Informativo de Jurisprudência n. 442

Período: 1º a 15 de agosto de 2021

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Publicação: 1º de setembro de 2021

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Índice

Direito Administrativo

  • Gestações seguidas de professora temporária – impossibilidade de prorrogação da estabilidade provisória

Direito Civil e Processual Civil

  • Invasão de perfis sociais de pessoa pública por filho – postagens difamatórias – limites quanto à responsabilidade da plataforma

Direito Constitucional

  • Litígio entre unidades da Federação sobre exercício do poder de polícia – ofensa ao pacto federativo 

Direito do Consumidor

  • Exame toxicológico para renovação de CNH de motorista profissional – presença de substâncias proibidas – ausência de falha na prestação de serviço laboratorial
  • Troca de combustível em abastecimento de veículo – responsabilidade objetiva por prejuízo a cliente

Direito Empresarial

  • Sócio oculto em sociedade limitada – contornos de sociedade em conta de participação – simulação

Direito Penal e Processual Penal

  • Embriaguez ao volante e evasão do local – dúvida razoável quanto à identificação do condutor do veículo – absolvição

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar

  • Crime militar de exploração de prestígio – solicitar dinheiro para influenciar declaração de testemunha em ação penal na Justiça Militar

Direito Previdenciário

  • Concessão de pensão por morte à criança sob guarda de servidora pública – proteção integral com absoluta prioridade

Direito Tributário

  • Bem gravado de imunidade religiosa – prova de eventual desvio de finalidade – ônus da Fazenda Pública 

Direito Administrativo

Gestações seguidas de professora temporária – impossibilidade de prorrogação da estabilidade provisória

A nova gestação, ainda no curso de licença-maternidade usufruída por professora temporária, não enseja prorrogação da estabilidade provisória, sob pena de desvirtuar a natureza do contrato por prazo determinado. Na origem, professora temporária requereu a prorrogação da estabilidade provisória, em razão da superveniência de nova gravidez no gozo de licença-maternidade, e o pagamento retroativo das verbas salariais correlatas. O Distrito Federal sustentou que a autora não teria direito à pretensão vindicada, uma vez que não trabalhou durante o licenciamento. O Juízo Sentenciante julgou os pedidos improcedentes. Ao analisarem o recurso inominado interposto pela autora, os Magistrados esclareceram que a recorrente, professora substituta da rede pública do DF, engravidou no curso do contrato temporário e usufruiu da licença-maternidade, período no qual sobreveio nova gestação. Consignaram que a servidora, assim como toda empregada gestante, faz jus à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, por força do princípio da igualdade entre os trabalhadores e da proteção à maternidade, assegurados pela Lei Maior. Paralelamente, destacaram que o contrato de trabalho com prazo certo é intrinsecamente finito, de modo que a prorrogação da estabilidade provisória, decorrente de nova prenhez no gozo de licença à gestante, desvirtuaria a própria natureza desse tipo de ajuste. Os Juízes frisaram que a continuidade do vínculo com a Administração Pública demandaria que a servidora estivesse em exercício na data da concepção do nascituro, o que não ocorreu, isso porque a Lei Distrital 4.266/2008, ao dispor sobre a contratação por prazo determinado no âmbito do DF, não reproduziu o art. 102, VIII, “a”, da Lei 8.112/1990, que considera o tempo de licença-maternidade como efetivo exercício. Nesse contexto, como a nova concepção ocorreu no curso da primeira licença, ocasião em que o contrato temporário se encontrava suspenso por ausência de prestação de serviço, concluíram pela impossibilidade da prorrogação da estabilidade provisória. Assim, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1360516, 07528930920208070016, Relatora: Juíza ANA CLAUDIA LOIOLA DE MORAIS MENDES, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 2/8/2021, publicado no PJe: 9/8/2021.

Direito Civil e Processual Civil

Invasão de perfis sociais de pessoa pública por filho – postagens difamatórias – limites quanto à responsabilidade da plataforma

A plataforma administradora de conta virtual invadida mediante uso não autorizado de senha tem obrigação de bloquear o perfil social para proteção do usuário cadastrado legitimamente, mas, em relação às fanpages, a exclusão do conteúdo espúrio será pontual, a fim de preservar o direito constitucional à liberdade de expressão. Um parlamentar com mandato encerrado ingressou com ação de obrigação de fazer contra o Facebook do Brasil, em razão do acesso indevido do filho dele às suas redes sociais, mediante uso não autorizado de senha. O ex-congressista sustentou que o invasor utilizou os perfis para difamar e caluniar terceiros e que a empresa requerida não indisponibilizou os conteúdos ilícitos após ter ciência do ocorrido. O Juízo a quo julgou os pedidos procedentes. Interposta apelação, o réu sustentou a impossibilidade de reativação das contas originais do usuário e a necessidade de indicação das URLS (uniform resource locator) específicas dos conteúdos inseridos em fanpages – construídas por terceiros, fãs – porque só poderia fazer a remoção pontual dos conteúdos ilegítimos. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que a matéria em questão está limitada à responsabilidade pela desativação das contas virtuais manipuladas e ao restabelecimento dos perfis verdadeiros, e não do conteúdo geral publicado na plataforma, na forma do art. 19 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet). Asseveraram que, no caso concreto, a ordem de remoção foi direcionada aos perfis do requerente no Facebook e no Instagram apossados ilicitamente pelo filho para publicar mensagens ofensivas, as quais comprometeram a figura pública do pai. Destacou que duas das contas invadidas possuem o formato de fanpages, espaços equiparados a fã-clubes, e que, por se tratar de domínio de terceiro destinado a interagir com pessoa pública, a remoção integral desses endereços configuraria censura prévia, por ofensa ao interesse público. Nesse contexto, a Turma acolheu a tese recursal referente à necessidade de fornecimento de endereço inequívoco (URL) da publicação reputada ofensiva apenas quanto a esse último grupo de postagens, a fim de não restringir o uso da mídia social por terceiro criador não participante da lide e, ainda, preservar o valor constitucional da liberdade de expressão. Com isso, o recurso foi parcialmente provido. 

Acórdão 1357579, 07004961820208070001, Relatora: Desª. DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 21/7/2021, publicado no DJe: 4/8/2021.

Direito Constitucional

Litígio entre unidades da Federação sobre exercício do poder de polícia – ofensa ao pacto federativo 

A pretensão de município, consistente na imposição da forma e do momento para exercício do poder de polícia pelo Distrito Federal, com base em critérios de conveniência e oportunidade daquele, revela inadmissível ingerência em autonomia político-administrativa, sobretudo quando não há omissão estatal ilegal a ser suprida.  Assim, o interesse de um ente federado sobre o controle de uso do solo pertencente a outra unidade política representa ofensa ao pacto federativo. Na origem, município do Estado de Goiás, limítrofe com o Distrito Federal, propôs ação de obrigação de fazer contra o ente distrital e o Departamento de Estradas de Rodagens – DER-DF, com o objetivo de proibir a ocupação da faixa de domínio localizada às margens da DF-290, divisa entre a região administrativa de Santa Maria (DF) e de Novo Gama (GO). No contexto de revitalização da entrada da cidade, e em consulta aos órgãos competentes, o ente municipal descobrira que a área mencionada pertence ao DF e a fiscalização cabe à entidade autárquica requerida. A pretensão inicial intentou a cessação da atividade de ambulantes no local, por meio de fiscalizações permanentes pela autarquia e a celebração de convênio entre o ente distrital e o município goiano de Novo Gama, para a responsabilização conjunta sobre a região objeto do litígio. Ao considerar legítimo o interesse na coibição do comércio com produtos de origem ilícita ("feira do rolo"), estabelecida à margem da lei e de uma rodovia, o Juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos para obrigar a Administração local a efetuar fiscalizações contínuas na região até a efetiva formalização do acordo pretendido, devendo apresentar, a cada trinta dias, plano de repressão ao crime e à violação urbanística da área. Interposto recurso pelos requeridos, os Desembargadores aduziram que a pretensão autoral se funda na insatisfação com as atividades do poder de polícia exercido pelo Distrito Federal para cessar as transações irregulares naquela faixa da rodovia. Esclareceram, contudo, que a atividade fiscalizatória exercida pelo ente requerido, conferida pelo art. 182 da Constituição Federal, deve ser norteada por critérios de conveniência e oportunidade do administrador, em sincronia com as demandas de rotina, sem a infundada intromissão de outro ente federado. Nesse passo, os Julgadores acentuaram que, a despeito do resultado insatisfatório de fiscalizações anteriores em razão da persistência dos ambulantes, tal fato não representa omissão administrativa, mas consequência natural das dificuldades enfrentadas no combate às práticas irregulares observadas na feira. Em relação à licença provisória concedida a ambulantes, a Turma ponderou que a impugnação do município goiano contra ato administrativo precário, unilateral e discricionário evidencia ingerência inconstitucional nas competências atribuídas a outro ente federado. Em conclusão, o Colegiado entendeu que não há razão para interferência do Poder Judiciário nos critérios discricionários da unidade da Federação requerida, sob pena de se convolar em desrespeito ao princípio do pacto federativo, razão pela qual deu provimento ao recurso para julgar improcedentes os pedidos da inicial.

Acórdão 1358037, 07030913620208070018, Relator: Des. EUSTÁQUIO DE CASTRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2021, publicado no DJe: 3/8/2021.

Direito do Consumidor

Exame toxicológico para renovação de CNH de motorista profissional – presença de substâncias proibidas – ausência de falha na prestação de serviço laboratorial

Não há defeito na prestação de serviço de testagem toxicológica que revela a presença de substância proibida em análises de prova e contraprova, quando respeitado o intervalo de detecção entre os exames e utilizado método de coleta de amostras adequado para as circunstâncias. Um motorista profissional pleiteou a renovação da carteira nacional de habilitação (CNH) e submeteu-se a exame toxicológico em laboratório conveniado ao órgão de trânsito local, conforme exigência do art. 148-A do Código de Trânsito Brasileiro. O primeiro teste, realizado com amostras de cabelo, teve resultado positivo para duas substâncias ilícitas, o que resultou na suspensão provisória da habilitação. Em razão disso, o sujeito alegou ter sido demitido da empresa de transporte de passageiros em que trabalhava. Após a contraprova, também positiva, o condutor ajuizou ação de reparação de danos contra o laboratório credenciado e sustentou nunca ter feito uso de tais elementos proibidos. Informou, ainda, ter realizado exames em outros laboratórios, cujos resultados deram negativo. O Juízo Sentenciante julgou improcedentes os pedidos por ausência de erro no resultado do exame ou demonstração de falha na prestação dos serviços. Na análise do recurso interposto pelo autor, os Desembargadores consignaram que o ofício de motorista profissional requer a testagem periódica para renovação de CNH e que o autor teve a oportunidade de fazer a contraprova, de acordo com as determinações da Resolução Contran 691/2017 e da Portaria 116/2015 do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Destacaram que houve a coleta de duas amostras no dia do exame inicial para eventual reexame e, refeita a testagem com a porção extra, foi confirmada a presença das substâncias cocaína e benzoilecgonina, encontradas na primeira avaliação. O Colegiado ressaltou que a tese defensiva de que exames posteriores infirmariam o resultado da clínica credenciada não prospera. Primeiro, porque não existe prova nos autos acerca da realização do procedimento em um dos laboratórios mencionados pelo autor; e, segundo, porque na clínica onde os testes foram efetivamente feitos o período de tempo abrangido (janela de detecção) e a amostra biológica utilizada não foram os mesmos daquela análise inicial. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1355464, 07038802920208070020, Relator: Des. CRUZ MACEDO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 14/7/2021, publicado no DJe: 27/7/2021.

Troca de combustível em abastecimento de veículo – responsabilidade objetiva por prejuízo a cliente

Nas relações de consumo, o fornecedor tem responsabilidade objetiva em relação às falhas na prestação do serviço. Presentes os requisitos de verossimilhança da alegação ou de hipossuficiência material do consumidor quanto à elucidação dos fatos, a inversão do ônus da prova é medida imperativa, de forma a impor ao réu a comprovação da falsidade das argumentações contidas na inicial. Na hipótese, cliente de posto de combustível pleiteou em Juízo reparação de danos materiais e morais contra a empresa, em razão de falha na prestação do serviço prestado pelo frentista, que teria abastecido caminhão de pequeno porte com tipo errado de combustível. O requerente alegou que sofrera prejuízos em decorrência de problemas mecânicos no motor, causados pelo equívoco no momento do abastecimento. Ao analisar as provas produzidas – notas fiscais dos reparos –, o Juízo singular entendeu pela procedência do pedido de indenização por danos materiais, no valor de três mil reais, mas rejeitou o pleito de danos extrapatrimoniais, por não vislumbrar violação aos direitos da personalidade. Interposto recurso inominado pela requerida, os Juízes consignaram que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, situação que atrai, portanto, regras pertinentes à responsabilidade objetiva na prestação do serviço, conforme arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. No exame da matéria recursal, os Julgadores rejeitaram preliminar de ilegitimidade ativa por constar no Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo nome de terceira pessoa, uma vez que há procuração pública outorgada em data anterior ao evento, transferindo ao autor amplos poderes sobre o bem. Com efeito, os Magistrados reconheceram o nexo de causalidade entre o abastecimento e os danos causados no motor do carro, porquanto comprovada a presença de considerável volume de diesel em local destinado a combustível antipoluente (subtanque de arla). Assim, invertido o ônus da prova em favor do consumidor, a Turma concluiu que a empresa não demonstrou fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na exordial (art. 373, II, do Código de Processo Civil). Por fim, o Colegiado julgou improcedente o recurso, para manter a condenação por danos materiais.

Acórdão 1359457, 07162966320198070020, Relator: Juiz CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 4/8/2021, publicado no DJe: 10/8/2021.

Direito Empresarial

Sócio oculto em sociedade limitada – contornos de sociedade em conta de participação – simulação

É inviável o reconhecimento da condição de sócio de sociedade limitada a pessoa que não consta do contrato social, por se tratar de modelo empresarial sujeito a formalidades quanto ao arquivamento dos atos constitutivos. Entretanto, a presença inequívoca de investidor oculto pode revelar a existência de sociedade em conta de participação, a qual atua em paralelo, como forma de desvio ao cumprimento das obrigações sociais. Na origem, foi proposta ação de dissolução de sociedade limitada com pedido de apuração de haveres e reconhecimento da condição de sócio a pessoa não integrante do contrato social. O autor alegou que o modelo empresarial em tela possui dois sócios ostensivos, ele próprio e a primeira requerida, tida como “laranja” do verdadeiro possuidor das cotas sociais do empreendimento. Sustentou que, ao idealizar o negócio, concebido para explorar sublocação de espaços em área livre, ingressara como parte minoritária, com cota de 30%, oportunidade em que o referido sócio oculto assumira a maior parte do investimento financeiro, por meio da requerida, a qual atuaria como “testa de ferro”. Nesse contexto, justificou o interesse na liquidação e apuração de haveres após a descoberta de desfalque na ordem de quatro milhões de reais e em razão de nunca ter recebido sua parte nos lucros. O Juízo a quo entendeu que a coexistência de sociedade de fato atuante dentro de sociedade limitada representa forma de burlar a lei e, por via de regra, de furtar-se às obrigações empresariais. Portanto, o desfazimento do tipo societário constituído mediante simulação representaria incentivo à prática de conduta antiética e ilegal, razão pela qual julgou improcedentes os pedidos. Ao analisarem recurso interposto pelo autor, os Desembargadores consideraram inviável o reconhecimento do suposto sócio irregular como integrante da sociedade limitada, mas entenderam que o papel dele foi o de mero investidor. Nessa linha, destacaram que o panorama apresentado leva à conclusão da existência simulada de uma sociedade em conta de participação – na qual a sociedade limitada figuraria como sócia ostensiva –, pois naquela modalidade empresarial não se exige a formalização do negócio por meio de contrato escrito entre os sócios. Com efeito, os Magistrados ressaltaram que tal modelo não está sujeito às mesmas formalidades exigidas para as demais entidades empresariais, ou seja, prescinde de arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis, tampouco depende de estipulação legal de meio probante para demonstrar sua existência (art. 992 do Código Civil). Em seguida, a Turma lembrou que o Superior Tribunal de Justiça já sinalizou para a possibilidade de se reconhecer a existência de outro modelo societário em funcionamento conjunto com a sociedade limitada (AREsp 42.400/RS), mas concluiu pela impossibilidade de ilação acerca de vício no contrato social originário. Dessa forma, em razão do direito de retirada do requerente, pela ausência do affectio societatis na espécie, o Colegiado deu parcial provimento ao pedido, para decretar a dissolução da sociedade e a elaboração de balanço especial com vistas à apuração da cota pertencente ao apelante. 

Acórdão 1358300, 07178077220188070007, Relator: Des. LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 22/7/2021, publicado no DJe: 6/8/2021.

Direito Penal e Processual Penal

Embriaguez ao volante e evasão do local – dúvida razoável quanto à identificação do condutor do veículo – absolvição

A condenação pela prática dos crimes de embriaguez ao volante e evasão do local do acidente deve-se basear em prova robusta, produzida sob o crivo do contraditório, e não em meras conjecturas de populares, pois prevalece, na hipótese, o in dubio pro reo. O Ministério Público ofereceu denúncia contra um motorista que conduziu veículo com a capacidade psicomotora alterada pela ingestão de bebida alcoólica, colidiu com poste de luz e afastou-se do local após a batida, para se eximir da responsabilidade (arts. 305 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro CTB). Sobrevinda a condenação, a defesa interpôs recurso no qual pleiteou a absolvição do réu, ao fundamento de insuficiência de provas concretas sobre a identidade do verdadeiro condutor. Ao examinarem a apelação, os Desembargadores destacaram que, embora os policiais não tenham presenciado a batida, avistaram o acusado sair do veículo, pelo lado do passageiro, e empreender fuga, na tentativa de evadir-se do local, momento em que foi capturado e encaminhado à delegacia, onde realizou o teste do bafômetro, que comprovou a embriaguez. Contudo, apesar da ótica policial, os Magistrados enfatizaram que havia outras três pessoas no automóvel, as quais, com harmonia e firmeza, negaram, em Juízo, que o recorrente estava na direção do carro no momento da colisão, pois acreditavam, até mesmo, que o sentenciado não sabia dirigir. Assim, entenderam que, com base na prova oral, não é possível extrair, com segurança, quem era o condutor. Com efeito, explicaram que o recorrente permaneceu em silêncio na fase inquisitorial, pois havia apenas o registro de uma “conversa informal” entre a polícia e o motorista. As informações colhidas na fase processual, por sua vez, também não acrescentaram bons elementos de prova quanto aos fatos, porquanto não passaram de meras conjecturas e ilações de populares, desamparadas de elementos hígidos e concretos, o que denota a existência de dúvida razoável quanto à autoria. Desse modo, a Turma registrou que a condenação criminal deve ser apoiada em prova robusta e incontestável, produzida com a observância do contraditório e da ampla defesa, sem margem para dúvidas ou incertezas, sob pena de violação ao princípio da não culpabilidade. Ao fim, por considerar que os delitos descritos na peça acusatória só podem ser imputados ao efetivo condutor, decidiu absolver o acusado, com fundamento no princípio in dubio pro reo. 

Acórdão 1360064, 00002530420198070017, Relator: Des. ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 29/7/2021, publicado no PJe: 9/8/2021.

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar

Crime militar de exploração de prestígio – solicitar dinheiro para influenciar declaração de testemunha em ação penal na Justiça Militar

O militar que pede vantagem em dinheiro a colega da corporação, a pretexto de influir em decisão de ação penal na Justiça Castrense, manipulando depoimentos de testemunhas e de vítimas para alterar a verdade dos fatos e tentar redirecionar o resultado do julgamento, pratica o crime militar de exploração de prestígio. Sargento da Polícia Militar do Distrito Federal interpôs apelação para ser absolvido do crime de exploração de prestígio (art. 353 do Código Penal Militar), por entender insuficientes as provas que sustentaram o decreto condenatório. Alegou não ter agido com o dolo de requerer vantagem econômica, mas, sim, de intermediar a reconciliação entre amigos da corporação, réu e vítima envolvidos em processo criminal por vias de fato na Justiça Castrense. Defendeu que, para ser típica, a infração penal em exame necessita de evidências quanto à credibilidade do agente para influenciar o depoimento de pessoas em Juízo, o que não teria ocorrido na espécie. Ao examinar os fatos e as razões recursais, a Turma averiguou que a solicitação de cinco mil reais para interferir na ação penal militar ocorreu em contexto de extrema insuspeição. Explicou que o recorrente foi arrolado como testemunha de acusação e se valeu dessa posição para pedir dinheiro a colega de farda, sob a justificativa de tentar modificar depoimentos de testemunhas e da vítima em audiência, alterar a versão original dos fatos e, assim, imiscuir-se na decisão do Juízo da Auditoria Militar do DF. Os Desembargadores constataram ser inverossímil a tese de que o dinheiro solicitado em nome de vítima, mas sem a anuência dela, seria para ajudá-la em momento de dificuldade financeira. Além disso, observaram que, até aquele episódio isolado de vias de fato, sequer havia desavenças entre o ofendido e o ofensor, de maneira que inexistia necessidade de ingerência do apelante para acalmar os ânimos. Tal conclusão foi reforçada por declaração da vítima em Juízo de que o “simples pedido de desculpas findaria a questão”. Alfim, concluíram ter sido demonstrado o potencial conhecimento do caráter ilícito dos fatos por parte do recorrente e a intenção livre de cometer o crime militar de exploração de prestígio, inexistindo causa excludente da ilicitude ou de isenção da pena. Nessa senda, o Colegiado negou provimento ao recurso.

Acórdão 1358153, 00107455820198070016, Relator: Des. WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 29/7/2021, publicado no PJe: 2/8/2021.

Direito Previdenciário

Concessão de pensão por morte à criança sob guarda de servidora pública – proteção integral com absoluta prioridade

O menor sob guarda judicial de servidor público distrital faz jus à concessão do benefício de pensão por morte, se formalizada a custódia da criança e demonstrado o vínculo de dependência financeira com o mantenedor. Nesse caso, o rigor da legislação previdenciária é abrandado por meio de interpretação sistemática e teleológica, à luz do texto constitucional. O Distrito Federal e o Instituto de Previdência dos Servidores (Iprev) interpuseram recursos contra a sentença que os condenou ao pagamento de pensão temporária por morte à menor sob guarda judicial de servidora pública aposentada. Narraram que a ausência de comprovação do vínculo efetivo entre ambas impediu o reconhecimento da criança como dependente financeiro da guardiã. Declararam não ser admissível interpretação ampliada quando a norma previdenciária é taxativa. Além disso, sustentaram que a concessão do benefício social teria gerado gasto sem fonte de custeio, em manifesto desacordo com a Constituição. Ao apreciar as apelações, o Colegiado assinalou que a pensão por morte de servidor público distrital aos dependentes é concedida somente ao menor sob tutela, mediante apresentação dos documentos necessários, caso em que o infante fica equiparado à condição de filho do segurado, nos termos dos arts. 12 e 13 do Regime Próprio de Previdência Social do Distrito Federal – RPPS/DF (Lei Complementar 769/2008). Registrou que, a despeito de a norma complementar e a Lei 9.528/1997 terem excluído menor sob guarda do rol dos dependentes previdenciários naturais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 33, § 3º da Lei 8.069/1990) equipara-o à condição de dependente econômico para fins previdenciários. A Turma aduziu que tal entendimento se coaduna com o art. 227 da Constituição Federal, pois impõe ao Estado o dever de assistência e de proteção integral à criança e ao adolescente, e ainda flexibiliza o rigor das restrições normativas ditado pela legislação previdenciária. Salientou que a inexistência de norma previdenciária expressa quanto ao direito à percepção do benefício social ao menor sob guarda não obsta o deferimento do pedido, porquanto, in casu, prevalece a aplicação do ECA, norma especial que melhor atende à máxima efetividade do preceito constitucional de proteção e de proibição de retrocessos em matéria de direitos e garantias fundamentais. Para os Julgadores, a documentação juntada nos autos foi suficiente para evidenciar o vínculo econômico-material da menina com a avó e o direito correspondente à pensão. Constataram, outrossim, que a apelante necessita dos valores em tela, porque, após o óbito da responsável financeira, a guarda definitiva fora transferida para outro parente, em virtude da falta permanente dos pais no exercício do poder familiar, desde o nascimento. Nesse quadro, o Colegiado manteve reconhecida a condição de beneficiária financeira da servidora à menor sob guarda definitiva, o que lhe garante a percepção de valores retroativos e acréscimos advindos de reajustes de salários, desde a data do óbito.

Acórdão 1358826, 07064915820208070018, Relator: Des. SANDOVAL OLIVEIRA, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 28/7/2021, publicado no DJe: 9/8/2021.

Direito Tributário

Bem gravado de imunidade religiosa – prova de eventual desvio de finalidade – ônus da Fazenda Pública

A imunidade tributária alcança os bens pertencentes a entidades religiosas, sobre os quais paira presunção relativa de que são destinados aos fins essenciais da instituição, por força de mandamento constitucional. Desse modo, compete ao Fisco comprovar eventual tredestinação, para, só então, realizar o lançamento do imposto. Instituição eclesiástica pleiteou em Juízo anulação de débito fiscal, em razão da cobrança de IPTU sobre imóvel destinado a moradia de freis carmelitanos, levada a efeito pela Fazenda Pública do Distrito Federal. Alegou, para tanto, ter direito à imunidade tributária. O Juízo de origem julgou o pedido procedente. Nas razões de apelação, o DF sustentou a necessidade de abertura prévia de processo administrativo para o reconhecimento da pessoa jurídica autora como entidade religiosa e a respectiva declaração de imunidade, o que não teria sido providenciado na hipótese. Subsidiariamente, argumentou inexistir comprovação de que o imóvel objeto da lide se destinaria às atividades essenciais da instituição devocional. No exame da matéria posta no recurso, os Desembargadores esclareceram que é vedado aos entes federados instituir impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades essenciais dos templos de qualquer culto (art. 150, VI, “b”, e § 4º, da Constituição Federal). Trata-se de garantia individual do contribuinte e limitação do poder de tributar do Estado. Os Magistrados consignaram que a exigência de prévio requerimento administrativo para assegurar o direito à imunidade tributária constitui requisito desnecessário, porquanto não previsto na Constituição ou nas leis tributárias. Os Julgadores destacaram que existe presunção relativa de que os bens das instituições litúrgicas são destinados à consecução de seus fins essenciais, de modo que o ônus de comprovar eventual tredestinação do bem gravado com a salvaguarda constitucional recai sobre a Fazenda Pública. Ademais, frisaram que o Fisco estava ciente de que a apelada é uma entidade religiosa, uma vez que a “Província Carmelitana Santo Elias” figura como contribuinte no carnê de IPTU. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso do Distrito Federal. 

Acórdão 1358728, 07032247820208070018, Relatora: Desª. MARIA IVATÔNIA, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 28/7/2021, publicado no DJe: 12/8/2021.

Informativo

1ª Vice-Presidência

Desembargadora Primeira Vice-Presidente: Ana Maria Duarte Amarante Brito

Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Roberval Casemiro Belinati - Presidente, Leila Cristina Garbin Arlanch, Sandoval Gomes de Oliveira, Josaphá Francisco dos Santos, Ana Maria Cantarino e Roberto Freitas Filho - Membro suplente.

Secretária de Jurisprudência e Biblioteca: Camila Lucas Porto

Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Amanda Lopes de Araújo Soares

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Fernanda Oliveira da Costa Tourinho, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Eliane Torres Gonçalves, Paulo Gustavo Barbosa Caldas, Risoneis Álvares Barros e Rodrigo Bruno Bezerra Pereira 

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.

Acesse também:

CDC na visão do TJDFT

Dano Moral no TJDFT

Decisões em Evidência

Direitos fundamentais na visão do TJDFT

Doutrina na Prática

Entendimentos Divergentes no TJDFT

Inconstitucionalidades

Jurisprudência Administrativa Interna

Jurisprudência em Detalhes

Jurisprudência em Perguntas

Jurisprudência Reiterada

Lei Maria da Penha na visão do TJDFT

Novo Código de Processo Civil e o TJDFT

Saúde e Justiça