Informativo de Jurisprudência n. 456
Período: 1º a 15 de abril de 2022
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Publicação: 4 de maio de 2022
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Índice
Direito Administrativo
- Ida de criança autista ao banheiro de escola pública sem o monitor – dificuldade de higienização – omissão estatal não caracterizada
Direito Ambiental
- Divergência entre a quantidade de madeira contabilizada no Sistema DOF e a constante no estoque físico de empresa – infração ambiental
Direito Civil e Processual Civil
- Pretensão indenizatória após agressão – legítima expectativa de perdão demonstrada – venire contra factum proprium e supressio
Direito Constitucional
- Críticas a agente público – ponderação entre direito à liberdade de expressão e direito à honra
- Medidas de contenção da pandemia da COVID-19 – ausência de danos morais coletivos
Direito do Consumidor
- Cobrança de honorários de anestesia – agente incapaz – nulidade do negócio jurídico
- Curso de micropigmentação de sobrancelha – falha de aluno na execução do serviço – responsabilidade do supervisor
Direito Empresarial
- Princípio da efetividade executiva – penhora contra fiadores de empresa em recuperação judicial
Direito Penal e Processual Penal
- Estupro de vulnerável e abandono de incapaz – conjunção carnal com esposa em estado vegetativo – negligência com filhos menores
Direito Tributário
- Compra e prenotação de imóvel por sindicato – imunidade de ITBI a contar do registro
Direito Administrativo
Ida de criança autista ao banheiro de escola pública sem o monitor – dificuldade de higienização – omissão estatal não caracterizada
O fato de criança autista ir ao banheiro de escola pública sem o acompanhamento de monitor e lá não conseguir higienizar-se sozinha, por si só, não caracteriza omissão apta a gerar dano moral, pois a disponibilização diária de monitor para alunos deficientes na rede pública de ensino, ainda que de forma não exclusiva para cada estudante e sem garantia de turno específico, configura cumprimento do dever estatal de fornecer educação inclusiva mediante acompanhamento especializado. A representante legal de menor deficiente interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente pedido de danos morais em desfavor do Distrito Federal, com fundamento na ausência de nexo de causalidade entre a alegada omissão estatal e o pedido indenizatório. Argumentou que os agentes públicos da escola em que o filho estudava permitiram a ida dele ao banheiro sem acompanhamento, em que pese a pouca idade – seis anos à época – e o quadro de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Narrou que soube da ausência do monitor escolar assim que chegou ao colégio para buscar a criança e o encontrou sozinho no sanitário, sujo de fezes e sem material necessário para higienização. Alegou que, logo depois, a criança escapara do local sem vestimenta e se dirigiu ao pátio da escola, sendo motivo de chacota entre os alunos da instituição. Destacou a regressão comportamental decorrente da situação vexatória e traumatizante e a omissão da escola na obrigação de vigilância, aptas a gerar a indenização requerida. Na análise do recurso, os Desembargadores esclareceram que o poder público só responde por ações ou omissões de seus agentes quando tiver o dever legal específico de agir para evitar o evento danoso. Consignaram que a denominada “erosão do nexo causal” – perda de rigor no exame do nexo de causalidade – por vezes atende mais aos anseios sociais de reparação da vítima (blame culture) do que à efetiva possibilidade de responsabilização jurídica. In casu, os Julgadores entenderam que a legislação de regência (Lei 12.764/2012, Decreto 8.368/2014, art. 232 da Lei Orgânica do DF e Lei Distrital 5.310/2014) estabelece o devido acompanhamento especializado para a inserção de pessoas com deficiência na rede pública regular de ensino, mas sem garantia de exclusividade do auxílio ou de turno específico. Concluíram que a ausência do monitor no horário das 17h às 18h não desnatura o cumprimento do dever de disponibilizar auxílio especializado aos alunos deficientes em dias letivos, tampouco vislumbraram ação ou omissão dos servidores da escola como causa determinante para a ocorrência, uma vez que a situação foi pontual e isolada. Acrescentaram que a professora observou a sequência dos acontecimentos e não poderia deixar as demais crianças desassistidas durante a saída dos discentes; além disso, no momento dos fatos, o menor já estava sob os cuidados maternos. Quanto à noticiada ridicularização do infante pelos colegas, o Colegiado registrou que nenhuma das testemunhas arroladas presenciou a situação relatada pela apelante. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso por ausência de demonstração da omissão estatal ensejadora de responsabilidade civil.
Acórdão 1410387, 07114630820198070018, Relator: Des. ANGELO PASSARELI, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 23/3/2022, publicado no PJe: 1º/4/2022.
Direito Ambiental
Divergência entre a quantidade de madeira contabilizada no Sistema DOF e a constante no estoque físico de empresa – infração ambiental
A substancial diferença entre o volume de madeira em estoque registrado no pátio virtual do Sistema DOF e a quantidade real constante no pátio físico de comerciante de produto florestal evidencia a ocorrência de venda de madeira sem documentação, o que caracteriza infração ambiental e justifica a imposição de multa. O Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal – Ibram apurou que o volume de madeira indicado no pátio virtual de empresa no Sistema DOF – Documento de Origem Florestal – era muito maior do que o existente no depósito físico. À vista disso, a autoridade administrativa concluiu pela ocorrência de venda de madeira sem licença válida e aplicou ao estabelecimento multa superior a um milhão de reais. A empresa, após não obter êxito em ação ajuizada na primeira instância, interpôs recurso de apelação reiterando o pedido de anulação do auto de infração. Defendeu a inexistência de venda ou de exposição à venda de madeira nativa sem a devida documentação e sustentou a ocorrência apenas de falha na alimentação do Sistema DOF. Ab initio, os Desembargadores explicaram que, conforme exige a legislação pertinente, toda madeira nativa adquirida para fins comerciais deve vir acompanhada de documento com a especificação do material, volume, origem e destinação. Destacaram que o art. 41 da Instrução Normativa 21/2004 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama determina que a empresa revendedora de madeira deve atualizar o controle de estoque mediante o lançamento das operações no Sistema DOF, a fim de que o volume de produtos florestais do pátio físico corresponda exatamente ao mesmo constante do pátio digital. Em sequência, os Magistrados salientaram que os arts. 47, § 1º, e 82 do Decreto 6.514/2008 tipificam como infração ambiental: receber, adquirir, vender, expor à venda, ter em depósito, transportar ou armazenar madeira sem a devida documentação ambiental; e preveem a correspondente pena pecuniária. Ao examinarem o caso concreto, os Julgadores consignaram que a substancial divergência entre as informações relativas ao estoque de madeira para fins comerciais no registro digital e o pequeno volume efetivamente apurado pela fiscalização no pátio físico da empresa apelante denota a ocorrência de comercialização sem o necessário documento de origem florestal. Desse modo, entenderam configurada a infração ambiental e escorreita a multa aplicada pelo Juízo a quo. Assim, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1406285, 07054497120208070018, Relator: Des. FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 16/3/2022, publicado no DJe: 4/4/2022.
Direito Civil e Processual Civil
Pretensão indenizatória após agressão – legítima expectativa de perdão demonstrada – venire contra factum proprium e supressio
Os institutos da supressio e do venire contra factum proprium, que visam coibir comportamentos contraditórios, devem ser aplicados em todas as relações jurídicas, não apenas nas contratuais. Assim, o pedido de indenização fundado em sofrimento moral pode ofender a boa-fé objetiva, quando as atitudes supervenientes da vítima geram justa expectativa de ter perdoado o agressor. Na origem, a autora pleiteou indenização contra o ex-companheiro, em razão de constrangimentos e agressões sofridos em 2014, os quais teriam causado danos morais a ela. Em contestação, o réu sustentou que, a despeito do relacionamento conturbado com a requerente, não vislumbrou coerência na pretensão reparatória, uma vez que, logo após o fato, os dois mantiveram convívio em união estável por seis anos, da qual, inclusive, sobreveio um filho em comum. O Sentenciante julgou improcedentes os pedidos deduzidos na inicial. Ao apreciarem o recurso, os Desembargadores inicialmente destacaram a importância de fortalecer os sistemas de proteção jurídica para reprimir a violência de gênero, a fim de defender a liberdade que a mulher tem de pensar, amar, trabalhar e expressar-se. Para tanto, acentuaram a relevância de expandir os instrumentos normativos que atenuem os nefastos reflexos oriundos de ataques dessa natureza. No particular, contudo, esclareceram a necessidade de separar o dano moral – evidenciado pela violência física sofrida – do direito à respectiva indenização, pleiteada anos depois daquele fato. Para os Julgadores, ao reatar o relacionamento afetivo com o agressor, imediatamente após o evento danoso, sem indícios de problemas ou pressões psicológicas por parte dele ou de outrem, a vítima criou legítima e justa expectativa de tê-lo perdoado, de ter superado a humilhação e o constrangimento, para recomeçar a vida amorosa como um casal. Dessa feita, entenderam que o pedido indenizatório, posterior à frustração da manutenção do vínculo conjugal, por motivos distintos da situação de hostilidade, caracterizou venire contra factum proprium, instituto fundado na proteção da confiança e que busca impedir a adoção de comportamento contraditório. Outrossim, os Magistrados consignaram que, ao deixar de exercer o direito por período considerável e ininterrupto, a autora deu ensejo à supressio, que se traduz na renúncia tácita ao direito pelo não exercício por lapso temporal relevante. Com isso, a Turma concluiu pela quebra da boa-fé objetiva, à vista do antagonismo demonstrado no pleito indenizatório, amparado em sofrimento com relação ao qual a própria vítima deu sinais de ter superado. Por tais razões, negou provimento ao recurso.
Acórdão 1411725, 07216170520208070001, Relator: Des. SÉRGIO ROCHA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 24/3/2022, publicado no DJe: 7/4/2022.
Direito Constitucional
Críticas a agente público – ponderação entre direito à liberdade de expressão e direito à honra
O direito fundamental à liberdade de expressão assegura tanto a manifestação de opiniões admiráveis, convencionais ou possivelmente verdadeiras, como também declarações divergentes, humorísticas ou sarcásticas, sobretudo quando se trata de gestor público, passível de maior volume de críticas em razão do cargo. Um agente público ingressou com ação reparatória contra representante sindical para obrigá-lo a retirar postagens supostamente difamatórias publicadas em rede social. Relatou que o conteúdo divulgado continha ataques pessoais intensificados por disputas políticas, os quais teriam exorbitado os limites do direito de manifestação, causando-lhe angústia e humilhação capazes de gerar danos morais. O Sentenciante julgou improcedentes os pedidos. Ao analisarem o recurso interposto pelo autor, os Desembargadores explicaram que a liberdade de expressão, como precondição ao exercício do direito fundamental à liberdade, ocupa protagonismo na estrutura do Estado Democrático, pois assegura a livre participação popular no controle e no funcionamento da coisa pública. No particular, compreenderam que o conteúdo divulgado não violou os direitos de personalidade, uma vez que a crítica foi impessoal e direcionada a militares que estavam na gestão de determinado plano de saúde público, sem qualquer menção ou referência específica ao nome do apelante. Os Julgadores esclareceram que o princípio democrático e o da livre participação protegem tanto as opiniões admiráveis, convencionais ou verdadeiras, como também as duvidosas, divergentes, sarcásticas ou humorísticas. Destacaram ainda que, naturalmente, os agentes públicos são alvos, com mais frequência, de críticas contundentes, em razão da posição de comando da coisa pública e da visibilidade que ocupam. Por conseguinte, acrescentaram que nem todas as emissões de pensamento têm o condão de violar a honra ou a imagem do indivíduo no desempenho de cargo público. Em conclusão, a Turma entendeu inexistir abuso ou extrapolação de direito à liberdade de expressão e negou provimento ao recurso.
Acórdão 1411983, 07088872520218070001, Relator: Des. JOÃO LUÍS FISCHER DIAS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 30/3/2022, publicado no DJe: 12/4/2022.
Medidas de contenção da pandemia da COVID-19 – ausência de danos morais coletivos
É defeso ao Poder Judiciário a formulação de políticas públicas de controle de pandemia, bem como a determinação de restrições ou de liberações à circulação de pessoas, cuja incumbência, no âmbito do Distrito Federal, pertence ao Poder Executivo distrital. Cidadão ajuizou ação popular contra o Distrito Federal e o governador, na qual pugnou pela declaração de nulidade do Decreto 41.849/2021 – que impôs medidas de restrição para controle da propagação do SARS-COV-2 –, bem como pela condenação dos requeridos ao pagamento de danos morais coletivos. Narrou que a aludida norma determinou restrições ao desempenho de diversas atividades comerciais e econômicas, mas deixou outras de fora por suposto interesse na arrecadação de tributos. Com base em manifestação do Conselho Regional de Medicina do DF sobre a ineficácia do lockdown, sustentou que as medidas restritivas aplicadas não foram profícuas. Questionou, ainda, o fechamento de leitos de UTI/COVID e a falta de providências para a aquisição de vacinas. O Juízo de primeiro grau julgou os pedidos improcedentes. Em reexame necessário, os Desembargadores consignaram que, nada obstante a relevância das manifestações opinativas de entidades médicas em questões de saúde pública, tais pronunciamentos não vinculam o poder público, mormente por apresentarem, além do conteúdo técnico, alinhamento político-ideológico. Consideraram justificada a desativação de hospitais de campanha, pois estes implicam alto custo financeiro aos cofres públicos, visto que os indicadores, à época, apontavam a suficiência da disponibilidade de leitos nas unidades de internação da rede pública e privada no DF, sem impedimento a eventual reativação em caso de agravamento da crise sanitária. Em prosseguimento, enfatizaram que o Ministério da Saúde optou por centralizar a vacinação contra a COVID-19 no Sistema Único de Saúde – SUS, inclusive com o repasse das vacinas adquiridas pelos governos estaduais e municipais, a fim de que a distribuição fosse realizada pelo ente federal de forma proporcional em todos os Estados. Por fim, explicaram que não cabe ao Poder Judiciário a formulação de políticas públicas de saúde voltadas para o controle de pandemia, tampouco a determinação de restrições ou de liberações à circulação de pessoas, cuja atribuição, no âmbito do Distrito Federal, pertence efetivamente ao Poder Executivo distrital. Com efeito, os Julgadores concluíram pela inexistência de grave lesão a interesses individuais homogêneos a ensejar reparação por danos morais coletivos. Assim, a Turma manteve incólume a sentença a quo.
Acórdão 1410914, 07011241920218070018, Relator: Des. SANDOVAL OLIVEIRA, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 23/3/2022, publicado no DJe: 1º/4/2022.
Direito do Consumidor
Cobrança de honorários de anestesia – agente incapaz – nulidade do negócio jurídico
A cobrança de serviços anestesiológicos prestados a menor de idade exige a ciência e a anuência expressa de representante legal, sob pena de nulidade do negócio jurídico, devido à incapacidade absoluta do paciente. Empresa prestadora de serviços de anestesia ajuizou ação de cobrança contra menor impúbere, sob alegação de inadimplência na quitação de procedimento. Narrou que, em razão de contrato prévio entabulado com hospital da rede privada, todo o procedimento anestésico realizado no nosocômio deveria ser pago à autora, por intermédio de convênios ou, diretamente, pelos próprios pacientes. Alegou que o requerido se submeteu a cirurgia sob sedativo, contudo não pagou pelos serviços prestados. O Juízo de origem julgou o pedido improcedente. Inconformada, a sociedade empresária interpôs apelação. Ao analisarem as razões recursais, os Desembargadores consignaram que, embora não reste dúvida quanto à realização de cirurgia, inexistem provas de que o responsável pelo infante – então com nove anos –, tenha tomado ciência de que os honorários anestesiológicos deveriam ser pagos em separado dos demais serviços hospitalares ou de que tenha recebido esclarecimento quanto à questão. Nesse contexto, os Julgadores entenderam que houve violação aos princípios da informação, da transparência, da boa-fé objetiva e da função social do contrato (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor), dadas as lacunas na comunicação entre as partes. Os Magistrados ressaltaram que, no caso concreto, a autora não comprovou a anuência do representante legal na quitação apartada, uma vez que a ficha de internação não foi assinada. Por outro lado, não se cogita de concordância tácita da criança, visto que sequer teria plenas condições de compreender as consequências da intervenção. Relembraram, nesse ínterim, que a incapacidade absoluta do agente para a prática dos atos da vida civil torna o negócio jurídico absolutamente nulo. Frisaram, ademais, que a validade do contrato firmado entre o hospital e a apelante não convalida a relação consumerista contaminada por vício insanável. Assim, a Turma concluiu que não foram comprovadas a ciência e a anuência dos representantes legais quanto ao dever de quitação dos honorários de anestesiologia em apartado das outras cobranças médicas, cujo ônus probatório competia à autora (art. 373, I, do Código de Processo Civil). Com isso, o Colegiado negou provimento ao recurso.
Acórdão 1408186, 07026446520218070001, Relator: Des. ROMULO DE ARAUJO MENDES, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 16/3/2022, publicado no PJe: 3/4/2022.
Curso de micropigmentação de sobrancelha – falha de aluno na execução do serviço – responsabilidade do supervisor
Os prejuízos moral e material advindos de participação gratuita como modelo em curso de micropigmentação de sobrancelha são de responsabilidade do supervisor das aulas, pois a ele competia concluir o procedimento de forma correta. Uma mulher ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra profissional autônoma depois de ter participado, gratuitamente, como modelo, de curso de micropigmentação de sobrancelha e sofrido lesão estética em decorrência de execução equivocada do procedimento. Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes para condenar a ré em mil reais, a título de danos materiais, e em dois mil reais por danos extrapatrimoniais. Inicialmente, ao analisarem o recurso interposto pela requerida, os Julgadores consignaram que a relação estabelecida entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC. Aduziram que o serviço estético é obrigação de resultado e, caso não seja atingida a finalidade almejada, a responsabilidade decorrente da imperícia do fornecedor deriva da constatação do prejuízo. No caso, os Juízes ressaltaram que a lesão ocorrida no rosto da consumidora bem como o tratamento corretivo realizado foram comprovados por meio de fotos. Como a recorrente atuava na qualidade de supervisora das alunas e possuía a atribuição de concluir o procedimento da forma correta, entenderam os Magistrados que a ela cabe o dever de reparar o dano causado, principalmente por não ter demonstrado qualquer hipótese de exclusão de responsabilidade civil. Nesse contexto, a Turma julgou improcedente o recurso.
Acórdão 1410548, 07063332720208070010, Relatora: Juíza GISELLE ROCHA RAPOSO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 30/3/2022, publicado no DJe: 6/4/2022.
Direito Empresarial
Princípio da efetividade executiva – penhora contra fiadores de empresa em recuperação judicial
A fase de recuperação judicial não impede o prosseguimento dos atos constritivos contra os fiadores do devedor principal, razão pela qual não há ilegalidade na inobservância de ordem preferencial para penhora, fundamentada na frustração de medidas adotadas para satisfação do crédito. Empresa de transporte e sócios dela interpuseram agravo de instrumento contra decisão que rejeitou a impugnação ao cumprimento de sentença e deferiu a penhora de quotas sociais da pessoa jurídica em fase de recuperação judicial. Na análise do recurso dos executados, os Desembargadores explicaram que o art. 49, § 1º, da Lei 11.101/2005 garante a manutenção de direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, ainda que se trate de sociedade em período de soerguimento. Assim, entenderam não haver óbice a executar os fiadores do devedor principal, consoante interpretação pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 581. Os Magistrados ressaltaram ainda que não existe ilegalidade na inobservância da ordem estabelecida no art. 835 do Código de Processo Civil – CPC, o qual elenca rol preferencial para a medida expropriatória, porquanto o § 1º do mencionado dispositivo faculta ao magistrado a modificação da lista no caso concreto, a depender da efetividade das medidas já adotadas na execução. Aduziram que os bens do devedor respondem pelo cumprimento das obrigações assumidas por ele, desde que respeitadas as restrições legais (art. 789 do CPC). À vista desse entendimento, compreenderam inexistir empecilho para a constrição realizada, uma vez que as quotas sociais não estão protegidas por garantia de impenhorabilidade. O Colegiado destacou que a execução deve seguir da forma menos onerosa ao devedor (art. 805 do CPC); todavia, é necessária a adoção de medidas indispensáveis à rápida e integral satisfação do crédito, mormente diante do cenário atual em que não foram localizados bens suficientes ao pagamento durante os mais de quatro anos de tramitação do processo. Acrescentou, ademais, que a penhora das quotas não viola o benefício de ordem, ao qual os fiadores têm direito, tampouco interfere na afecctio societatis, pois não confere ao credor a qualidade de sócio. Ao final, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1411591, 07383329120218070000, Relatora: Desª. ANA MARIA FERREIRA DA SILVA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 24/3/2022, publicado no DJe: 7/4/2022.
Direito Penal e Processual Penal
Estupro de vulnerável e abandono de incapaz – conjunção carnal com esposa em estado vegetativo – negligência com filhos menores
A conduta do réu que mantém relação sexual com companheira em estado vegetativo e que a deixa juntamente com os filhos menores desassistidos configura a prática dos crimes de estupro de vulnerável e de abandono de incapaz. Réu condenado a doze anos de reclusão em regime inicialmente fechado pelos crimes dos arts. 217-A, § 1º, c/c 226, II, do CP, e 133, caput, e § 3º, II, do Código Penal, no âmbito doméstico e familiar (arts. 5º e 7º da Lei 11.340/2006) interpôs apelação contra sentença sob o argumento de falta de provas. Alegou indução no depoimento dos filhos e reclamou da ausência de prova pericial. Além da absolvição, requereu o afastamento da condenação por danos morais. Na análise do recurso, os Desembargadores destacaram o histórico de violência doméstica e o pedido de medidas protetivas anteriores ao acidente vascular cerebral que deixou a vítima em estado vegetativo. Ressaltaram o depoimento especial dos filhos, os quais relataram, em juízo, ter presenciado o pai abusar sexualmente da mãe acamada, após retornar alcoolizado de uma das recorrentes saídas noturnas. O Colegiado destacou que não prospera a alegada instigação a "falsas memórias" nos menores, pois os adolescentes contaram os fatos de forma espontânea, objetiva e concatenada; circunstâncias, inclusive, corroboradas por testemunhas. Acrescentou que a irmã, a sobrinha e a cuidadora declararam que, à época, a enferma estava agitada e apresentava olhos arregalados quando se despediam, além de terem notado líquido similar a sêmen escorrendo da vagina nas trocas de fraldas matinais. Os Julgadores entenderam configurado o crime de abandono de incapaz, visto que o pai rotineiramente saía de casa para ingerir bebidas alcoólicas, comportamento que expunha a companheira e os filhos menores a perigo concreto, por falta de assistência. Consideraram, outrossim, caracterizado o crime de estupro de vulnerável, porquanto o réu se aproveitou da vulnerabilidade e da convivência íntima para praticar conjunção carnal com a esposa, sem que esta tivesse capacidade de oferecer resistência. Assim, a Turma deu parcial provimento ao recurso, apenas para substituir a pena de detenção, relativa ao delito de abandono, por restritiva de direitos, e reduzir o valor da indenização por danos morais, mantendo in totum a condenação pelo crime de estupro.
Acórdão 1409255, 07042909220218070007, Relator: Des. JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 17/3/2022, publicado no PJe: 5/4/2022.
Direito Tributário
Compra e prenotação de imóvel por sindicato – imunidade de ITBI a contar do registro
A imunidade tributária de ITBI não alcança imóvel adquirido por entidade sindical para fins institucionais se o bem, embora prenotado, ainda não tiver sido submetido a registro, haja vista que a prenotação assegura a prioridade registral, mas não tem o condão de conferir direito de propriedade. Na origem, sindicato representativo da categoria de fiscais e de auditores da Receita Federal pleiteou em Juízo a repetição de indébito referente ao recolhimento de ITBI de imóveis adquiridos para fins institucionais. Além de sustentar o direito à imunidade tributária, a entidade impugnou compensação de crédito promovida de ofício pela Fazenda Pública relacionada a outros bens sobre os quais entende igualmente incidir a desoneração constitucional. A pretensão foi julgada procedente por meio de sentença que, a um só tempo, reconheceu a imunidade, declarou nulas as compensações e determinou o ressarcimento de montante indevidamente pago. Feita a remessa necessária e interposta apelação pelo ente federado, o Colegiado inicialmente assentou a premissa de que o fato gerador do mencionado tributo ocorre com a transferência imobiliária efetiva que, por sua vez, apenas se aperfeiçoa mediante registro (arts. 1.228, c/c 1.245 do Código Civil), ato a partir do qual os poderes de proprietário passam a ser oponíveis contra terceiro. Com efeito, observaram os Desembargadores que, embora os imóveis objeto da demanda tenham sido adquiridos em 2018, foram registrados apenas em 2019, de sorte que os bens ainda se mantinham sob o domínio dos alienantes na data em que o imposto foi recolhido. Nesse contexto, consideraram legítima a incidência do ITBI, oportunidade em que ressaltaram inexistir a intentada imunidade retroativa em favor do requerente. Na sequência, a Turma acrescentou que a prenotação havida na espécie constitui ato precário, o qual assegura a preferência registral de título, mas não garante a propriedade da coisa, porquanto gera presunção meramente relativa acerca do domínio (art. 205 da Lei 6.015/1973), Lei de Registros Públicos). Em conclusão, os Magistrados julgaram ser direito do Fisco promover as referidas compensações, pois, no caso concreto, persistiram em aberto, sem pagamento, outros impostos que deveriam ser recolhidos em favor do Estado.
Acórdão 1411343, 07069225820218070018, Relatora: Desª. LEILA ARLANCH, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 23/3/2022, publicado no DJe: 11/4/2022.
Informativo
1ª Vice-Presidência
Desembargador Primeiro-Vice-Presidente: Angelo Canducci Passareli
Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Roberval Casemiro Belinati - Presidente, Leila Cristina Garbin Arlanch, Sandoval Gomes de Oliveira, Ana Maria Cantarino, Roberto Freitas Filho e Maria Ivatônia – Membro suplente.
Juíza Auxiliar da Primeira-Vice-Presidência: Marília Garcia Guedes
Secretário de Jurisprudência e Biblioteca: Caio Pompeu Monteiro Barbosa
Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Thaysa Cristina Silva Goulart
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Cláudia Nascimento Trigo de Loureiro, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Fernanda Oliveira da Costa Tourinho, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Paulo Gustavo Barbosa Caldas e Risoneis Alvares Barro
Revisão: José Adilson Rodrigues
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR
As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.
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Desigualdade e Discriminação Racial na visão do TJDFT
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