Informativo de Jurisprudência n. 424

Período: 1º a 15 de outubro de 2020

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Publicação: 4 de novembro de 2020

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Índice

Direito Administrativo

  • Má conservação de corpo após o óbito em hospital público – falha na prestação do serviço – dano moral

Direito Civil e Processual Civil

  • Obra voluptuária em condomínio – necessidade de quórum qualificado

Direito Constitucional

  • Arguição de inconstitucionalidade – permissão para serviços funerários – proporcionalidade sob o viés da adequação

Direito da Criança e do Adolescente

  • Adoção direta intrafamiliar – formação de laços de afeto e afinidade entre sobrinho e tios – melhor interesse da criança

Direito do Consumidor

  • Equívoco na manipulação de medicamento – dano moral
  • “Golpe da troca” do cartão – senha assimilada de forma visual – culpa exclusiva da vítima

Direito Empresarial

  • Portfólio de escritório de advocacia – plágio de ativos diferenciadores intangíveis – concorrência desleal

Direito Penal e Processual Penal

  • Denunciação caluniosa contra empregado terceirizado – incompetência do órgão público para instaurar investigação administrativa – atipicidade da conduta
  • Estupro de idoso praticado por funcionário de asilo – prisão preventiva em decorrência da gravidade concreta do crime e do risco de reiteração delitiva

Direito Tributário

  • Imunidade tributária para escola de língua estrangeira – associação cultural – atividade educacional típica

Direito Administrativo

Má conservação de corpo após o óbito em hospital público – falha na prestação do serviço – dano moral

A falha de hospital público no serviço de guarda e conservação do corpo de paciente que lá falecera, que ocasiona a aceleração do estado de decomposição a ponto de impedir os parentes de vivenciarem o luto de forma digna, configura responsabilidade civil do Estado e impõe o dever de indenizar a família por danos morais. Na origem, o viúvo e os filhos menores de pessoa falecida ajuizaram ação de reparação por danos morais contra o Distrito Federal em razão da falta do dever de cuidado no acondicionamento do cadáver após o óbito ocorrido em hospital público. Sustentaram que este liberara o corpo em evoluído processo de putrefação e que tal circunstância impossibilitou a realização do velório e da missa de corpo presente pelos familiares, como pretendiam. O Juízo monocrático reconheceu a responsabilidade do nosocômio e condenou o ente distrital a indenizar a quantia de 3 mil reais para cada um dos requerentes. Estes interpuseram apelação contra o valor fixado na sentença, com fundamento na gravidade da dor sofrida pela família. A Procuradoria do DF, em recurso adesivo, alegou ausência do nexo causal entre a conduta estatal e o dano, pois não teria ficado comprovado, de forma cabal, o defeito na refrigeração ou no acondicionamento do cadáver. Ao examinar as razões recursais, o Colegiado consignou que o corpo foi entregue aos parentes, após procedimento de necropsia no Instituto Médico Legal (IML), já em avançado estado de decomposição, de modo que tiveram que velar a falecida com o caixão lacrado, pois, se aberto, poderia causar risco à saúde dos presentes por agentes microbiológicos hospedeiros. Os Magistrados aduziram que a perícia foi categórica ao afirmar que o estado clínico da falecida não foi a causa direta do adiantado estágio de deterioração do corpo. Apontaram ainda que, conforme o depoimento de uma das testemunhas, é corriqueiro o não funcionamento da câmara de refrigeração do hospital de forma que, nessas ocasiões, o procedimento adotado é a aplicação de formol no dia seguinte. Nesse contexto, a Turma entendeu ser devida a reparação por danos morais pois, por motivo de grave falha do nosocômio, os requerentes não puderam viver dignamente o luto da perda do ente querido. Com relação ao quantum indenizatório, os Julgadores majoraram o valor fixado em primeira instância para 5 mil reais a cada um dos autores, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 

Acórdão 1273179, 07116716020178070018, Relator Des. GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 12/8/2020, publicado no PJe: 3/10/2020.

Direito Civil e Processual Civil

Obra voluptuária em condomínio – necessidade de quórum qualificado

Nas questões que envolvem condomínios edilícios, aplica-se de forma excepcional a teoria do fato consumado, quando a desconstituição de situação jurídica e o consequente desfazimento de obra impuserem ônus e prejuízos maiores à coletividade dos condôminos do que a irreversibilidade do ato e a permanência dos seus efeitos, ainda que se trate de benfeitorias voluptuárias ilegalmente aprovadas. Morador de edifício residencial apresentou ação para anular assembleia condominial que aprovou a instalação de ofurô e de sistema de aquecimento em piscina do prédio, aumentando o consumo de energia elétrica em mais de 4 mil reais. O autor requereu também a nulidade e a devolução da taxa extra instituída, a suspensão da inscrição de devedores no cadastro de inadimplentes, além da responsabilização civil do síndico. Em primeiro grau, o Juízo reconheceu a ilegalidade parcial da assembleia e, apenas em relação ao requerente, declarou a nulidade da taxa cobrada para a consecução da benfeitoria com a consequente restituição dos valores. Ao analisar a apelação interposta pelo autor para o desfazimento da obra e responsabilização do síndico, os Desembargadores asseveraram que, de fato, para a consecução de benfeitorias voluptuárias há a necessidade de votação favorável de dois terços dos condôminos (art. 1.341, § 1º, do Código Civil), condição não observada pela deliberação condominial. Apesar disso, ponderaram que a nulificação total da decisão assemblear e a demolição da obra acarretariam prejuízos de diversas ordens aos demais moradores, revelando-se mais adequada a adoção da teoria do fato consumado, mormente porque nova assembleia poderá ser realizada para a regular aprovação das melhorias em pauta. Nesse sentido, a Turma não reconheceu a responsabilidade pessoal do síndico, haja vista sua ressalva registrada na deliberação da assembleia acerca da necessidade do quórum qualificado para a consecução de benfeitoria daquela natureza. Assim, em prestígio ao princípio da razoabilidade, o Colegiado negou provimento ao recurso. 

Acórdão 1289015, 07172727020198070020, Relator Des. JOAO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 30/9/2020, publicado no DJe: 15/10/2020. 

Direito Constitucional

Arguição de inconstitucionalidade – permissão para serviços funerários – proporcionalidade sob o viés da adequação

A lei que disciplina a prestação de serviços funerários é materialmente constitucional porque elaborada de acordo com o princípio da proporcionalidade e voltada para o fim de resguardar a incolumidade física das pessoas e de preservar os valores éticos e religiosos da sociedade. Na origem, a sentença julgou improcedente o pedido de anulação do ato administrativo que afastou o credenciamento de empresa exploradora de serviços funerários, em razão de mudança promovida em seu quadro societário, e indeferiu o pleito de declaração de inconstitucionalidade incidental da lei que regulamenta a permissão dessa atividade no Distrito Federal. Na apelação, a pessoa jurídica defendeu que a exigência de licitação para a execução do ofício, imposta pela Lei Distrital 2.424/1999, seria incompatível com a Constituição Federal, por limitar a livre iniciativa. Além disso, sustentou que a alteração do quadro societário não pode ser comparada à transferência de permissão do serviço público. Ao analisarem o recurso, os Magistrados asseveraram que a matéria já foi objeto de controle concentrado de constitucionalidade pelo STF, no RE 370765/RS, por meio do qual a Corte Superior adotou o entendimento de que a exploração de serviços funerários é assunto de interesse local, cuja competência para regramento cabe ao Município, numa alusão à competência legislativa cumulativa distrital. A par desse pronunciamento, os Julgadores assentaram que o artigo relacionado ao ofício mortuário foi elaborado em respeito ao princípio da proporcionalidade, pois se mostra adequado a seus objetivos, necessário para a comunidade, e proporcional em sentido estrito, por guardar boa relação entre os meios e os fins aos quais se presta. Ressaltaram que a referida lei resguarda a segurança, a incolumidade pública, os valores éticos e religiosos da sociedade, o que a torna compatível com a Constituição. Desse modo, o debate, em princípio travado na esfera constitucional, passaria à seara infraconstitucional, ao exame da legalidade. Quanto à matéria subjacente, os Juízes afirmaram que, como a exploração dessa atividade foi entregue mediante autorização – de forma precária, discricionária e sem procedimento licitatório –, a modificação no quadro de integrantes da empresa constituiu, por via transversa, medida equiparada à mudança irregular de titularidade da permissão do serviço. Assim, reconheceram a caducidade da delegação, por descumprimento das determinações legais. Por fim, a Turma rejeitou a arguição de inconstitucionalidade material do art. 8º da Lei Distrital 2.424/1999 e, no mérito, negou provimento ao recurso. 

Acórdão 1287066, 07085318120188070018, Relator Des. LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 24/9/2020, publicado no DJe: 7/10/2020. 

Direito da Criança e do Adolescente

Adoção direta intrafamiliar – formação de laços de afeto e afinidade entre sobrinho e tios – melhor interesse da criança

O Estado tem o dever de encontrar a solução que melhor resguarde a proteção integral da criança, a exemplo da adoção direta requerida por familiares detentores da guarda de menor, ainda que presentes outros interesses jurídicos igualmente tutelados. O Ministério Público pediu a reforma da sentença que concedeu adoção direta de um sobrinho aos tios, por entender que houve nulidade no julgamento. Segundo o Parquet, a genitora da criança deveria ser formal e novamente ouvida em Juízo acerca da situação, nos termos do art. 166 e §§ do Estatuto da Criança e do Adolescente. No julgamento da apelação, a Turma explicou que a adoção direta é medida admissível, se requerida pelo detentor da guarda legal de criança com mais de três anos e comprovada a existência de laços de afeto e afinidade entre as partes (art. 50, § 13, do ECA). Os Desembargadores esclareceram que, no caso, a proteção integral do infante se sobrepôs às demais previsões normativas acerca do tema, especialmente porque ficou demonstrado que os adotantes assumiram os cuidados do sobrinho desde o nascimento, em 2013, quando foi entregue pela mãe, de forma voluntária e espontânea. Asseveraram que a genitora foi indagada em audiência acerca do seu consentimento, oportunidade em que afirmou ter pessoalmente oferecido o filho à irmã, em razão de o pai ter negado a paternidade e se recusado a prestar auxílio. Após esse momento inicial, a mulher ainda reiterou sua concordância e, depois, teve ciência do rompimento definitivo do vínculo materno, com a comunicação do trânsito em julgado da sentença. O Colegiado acrescentou que a conclusão do Juízo a quo foi alicerçada por relatório técnico da Vara da Infância e da Juventude – favorável à adoção intrafamiliar – segundo o qual o adotado “demonstra que sabe de sua biografia e está confortável com a sua história”. Em conclusão, por não se vislumbrar a nulidade invocada pelo MP, negou-se provimento ao recurso.

Acórdão 1286262, 00034207520188070013, Relator Des. JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 23/9/2020, publicado no PJe: 6/10/2020. 

Direito do Consumidor

Equívoco na manipulação de medicamento – dano moral

É possível o reconhecimento de dano moral quando farmácia de manipulação, ao elaborar medicamento, não observa a dosagem prescrita na receita médica, sobretudo se o equívoco causa agravamento de saúde do paciente. Cliente de farmácia de manipulação teve a medicação para o tratamento de hipotiroidismo formulada com dosagens invertidas. Em consequência, após perceber o agravamento da sua saúde, alterações de humor e de memória, além de dificuldade para se concentrar, a consumidora propôs ação de indenização por danos morais contra o estabelecimento. O Juízo a quo julgou procedente a pretensão e condenou a empresa ao pagamento de cinco mil reais. Ao analisarem as apelações interpostas pelas partes, os Desembargadores entenderam insubsistente a alegação da empresa apelante de que o medicamento fora elaborado com base em receituário antigo ordenado pela autora, haja vista a não apresentação da suposta prescrição. Nesse passo, os Julgadores destacaram que os exames laboratoriais demonstram alterações na condição clínica da paciente, havendo correspondência com os sintomas relatados – taquicardia, irritabilidade, sonolência, depressão e confusão mental, consequências que igualmente se inferem das observações de sua médica sobre a piora da saúde. Dessa forma, a Turma reconheceu a falha na prestação dos serviços ante a responsabilidade objetiva da empresa (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor) e deu parcial provimento ao recurso da autora para majorar a indenização para oito mil reais. 

Acórdão 1287297, 07240935020198070001, Relatora Desª. VERA ANDRIGHI, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 23/9/2020, publicado no DJe: 13/10/2020. 

“Golpe da troca” do cartão – senha assimilada de forma visual – culpa exclusiva da vítima

O consumidor tem culpa exclusiva por prejuízos decorrentes do uso de senha e da troca de cartões no momento da compra, quando fica demonstrada sua falta de cuidado na proteção das informações pessoais, sigilosas e intransferíveis, hipótese em que há rompimento do nexo causal entre a conduta do banco e o dano sofrido. Um consumidor propôs ação indenizatória contra instituição bancária, sob o argumento de falha no serviço de segurança, após sofrer prejuízo financeiro decorrente da troca de seu cartão de crédito, fraude conhecida como “golpe da troca”. O Sentenciante rejeitou os pedidos iniciais, porquanto não vislumbrou qualquer irregularidade na conduta do banco. Ao examinarem o recurso interposto pelo autor, os Julgadores consignaram que o cliente teve seu cartão furtado na hora em que pagou por serviço de táxi, mas só constatou o ilícito em momento posterior. Explicaram que a prática criminosa é aplicada por terceiro que consegue assimilar a senha ao observar a pessoa digitando na máquina, ocasião em que pega o cartão verdadeiro e devolve outro falso. De acordo com os Magistrados, não foi comprovado que a senha tenha sido extraída mediante dispositivo instalado na “maquininha”, uma vez que, segundo informações da Federação que representa os bancos (Febraban), não há conhecimento da existência de tecnologia para tal finalidade. Nesse contexto, reconheceram que o descuido do recorrente foi determinante para a prática criminosa, pois digitou a senha sem se atentar para a presença e o comportamento de outrem, tampouco esteve alerta para verificar se o cartão devolvido ao final da operação era de fato dele. Ressaltaram que, ao contrário do alegado pelo autor, movimentações fora do perfil, ausência de notificação no celular ou saques sem a identificação biométrica não podem ser considerados falhas de segurança propriamente ditas, porque compõem um rol de procedimentos extras que visam mitigar fraudes, mas não têm o condão de evitá-las por completo. Nesse contexto, destacou que as transações financeiras no período não destoam do perfil do usuário, razão pela qual não seria possível a suspeita imediata de prática criminosa por parte da instituição. O Colegiado entendeu que é do consumidor o dever de zelo e cuidado na custódia do cartão, bem como no resguardo do sigilo da senha, a qual possui caráter pessoal, secreto e intransferível.  Assim, aduziu que não há falar em qualquer conduta irregular do banco, geradora da obrigação de reparar os prejuízos. Com isso, a Turma considerou que houve rompimento do nexo causal, pois a negligência do consumidor foi a causa imediata da própria perda financeira, e negou provimento ao recurso. 

Acórdão 1282463, 07089989520208070016, Relator Juiz ALMIR ANDRADE DE FREITAS, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 16/9/2020, publicado no PJe: 1º/10/2020.

Direito Empresarial

Portfólio de escritório de advocacia – plágio de ativos diferenciadores intangíveis – concorrência desleal

O texto original de apresentação de escritório de advocacia, singular e individualmente escrito, constitui ativo intangível de seus autores, de forma que configura violação à propriedade intelectual a cópia pura e simples feita por sociedade instalada na mesma base territorial e atuante no mesmo ramo jurídico daquele. Quatro advogados e o grupo profissional que os representa interpuseram apelação contra sentença que julgou improcedente pedido de indenização contra um escritório de advocacia acusado de copiar o material de divulgação do trabalho deles. O réu sustentou ausência de originalidade do portfólio em questão e a inexistência de prática desleal. No exame do recurso, os Desembargadores consideraram que o layout do folder e a disposição visual dos dados seguem padrão amplamente utilizado nesse ramo de atividade. Entretanto, com relação ao texto, reconheceram que houve plágio “incontestável”, diante da reprodução integral da narrativa. Constatada a transcrição, os Julgadores esclareceram que a redação copiada não possui valor como manifestação de subjetividade, criatividade ou originalidade dos autores, razão pela qual não recebe proteção da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/1998). Todavia, sob outro prisma, alertaram que as repercussões comerciais são relevantes, sobretudo porque ambas as partes estão sediadas na mesma base territorial e atuam com ramos idênticos do Direito. Assim, entenderam justificável a proteção da habilidade que os autores tiveram de diferenciar seu trabalho como um “ativo intangível”, porquanto os redatores não se limitaram a narrar o mister cotidiano comum, mas buscaram listar rol de características que os tornaria singulares. Há menção, por exemplo, quanto ao tempo de experiência e à origem da sociedade. Nesse contexto, concluíram pela configuração da prática de concorrência desleal pelo réu, por visar atingir o mesmo tipo de cliente em potencial a que almejam os autores, e por se aproveitar dos elementos diferenciadores criados a partir de esforço intelectual autêntico e financeiro destes (arts. 195, III, e 209 da Lei 9.279/1996). Com tais fundamentos, o Colegiado condenou o escritório de advocacia a ressarcir o prejuízo material dos requerentes, em decorrência de violação à propriedade intelectual. 

Acórdão 1271964, 07331312320188070001, Relatora Desª. FÁTIMA RAFAEL, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 12/8/2020, publicado no DJe: 1º/10/2020. 

Direito Penal e Processual Penal 

Denunciação caluniosa contra empregado terceirizado – incompetência do órgão público para instaurar investigação administrativa – atipicidade da conduta

O órgão público não possui competência para apurar eventual responsabilidade de funcionário terceirizado acusado de prática de crime no âmbito administrativo. Assim, devido à impossibilidade de se instaurar procedimento de investigação válido, deve ser reconhecida a atipicidade de suposta denunciação caluniosa cometida contra o referido empregado. Na origem, o Ministério Público denunciou funcionário terceirizado que atuava na área de segurança do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, a quem foi atribuída a prática do delito de denunciação caluniosa servindo-se o agente de nome suposto (art. 339, § 1º, do Código Penal). O Juízo sentenciante condenou o réu e substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. A defesa interpôs apelação sob o argumento de insuficiência de provas. A Procuradoria de Justiça arguiu a incompetência do órgão público para apurar eventual responsabilidade funcional – haja vista ser a vítima empregada de empresa privada – e requereu a absolvição do recorrente. Na análise da preliminar suscitada, os Desembargadores consignaram que a denunciação caluniosa pode ser praticada por qualquer pessoa (crime comum), mas, por estar tipificado no capítulo relativo aos crimes contra a administração da justiça, tem como sujeito passivo primário o Estado e como vítima secundária a pessoa injustamente denunciada. Além disso, pontuaram que a expressão “investigação administrativa”, presente na redação do art. 339 do Código Penal, sugere que a falsa imputação de infração penal tenha como destinatário, em regra, um servidor público. Na hipótese, esclareceram que o réu, em ligação telefônica na qual se identificou como servidor do MAPA, comunicou à ouvidoria do órgão público que o supervisor da área de segurança teria furtado o aparelho auditivo de outro agente público. Posteriormente, foi apurado que o autor da denúncia, na verdade, trabalhava como vigilante terceirizado no Ministério, e a vítima, seu superior administrativo, o havia remanejado para outro órgão, fato que deixou o acusado inconformado. Nesse contexto, o Colegiado destacou que, como o ofendido não possuía qualquer vínculo com o poder público nem executava atividade típica da Administração, o órgão perante o qual prestava serviço não possui competência para, por meio de investigação interna, apurar a denúncia formulada, revelando-se atípica a conduta imputada ao recorrente. Com isso, a Turma acolheu a preliminar do MP para absolver o réu com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal. 

Acórdão 1285161, 00010514720188070001, Relatora Desª. NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 17/9/2020, publicado no DJe: 29/9/2020. 

Estupro de idoso praticado por funcionário de asilo – prisão preventiva em decorrência da gravidade concreta do crime e do risco de reiteração delitiva

É lícita a prisão preventiva de funcionário de asilo acusado de praticar atos libidinosos contra idosa que sofre de doença degenerativa avançada, haja vista a gravidade concreta da conduta e a impossibilidade de antever situações de vulnerabilidade das quais o agente possa novamente se aproveitar (perigo de reiteração do crime). Auxiliar de serviços gerais de um asilo foi preso em flagrante sob a acusação da prática do crime de estupro de vulnerável consumado e tentado (art. 217-A, § 1º, c/c art. 14, II, do Código Penal) contra idosa de 82 anos, portadora de Alzheimer em estágio avançado. Em audiência realizada no Núcleo de Custódia, a prisão em flagrante fora convertida em preventiva. Contra essa decisão o paciente impetrou habeas corpus, alegando que não oferece risco à ordem pública nem à integridade da suposta vítima, pois foi demitido pelo lar de idosos, local onde teriam acontecido os fatos. Ao analisarem o writ, os Desembargadores consignaram a crueldade incomum do acusado e a gravidade superlativa dos fatos que indicam a reiteração de atos libidinosos contra senhora com doença neurodegenerativa avançada, sem o necessário discernimento para oferecer resistência ou consentir com a prática de atos sexuais. Conforme relato de cuidadores e funcionários da instituição, o impetrante aproveitava-se da facilidade do trabalho para acessar o quarto da vítima, onde foi visto em mais de uma ocasião com as calças abaixadas, em situação de abuso sexual. Nesse contexto, os Magistrados entenderam que a liberdade do paciente, adulto de 47 anos de idade, oferece perigo não só à integridade da vítima, mas à garantia da ordem pública, pois a conduta do paciente demonstra evidente incapacidade para reprimir o desejo de satisfazer a própria concupiscência. Além disso, a demissão do acusado não se revela suficiente para afastar a necessidade de encarceramento, haja vista o risco concreto de reiteração delitiva ante a impossibilidade de prever novas oportunidades de vulnerabilidade que propiciem a prática criminosa. Dessa forma, presentes os elementos que sinalizam a materialidade do delito e os indícios de autoria, a Turma, por maioria, concluiu pela legalidade da prisão preventiva. 

Acórdão 1289879, 07405538120208070000, Relator Designado Des. ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 1º/10/2020, publicado no DJe: 15/10/2020. 

Direito Tributário

Imunidade tributária para escola de língua estrangeira – associação cultural – atividade educacional típica

O ensino de idioma estrangeiro, independentemente da expedição de diploma de grau escolar, não desnatura seu caráter de atividade educacional típica, voltada para o desenvolvimento e a qualificação do aluno, razão pela qual há imunidade tributária de ISS. Na origem, uma associação de cultura franco-brasileira ajuizou ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária cumulada com repetição de indébito contra o Distrito Federal. O Juízo de primeira instância reconheceu a imunidade tributária da instituição de ensino e condenou o ente distrital à repetição dos valores pagos indevidamente pela autora nos últimos cinco anos. A sentença foi submetida a reexame necessário, e o Distrito Federal interpôs apelação, por meio da qual sustentou que o curso de línguas não se enquadra no conceito estrito de educação formal, que a escola não comprovou preencher os requisitos necessários à concessão da imunidade e que não possui certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS). Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que as atividades fora do alcance tributário envolvem áreas essenciais em que o Estado não consegue atender a demanda de forma exclusiva, motivo pelo qual busca fomentar parceria com entidades privadas, principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social. Ressaltaram que, no caso concreto, o fato de a entidade ministrar curso de idioma estrangeiro e não expedir diploma regular – como ocorre para o ensino básico, médio ou superior –, não desnatura sua relevância social, pois o ensino de língua francesa é atividade educacional típica, por qualificar e preparar o aluno para o exercício da cidadania, na forma do art. 205 da Constituição Federal. O Colegiado esclareceu, ainda, que uma perícia contábil constatou que a receita da entidade é integralmente revertida em prol da consecução de suas finalidades (art. 14, II, do Código Tributário Nacional), e que a cobrança de mensalidades não impede o gozo do benefício; até porque não foi identificada a distribuição de lucros ou de patrimônio. Com relação ao CEBAS, os Julgadores acrescentaram que sua emissão constitui ato meramente declaratório e, portanto, dispensável ao reconhecimento da imunidade, a qual independe de qualquer providência administrativa. Assim, os Julgadores concluíram que a associação está apta a se beneficiar da exclusão tributária, porque preenche os requisitos estabelecidos na Constituição (art. 150, VI, c) e no CTN (art. 14). Com isso, a Turma negou provimento à remessa oficial e à apelação. 

Acórdão 1286337, 07014493320178070018, Relator Des. HECTOR VALVERDE, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 30/9/2020, publicado no DJe: 8/10/2020.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Eliane Torres Gonçalves, Letícia Vasco Mota, Maria Celina Fernandes de Souza, Paulo Gustavo Barbosa Caldas, Risoneis Alvares Barros e Vitor Eduardo Oliveira da Silva  

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

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Decisões em Evidência

Direitos fundamentais na visão do TJDFT

Doutrina na Prática

Entendimentos Divergentes no TJDFT

Inconstitucionalidades

Jurisprudência Administrativa Interna

Jurisprudência em Detalhes

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Lei Maria da Penha na visão do TJDFT

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Saúde e Justiça