Informativo de Jurisprudência n. 426
Período: 1º a 15 de novembro de 2020
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Publicação: 2 de dezembro de 2020
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Índice
Direito Administrativo
-
Falsificação de atestado de comparecimento por servidor público – penalidade de demissão
Direito Civil e Processual Civil
- Execução de alimentos sob o rito da prisão – possibilidade de constrição patrimonial
-
Pai em trabalho por escala de plantão – flexibilização da guarda compartilhada
Direito Constitucional
- Dispensa do pagamento de inscrição em concurso para os auxiliares do serviço eleitoral – constitucionalidade
Direito da Criança e do Adolescente
-
Injúria racial e constrangimento a criança – contexto de violência doméstica e familiar – condenação penal e dano moral
Direito do Consumidor
-
Lesões permanentes em decorrência de tratamento a laser – dano moral
Direito Empresarial
-
Cessão de direitos sobre fundo de comércio – sucessão empresarial não caracterizada
Direito Penal e Processual Penal
- Fraude em procedimento licitatório – desnecessidade de dolo específico
- Intimação para cumprimento de medidas protetivas por telefone – exceção na pandemia
Direito Tributário
-
Metrô-DF – não incidência de imunidade recíproca
Direito Administrativo
Falsificação de atestado de comparecimento por servidor público – penalidade de demissão
A conduta de servidor que apresenta atestados de comparecimento por ele falsificados a fim de justificar ausência ao trabalho, ainda que movida por situação familiar traumatizante, caracteriza falta grave, cuja penalidade é a demissão do cargo público. Uma técnica em enfermagem da Secretaria de Saúde do Distrito Federal interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente pedido de reintegração ao cargo, após ter sido demitida por apresentar atestados médicos de comparecimento por ela falsificados para abonar ausências ao trabalho. Alegou que as circunstâncias específicas que vivenciou – interpretadas como atenuantes, segundo o art. 197 da Lei Complementar Distrital 840/2011 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis do DF) – não foram consideradas administrativamente nem em âmbito judicial. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que a autora, quando interrogada durante processo administrativo disciplinar (PAD), confessou ter preenchido, carimbado e assinado os atestados de comparecimento. Além disso, foi demonstrado que, nas datas indicadas nos documentos, os médicos cujas assinaturas teriam sido forjadas sequer estavam escalados para o plantão. Asseveraram que a tipicidade no PAD é aberta, ou seja, o administrador, mediante juízo de discricionariedade, enquadra a conduta do servidor em um dos conceitos jurídicos indeterminados previstos em lei, levando-se em consideração a natureza e a gravidade da conduta, bem como danos causados, circunstâncias atenuantes e agravantes, culpabilidade e antecedentes funcionais. Definida a infração praticada e a respectiva classificação – se leve, média ou grave –, a sanção aplicada deve ser aquela estabelecida pela legislação, de forma vinculada. No caso, a conduta de forjar os atestados foi enquadrada como infração grave, cuja pena é a demissão, sanção máxima prevista no estatuto dos servidores distritais. Nesse contexto, a Turma, por maioria, concluiu que, comprovados a autoria, a materialidade e o dolo da servidora, não se vislumbra qualquer ilegalidade nem excesso na pena aplicada, motivo pelo qual negou provimento ao recurso. O posicionamento vencido ressaltou que o contexto de forte abalo emocional sofrido pela recorrente no período das infrações disciplinares – problemas de saúde da mãe, falecimento do pai e de uma das filhas, além de duas tentativas de suicídio da segunda filha – deve ser considerado na definição da sanção. Pontuou ainda a ausência de qualquer menção a punições anteriores durante os 32 anos de carreira pública da autora. Assim, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a Magistrada decidiu pela aplicação da pena de suspensão, pelo prazo de noventa dias, nos termos do art. 200, § 2º, II, da LC 840/2011.
Acórdão 1294144, 07126106920198070018, Relator Designado Des. HECTOR VALVERDE, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 28/10/2020, publicado no DJe: 12/11/2020.
Direito Civil e Processual Civil
Execução de alimentos sob o rito da prisão – possibilidade de constrição patrimonial
A execução de alimentos pelo rito da coerção pessoal pode admitir, de forma excepcional, a adoção de sistema híbrido, com aplicação de medidas expropriatórias de bens e valores como meio para satisfazer as necessidades do alimentado, enquanto perdurar a suspensão do decreto de prisão determinada em razão da pandemia de COVID-19. Na origem, um menor, representado pela mãe, em sede de cumprimento de sentença de obrigação alimentar que tramita sob o rito da prisão civil, requereu medidas expropriatórias de bens e valores, sem que houvesse conversão procedimental. Alegou que, por força da decisão proferida no HC coletivo 0706777.90.2020.8.07.0000 (Quarta Turma Cível do TJDFT), o cumprimento do mandado de prisão expedido havia sido suspenso em razão das circunstâncias restritivas relativas à pandemia de COVID-19, e, portanto, imperiosa a adoção de outras medidas que viabilizassem a satisfação das necessidades do alimentado. O Juízo a quo indeferiu o pleito, ao fundamento de haver vedação legal à cumulação de procedimentos executórios distintos no mesmo feito. Ao analisarem o agravo de instrumento interposto, os Desembargadores entenderam que a suspensão do decreto de prisão em decorrência da pandemia justifica a adoção do sistema híbrido de execução de alimentos, com a permissão de prática de medidas de constrição patrimonial, sem que haja, necessariamente, a conversão procedimental. Ressaltaram que o processo não pode ser um fim em si mesmo e que o rito não deve ser mais importante do que a própria finalidade, de forma que a providência requerida é necessária como forma de proteção do melhor interesse do menor. Nesse contexto, a Turma reformou a decisão de primeiro grau e, em complemento, determinou que, antes de realizada a penhora, o devedor deve ser intimado para cumprir voluntariamente a obrigação no prazo de quinze dias, sob pena de multa de dez por cento.
Acórdão 1293436, 07280659420208070000, Relator Des. ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 14/10/2020, publicado no PJe: 4/11/2020.
Pai em trabalho por escala de plantão – flexibilização da guarda compartilhada
Os dias estabelecidos para pernoite com filho menor na guarda compartilhada podem ser flexibilizados em razão da necessidade de um dos genitores cumprir jornada de trabalho em plantões noturnos, com a finalidade maior de preservar os vínculos afetivos e de cumprir o melhor interesse da criança. A mãe e o pai de uma menor interpuseram recursos contra sentença que, ao incluir pernoites no regime de visitação, modificou as regras de convivência da família na guarda compartilhada. Na apelação, a genitora alegou que a mudança – garantidora de pernoites seguidos da garota na companhia do pai – teria convertido a guarda compartilhada em alternada, com prejuízo para a rotina da infante, a qual possui a casa materna como lar de referência. O genitor, por sua vez, sustentou que o regime de visitação deveria balizar-se pela escala de plantões no serviço militar, pois é a forma que ele tem de “ficar o maior tempo possível com sua filha”. No entendimento do Colegiado deve ser reconhecida a necessidade de flexibilização do regime de convivência compartilhada, a fim de preservar o vínculo afetivo e harmonioso existente entre o pai e a menina, em atenção ao princípio do melhor interesse da criança. Explicou que a fruição dos pernoites há de ser assegurada, mas de forma compatível com a rotina plantonista do genitor. Salientou que, caso um desses dias coincida com o ofício da atividade de policial, cabe autorização para que o pai fique com a criança no dia de folga subsequente, sob a condição de aviso prévio à mãe, por mensagem. Consignou ainda que a permanência da filha com o apelante por mais tempo evita que ela fique aos cuidados de familiares e supre a necessidade emocional dela, que declarou espontaneamente à equipe psicossocial o desejo de uma convivência mais estreita com o pai. Em contrapartida, os Julgadores esclareceram que "a livre escolha dos dias pelo genitor ao seu bel-prazer" tampouco é recomendada, porque causaria instabilidade e insegurança para a rotina diária da garota, além de causar potencial lesão ao desenvolvimento intelectual e psicológico dela. Para os Desembargadores, a tese de que a guarda compartilhada teria sido convertida indevidamente em alternada não encontra lastro jurídico, haja vista a distribuição igualitária do poder familiar entre o par parental. Assim, a despeito da fixação de um lar de referência, naquela modalidade predomina a responsabilização conjunta no exercício da autoridade e na tomada de decisões entre os pais, que têm obrigação de participar ativamente na vida da prole. Isso não ocorre na guarda alternada, modelo no qual existe alternância de atribuições e até a retirada da autoridade parental sobre os filhos, ainda que de forma esporádica e específica (art. 1.634 do Código Civil). Com isso, a Turma negou provimento à apelação da genitora e deu parcial provimento ao recurso do genitor para redefinir o usufruto dos pernoites semanais e conciliá-los com a escala de plantões.
Acórdão 1297886, 07018441220188070011, Relator Des. JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 4/11/2020, publicado no PJe: 13/11/2020.
Direito Constitucional
Dispensa do pagamento de inscrição em concurso para os auxiliares do serviço eleitoral – constitucionalidade
A lei distrital que dispõe sobre a isenção do pagamento da inscrição em concursos públicos a quem tenha prestado serviço eleitoral é formal e materialmente constitucional, pois trata de ato anterior ao provimento de cargos e transfere eventuais custos da escusa às bancas examinadoras. O Governador do Distrito Federal propôs ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Distrital 5.818/2017, que dispõe sobre a isenção do pagamento do valor da inscrição em concursos públicos a quem tenha prestado serviço eleitoral. Argumentou que a lei seria formal e materialmente inconstitucional por extrapolar a competência da Câmara Legislativa para dispor sobre o tema e estipular prazo para o Poder Executivo regulamentar a norma; providências que, segundo ele, violariam os arts. 100, IV, e 71, § 1º, II e IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal. Os Desembargadores entenderam, contudo, que o ato impugnado não trata do funcionamento da Administração Pública, uma vez que a dispensa do valor da inscrição se refere a momento anterior ao provimento do cargo e com este não se confunde. A matéria, portanto, não se insere no rol da competência privativa do chefe do Executivo. Os Julgadores acrescentaram que os custos da medida, caso existentes, são absorvidos pelas bancas examinadoras, assunção que afasta eventuais prejuízos ao erário. Assim, aduziram que a norma é compatível com a LODF, pois não há vício formal de iniciativa. Quanto à invocada mácula do ponto de vista material, decidiram que a fixação do prazo de 120 dias para a regulamentação da lei é razoável e não desrespeita o princípio da separação dos poderes. O Colegiado assentou, ademais, que é prerrogativa do Legislativo distrital zelar para que tal preceito seja efetivamente aplicado para evitar o indesejável vácuo normativo. Ao final, o Conselho Especial julgou o pedido improcedente e declarou a constitucionalidade da lei impugnada.
Acórdão 1293844, 00077367320188070000, Relator Des. SÉRGIO ROCHA, Conselho Especial, data de julgamento: 20/10/2020, publicado no PJe: 4/11/2020.
Direito da Criança e do Adolescente
Injúria racial e constrangimento a criança – contexto de violência doméstica e familiar – condenação penal e dano moral
Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade a constrangimento público e ofender sua dignidade por meio de injúria racial configuram práticas criminosas e geram o dever de indenizar. Na origem, a madrasta de uma criança foi denunciada pelo Ministério Público por injúria racial (art. 140, § 3º, do Código Penal) e submissão da menor a constrangimento ou vexame (art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente), em contexto de violência doméstica e familiar (arts. 5º, II, e 7º, II e V, ambos da Lei 11.340/2006), por ofender publicamente sua enteada de dez anos de idade. O Juízo sentenciante julgou procedentes os pedidos e determinou o pagamento de indenização no valor de três mil reais, conforme expressamente requerido pelo órgão ministerial. Interposta apelação, a ré pleiteou absolvição por insuficiência de provas. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que as provas dos autos (inquérito policial, boletim de ocorrência, depoimentos, mídia gravada por testemunha e entrevista especializada com a menor) comprovam a materialidade e a autoria dos fatos. Esclareceram que o relato da vítima foi firme, reiterado e coerente com as demais declarações, em especial com a do proprietário do quiosque onde a família estava, o qual presenciou a madrasta insultar a enteada em meio a uma discussão com o pai da vítima, chamando-a de “negrinha” e ameaçando-a, ao dizer que a menor “ia se ver com ela”. Além disso, pontuaram que a testemunha filmou o ocorrido, inconformado com a conduta da ré e com a falta de reação do genitor da criança, mesmo diante do visível abalo emocional da infante – envergonhada e chorosa, em razão da situação vexatória. Para os Julgadores, houve dolo específico da agente de ofender a dignidade da vítima com elementos relacionados à raça e à cor, além de constrangê-la publicamente ao atribuir-lhe a culpa por seu desentendimento com o companheiro. Asseveraram, ainda, que, embora o pai tenha tentado esquivar a requerida da responsabilidade penal, declarou em Juízo tê-la chamado de “racista”, termo claramente utilizado em contexto de ofensa racial. Assim, o Colegiado concluiu que a ré submeteu a criança sob sua autoridade a vexame, ofendeu sua dignidade com injúrias discriminatórias, mesmo tendo o dever legal de protegê-la, haja vista a relação de parentesco por afinidade. Por fim, a Turma deu parcial provimento ao recurso para, mantida a condenação, redimensionar a pena e, presentes os requisitos do art. 77 do Código Penal, autorizar sua suspensão condicional por três anos.
Acórdão 1296878, 00054721820168070012, Relator Des. CRUZ MACEDO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 29/10/2020, publicado no PJe: 9/11/2020.
Direito do Consumidor
Lesões permanentes em decorrência de tratamento a laser – dano moral
A instituição de saúde que, por conveniência e de forma gratuita, cede espaço físico a profissional para a realização de terapias e tratamentos torna-se solidariamente responsável pelos danos eventualmente causados. Incidem, nessas hipóteses, as teorias da aparência e da boa-fé contratual, uma vez demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo à incolumidade física da pessoa em tratamento. Paciente de clínica de cirurgia plástica propôs ação de indenização por danos morais e materiais em razão de lesões permanentes causadas por tratamento de varizes a laser executado por profissional leigo em medicina. O Juízo singular reconheceu o nexo de causalidade entre a conduta e os danos sofridos e condenou o estabelecimento médico e a executora da terapia ao pagamento de danos materiais e morais, estes no valor de 25 mil reais. Ao analisar a apelação e o recurso adesivo apresentados pelas partes, o Colegiado destacou a ocorrência de lesões permanentes nos membros inferiores da paciente, demonstradas por laudo pericial. Com efeito, pontuou que, embora não houvesse vínculo empregatício formal entre a profissional de saúde e a clínica médica, o estabelecimento agiu com negligência e imprudência ao permitir o uso de suas dependências para a realização de terapia daquela complexidade por pessoa não capacitada. Nesse sentido, os Desembargadores concluíram pela aplicação da teoria da aparência, uma vez que a segunda requerida usara não apenas o espaço físico, mas equipamento e receituários com a logomarca da clínica, caracterizando a responsabilidade solidária pelas cicatrizes permanentes causadas pelo procedimento. Dessa forma, em prestígio à boa-fé contratual, a Turma negou provimento aos recursos para manter a condenação nos termos do édito de primeiro grau.
Acórdão 1292194, 07112043520178070001, Relator Des. GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 14/10/2020, publicado no DJe: 6/11/2020.
Direito Empresarial
Cessão de direitos sobre fundo de comércio – sucessão empresarial não caracterizada
A cessão de direitos sobre fundo de comércio não se confunde com o trespasse, no qual há mudança integral de titularidade. O fato de a sociedade cessionária atuar em ramo de negócio idêntico e utilizar o mesmo nome de fantasia da anterior não implica o necessário reconhecimento de sucessão empresarial. Uma empresa fornecedora de maquinário interpôs agravo de instrumento contra decisão que, em fase de cumprimento de sentença, excluiu sociedade do ramo alimentício da condição de devedora de título executivo reivindicada por aquela. No recurso, a agravante sustentou a ocorrência de efetiva sucessão empresarial, não reconhecida pelo Juízo a quo, baseada nos fatos de que a possível sucessora utiliza o mesmo nome de fantasia da executada, atua em igual ramo de negócio, tem idêntico endereço e celebrou contrato para uso da marca. Após cotejar os elementos probatórios, os Desembargadores entenderam que, na verdade, houve cessão de direitos sobre fundo de comércio, transação que não se confunde com o trespasse, no qual há mudança integral de titularidade. Explicaram que a invocada sucessão possui requisitos legais essenciais e que essas exigências precisam estar presentes para atribuir validade ao ajuste e segurança aos contratantes, quais sejam: notificação e consentimento de credores, averbação do contrato de alienação à margem do registro societário e publicação na imprensa oficial, além de solidariedade temporária por débitos contabilizados (arts. 1.144 a 1.146 do Código Civil). Assim, por maioria de votos, os Julgadores negaram provimento ao recurso porque não ficou demonstrada sequer a transferência de titularidade sobre a responsabilidade patrimonial de uma empresa para outra. No voto minoritário, o Vogal asseverou que a sucessão empresarial não necessariamente é antecedida de procedimento formal de transmissão e pode ser presumida por meio da aquisição do fundo de comércio e da exploração da mesma atividade econômica da pessoa jurídica sucedida.
Acórdão 1292538, 07024881720208070000, Relator Des. TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 21/10/2020, publicado no DJe: 5/11/2020.
Direito Penal e Processual Penal
Fraude em procedimento licitatório – desnecessidade de dolo específico
Para a configuração do crime de fraude a procedimento licitatório não se exige dolo específico nem efetivo prejuízo aos cofres públicos, bastando demonstração de quebra da competição por meio de fraude. Em oposição, a jurisprudência consolidou o entendimento de que para a caracterização da infração penal de alteração contratual do objeto licitatório há a imprescindibilidade do elemento subjetivo do tipo para causar dano ao erário, além do efetivo prejuízo aos cofres públicos, apesar de inexistir disposição legal nesse sentido. O Ministério Público apresentou denúncia contra administrador de região administrativa, servidores públicos e empresários participantes de procedimento licitatório para a realização de obras no Distrito Federal. A peça acusatória alega a ocorrência de fraude ao caráter competitivo da licitação, além de alteração no objeto do procedimento a fim de permitir vantagem em favor da empresa vencedora. O Juízo singular não se convenceu do cometimento dos crimes imputados aos réus por reputar insuficientes as provas apresentadas, proferindo sentença absolutória. Em sede de apelação interposta pelo órgão ministerial, o Colegiado destacou que, de fato, para a configuração do crime de fraude à licitação (art. 90 da Lei 8.666/1993), não há necessidade de comprovação do elemento subjetivo específico do tipo nem de efetivo prejuízo ao erário – para tanto, basta a prova da frustração, por meio de ardil ou conluio, da competição do procedimento. Com efeito, os Julgadores ponderaram que, muito embora tenham sido encontrados, em computador da empresa vencedora, dados e propostas de preços que seriam apresentadas por outras empreiteiras participantes do certame, não há elementos outros que demonstrem a existência cabal de conluio apto a fustigar a necessária competição inerente à licitação. Nesse sentido, esclareceram que não há informação segura sobre a origem única dos documentos encontrados, isto é, se teriam sido elaborados pela mesma pessoa ou no mesmo computador. Além disso, asseveraram ser forçoso reconhecer a existência de modelo disponibilizado pelo edital para a apresentação dos preços, fato suficiente para gerar similitude na confecção das propostas. Em relação à imputação de alteração do objeto do contrato fora das hipóteses legais (art. 92 da Lei de Licitações), os Desembargadores ressaltaram a necessidade de demonstração inequívoca de dolo específico, consistente na intenção de causar dano ao erário, além do efetivo prejuízo aos cofres públicos, malgrado a ausência de disposições legais acerca dessa elementar. Nesse passo, entenderam que, apesar da inobservância às formalidades legais para a mencionada alteração, não houve modificação no valor do preço global do procedimento licitatório – a mudança do objeto do contrato fora motivada por fato superveniente e justificada pela proibição do DFTrans à continuidade da obra inicialmente concebida. Assim, não obstante a existência de irregularidades, os Magistrados não vislumbraram dolo na conduta dos réus, ante a efetiva entrega dos serviços. Dessa forma, em razão das fragilidades das provas apresentadas, a Turma negou provimento ao recurso ministerial para manter o provimento absolutório.
Acórdão 1294443, 00002026220158070007, Relator Des. CARLOS PIRES SOARES NETO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 29/10/2020, publicado no DJe: 9/11/2020.
Intimação para cumprimento de medidas protetivas por telefone – exceção na pandemia
A intimação do ofensor para cumprimento de medidas protetivas de urgência, por telefone e via WhatsApp, é providência válida e eficaz em período de calamidade pública, na hipótese em que a diligência excepcional não causa prejuízo à defesa. Na origem, o Ministério Público ingressou com reclamação contra o indeferimento de pedido para intimação pessoal de ofensor quanto às medidas protetivas de urgência determinadas em favor de sua ex-companheira, porque a notificação foi efetivada por ligação telefônica e via WhatsApp. O órgão ministerial sustentou que ato normativo do TJDFT somente admite que a vítima seja intimada por tais meios desde que haja consentimento prévio. Além disso, durante a pandemia de COVID-19, a execução dos mandados urgentes – entre eles, os relativos às medidas previstas na Lei 11.340/2006 – ficou reservada aos oficiais de justiça. Assim, requereu a declaração de nulidade do ato. Na análise do recurso, os Desembargadores assinalaram que o magistrado a quo fixou as medidas protetivas de proibição de contato e de aproximação, por qualquer meio, para preservar a integridade física da ofendida, com fundamento nas Portarias Conjuntas 50/2020 e 78/2016 do TJDFT, e em decisão da Corregedoria de Justiça, que trata da quarentena imposta pela pandemia de coronavírus (PA SEI 4150/2020). Esclareceram que o oficial de justiça intimou o réu por telefone e enviou cópia do mandado pelo WhatsApp, e que, após a discordância do Parquet com relação ao procedimento, o Juízo determinou também a juntada da imagem do envio da ordem, tudo devidamente cumprido; providências consideradas regulares e suficientes para a instância de origem. Os Julgadores aduziram que, embora fosse possível realizar a intimação pessoal, as normas internas do Tribunal não vedaram a realização dos atos processuais por meio eletrônico; logo, não devem ser interpretadas de forma literal, mas, sim, de acordo com sua intenção e com o resultado exitoso alcançado. Nesse contexto, entenderam que, como a prevenção da COVID-19 é materializada essencialmente pelo distanciamento social, a intimação presencial por oficial de justiça tornou-se providência não adequada à crise sanitária e que só seria imprescindível em caso de afastamento do lar conjugal. Ressaltaram, por fim, que a própria defesa do réu se manifestou pela improcedência do pedido, uma vez que a finalidade do ato foi atingida, qual seja, a efetiva ciência acerca das medidas protetivas impostas em benefício da ofendida. Com isso, a Turma julgou improcedente a reclamação por entender que a determinação judicial resguardou a saúde dos envolvidos e não causou qualquer prejuízo ao acusado.
Acórdão 1294569, 07200503920208070000, Relator Des. SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 22/10/2020, publicado no PJe: 4/11/2020.
Direito Tributário
Metrô/DF – não incidência de imunidade recíproca
A repartição de dividendos a particulares por assembleia, prevista no estatuto do Metrô–DF, caracteriza prática de atividade lucrativa típica da companhia e obsta a incidência da regra de imunidade tributária contida no art. 150, VI da Constituição Federal. A Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô–DF) interpôs apelação contra sentença que não reconheceu como devida a extensão do direito à imunidade fiscal garantido à União, aos Estados, ao DF e aos Municípios pelo art. 150, VI da Constituição Federal. Sustentou que o pagamento de IPTU, IPVA, ISS e ICMS eleva os custos dos contratos da companhia, dificulta os investimentos em segurança e tecnologia e impede a realização de melhorias no serviço de transporte sob trilhos oferecido aos passageiros. Ao analisar o recurso, a Turma consignou que o fato de a apelante integrar a administração indireta do DF – na qualidade de empresa pública – e prestar exclusivamente serviço essencial em regime de monopólio não acarreta a concessão automática da imunidade tributária. Explicou que a desoneração de impostos é aplicada somente quando uma empresa pública não distribua dividendos ou resultados diretos ou indiretos a particulares, não exerça atividade econômica de forma a conferir vantagens além daquelas extensíveis às empresas privadas e vise a outorga de acréscimo patrimonial restrito ao poder público. Os Desembargadores asseveraram que, apesar de o art. 8º do Estatuto do Metrô-DF (Lei 513/1993) estabelecer que "não serão distribuídos dividendos, participações ou benefícios que couberem aos acionistas, sendo os mesmos levados à conta de aumento de capital da Sociedade", foi constatada a prática de atividade típica de exploração econômica pela apelante mediante a obtenção de lucros entre pessoas privadas e a divisão do saldo do lucro líquido do exercício aos acionistas por deliberação exclusiva da Assembleia Geral, conforme autorizado pelo art. 10 do estatuto. Além disso, destacaram que os arts. 5º e 6º da mesma norma asseguram apenas a participação mínima de 51% do capital social pelo ente distrital, não encontrando lastro a alegação de que o DF detém 99,99% das ações do quadro societário da empresa. Assim, os Julgadores concluíram que a companhia não cumpriu os requisitos necessários à ampliação do benefício fiscal e, por essa razão, negaram provimento ao recurso.
Acórdão 1290277, 07038348020198070018, Relator Des. FÁBIO EDUARDO MARQUES, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 14/10/2020, publicado no PJe: 1º/11/2020.
Informativo
1ª Vice-Presidência
Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito
Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto
Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Letícia Vasco Mota, Paulo Gustavo Barbosa Caldas e Risoneis Alvares Barros
Revisão: José Adilson Rodrigues
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR
As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.
Acesse também:
Direitos fundamentais na visão do TJDFT
Entendimentos Divergentes no TJDFT
Jurisprudência Administrativa Interna
Lei Maria da Penha na visão do TJDFT