Publicação: 7 de julho de 2021
Acesse a versão em PDF
Índice
Direito Administrativo
- Licença-paternidade estendida – falecimento da mãe
-
Tentativa de feminicídio contra adquirente de imóvel em programa habitacional – ineficácia de cláusula limitativa de transferência da propriedade
Direito Ambiental
- Multas em razão de construção de poços artesianos e uso irregular de recursos hídricos – fatos geradores distintos – ausência de bis in idem
Direito Civil e Processual Civil
- Publicação em rede social por digital influencer – abalo à imagem de pessoa jurídica – dano moral
Direito Constitucional
- Controle de constitucionalidade – inclusão de festa junina em calendário oficial do DF
Direito do Consumidor
- Exposição da sexualidade de aluno em sala de aula – violação de direitos da personalidade
Direito Empresarial
- "Habilitação retardatária de crédito" – descumprimento de prazo peremptório para impugnação do rol de credores
Direito Penal e Processual Penal
- Embriaguez ao volante – estado de necessidade
Direito Penal Militar e Processual Penal Militar
-
Crime de abandono de posto – necessidade da demonstração de dolo
Direito Tributário
- Imunidade na importação de máquinas por partido político – item essencial à atividade da agremiação
Direito Administrativo
Licença-paternidade estendida – falecimento da mãe
Em caso de morte da mãe de recém-nascido, o pai, sendo servidor estatutário, tem direito à licença-paternidade ampliada pelo tempo correspondente à licença-maternidade, independentemente de previsão legal, visto que devem prevalecer os interesses da criança. Funcionário público distrital interpôs recurso inominado contra sentença que negou pedido de equiparação do período da licença-paternidade ao da licença-maternidade, em razão do falecimento da mãe do filho recém-nascido, por ausência de previsão legal. Inicialmente, os Magistrados lembraram que o art. 392-B da Consolidação das Leis do Trabalho assegura a ampliação da licença-paternidade ao tempo integral ou remanescente da licença-maternidade, na hipótese de morte da genitora. Entenderam que carece de razoabilidade garantir o benefício ao empregado celetista e negar ao servidor estatutário por inexistir dispositivo correspondente na Lei Complementar Distrital 840/2011, principalmente quando as razões de direito em ambos os casos são idênticas, aplicando-se a máxima de hermenêutica jurídica ubi eadem ratio ibi idem jus. Ademais, os Juízes ressaltaram que, na ponderação de valores, prevalece a absoluta primazia dos interesses da criança, inclusive por força da Constituição Federal. Sendo assim, concluíram que o filho não deve ser privado do convívio com, pelo menos, um dos genitores, para o bem do seu desenvolvimento. Nesse contexto, a Turma reformou a sentença e julgou procedente o pedido.
Acórdão 1341491, 07054549320208070018, Relator: Juiz EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 14/5/2021, publicado no DJe: 4/6/2021 .
Tentativa de feminicídio contra adquirente de imóvel em programa habitacional – ineficácia de cláusula limitativa de transferência da propriedade
O lapso temporal durante o qual é proibida a alienação de imóvel objeto de programa habitacional pode ser mitigado na hipótese de a compradora ter sido vítima de tentativa de feminicídio pelo ex-companheiro, com fundamento nos princípios da dignidade e da relatividade do contrato, como forma de assegurar o direito à vida e à integridade física e psicológica da mulher e dos filhos. Adquirente de imóvel subsidiado por programa habitacional requereu a declaração de ineficácia da cláusula do contrato de promessa de compra e venda que proibia a transferência do imóvel antes do lapso temporal de dez anos. Na ação ajuizada contra a Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal – CODHAB/DF, a autora registrou ter sido vítima de tentativa de feminicídio pelo ex-companheiro em 2019 e, desde então, viu-se obrigada a mudar de endereço com os filhos. O Sentenciante julgou procedente o pedido para autorizar a requerente a alugar ou vender o bem, desde que observada a anuência da credora fiduciária na hipótese de cessão da posição contratual. Interposta apelação pela requerida, os Desembargadores consignaram que o regramento para aquisição de imóvel objeto da política pública de habitação do DF prevê expressamente a inalienabilidade da unidade autônoma antes do prazo decenal, a fim de evitar especulação imobiliária ou tentativa de locupletamento transverso do programa social. Contudo, ressaltaram a excepcionalidade e a gravidade do caso, justificada pelos danos psicológicos experimentados pela vítima de violência doméstica e familiar, associados aos sentimentos de vulnerabilidade e de insegurança por habitar imóvel ao qual o agressor tem acesso, traduzindo-se fundamentalmente em questão de sobrevivência. Acrescentaram que os contratos devem ser interpretados à luz da ética e da função social, não sendo razoável compelir a manutenção de regras contratuais que representem risco à vida e à integridade física e psicológica da adquirente e dos filhos. Nesse contexto, entenderam que a cláusula contratual que veda a transmissão do bem deve ceder lugar ao princípio da relatividade do contrato e da dignidade da pessoa humana, a fim de assegurar à autora e à sua prole o direito de manterem-se afastados do agressor, para preservação da segurança e da sobrevivência digna da família. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1344098, 07105234320198070018, Relatora: Desª. GISLENE PINHEIRO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 26/5/2021, publicado no DJe: 9/6/2021.
Direito Ambiental
Multas em razão de construção de poços artesianos e uso irregular de recursos hídricos – fatos geradores distintos – ausência de bis in idem
A construção de poços artesianos, sem licenciamento ambiental, é infração administrativa distinta da própria utilização ilegal do recurso hídrico, relativa ao cruzamento de águas tratadas com águas clandestinas. Logo, por tratarem de fatos geradores distintos, as multas aplicadas não caracterizam bis in idem. Hospital de grande porte apresentou ação anulatória de multa imposta pela Administração Pública em razão da utilização de água proveniente de poços artesianos. Alegou ocorrência de bis in idem, uma vez que, em processo administrativo anterior, fora-lhe imposta sanção pecuniária pretensamente pelo mesmo motivo, oportunidade em que teria providenciado o fechamento dos poços clandestinos. O Sentenciante julgou improcedente o pedido. Na análise da apelação interposta, os Desembargadores aduziram que o primeiro auto de infração, referente à captação de água subterrânea sem licenciamento, ocorreu no ano de 2000 e culminou na ordem de interdição dos poços artesianos construídos, sem prejuízo de fixação de multa por violação de normas distritais. Em relação à vistoria realizada em 2011, consignaram que, além de não ter sido cumprida a determinação inicialmente imposta – fechamento dos poços –, foi identificada outra irregularidade: o cruzamento entre águas clandestinas advindas dos poços e aquela fornecida pela CAESB, em nítida violação à saúde humana, notadamente se utilizada por hospital. Acrescentaram que a recorrente foi notificada para efetuar a separação entre as águas, por meio de obturação da tubulação, em prazo estipulado, sob pena de nova multa. Assim, de acordo com o Colegiado, uma sanção fundamentou-se no descumprimento da ordem de lacrar a fonte irregularmente construída, e a outra na conexão indevida de águas. Segundo os Magistrados, o tamponamento dos poços, após mais de uma década de exploração irregular, não impede a aplicação de penalidade relativa à utilização ilegal dos recursos hídricos, pois aplicada com base em fato gerador distinto, e, portanto, afastada a alegação de bis in idem. Por fim, a Turma entendeu que a multa de cem mil reais é razoável para o caso, em especial se comparada com a atividade lucrativa empresarial da apelante, e proporcional à gravidade da conduta lesiva, e negou provimento ao recurso.
Acórdão 1344797, 07103753220198070018, Relator: Des. ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 9/6/2021, publicado no DJe: 14/6/2021.
Direito Civil e Processual Civil
Publicação em rede social por digital influencer – abalo à imagem de pessoa jurídica – dano moral
A manifestação de criadores de conteúdo em redes sociais apta a influenciar negativamente seguidores, causando ofensas e abalo à honra objetiva de pessoa jurídica, enseja reparação moral. Proprietária de loja de roupas femininas ajuizou ação de reparação de danos contra duas influenciadoras digitais com pedido de retratação pública nos respectivos perfis sociais. Relatou que rescindiu o contrato com a primeira ré em razão de esta ter faltado à sessão de fotos na qual faria a divulgação dos produtos da empresa e estar acima do peso adequado para a divulgação das roupas. Após a rescisão, alegou ter sido surpreendida por publicações da influenciadora com acusações sobre a postura preconceituosa da requerente, a qual somente contrataria mulheres fitness para sua campanha publicitária. Informou, ainda, que outra criadora de conteúdo digital, ao apoiar publicamente a colega, também lhe causou inúmeros transtornos. O Juízo sentenciante julgou improcedentes os pedidos por entender que os relatos não constituem violação à honra objetiva da pessoa jurídica, apenas traduzem crítica à requerente. Na análise do recurso interposto, o Colegiado consignou que a influenciadora contratada possui perfil em rede social com mais de cem mil seguidores, por meio do qual divulga produtos e estabelecimentos comerciais, tendo ciência do alcance e do impacto de suas declarações. Destacou que não há impedimento legal ou ético na exposição do sentimento de frustração da blogueira decorrente do cancelamento do contrato, até porque uma das atividades dos influenciadores consiste em compartilhar sua rotina com os seguidores; da mesma forma, esse raciocínio deve ser aplicado à opinião da autora sobre o adequado manequim para a divulgação da atividade comercial pretendida. Contudo, os Magistrados advertiram que os princípios da boa-fé objetiva e da probidade (art. 422 do Código Civil) impõem o dever de não exposição da empresa contratante perante potenciais clientes, de forma a impactar os negócios. Na hipótese, asseveraram que a divulgação de eventuais práticas preconceituosas da loja e mau atendimento a pessoas acima do peso instigou seus seguidores a não efetuarem compras no estabelecimento, além de ter provocado o envio de diversos comentários agressivos para o perfil da empresa e da proprietária. Em relação à segunda ré, os Julgadores consideraram que a publicação de vídeo em solidariedade à influenciadora ora requerida, indicando o nome e o link da loja, contribuiu para o acirramento das ofensas dirigidas à autora. Assim, a Turma concluiu que a acusação de gordofobia foi capaz de macular a reputação da pessoa jurídica e condenou as rés ao pagamento de danos morais, mas negou o pedido de retratação por considerar que a retomada do assunto após sete meses poderia reacender o debate ofensivo.
Acórdão 1342727, 07156883120208070020, Relator: Juiz ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 26/5/2021, publicado no DJe: 2/6/2021.
Direito Constitucional
Controle de constitucionalidade – inclusão de festa junina em calendário oficial do DF
Lei distrital que incluiu festa junina tradicional de entidade religiosa no calendário de eventos oficiais, como forma de valorização da cultura local, sem afetar a estrutura e a organização administrativa do ente federado, não padece de inconstitucionalidade. O governador do Distrito Federal propôs ação direta de inconstitucionalidade para pedir a suspensão dos efeitos da Lei Distrital 6.599/2020, de iniciativa parlamentar, que incluiu a festa junina da Paróquia Santa Teresinha, no Cruzeiro Novo, em calendário oficial do DF. O autor sustentou ofensa aos princípios da isonomia, da impessoalidade e da laicidade estatal, por suposta ocorrência de subvenção a culto religioso decorrente de benefício indevido a entidade eclesiástica, prática vedada pela Lei Orgânica do Distrito Federal – LODF (arts. 18, I, e 19, caput, da LODF). Não obstante as razões expostas pelo legitimado, os Desembargadores entenderam que a lei impugnada se limitou a introduzir a festa popular, realizada há mais de quarenta anos sem qualquer ingerência do Estado, no calendário oficial de eventos da capital. Destacaram que a incorporação do festejo às datas comemorativas não afeta a estrutura e a organização administrativa distritais. Ressaltaram que o indigitado ato normativo se encontra em harmonia com o objetivo prioritário do DF, qual seja, a valorização das expressões e das manifestações culturais locais (art. 3º, VIII e IX, da LODF). Nesse espírito, citaram o art. 246 da LODF o qual estabelece competir ao poder público a garantia de pleno exercício dos direitos culturais e o acesso de todos às fontes da cultura, inclusive com apoio e incentivo à valorização e à difusão plural das manifestações culturais. Assim, assentaram caber ao governo distrital estimular as diversas formas de exteriorização de cultura, das quais faz parte a referida celebração junina. Nesse contexto, inferiram que a lei atacada não configura favorecimento governamental indevido à igreja católica. Pelo contrário: confere efetividade à LODF, ao prestigiar festividade consagrada da capital. Portanto, concluíram inexistir vício de inconstitucionalidade material, pois ausentes ofensa aos princípios da impessoalidade e da isonomia e violação ao caráter laico do Estado. Assim, o Colegiado julgou improcedente o pedido inicial e declarou a constitucionalidade da norma, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Acórdão 1341697, 07156759220208070000, Relator: Des. CRUZ MACEDO, Conselho Especial, data de julgamento: 18/5/2021, publicado no DJe: 7/6/2021.
Direito do Consumidor
Exposição da sexualidade de aluno em sala de aula – violação de direitos da personalidade
A submissão de aluno a situação vexatória em razão da sexualidade, por iniciativa de professor e diante de colegas de turma, configura violação a direitos da personalidade e enseja reparação moral. Um adolescente, representado pela genitora, ajuizou ação de reparação de danos contra a instituição de ensino onde estuda, em razão de ato vexatório de exposição da sexualidade dele, promovido por professora da escola e na presença dos demais estudantes da classe. O autor relatou que, durante uma aula, a docente indagou, de forma jocosa, se ele era "viado". Desde então, o aluno não frequenta mais a disciplina, por vergonha dos colegas. O Juízo a quo condenou o estabelecimento a pagar dez mil reais por danos morais ao requerente, com fundamento na responsabilidade civil objetiva do prestador de serviços educacionais (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor). Na análise do recurso do colégio, os Desembargadores consignaram que o questionamento sobre a sexualidade do aluno na frente dos pares constituiu violação aos direitos da personalidade do adolescente, causador de constrangimento tal que o fez não mais frequentar a disciplina. Destacaram ser indutivo concluir pela existência de "dor da alma" experimentada pelo menor, ainda em formação física e psicológica, ao ter tido a intimidade exposta em local que deveria protegê-lo. O Colegiado ressaltou a gravidade dos fatos, especialmente por se tratar de "situação ultrajante", iniciada por adulto investido da tarefa de educar, e concluiu pela responsabilização objetiva da instituição de ensino, em razão do ato ilícito cometido por profissional integrante de sua equipe. Por fim, a Turma manteve a condenação por danos morais no valor fixado na origem, por considerá-lo razoável e proporcional às circunstâncias.
Acórdão 1341920, 07158985820198070007, Relator: Des. JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 19/5/2021, publicado no DJe: 1º/6/2021.
Direito Empresarial
"Habilitação retardatária de crédito" – descumprimento de prazo peremptório para impugnação do rol de credores
O prazo de dez dias estabelecido na Lei 11.101/2005, para a impugnação da lista de credores da recuperação judicial, tem natureza peremptória, de forma que não há falar em habilitação tardia de crédito fora desse lapso, sobretudo quando a pretensão é, indiretamente, modificar valor a receber, já incluído no plano de retomada. Na origem, instituição bancária ingressou com ação intitulada "habilitação retardatária de crédito", em procedimento de homologação de recuperação judicial. O Juiz indeferiu a petição inicial por intempestividade do pedido, com fundamento no art. 8º da Lei 11.101/2005 – Lei de Recuperação Judicial e de Falências. Inconformada, a autora interpôs agravo de instrumento, ao argumento de inexistir limite temporal para a habilitação extemporânea. Ao analisarem o mérito do recurso, os Desembargadores observaram que, embora a agravante tenha rotulado a peça de ingresso como habilitação, na verdade, a pretensão consistiu em majorar o valor a receber, já inscrito em relação de credores. Esclareceram que a habilitação impontual deveria ter por objetivo a inclusão de pagamentos novos, não contemplados em rol fornecido pelo próprio devedor, mas aspirantes a constar do projeto de soerguimento da empresa. Os Magistrados explicaram que o valor indicado pelo agravante já integrava a relação fornecida pela empresa, de modo que não há falar em habilitação tardia, mas em impugnação de dívida já estabelecida no plano de recuperação judicial. Nesse contexto, assentaram que, uma vez publicado o rol de credores, começa a fluir o prazo para os legitimados apresentarem sua discordância quanto aos créditos habilitados, nos termos do art. 8º da Lei de Falências. E, como tal meio não é o único para insurgência acerca da inconformidade com os valores devidos, não seria adequado, neste cenário, ignorar a baliza temporal imposta pelo legislador. Ademais, reiterou a natureza peremptória do prazo de dez dias, cuja observância é obrigatória, porquanto previsto expressamente como tal na lei de regência, sem margem de dúvida acerca do seu alcance. Com isso, a Turma entendeu patente o decurso do decêndio legal, razão pela qual negou provimento ao recurso.
Acórdão 1337286, 07053043520218070000, Relatora: Desª. SANDRA REVES, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 28/4/2021, publicado no PJe: 1º/6/2021.
Direito Penal e Processual Penal
Embriaguez ao volante – estado de necessidade
O concreto perigo de gravidez avançada e o iminente trabalho de parto vivenciados por mulher constituem circunstâncias suficientes para a caracterização do estado de necessidade e, por consequência, hábeis para excluir a ilicitude da conduta de pessoa que, mesmo embriagada, coloca-se na direção de veículo automotor para levá-la a hospital. O Ministério Público ofereceu denúncia contra motorista que fora flagrado em via pública dirigindo veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool acima do limite estabelecido para fins penais (art. 306, § 1º, I, do Código de Trânsito Brasileiro). Na ocasião, a habilitação do condutor estava vencida, o veículo, com excesso de passageiros, e a sobrinha do condutor, grávida, passando mal e prestes a dar à luz. O Juízo a quo não reconheceu a alegação de estado de necessidade, pois entendeu que, para o transporte da gestante, o acusado poderia ter acionado o SAMU ou solicitado veículo por meio de aplicativo de transporte e, por isso, julgou procedente a pretensão acusatória. Ao analisarem a apelação interposta pelo réu, os Desembargadores ponderaram que, em tese, as possibilidades aventadas como alternativas para a preservação da saúde da grávida não devem ser consideradas com base em idealizações, uma vez que exigiriam atitudes hercúleas em momento de extrema tensão. Nesse contexto, os Magistrados vislumbraram a pertinência da excludente de ilicitude pelo estado de necessidade (art. 24 do Código Penal), pois delineada situação de emergência em que o acusado decidira praticar o delito de embriaguez ao volante para salvar de perigo eminente direito de terceiro – não provocado por sua vontade e impossível de por outro modo evitar. Com efeito, a Turma destacou que, horas após a prisão em flagrante, a sobrinha do motorista entrou em trabalho de parto, tendo sido comprovado o parto da criança por meio de certidão de nascimento. Dessa forma, por entender que a vida intrauterina do feto e a incolumidade física da mãe constituíram direitos tutelados pela conduta do réu, o Colegiado deu provimento ao recurso para absolvê-lo da imputação criminal.
Acórdão 1345154, 07144003620198070003, Relator: Des. HUMBERTO ULHÔA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 2/6/2021, publicado no DJe: 15/6/2021.
Direito Penal Militar e Processual Penal Militar
Crime de abandono de posto – necessidade da demonstração de dolo
Demonstrada a ausência do elemento subjetivo do tipo no crime de abandono de posto por oficial militar, devido à premente necessidade de socorrer a família, prevalecem os mais altos valores humanísticos preconizados pela Carta Magna aptos a caracterizar a atipicidade da conduta. O Ministério Público denunciou capitão da Polícia Militar – PM pela prática do crime de abandono de posto, art. 195 do Código Penal Militar. No caso, o réu teria se ausentado do lugar de atuação, onde deveria permanecer em razão da escala regular de serviço, sem autorização de superior. O Conselho Especial da Justiça Militar – órgão competente para processar e julgar em primeira instância os oficiais da PM, composto de Juiz-Auditor (Juiz de Direito) e quatro Juízes militares de patente igual ou superior à do acusado – concluiu pela atipicidade da conduta e absolveu o capitão. Ao analisarem a apelação interposta pelo órgão ministerial, os Desembargadores explicaram que o delito imputado ao oficial é crime de mera conduta e de perigo abstrato – a consumação ocorre no momento em que o militar deixa o posto sem autorização de superior hierárquico e dispensa a efetiva comprovação de lesão ou de ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado, pois carrega potencial para romper a incolumidade do perímetro vigiado, comprometendo a segurança da unidade e do próprio efetivo aquartelado. Todavia, esclareceram que o filho do acusado é portador de transtorno de espectro autista e, no dia dos fatos, teria recebido pedido de ajuda da esposa para tranquilizar a criança ante grave crise manifestada, fato confirmado por auxiliar terapêutica que acompanha o tratamento do infante. Nesse contexto, os Magistrados destacaram o entendimento da Juíza-Auditora que considerou a conduta de pai dedicado, enaltecendo a atitude de homem responsável pelo papel de cuidador principal de seu filho ao lado da mulher, circunstância suficiente para afastar o dolo necessário para a configuração do crime. Com efeito, não obstante a existência de indícios que embasam a versão acusatória e apta a lançar dúvidas sobre a situação alegada, a Turma asseverou que a hipótese exige apoio do Estado, em nome dos mais altos valores humanísticos acolhidos pela Constituição Federal, favorecendo tal aspecto o recorrido, em prestígio ao princípio favor rei. Assim, o Colegiado concluiu que o sacrifício momentâneo ao trabalho visara atender necessidade maior na residência do militar e negou provimento ao recurso para manter a absolvição do militar.
Acórdão 1342496, 00023868520208070016, Relator: Des. ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 20/5/2021, publicado no DJe: 2/6/2021
Direito Tributário
Imunidade na importação de máquinas por partido político – item essencial à atividade da agremiação
A importação de produto essencial à atividade político-partidária é imune à incidência de ICMS, por se tratar de item adquirido com o propósito institucional de difundir conteúdo ideológico, e em especial porque a pessoa jurídica figura como contribuinte de fato e de direito do referido tributo. O Distrito Federal interpôs recurso contra a sentença que declarou a inexistência de relação jurídico-tributária e conferiu imunidade de ICMS na importação de duas impressoras por um partido político com representação no Congresso Nacional. O julgado ainda condenou o ente federativo a repetir o indébito de R$ 37.076,78, relativo ao tributo incidente sobre o negócio. Na apelação, o DF sustentou que a dispensa tributária não alcançaria esse tipo de transação. Ao examinar a matéria recursal, o Colegiado entendeu que a imunidade prevista no art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal veda a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços relacionados às finalidades essenciais das agremiações partidárias. Citou entendimento do Supremo Tribunal Federal (tema 342), segundo o qual referida desoneração constitucional abrange, inclusive, o ICMS que recai sobre a importação de produtos, o que justificaria a desobrigação na espécie. A tal posicionamento, os Desembargadores agregaram prova coligida nos autos quanto à destinação das máquinas, adquiridas com o intento primordial de multiplicar material gráfico para difusão do conteúdo ideológico da pessoa jurídica. Ademais, explicaram que, na hipótese, a imunidade é reforçada por se tratar de tributo indireto, incidente sobre o valor da mercadoria posta em circulação. E, ainda, porque a agremiação, nesse caso, figura como contribuinte de fato e de direito do mencionado imposto, dado que importou os bens para destinação e uso próprios, situação que tanto cria relação direta com o fato gerador, quanto atrai para si o ônus fiscal. Em acréscimo, asseveraram que a demonstração do patrimônio e da renda bem como a aplicação dos recursos do apelado foram escrituradas na forma do art. 14 do Código Tributário Nacional; e que todas as contas estão sujeitas à fiscalização da Justiça Eleitoral (art. 32 da Lei 9.096/1996). Assim, consideraram presentes todos os requisitos para composição da imunidade tributária. Com tais fundamentos, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1339831, 07286297020208070001, Relator: Des. ESDRAS NEVES, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 19/5/2021, publicado no DJe: 2/6/2021.
Informativo
1ª Vice-Presidência
Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito
Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Roberval Casemiro Belinati - Presidente, Leila Cristina Garbin Arlanch, Sandoval Gomes de Oliveira, Josaphá Francisco dos Santos, Ana Maria Cantarino e Roberto Freitas Filho - Membro suplente
Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto
Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Fernanda Oliveira da Costa Tourinho, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Letícia Vasco Mota, Risoneis Alvares Barros e Rodrigo Bruno Bezerra Pereira
Revisão: José Adilson Rodrigues
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é elaborado pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR
As notas aqui divulgadas foram redigidas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.
Acesse também:
Direitos fundamentais na visão do TJDFT
Entendimentos Divergentes no TJDFT
Jurisprudência Administrativa Interna
Lei Maria da Penha na visão do TJDFT