consumidora hipervulnerável pela idade avançada - ausência de abusividade

A aquisição de grande quantidade de produtos cosméticos por idosa, quando não constatado o desequilíbrio na relação de consumo com o fornecedor, é incapaz de gerar o desfazimento do negócio, pois a hipótese não se enquadra naquelas dispostas na lei para assegurar a proteção especial aos hipervulneráveis. Na origem, uma idosa narrou que foi induzida por promotores de venda a comprar diversos produtos de beleza à base de veneno de cobra e vouchers para sessões de SPA, de forma compulsiva e sem qualquer reflexão. Relatou que, após alguns meses de uso dos cosméticos, teve reação alérgica e tentou devolvê-los, mas a empresa requerida não aceitou. O Juízo sentenciante determinou a restituição integral do valor gasto (R$ 23.849,96), mas negou o pedido de indenização por danos morais. Irresignada, a empresa recorreu e sustentou que o negócio foi válido. Ao examinar as razões do recurso, a Turma consignou que é facultado ao consumidor o exercício do direito de arrependimento no prazo de sete dias, quando a aquisição de produtos ou serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial (artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor), situação diferente do caso concreto, em que a compra aconteceu dentro da loja. Os Desembargadores observaram que a usuária não só comprou grande quantidade de cosméticos como os consumiu por bastante tempo, haja vista que tentou devolvê-los somente depois de decorridos  quatro meses de uso. Aduziram que não foi demonstrada a deficiência na prestação do serviço, por suposta prática enganosa de venda predatória à cliente, uma vez que esta decidiu, por opção livre e consciente, adquirir os itens de beleza. Para os Julgadores, embora a consumidora tenha suscitado sua característica de hipervulnerável em razão da idade avançada, não há como lhe ser garantida a proteção especial, porque não foi comprovada a situação de desequilíbrio na relação de consumo com a fornecedora. Ao contrário, os fatos revelaram que a anciã possuía boa condição financeira e social, pois era aposentada e residia em área de classe média alta de Brasília. Entenderam que, no momento da transação, a autora detinha autonomia física para a prática de atos do cotidiano, visto que, aos 85 anos, andava sozinha no shopping e fazia compras parceladas com cartão de crédito, sem necessitar de auxílio algum. Ao final, destacaram que não foi evidenciado que a fornecedora prestou informações inadequadas ou confusas quanto ao preço e à quantidade dos produtos, tampouco que inseriu itens a mais na nota fiscal, com o intuito de se prevalecer de eventual fraqueza da cliente. Com isso, o Colegiado deu parcial provimento ao recurso da pessoa jurídica tão somente para determinar a restituição de R$ 3.050,00, valor dispensado na aquisição dos vouchers de SPA.

Acórdão 1274991, 07470405320198070016, Relatora Juíza SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 14/8/2020, publicado no DJe: 3/9/2020.

Direito Empresarial

Empresa “multinível” – multiplicação ficta de associados – dano moral a pessoa jurídica

Sócio que colhe dados da internet de candidatos inscritos em concursos públicos para alimentar, de modo fictício, sua rede de associados em empresa “multinível” pratica ilícito civil, razão pela qual deve indenizar dano moral causado à pessoa jurídica, exposta pela desconfiança dos distribuidores independentes. Na origem, ex-sócio de uma empresa de suplementação nutricional esportiva pediu em Juízo a exclusão de publicações ditas injuriosas a seu respeito do site da pessoa jurídica de que fez parte e requereu indenização por dano moral. Além disso, pleiteou a quitação integral do montante acertado em acordo para a saída dele do empreendimento, a título de danos materiais. A sociedade, por sua vez, contestou e apresentou reconvenção ao pleito, ocasião em que afirmou que o autor foi o principal representante do negócio no Brasil, mas lhe teria gerado sérios prejuízos no mercado, em razão da prática de fraudes envolvendo a marca. A sentença reconheceu a responsabilidade de ambos: condenou a empresa ao pagamento do saldo devedor relativo ao distrato e o ex-representante a indenizar os danos morais causados à imagem da sociedade empresarial. Interpostos recursos pelas partes, os Desembargadores explicaram tratar-se de relações comerciais do tipo “multinível” (network marketing ou MLM – multi level marketing), pois a percepção de lucro advém tanto da venda direta ao consumidor quanto por meio de uma rede de distribuidores associados e independentes. Os Julgadores aduziram que o acerto de valores para a retirada do sócio, pago apenas parcialmente, deveria ser honrado na íntegra. Em contrapartida, entenderam que o ex-sócio gerou sérios prejuízos à empresa ao se juntar a outras pessoas para fazer cadastros irregulares e fictícios em massa, com dados de supostos novos associados, mas que, na verdade, foram copiados de listas de concursos públicos disponíveis na internet. Com esse meio fraudulento, o autor pretendeu alçar posição hierárquica mais elevada na sociedade e melhorar sua margem de lucro. Nesse contexto, concluíram que a prática irregular teve ampla repercussão negativa nas redes sociais, o que gerou desconfiança entre os distribuidores independentes e perda financeira. Assim, decidiram manter a condenação por dano moral, mas com redução do valor – inicialmente fixado em R$ 20 mil – para R$ 15 mil, norteados pelos princípios da razoabilidade e da vedação ao enriquecimento sem causa.

Acórdão 1278024, 07397301220178070001, Relatora Desª. GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 26/8/2020, publicado no DJe: 8/9/2020.

Direito Penal e Processual Penal 

Quebra do sigilo de dados armazenados em “nuvem” e em correio eletrônico – obrigatoriedade de disponibilização do conteúdo pela empresa responsável – Marco Civil da Internet

Os responsáveis pelo armazenamento de correspondências eletrônicas e de dados em nuvem – cloud storage – têm o dever de cumprir ordem judicial que determina a quebra de sigilo dos conteúdos e a entrega ao Juízo das informações, uma vez que tal decisão encontra amparo legal no Marco Civil da Internet. Um Juiz criminal decretou, em ação cautelar de produção de provas antecipadas, a quebra de sigilo dos dados vinculados à “nuvem” e à conta de e-mail de pessoa investigada pelo crime de concorrência desleal (artigo 195 da Lei 9.279/1996), a ser cumprida pelos provedores de internet responsáveis pela guarda dos arquivos digitais. Notificadas, as empresas impetraram mandado de segurança com objetivo de suspender liminarmente a execução da medida e, no mérito, anular a decisão. Denegado o pedido liminar pelo Relator do mandamus, os impetrantes interpuseram agravo. Ao analisarem o mérito do recurso, os Desembargadores consignaram que o sigilo garantido pelo artigo 5º, XII, da Constituição Federal refere-se apenas à comunicação de dados, e não aos “dados em si mesmos”. Asseveraram que o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), ao estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para os usuários da internet, ressalva a possibilidade de quebra do sigilo de conteúdos privados armazenados, desde que fundamentada em ordem judicial. Os Magistrados explicaram que a Lei de Interceptação Telefônica (Lei 9.296/1996) não pode ser aplicada à requisição de dados mantidos em “nuvens” ou em correio eletrônico, pois esta não trata de captação instantânea, em tempo real, do fluxo de informações, mas de conhecimento a posteriori do conteúdo arquivado. Nesse contexto, o Colegiado entendeu que os impetrantes, na qualidade de responsáveis pelo armazenamento dos registros digitais, possuem o dever de fornecê-los em Juízo, uma vez que referida quebra encontra amparo legal e que o sigilo não pode ser invocado para acobertar condutas ilícitas. Em continuidade, afirmou que, por não configurar interceptação telefônica ou de fluxo de comunicações, a quebra de sigilo não viola os direitos fundamentais da intimidade e da privacidade. Com isso, a Turma concluiu pela ausência de direito líquido e certo, motivo pelo qual negou provimento ao recurso.

Acórdão 1276346, 07146192420208070000, Relator Des. JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, Câmara Criminal, data de julgamento: 19/8/2020, publicado no DJe: 1º/9/2020.

Direito Previdenciário

Declaração para reconhecimento de tempo de serviço como aluno-aprendiz para aposentadoria – necessidade de preenchimento dos requisitos previstos em norma federal

É devida a emissão de documento que comprove o período exercido na condição de aluno-aprendiz para contagem de tempo de aposentadoria, se demonstrado o preenchimento dos requisitos exigidos em norma federal. Ex-menor aprendiz da extinta Fundação do Serviço Social ajuizou ação de obrigação de fazer contra o Distrito Federal a fim de que fosse expedida certidão relativa ao tempo de serviço nela laborado como aluno-aprendiz, com o intuito de averbação e contagem do período para aposentadoria. O Juízo sentenciante decidiu pela extinção do processo sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir, pois o requerente não demonstrou ter frequentado escola que preencha os requisitos necessários à expedição da declaração requerida, além de já ter recebido documento anterior demonstrativo do trabalho exercido entre 1983 e 1985. Na análise do recurso interposto pelo autor, os Julgadores consignaram que, até a EC 20/1998, era autorizado o ingresso de menores no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), desde que preenchidos os requisitos previstos na Instrução Normativa 77/2015 do INSS. Assim, os períodos de aprendizagem profissional realizados até a referida emenda podem ser considerados como tempo de serviço, na qualidade de aluno-aprendiz. Na hipótese, os Desembargadores esclareceram que há evidente interesse de agir do autor porque ele não almeja apenas uma certidão com o resumo das atividades que exerceu à época, mas uma declaração que reconheça os anos de aprendizado como tempo de serviço, de forma a possibilitar a averbação da contagem desse período para a obtenção de aposentadoria. Assinalaram, ainda, ser cabível a pretensão de emissão do documento, se preenchidos os requisitos necessários para o reconhecimento da condição de aluno-aprendiz. Com isso, a Turma deu provimento ao recurso para anular a sentença recorrida e determinar o retorno dos autos à origem para análise do mérito do pedido.

Acórdão 1279054, 07056021320208070016, Relator Juiz ALMIR ANDRADE DE FREITAS, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 1º/9/2020, publicado no PJe: 10/9/2020.

Direito Tributário

Retificação extemporânea de declaração de IR – doação de quantia em dinheiro – incidência de ITCMD

A retificação de imposto de renda só é admitida com o propósito de reduzir ou excluir tributo mediante comprovação de erro e antes do lançamento. Desse modo, é devido o crédito de ITCMD baseado em declaração inicial de doação de quantia, se a emenda for apresentada após a notificação do Fisco. Uma contribuinte interpôs recurso inominado contra a sentença que julgou improcedente pedido para declaração de inexistência de crédito e consequente restituição tributária do ITCMD. Argumentou a não ocorrência do fato gerador da obrigação porque o ato de doação alegado pela Fazenda pública para cobrar o imposto seria inexistente. Ao examinar a pretensão, a Turma explicou que tanto a transmissão de imóvel a partir do evento morte quanto a doação de quaisquer bens constituem fatos geradores desse tributo, nos termos do artigo 155, I, da Constituição Federal, e do artigo 1º do Decreto 34. 982/2013. Esclareceu também que, a despeito da alegação recursal, do cruzamento de informações entre a Receita e o Distrito Federal, constatou-se que a autora, num primeiro momento, declarou a assinatura de um contrato de doação e, somente depois, por iniciativa própria, retificou o ato. Ocorre que, segundo o artigo 147, § 1º, do Código Tributário Nacional, a retificação só é admitida com a finalidade de reduzir ou excluir tributo mediante comprovação de erro e, mesmo assim, antes do lançamento. Na hipótese dos autos, nenhuma das duas exceções ficou demonstrada. A doação de quantia em dinheiro foi declarada no exercício de 2009, o que levou à constituição do crédito em 2013. Apenas em 2014, a contribuinte decidiu emendar a declaração, depois de ter sido notificada quanto ao lançamento do imposto, em claro descompasso com a norma de regência. Nesse contexto, os Julgadores destacaram que a retificadora tardia não induz à revisão do ato fiscal promovido com base em declaração de imposto de renda original. Ademais, a recorrente se beneficiou de parcelamento tributário, considerado confissão extrajudicial irretratável de débito, de acordo com a Lei Complementar 833/2011. Com tais considerações, o Colegiado negou provimento ao recurso.

Acórdão 1275982, 07096937720198070018, Relator Juiz EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 14/8/2020, publicado no DJe: 10/9/2020.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Eliane Torres Gonçalves, Letícia Vasco Mota e Paulo Gustavo Barbosa Caldas  

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

Acesse também:

CDC na visão do TJDFT

Dano Moral no TJDFT

Decisões em Evidência

Direitos fundamentais na visão do TJDFT

Doutrina na Prática

Entendimentos Divergentes no TJDFT

Inconstitucionalidades

Jurisprudência Administrativa Interna

Jurisprudência em Detalhes

Jurisprudência em Perguntas

Jurisprudência Reiterada

Lei Maria da Penha na visão do TJDFT

Novo Código de Processo Civil e o TJDFT

Saúde e Justiça