Informativo de Jurisprudência n. 425

Período: 16 a 31 de outubro de 2020

Versão em áudio: audio/mpeg informativo425.mp3 — 33.8 MB

Publicação: 18 de novembro de 2020

Acesse a versão em PDF

Índice

Direito Administrativo

  • Gravidez ectópica tubária – ausência de visualização em exame ecográfico – erro médico não configurado

Direito Civil e Processual Civil

  • Acidente de trânsito com morte de pedestre – uso de substância alucinógena pelo motorista – dano moral

  • Obtenção de vantagem desleal por usuário de jogos virtuais – emprego de “software não autorizado – suspensão legítima de conta

  • “Stalking” – perseguição obsessiva e dano moral

Direito Constitucional

  • Apelido de preso em relatório de situação processual executória - inexistência de violação do direito ao chamamento nominal

Direito da Criança e do Adolescente

  • Perfil falso na internet para atrair adolescentes – promessa de carreira como modelo – fornecimento de bebida alcoólica e estupro

Direito do Consumidor

  • Anúncio de produto a preço vil – erro de fácil constatação – ausência de vinculação à oferta

Direito Empresarial

  • Alienação de estabelecimento comercial - desempenho de atividade semelhante pelo alienante - concorrência desleal não caracterizada

Direito Penal e Processual Penal

  • Porte ilegal de arma de fogo por militar em espaço comum de condomínio – reprovabilidade acentuada

Direito Tributário

  • Transporte de gás natural – fato gerador autônomo – creditamento de ICMS

Direito Administrativo

Gravidez ectópica tubária – ausência de visualização em exame ecográfico – erro médico não configurado

A conduta médica amparada por literatura especializada, prática profissional atual e que também encontra apoio em exame de imagem é considerada correta para o caso de gestação atípica, ainda que o ato tenha como consequência a redução da função reprodutiva da genitora. Uma paciente da rede pública de saúde interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de reparação de danos formulado por ela contra o Distrito Federal e uma clínica de imagem. Nas razões do recurso, a apelante alegou que, após fazer um exame ecográfico por suspeita de abortamento, em janeiro de 2019, foi constatada a necessidade de realização de curetagem para esvaziamento da cavidade uterina, o que foi feito. Todavia, menos de um mês depois do procedimento, sentiu fortes dores abdominais e, ao retornar ao pronto-socorro, foi submetida a nova cirurgia com outras intercorrências sérias, que resultaram na retirada da trompa esquerda. Sustentou a responsabilidade do Estado e da clínica onde foi realizado o exame ecográfico, por considerar que houve erro médico e grave prejuízo à sua vida fértil. Na apreciação do recurso, os Desembargadores consignaram que a primeira internação da autora teve como causa um possível aborto incompleto, haja vista a detecção de “restos ovulares” e quadro clínico compatível com o diagnóstico. Assim, entenderam correto o procedimento de curetagem. A segunda internação, por sua vez, identificou a gravidez ectópica, com presença de sangue e coágulos na cavidade abdominal, sem a possibilidade de preservação da trompa. O Colegiado ressaltou que, em laudo pericial, o expert confirmou que as condutas realizadas nos dois atendimentos encontram amparo na literatura médica e no exame médico ecográfico. Estão, portanto, em consonância com as “recomendações da boa e atualizada prática médica”. Ainda segundo a prova pericial, as gestações ectópicas incipientes são de difícil detecção pela ultrassonografia, com margem de não visualização entre 10 e 26%; e o fato de a gravidez ter prosseguido, a despeito da intervenção cirúrgica inicial, só é explicado pela localização peculiar em que se desenvolveu. Assim, a Turma negou provimento ao recurso, pois entendeu não haver elementos suficientes para se concluir por omissão, negligência ou imperícia médica, que justificaria a reparação de danos pretendida pela recorrente.

Acórdão 1290257, 07039611820198070018, Relatora Desª. ANA CANTARINO, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 7/10/2020, publicado no PJe: 16/10/2020.

Direito Civil e Processual Civil

Acidente de trânsito com morte de pedestre – uso de substância alucinógena pelo motorista – dano moral

Conduzir veículo sob a influência de substância psicoativa (“chá do Santo Daime”) constitui infração administrativa e, em caso de acidente, gera o dever de indenizar a vítima por dano moral. Na origem, uma motorista que dirigia seu veículo após ter ingerido substância psicotrópica conhecida como “chá do Santo Daime” atropelou uma pedestre, que veio a falecer em decorrência do acidente. Os filhos da vítima ajuizaram ação de reparação de danos contra a condutora, e o Juízo de primeira instância a condenou ao pagamento de 120 mil reais por danos morais. A ré interpôs apelação sob o argumento de que a decisão se baseou exclusivamente nos fundamentos da sentença criminal ainda não transitada em julgado, além de não ter levado em consideração patologia preexistente causadora do mal súbito que a teria feito perder a consciência e o controle do carro. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que não há óbice à utilização dos fundamentos da sentença penal pelo Juízo cível, pois seria temerário reconhecer o fato e a autoria antes do pronunciamento do Juízo criminal. Acrescentaram que a sentença impugnada não se baseou apenas nas provas do processo criminal, mas também na relevante violação à integridade psíquica dos autores decorrente de conduta inequivocamente grave praticada pela apelante. Esclareceram que, mesmo que não tenha havido condenação definitiva na esfera penal, a autoria e o dano são incontroversos. Ademais, dirigir veículo sob a influência de qualquer substância alucinógena ou psicoativa que cause dependência constitui infração de trânsito. Nesse contexto, o Colegiado entendeu que a requerida, ao conduzir veículo automotor após a ingestão do chá de ayahuasca – substância que altera a capacidade psicomotora – sabendo-se portadora da síndrome vasovagal, assumiu o risco de provocar eventual acidente. Por fim, concluiu que, ainda que se reconhecesse a ocorrência exclusiva de mal súbito, tal condição seria irrelevante, porquanto não seria capaz de afastar o nexo de causalidade e a obrigação de reparar, caracterizando-se como fortuito interno ligado à pessoa que não configura causa excludente de responsabilidade. Com isso, a Turma negou provimento à apelação. 

Acórdão 1288801, 07314528520188070001, Relator Des. CARLOS RODRIGUES, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 30/9/2020, publicado no DJe: 16/10/2020.

Obtenção de vantagem desleal por usuário de jogos virtuais – emprego de “software  não autorizado – suspensão legítima de conta

O usuário de plataforma de jogos eletrônicos deve cumprir as regras do termo de adesão a que anuiu e usar corretamente os serviços disponibilizados pela empresa gestora. O emprego de ferramenta imprópria desenvolvida por hacker para potencializar seu desempenho constitui fraude e conduta incompatível com o espírito de fair play, a legitimar a exclusão e o banimento do jogador. Um usuário da plataforma dos jogos virtuais Free Fire interpôs agravo de instrumento contra decisão de bloqueio de sua conta on-line, acessada via celular, devido à ocorrência de fraude no sistema operacional da empresa administradora do jogo. Sustentou ter sido banido injustamente, pois investiu o valor de R$ 410,63 na plataforma para dedicar oito horas diárias à atividade, o que lhe valeu a condição de “multijogador” (não praticante casual) e o levou a conquistar posição de destaque em ranking mundial. Relatou que, depois da restrição, não pôde avançar nas fases do jogo, perdeu posições e sofreu abalo em sua reputação no cenário digital. Pleiteou, em tutela provisória, o imediato restabelecimento do “ID”. Ao apreciarem o recurso, os Julgadores entenderam que o cancelamento da conta do agravante ocorreu porque ele utilizou programas não oficiais desenvolvidos por hackers para criar brechas no jogo e angariar vantagens indevidas, em detrimento dos demais competidores. Salientaram que os artifícios conferiram maior habilidade e performance ou melhorias na parte visual do caracter, como a criação de disparos anormais ou viagens a locais inesperados, para surpreender os adversários. Explicaram que a fraude foi detectada após denúncias de outros usuários e da realização de “varredura anti-hack” no servidor do jogo, momento em que foi constatada a existência de mais de 25 mil jogadores desleais, chamados “batoteiros”, dentre eles o recorrente. Consignaram que tal comportamento violou as regras do entretenimento, às quais o recorrente anuiu antes da instalação e da abertura da conta virtual, quando também se obrigou ao integral cumprimento. Os Desembargadores ressaltaram que o termo de adesão condiciona expressamente os usuários a não adicionarem novos recursos aos jogos sem a prévia autorização da empresa gestora, porque, do contrário, as contas ficariam inacessíveis em razão de sobrecarga. Assim, assentaram que o agravante, ao infringir as condições de participação, tornou legítimas as penalidades de exclusão da plataforma digital, e de banimento, ficando proibido de jogar em quaisquer smartphones ou dispositivos similares. Segundo o Colegiado, a perda de posições no ranking não se revela, em cognição sumária, dano irreparável, porquanto o agravante não demonstrou nos autos que recebe lucros com o jogo ou que sua subsistência dependa do status de jogador profissional na comunidade virtual. Nessa conjuntura, a Turma concluiu que a aplicação das sanções aos usuários constitui direito subjetivo da gestora, como forma de garantir o bom funcionamento e a segurança do sistema operacional da plataforma de jogos digitais. Com tais fundamentos, negou provimento ao recurso.

Acórdão 1286878, 07185936920208070000, Relator Des. TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 23/9/2020, publicado no DJe: 20/10/2020.

“Stalking” – perseguição obsessiva e dano moral

Em razão do Estatuto da Pessoa com Deficiência, as pessoas com essa condição passaram a ser consideradas detentoras de discernimento e, assim, plenamente capazes. Desse modo, a alegação de incapacidade não se revela suficiente para afastar a responsabilidade de acusado de stalking, amplamente comprovado e passível de indenização. Vítima de stalking – violência psicológica caracterizada pela perseguição obsessiva ingressou com ação de obrigação de fazer combinada com danos morais contra o réu, motivada pelas sérias limitações impostas à sua rotina desde 2014, por ocasião da conduta doentia do requerido. Em sentença, o Juízo singular determinou a abstenção do envio de mensagens à autora e aos seus familiares, bem como a manutenção da distância mínima de quinhentos metros da requerente, além da condenação ao pagamento de quinze mil reais a título de danos extrapatrimoniais. Ao julgar a apelação, os Desembargadores consideraram insubsistente a alegação de que o acusado é autista - asperger - a fim de afastar a responsabilidade civil pelas perseguições incontroversas, confessadas e comprovadas por mensagens virtuais e boletins de ocorrência. Com efeito, os Julgadores ponderaram que o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) desatrelou as ideias de deficiência e incapacidade, pois aqueles possuidores dessa condição não têm a cognição afetada. Nesse passo, os Magistrados observaram que o apelante possui a linguagem e o intelecto preservados, exerce com normalidade os atos da vida civil, é capaz de autodeterminar-se e de entender a gravidade de sua conduta, haja vista a conclusão de dois semestres do curso de odontologia e o fato de morar sozinho no exterior – justificativa dada para não comparecer à perícia do incidente de insanidade mental instaurado. Igualmente, destacaram a conduta do requerido de desprezo pelo Judiciário, consistente nos inúmeros xingamentos, ofensas e ameaças à oficial de justiça que tentou citá-lo, e no reiterado descumprimento de decisões judiciais (medidas protetivas e tutelas de urgência). Dessa forma, diante da contínua sanha ameaçadora, a Turma concluiu pelo suficiente discernimento do réu para responder civilmente por seus atos, uma vez comprovado o ato ilícito e o nexo causal, mantendo o dever de indenizar pelos danos causados, tal como definido em primeira instância.

Acórdão 1291864, 07141579820198070001, Relator Des. DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 8/10/2020, publicado no DJe: 23/10/2020.

Direito Constitucional

Apelido de preso em relatório de situação processual executória – inexistência de violação do direito ao chamamento nominal

O registro de alcunha ou apelido de preso nos assentamentos penais não configura violação ao direito de chamamento nominal nem ofensa à integridade moral, mormente quando nome e sobrenome do sentenciado encontram-se cadastrados em primeiro plano no Relatório da Situação Processual Executória. Sentenciado à pena privativa de liberdade interpôs agravo de execução contra decisão do Juízo da Vara de Execuções Penais pelo indeferimento do pedido de exclusão do apelido ‘Neguinho’ do Relatório de Situação Processual Executória. Segundo o agravante, a manutenção da alcunha violaria o direito ao tratamento nominal previsto no art. 41, XI, da Lei de Execução Penal e, igualmente, configuraria ofensa à sua integridade moral (art. 5º, XLIX, da Constituição Federal), em razão da natureza depreciativa do mencionado vocábulo. Nessa linha, alegou que o registro do cognome teria força para estigmatizar os afrodescendentes e para ensejar a despersonalização e desumanização do acusado. Em sede recursal, os Desembargadores asseveraram que o ordenamento jurídico admite a qualificação do réu com outros dados, além do nome, para a correta identificação e individualização, conforme se depreende dos arts. 41 e 259 do Código de Processo Penal. Nesse passo, esclareceram que os cognomes são elementos que auxiliam o correto reconhecimento do acusado, porquanto se referem à designação pela qual o indivíduo é conhecido em seu meio. Na hipótese, os Magistrados destacaram que o mencionado apelido constou em uma das peças acusatórias, tendo sido igualmente registrado na respectiva carta de sentença, além do que o designativo não fora dado pelo Estado, mas informado pelo próprio apenado. Nesse sentido, a Turma observou que não houve indicação de fato concreto a demonstrar ocorrência de constrangimento no âmbito prisional, a despeito do termo depreciativo que decorre de informações da ação penal. Assim, por não reconhecer o cerceamento do direito ao nome, haja vista o registro em primeiro plano, o Colegiado indeferiu o agravo. 

Acórdão 1290758, 07282997620208070000, Relator Des. JESUINO RISSATO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 8/10/2020, publicado no DJe: 16/10/2020. 

Direito da Criança e do Adolescente

Perfil falso na internet para atrair adolescentes – promessa de carreira como modelo – fornecimento de bebida alcoólica e estupro 

A prática de atos libidinosos com menor de quatorze anos, atraída por falsas promessas de sucesso, dinheiro e facilidades, caracteriza o crime de estupro de vulnerável com violência presumida, sendo dispensável a prova do consentimento da ofendida, a quem a lei considera pessoa ainda em desenvolvimento. Um falso agenciador de modelos foi condenado em razão de ter fornecido bebida alcoólica e praticado estupro com duas adolescentes, atraídas pelo perfil fraudulento criado por ele na internet. Interposta apelação, o réu afirmou ter agido com erro essencial quanto à idade de uma das vítimas com quem manteve relações sexuais, que, à época, tinha apenas treze anos, e ainda negou ter oferecido vodca às garotas. Ao examinarem a pretensão, os Desembargadores asseveraram que a autoria e a materialidade dos delitos foram comprovadas pelos depoimentos firmes e coesos das ofendidas, cujas palavras assumem relevância especial em razão de a violência ocorrer longe dos olhares de outras pessoas, conforme entendimento sedimentado na jurisprudência. As duas meninas, seduzidas pela falsa promessa de fama, roupas novas e passe livre em academias, foram fisgadas pelo mesmo modo de agir: primeiro, o agressor entrava em contato fingindo ser uma modelo bem-sucedida e que já teria trilhado idêntico caminho ofertado pelo pseudoagenciador em rede social. A esse momento inicial, se seguia um encontro em motel com o abusador, e a submissão da vítima a atos lascivos como forma de “agrado” ao profissional que supostamente a levaria ao triunfo. Os Julgadores enfatizaram que a tipificação do estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) possui presunção absoluta de violência. Assim, é suficiente a prática de ato libidinoso com menor de quatorze anos – dispensada a prova do consentimento da vítima – pois, segundo os Magistrados, o objetivo da norma é proteger pessoas “imaturas, influenciáveis e em desenvolvimento”. De acordo com o entendimento da Turma, a versão apresentada pela defesa ficou isolada dentro do acervo probatório, que revelou o poder de persuasão do criminoso, o qual mostrava às pretendentes fotos de outra mulher hipoteticamente agenciada por ele, detentora de carreira já exitosa, e que, tal como as agredidas, teria sido “descoberta” na adolescência. Nesse contexto, o Colegiado decidiu manter a condenação do réu como incurso nos tipos penais dos arts. 217-A do CP, 240 e 243 da Lei 8.069/1990. 

Acórdão 1290606, 00138819520168070007, Relator Des. WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 8/10/2020, publicado no PJe: 20/10/2020.

Direito do Consumidor

Anúncio de produto a preço vil – erro de fácil constatação – ausência de vinculação à oferta

O princípio da vinculação à oferta não pode amparar compra de mercadoria por preço vil e facilmente perceptível ao homem médio, gerado por falha no sistema de precificação da empresa, sob pena de violação ao princípio da boa-fé objetiva e ao equilíbrio econômico da relação contratual. Na origem, o consumidor propôs ação de obrigação de entregar produtos certos e determinados, divulgados em condições excessivamente vantajosas, cujo procedimento de compra foi cancelado pela empresa fornecedora sob a justificativa de preço ínfimo. Pleiteou também reparação por danos morais, em razão do transtorno sofrido. O sentenciante condenou a requerida a entregar os produtos nos moldes do anúncio publicitário, mas negou a indenização. Irresignada, a pessoa jurídica interpôs apelação ao fundamento de que teria havido uma falha no sistema na parte relativa à divulgação do preço, mas que o cliente foi ressarcido no montante que desembolsou. Na análise do recurso, os Desembargadores explicaram que, de fato, o art. 30 do Código de Defesa do Consumidor prevê que toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, deve ser cumprida com relação aos itens nela divulgados. Acrescentaram que o dispositivo tem o objetivo de impedir que o fornecedor, após fazer oferta concreta, sincera, real e compatível com as características de determinado produto ou serviço, desista do negócio, de modo a prejudicar e frustrar a justa expectativa do consumidor. Os Magistrados destacaram, entretanto, que tal regra comporta exceção, pois não pode ser invocada para amparar o enriquecimento sem causa. No caso concreto, o anúncio informava a venda de seis relógios esportivos ao valor total de R$ 101,40, soma que, na realidade, representava preço cem vezes mais baixo do que o praticado no mercado para idênticos produtos. Assim, interpretaram que houve erro crasso no montante atribuído aos itens, e facilmente perceptível ao homem médio. Entenderam que, por certo, teria ocorrido falha no sistema da fornecedora, que cancelou a transação e devolveu o crédito do consumidor tão logo percebeu o equívoco.  Nessas circunstâncias, a Turma decidiu afastar a aplicação do princípio da vinculação à oferta anunciada, por entender que obrigar a empresa a entregar os objetos na forma pretendida, promove o desequilíbrio econômico e fere os princípios da boa-fé objetiva. Com isso, acolheu a tese recursal para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos da inicial. 

Acórdão 1285531, 07603901120198070016, Relator Juiz FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 11/9/2020, publicado no DJe: 28/10/2020.

Direito Empresarial

Alienação de estabelecimento comercial - concorrência desleal não caracterizada pelo desempenho de atividade empresarial semelhante

Afigura-se legítima, nos contratos de alienação de fundo de comércio, cláusula que autoriza o desempenho de atividade empresarial semelhante ou afim ao do segmento explorado pela empresa alienada, haja vista constituir ressalva à proibição legal de concorrência pelo prazo de cinco anos com o adquirente da empresa. Particulares que adquiriram empresa de locação de móveis e instrumentos musicais para festas e eventos propuseram ação de indenização por danos materiais e morais contra os antigos proprietários em razão de descumprimento contratual. Alegaram que não fora respeitada a cláusula de impedimento de atuação no mesmo segmento da atividade empresarial, fato que teria ensejado redução no faturamento do fundo de comércio adquirido, além de concorrência desleal. O Juízo singular não reconheceu os alegados prejuízos ante a inexistência de perícia contábil, julgando improcedentes os pedidos. Interposta apelação pelos requerentes, os Desembargadores pontuaram que, de fato, o art. 1.147 do Código Civil impõe ao alienante de estabelecimento comercial a proibição de exercer concorrência pelo prazo de cinco anos, ressalvada a liberação do desempenho da mesma atividade comercial nos casos de expressa previsão contratual. Na hipótese, a Turma verificou a existência de cláusula que autoriza os vendedores a atuarem como organizadores, promotores ou decoradores de festas, desde que utilizem materiais próprios. Nesse sentido, os Magistrados consideraram a mencionada previsão contratual como verdadeira permissão, ainda que limitada, para a concorrência no âmbito da atividade desenvolvida pela empresa alienada, tal como facultado pelo texto normativo. Com efeito, concluíram que, não havendo restrições no contrato, não há como reconhecê-las por meio de interpretação, mormente para demonstrar suposta concorrência desleal. Dessa forma, por não vislumbrar o cometimento de ato ilícito por parte dos réus, o Colegiado negou provimento ao recurso.

Acórdão 1290272, 07245464520198070001, Relatora Desª. GISLENE PINHEIRO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 14/10/2020, publicado no DJe: 19/10/2020.

Direito Penal e Processual Penal 

Porte ilegal de arma de fogo por militar em espaço comum de condomínio – reprovabilidade acentuada 

O morador militar que possui registro de arma de fogo não tem o direito de ostentar o objeto em espaço comum de condomínio, com o intuito de constranger e intimidar os vizinhos, pois tal conduta extrapola os limites da autorização de uso, restrita à área privativa de sua residência. Na origem, um militar foi condenado pelo crime previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), por portar artefato de fogo na entrada principal do prédio onde reside, como forma de advertência aos demais moradores, que faziam barulhos com uma motocicleta no estacionamento. Interposta apelação, o réu alegou que possuía licença para utilizar o armamento e que o local onde tudo aconteceu deveria ser tratado como extensão de sua casa. Sustentou, assim, a atipicidade da conduta. Ao apreciarem o recurso, os Julgadores aduziram que o referido Certificado de Registro de Armas de Fogo, concedido pela autoridade competente, não permite ao titular o direito de porte em área de uso e de circulação comum de condomínio residencial, mas apenas em locais privados, nos quais o proprietário ou pessoas de sua confiança tenham acesso reservado ao manuseio do aparato (art. 5º do estatuto). Consignaram não ser plausível ao condômino, notadamente militar, exibir instrumento de fogo em espaço comum para ameaçar e inibir vizinhos, porque tal conduta gera risco à segurança dele e à dos demais moradores. Pontuaram que o fato de o recorrente ter confessado o crime – ao reconhecer que trazia o revólver consigo e o jogou no chão com a chegada da viatura policial – fortalece o convencimento do Juízo para a condenação. Desse modo, concluíram pela caracterização do delito de porte ilegal de arma de fogo, porquanto o apelante extrapolou os termos de uso da permissão que detinha. O Colegiado ainda ressaltou que o comportamento do réu, ao portar o dispositivo em desacordo com os limites da autorização concedida, demonstrou maior reprovabilidade social que a relacionada à infração de posse ilegal de armamento. Para os Desembargadores, o lugar onde a infração ocorreu é área coletiva e pertence exclusivamente ao condomínio, razão pela qual não pode ser interpretada como anexa ao apartamento do recorrente. Destacaram, por fim, que a tese defensiva de atipicidade da conduta carece de lastro jurídico, haja vista se tratar de delito de mera conduta e de perigo abstrato, o qual independe de desdobramento causal para sua configuração como tipo penal. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso. 

Acórdão 1292906, 00123822820068070007, Relator Des. ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 15/10/2020, publicado no PJe: 27/10/2020.

Direito Tributário

Transporte de gás natural – fato gerador autônomo – creditamento de ICMS 

O transporte de GLP entre duas filiais situadas em estados diferentes constitui fato gerador de ICMS independente daquele nascido da aquisição inicial do produto na distribuidora, não está sujeito à substituição tributária e origina crédito do imposto à pessoa jurídica responsável pelo deslocamento. Uma empresa distribuidora de gás de cozinha (GLP) propôs ação declaratória de nulidade de autuação fiscal promovida pelo Distrito Federal, baseada em creditamento de ICMS sobre frete, considerado irregular pela Fazenda Pública. O pedido foi julgado procedente, sentença contra a qual o ente federado se insurgiu. Na apelação, o DF sustentou a incidência de fato gerador único, que teria ocorrido desde a distribuidora até o consumidor final, mediante substituição tributária, e se aperfeiçoado por ocasião do recolhimento pela Petrobras. Com o auxílio de um laudo pericial, os Desembargadores observaram, na verdade, a ocorrência de dois fatos geradores distintos: um deles originado da venda do produto e outro nascido do transporte do combustível entre as filiais de São Paulo e do DF. Segundo a perícia, na primeira etapa, a responsabilidade é do substituto tributário e não gera direito de crédito à sociedade encarregada do deslocamento. Entretanto, na segunda fase, o ato de movimentar a mercadoria de um estabelecimento para outro representa operação diferente e sobre a qual incide ICMS, o que dá origem ao crédito tributário para quem faz a movimentação. Há inclusive comprovação nos autos de que houve recolhimento do imposto, com a juntada da cambial de Conhecimento de Transporte relativa à operação. Os Julgadores esclareceram, por fim, que o crédito tributário originado pelo serviço de frete não está incluído na vedação constante do art. 328 do Decreto 18.955/1997 – regulamento de ICMS no DF – porque tal proibição incide apenas sobre operações sujeitas à substituição tributária, o que não é o caso do transporte de mercadoria interestadual e intermunicipal. Assim, por concluir a ocorrência de dois fatos geradores diversos na circulação do GLP entre a Petrobras, como distribuidora e substituta, e os estabelecimentos da apelada nos dois estados, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1288876, 07017483920198070018, Relatora Desª. VERA ANDRIGHI, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 7/10/2020, publicado no DJe: 29/10/2020.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Letícia Vasco Mota, Maria Celina Fernandes de Souza e Risoneis Alvares Barros  

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

Acesse também:

CDC na visão do TJDFT

Dano Moral no TJDFT

Decisões em Evidência

Direitos fundamentais na visão do TJDFT

Doutrina na Prática

Entendimentos Divergentes no TJDFT

Inconstitucionalidades

Jurisprudência Administrativa Interna

Jurisprudência em Detalhes

Jurisprudência em Perguntas

Jurisprudência Reiterada

Lei Maria da Penha na visão do TJDFT

Novo Código de Processo Civil e o TJDFT

Saúde e Justiça