Informativo de Jurisprudência n. 423

Período: 16 a 30 de setembro de 2020

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Publicação: 21 de outubro de 2020

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Índice

Direito Administrativo

  • Obrigatoriedade do uso de máscara facial como medida de combate ao coronavírus – prevalência do interesse coletivo
  • Trabalho remoto durante a pandemia – empréstimo de equipamento negado a servidora pública idosa – medida desproporcional

Direito Civil e Processual Civil

  • Reprodução assistida – seleção de embrião compatível como única chance de cura para irmão – obrigatoriedade de custeio por plano de saúde

  • Suspensão do direito de visita do genitor em razão da pandemia – garantia do melhor interesse da criança

Direito Constitucional

  • Tarifa reduzida para estacionamento de motos em centros comerciais – liminar em ação direta de inconstitucionalidade – vícios formal e material

Direito do Consumidor 

  • Plataforma de anúncios na internet – fraude em contrato firmado entre usuário e anunciante – ausência de falha na prestação do serviço

Direito Empresarial

  • Legitimidade passiva do “Facebook” em ação judicial relacionada ao serviço do “WhatsApp” – reconhecimento de grupo econômico

Direito Penal e Processual Penal

  • Vias de fato e maus-tratos contra animal de estimação em ambiente familiar – reparação de danos

Direito Tributário

  • Exigibilidade de crédito tributário – possibilidade de imóvel hipotecado ser oferecido como caução
  • Fraude fiscal em ICMS – atuação de sócio sem poderes de gestão como mandatário da empresa – redirecionamento da responsabilidade tributária

Direito Administrativo

Obrigatoriedade do uso de máscara facial como medida de combate ao coronavírus – prevalência do interesse coletivo

A obrigatoriedade do uso de máscara facial como medida de combate à disseminação do coronavírus é válida, haja vista a previsão em norma local elaborada com respaldo na competência legislativa concorrente da União, dos estados e dos municípios, além de constituir limitação a direito individual como salvaguarda do interesse coletivo. O autor impetrou mandado de segurança contra o Distrito Federal no qual requereu a declaração de nulidade do Decreto Distrital 40.648/2020, que determina a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção facial enquanto vigorar o estado de emergência declarado em razão da pandemia de COVID-19. A Fazenda Pública defendeu que a norma foi elaborada de forma válida, com o objetivo de reduzir a disseminação do coronavírus. Ao apreciarem o mandamus, os Desembargadores entenderam que os procedimentos estabelecidos pelo referido decreto seguem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de especialistas em infectologia e epidemiologia, como forma de reduzir a curva de contaminação, além de viabilizar o atendimento médico e hospitalar à população local. Destacaram que, segundo notas técnicas de pesquisadores brasileiros, é necessária a mudança na rotina da população neste momento de crise, com a adoção de medidas de prevenção e de propagação da doença, como o isolamento social, novos hábitos de higiene e a utilização de máscaras. Os Magistrados consignaram que o uso de proteção facial representa um pequeno sacrifício em relação aos benefícios a serem obtidos e enfatizaram que o direito individual de locomoção em áreas públicas sem seu uso não pode sobrepor-se ao interesse coletivo, uma vez que a preservação da vida e da saúde da população é prioridade. Por fim, reafirmaram que as medidas de contenção à pandemia adotadas pela União não afastam a competência concorrente dos estados, do DF e dos municípios para criarem normas locais, e, assim, denegaram a segurança pretendida.

Acórdão 1280149, 07117664220208070000, Relator Des. SEBASTIÃO COELHO, Conselho Especial, data de julgamento: 1º/9/2020, publicado no PJe: 16/9/2020.

Trabalho remoto durante a pandemia – empréstimo de equipamento negado a servidora pública idosa – medida desproporcional

A situação emergencial imposta pela pandemia da COVID-19 requer dos órgãos públicos adaptações quanto à disponibilização dos recursos necessários ao trabalho seguro dos servidores enquadrados no grupo de risco, a fim de resguardar a saúde dos mais vulneráveis e também da coletividade. Na origem, uma servidora do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) requereu provimento jurisdicional que obrigue o Distrito Federal a fornecer equipamento eletrônico para o desenvolvimento de atividades laborais de forma remota ou a dispensá-la do trabalho enquanto durar a pandemia, em razão da idade e das condições pessoais de saúde. O Juízo sentenciante julgou parcialmente procedente os pedidos e determinou ao órgão público que libere a autora das funções presenciais durante o estado de calamidade pública ou até a disponibilização dos recursos necessários ao teletrabalho. O ente distrital recorreu, sob a alegação de que não há norma legal que respalde o pedido, pois a Instrução Normativa 5/2020 do SLU dispõe que a infraestrutura necessária para o home office ocorre às expensas do trabalhador, em consonância com o Decreto Distrital 39.368/2018, o qual regulamenta o regime de trabalho à distância no GDF. Na análise do recurso, os Julgadores ressaltaram o notório momento de crise sanitária e a necessidade de os governos adotarem medidas emergenciais por meio de protocolos preventivos para amenizar ou evitar a concentração de pessoas e a disseminação do vírus no ambiente profissional. Consignaram que a condição de saúde da servidora – idosa, hipertensa, imunodeprimida e submetida a recente procedimento cirúrgico – enquadra-se nas disposições de grupo de risco do Decreto Distrital 40.526/2020. Assim, os Desembargadores concluíram ser necessária a concessão de regime prioritário de teletrabalho à autora como forma de preservar sua saúde e a da coletividade, notadamente diante da existência de normas excepcionais e específicas para o momento atípico. Destacaram, ainda, que as alternativas oferecidas pelo empregador, quais sejam, trabalho presencial próximo à residência ou recomendação de aposentadoria, são desproporcionais, porque o pedido inicial tratou de empréstimo de equipamento já disponível, in casu, o computador utilizado pelo agente público nas dependências da unidade administrativa. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso para determinar a dispensa da requerente de suas atividades presenciais até que sejam atendidas as condições indicadas na decisão de primeira instância. 

Acórdão 1283363, 07186650820208070016, Relator Juiz FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 17/9/2020, publicado no PJe: 23/9/2020.

Direito Civil e Processual Civil

Reprodução assistida – seleção de embrião compatível como única chance de cura para irmão – obrigatoriedade de custeio por plano de saúde

O plano de saúde é obrigado a cobrir tratamento de fertilização in vitro, ainda que inexista previsão contratual para a cobertura, na hipótese em que a única chance de cura para grave enfermidade de criança é o nascimento de um irmão 100% compatível com ela, de quem poderá receber transplante de medula óssea. Prevalece, no caso, o direito à vida, em detrimento dos aspectos econômicos do contrato. A autora ajuizou ação contra a operadora para obrigá-la a custear o tratamento integral da sua filha, portadora de anemia falciforme, doença de origem genética que causa má-formação de glóbulos sanguíneos. Sustentou inexistir outra possibilidade de tratamento, a não ser o transplante de medula óssea proveniente de familiar inteiramente compatível com a paciente. O Sentenciante acolheu os pedidos. Irresignado, o plano de saúde interpôs apelação por meio da qual alegou ausência de previsão contratual e legislativa que determine o custeio integral da fertilização in vitro. Em grau de recurso, o Colegiado ressaltou que a questão envolve a obrigatoriedade da cobertura da técnica de reprodução assistida, como última esperança de cura para a moléstia, sob a óptica do direito fundamental à vida e do princípio da dignidade. Explicou que a pretensão da autora não se resume simplesmente em obter o custeio da fertilização para gerar um novo rebento, mas, para além disso, constitui o único meio que lhe restou para assegurar ao filho uma vida mais saudável, livre da severa patologia genética. Os Desembargadores ressaltaram que a apelante pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas, de modo algum, lhe é cabível restringir o tipo de técnica indicada por especialista. Assim, a cláusula em sentido contrário é abusiva e, portanto, nula de pleno direito, pois coloca o usuário em extrema desvantagem. Asseveraram que não prospera o argumento de que a reprodução assistida não consta do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde, uma vez que a lista de referência básica não impede a inclusão de procedimentos novos. Os Julgadores alertaram que a própria lei 9.656/1998, que regulamenta os planos privados de assistência à saúde, determina a obrigação de custeio da fertilização até a realização do transplante, o que engloba as despesas com o armazenamento e o descarte dos embriões que não forem implantados. Concluíram que a interpretação da cláusula contratual que exclui o tratamento médico sugerido não deve prevalecer, ainda que seu custo seja elevado, pois se mostra incompatível com os direitos à vida e à absoluta prioridade da criança, e com o princípio fundamental da dignidade humana.   

Acórdão 1278202, 07099619520188070009, Relator Des. ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 2/9/2020, publicado no DJe: 17/9/2020.

Suspensão do direito de visita do genitor em razão da pandemia – garantia do melhor interesse da criança

Em razão dos riscos de contágio ocasionados pela pandemia da COVID-19, o direito de visitas do genitor deve ser suspenso como forma de resguardar o melhor interesse da criança, autorizada a convivência virtual, que deve ser facilitada pela genitora. Em ação de regulamentação de visita, mãe de menor interpôs agravo de instrumento contra decisão que determinara o restabelecimento do contato do genitor com seu filho, há mais de dois meses suspenso em razão da pandemia da COVID-19. Alegou que as atividades e as atribuições desenvolvidas pelo pai poderiam comprometer a integridade física da criança e da avó materna, que possui sérios problemas de saúde e reside na mesma casa. Ao analisar o recurso, os Desembargadores, por maioria, consignaram que, apesar da flexibilização das restrições impostas pelo governo para contenção da disseminação do coronavírus, o Distrito Federal ainda enfrenta o ápice da curva de contaminação, conforme noticiado pela imprensa. Assim, apesar da importância do convívio familiar entre pai e filho, a suspensão temporária do exercício do direito de visitas representa medida de precaução e segurança da saúde, como garantia à proteção integral da criança e do adolescente constitucionalmente prevista. Ressaltaram que a vontade ou a conveniência dos genitores não está acima do melhor interesse da criança, e os pais, como adultos, devem fazer concessões e adequar a própria relação em prol da preservação do vínculo socioafetivo. Nesse contexto, a Turma concluiu pela manutenção temporária da convivência paterna com o filho apenas por meio virtual, a qual deverá ser facilitada pela mãe, resguardada a possibilidade de compensação dos dias em que não foi possível o contato físico com a criança.

Acórdão 1281889, 07009661820208079000, Relatora Desª. LEILA ARLANCH, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 9/9/2020, publicado no DJe: 25/9/2020.

Direito Constitucional

Tarifa reduzida para estacionamento de motos em centros comerciais – liminar em ação direta de inconstitucionalidade – vícios formal e material

A lei distrital que regulamenta a cobrança de preço reduzido para vagas de motocicletas em estacionamentos particulares é inconstitucional, por tratar de matéria reservada à competência legislativa da União e por violar os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. Uma associação representativa de shopping centers requereu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) para suspender a eficácia da lei distrital que dispôs sobre a redução da tarifa cobrada para vagas exclusivas de motocicletas, em estacionamentos privados de centros empresariais e congêneres. Alegou que a norma não disciplina questão de interesse local, ainda que discorra sobre proteção ao mercado de consumo. No exame da liminar, o Conselho entendeu que a Câmara Distrital usurpou competência legislativa reservada à União, ao promulgar a lei, cujo projeto teve iniciativa parlamentar. Consignou que a observância dos princípios da separação dos poderes e do pacto federativo impede que o Distrito Federal legisle sobre matéria de direito civil, como é o caso do exercício, do gozo e da fruição de propriedade particular. Os Julgadores explicaram que a regulação de preço para estacionamento privativo não está compreendida na temática de competência concorrente dos Estados, ou exclusiva dos Municípios, razão pela qual é flagrante a inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (artigos 22, 24 e 30 da Constituição Federal; artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal). Sob a perspectiva material, os Desembargadores aduziram que a lei local viola igualmente os postulados constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, pois adentra na relação contratual entre empresas e usuários do serviço de parqueamento. Além disso, interfere na ordem econômica e na dinâmica da atividade empresarial, por criar hipótese arbitrária de diminuição tarifária sem qualquer previsão legal (artigo 170 da CF/88; artigos 2º, 158 e 159 da LODF). Ressaltaram que o gestor público apenas deve participar diretamente da exploração da atividade econômica em casos excepcionais e quando a lei expressamente o autorize, porquanto atua como intermediador de investimentos de caráter estratégico em sua entidade federada, com a finalidade de atender o interesse coletivo. Nesse cenário, o Colegiado deferiu a medida para suspender, com efeitos ex nunc, a Lei Distrital 6.236/2018 – alterada pela Lei Distrital 6.513/2020 – até o julgamento do mérito da ADI, de forma a evitar danos potenciais à receita fiscal do DF, prejuízos financeiros aos empreendedores locais, ou transferência desses ônus aos consumidores.

Acórdão 1284366, 07055575720208070000, Relator Des. JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Conselho Especial, data de julgamento: 22/9/2020, publicado no PJe: 26/9/2020.

Direito do Consumidor

Plataforma de anúncios na internet – fraude em contrato firmado entre usuário e anunciante – ausência de falha na prestação do serviço

A plataforma de comércio eletrônico, que apenas divulga produtos e serviços, não pode ser responsabilizada por contrato fraudulento celebrado por anunciante, sobretudo quando ela não deu causa ao golpe e a vítima negligenciou cuidados essenciais à contratação. Na origem, um usuário de plataforma digital de anúncios ajuizou ação de reparação de danos contra a administradora do site em razão de falsas informações sobre locação de imóvel nele publicadas. Sustentou ter realizado o negócio de forma remota com o suposto locador e, após o pagamento da caução, não conseguiu mais contato. O Juízo sentenciante reconheceu a ocorrência de estelionato, mas julgou improcedente o pedido de indenização porque o requerente não comprovou que a empresa anunciante se beneficiou ou participou da fraude. Na análise do recurso do autor, os Desembargadores consignaram que o reconhecimento da responsabilidade civil do fornecedor pressupõe a demonstração de defeito relativo à prestação do serviço (artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor). Ressaltaram que, na hipótese, a empresa recorrida não deve responder pelos danos decorrentes de ilícito promovido por terceiro anunciante, pois disponibiliza na plataforma termo informativo claro e objetivo sobre a limitação de sua responsabilidade à atividade de divulgação de produtos e serviços. O Colegiado consignou que tal ressalva está em conformidade com a natureza do serviço prestado e destacou que o autor celebrou contrato locatício sem observar as cautelas necessárias, como a comprovação da propriedade do bem. Além disso, a negociação foi feita diretamente com o fraudador, sem a intermediação da requerida. Com isso, a Turma entendeu que a situação configura negligência do usuário, por acreditar exclusivamente na propaganda do anunciante, e negou provimento ao recurso.

Acórdão 1275605, 07637140920198070016, Relator Juiz AISTON HENRIQUE DE SOUSA, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 14/8/2020, publicado no DJe: 16/9/2020.

Direito Empresarial

Legitimidade passiva do “Facebook” em ação judicial relacionada ao serviço do “WhatsApp” – reconhecimento de grupo econômico

A aquisição societária da multiplataforma WhatsApp pelo Facebook Brasil caracteriza formação de grupo econômico e possibilita que este figure no polo passivo de demandas judiciais relacionadas à prestação do serviço de mensagens pelo aplicativo. Um tatuador propôs ação de indenização por danos morais contra o Facebook Brasil devido à desativação de sua conta no WhatsApp, fato que inviabilizou o contato com clientes e a divulgação do trabalho. Julgado improcedente o pedido pelo Magistrado de primeira instância, o autor interpôs apelação. Alegou ter havido prática de ato abusivo e ilícito pela empresa que administra o aplicativo de mensagens capaz de gerar responsabilidade civil. Em contrarrazões, o requerido suscitou preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, haja vista o “app” pertencer exclusivamente a uma sociedade norte-americana. Ao examinar o recurso, o Colegiado recordou que, desde 2014, a sociedade limitada Facebook Brasil adquiriu a multiplataforma de mensagens instantâneas WhatsApp. Asseverou que, após a aquisição societária, houve mudança na própria relação empresarial existente entre as pessoas jurídicas, as quais passaram a compartilhar dados e a divulgar informações da transação comercial nos respectivos sítios eletrônicos. Sinalizou que a negociação, inclusive, possibilitou ao Facebook prover e operacionalizar o aplicativo, não se limitando à mera comercialização de produtos e serviços ou à reprodução de publicidades e propagandas em mídia e redes sociais. Assim, os Desembargadores concluíram que a empresa responsável pela gestão do WhatsApp, embora tenha personalidade jurídica própria e sede fora do país, integra, em conjunto com o Facebook Brasil, o mesmo grupo econômico. Enfatizaram que a demonstração do vínculo comercial sequer demanda produção de prova em juízo, pois o fato é considerado notório. Com isso, reconheceram a legitimidade da sociedade limitada Facebook Brasil para figurar como parte ré nas relações jurídico-processuais ajuizadas contra o WhatsApp. No mérito, a Turma entendeu não caracterizado ato ofensivo a direito da personalidade, porque o autor utilizava a conta pessoal do aplicativo com finalidade comercial, agindo em desconformidade com as regras da plataforma eletrônica, motivo pelo qual negou provimento ao recurso.

Acórdão 1284526, 07120428020198070009, Relatora Desª. GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 16/9/2020, publicado no DJe: 28/9/2020.

Direito Penal e Processual Penal

Vias de fato e maus-tratos contra animal de estimação em ambiente familiar – reparação de danos

Agressões contra animal de estimação que resultam em morte, associadas a vias de fato contra mulher em ambiente familiar, podem caracterizar ofensas física e psicológica em contexto de violência doméstica e gerar, para o acusado, o dever de indenizar a vítima por danos material e moral. Vítima de vias de fato pelo namorado teve também sua cachorra de pequeno porte espancada e agredida até a morte pelo réu, ao voltarem de festa ainda sob o efeito de bebida alcoólica. Segundo a narrativa acusatória, o agente não aprecia cães e teria se revoltado quando a vítima comparou seu bicho de estimação com a filha dele. Ao interpor apelação, o Ministério Público reiterou a acusação de crueldade contra animais com o resultado morte (artigo 32, § 2º, da Lei 9.605/1998) e de vias de fato contra a namorada (artigo 21 da Lei das Contravenções Penais c/c artigo 5º, III, da Lei 11.340/2006), requerendo ainda a condenação por danos morais e materiais. Nesse contexto, os Desembargadores esclareceram que a materialidade da contravenção penal e a do crime de maus-tratos contra animal foram devidamente comprovadas pelo inquérito e pelo relatório de médico veterinário, uma vez que a necropsia atestou a ocorrência de severos traumas sofridos pelo pequeno cachorro da raça Yorkshire – fato compatível com a narrativa de espancamento. Ante a alegação de que o acusado teria agido sob o efeito de álcool, ponderaram pela incidência da teoria actio libera in causa, em que apenas a embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior constitui causa de redução ou exclusão da responsabilidade penal. Em continuidade, os Julgadores pontuaram que as vias de fato constituem toda agressão física contra a pessoa, desde que não represente lesão corporal e, apesar de não deixar vestígios, podem ser comprovadas pelas demais provas, especialmente pelos relatos da vítima. Ao tratar do pedido de reparação de danos, a Turma consignou ser possível o arbitramento de valor mínimo para indenizações desse tipo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, desde que haja pedido formal aduzido pelo MP ou pela ofendida. Na hipótese, entendeu que a morte cruel do animal de estimação causada pelo réu acarretou à vítima prejuízos de ordem material e moral, notadamente danos psicológicos e grave quadro depressivo. Dessa forma, o Colegiado deu parcial provimento ao recurso para condenar o réu como incurso nas mencionadas infrações penais e, igualmente, ao pagamento dos danos materiais e morais pleiteados.

Acórdão1285188, 00050644420188070016, Relatora Desª. NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 24/9/2020, publicado no DJe: 28/9/2020.

Direito Tributário

Exigibilidade de crédito tributário – possibilidade de imóvel hipotecado ser oferecido como caução

Em ações que questionam a exigibilidade de crédito tributário, é possível o oferecimento de caução representada por imóvel hipotecado com vistas à obtenção de certidão positiva com efeito de negativa, haja vista a preferência da garantia em favor da Fazenda Pública. Produtor rural recebeu auto de infração lavrado em seu desfavor por supostamente utilizar alíquota incorreta para o cálculo de ICMS em operação de venda de sementes de soja. Proposta ação para questionar o passivo tributário, fora indeferido o pedido de antecipação de tutela para suspender a exigibilidade do crédito da Fazenda em razão de hipotecas registradas no imóvel oferecido como caução. Em sede de agravo de instrumento, os Julgadores esclareceram que a irregularidade fiscal do agravante impede o exercício da atividade agrícola ao impossibilitar a aquisição de insumos e o acesso a linhas de crédito para manutenção dos negócios. Nesse passo, asseveraram que, embora o imóvel esteja gravado com ônus de outras naturezas, tal fato não obsta a garantia do débito fiscal por meio de caução preparatória de penhora para a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa, porque se trata de crédito tributário, o qual tem preferência em favor da Fazenda Pública, nos termos do artigo 186 e seguintes do Código Tributário Nacional. Assim, a Turma concluiu pela concessão da liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário, independentemente da realização do depósito do valor integral, determinando ao Distrito Federal a abstenção de qualquer ato voltado para a constrição ou cobrança do débito até o julgamento definitivo da ação de conhecimento.

Acórdão 1278996, 07005582720208079000, Relator Juiz ARNALDO CORRÊA SILVA, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 24/9/2020, publicado no DJe: 28/9/2020.

Fraude fiscal em ICMS – atuação de sócio sem poderes de gestão como mandatário da empresa – redirecionamento da responsabilidade tributária

Sócio sem poderes específicos para gestão de empresa, que atua diretamente na constituição de crédito tributário por meio fraudulento, responde pessoalmente pela sonegação fiscal, porque age na condição de verdadeiro mandatário. As requerentes de uma ação proposta contra o Distrito Federal interpuseram apelação para impugnar sentença que julgou improcedente pedido para declaração de inexistência de relação tributária com o ente federativo e a consequente extinção do crédito de ICMS, reivindicado pela Fazenda Pública. Sustentaram a nulidade do processo fiscal que culminou no redirecionamento da responsabilidade pelo débito tributário para uma sócia, porque ela não detinha poderes de gestão na sociedade para responder por ato ilegal ou por ações com desvio ou excesso. Ao apreciarem o recurso, os Desembargadores esclareceram que, embora não lhe tenham sido outorgados poderes para gerir a empresa, a sócia exercia efetiva administração da pessoa jurídica como se de fato fosse mandatária e atuou pessoalmente para constituir crédito de ICMS mediante fraude, com base em notas fiscais inidôneas relacionadas a transações comerciais inexistentes. Com suporte nessa constatação, os Julgadores rejeitaram a tese defensiva segundo a qual a aquisição das mercadorias que levaram à constituição do fato gerador do imposto teria sido de boa-fé devido à posterior ciência de que as notas emitidas na transação seriam “frias”. Tal argumento foi apresentado pelas requerentes para sustentar o pleito de extinção da dívida e o consequente aproveitamento do crédito em operações futuras, à luz do princípio da não cumulatividade. A Turma salientou que, por ocasião da lavratura do auto de infração, constatou-se real supressão de tributos que alcançou a cifra de cinco milhões de reais – considerados os valores das penalidades relativas às omissões fiscais – apuração administrativa que sequer foi infirmada pelas autoras. Nesse contexto, os Magistrados concluíram pela manutenção do redirecionamento e da responsabilização pessoal da sócia pela sonegação fiscal, com fundamento no artigo 135, II, do Código Tributário Nacional.

Acórdão 1282609, 07082757520178070018, Relator Des. ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 9/9/2020, publicado no DJe: 25/9/2020.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Gressiely Marinho Guimarães, Letícia Vasco Mota, Maria Celina Fernandes de Souza, Risoneis Alvares Barros, Vitor Eduardo Oliveira da Silva

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

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CDC na visão do TJDFT

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Decisões em Evidência

Direitos fundamentais na visão do TJDFT

Doutrina na Prática

Entendimentos Divergentes no TJDFT

Inconstitucionalidades

Jurisprudência Administrativa Interna

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Lei Maria da Penha na visão do TJDFT

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Saúde e Justiça