Informativo de Jurisprudência n. 466
Período: 1º a 15 de setembro de 2022
Versão em áudio: informativo466.mp3 - audio/mpeg - 32.7 MB
Publicação: 5 de outubro de 2022
Acesse a versão em PDF
Índice
Direito Administrativo
-
Homicídio praticado por policial militar de folga – uso de arma da corporação – nexo de causalidade rompido
Direito Ambiental
- Suspensão de penalidade ambiental – impossibilidade – presunção de veracidade e legitimidade do ato sancionador
Civil e Processual Civil
-
Família mosaico – participação da madrasta no pagamento de pensão alimentícia – impossibilidade
- Jingle eleitoral – uso não autorizado de música – danos morais e materiais
Direito Constitucional
- Abuso no exercício da liberdade de informação – imputação falsa – reparação por dano moral
Direito do Consumidor
-
Programa de emagrecimento – inexistência de falha na prestação do serviço
Direito Empresarial
-
Dissolução parcial de sociedade – quebra da affectio societatis – conexão com procedimento de prestação de contas
Direito Penal e Processual Penal
-
Saída temporária de sentenciado sem retorno ao presídio – alegação de doença contagiosa não comprovada – falta grave
- Tribunal do Júri – aparte da defesa em momento inadequado – dissolução do Conselho de Sentença
Direito Tributário
-
Ausência de lançamento tributário – permanência indefinida em malha fiscal – forma oblíqua de cobrança de tributo
Direito Administrativo
Homicídio praticado por policial militar de folga – uso de arma da corporação – nexo de causalidade rompido
A conduta do agente público relacionada exclusivamente à vida particular, sem comprovação do efetivo exercício da função estatal ou da externalização dessa qualidade, exclui a responsabilização civil do Estado por dano causado a terceiro. O Distrito Federal interpôs apelação contra sentença que o condenou ao pagamento de cinquenta mil reais por danos morais à mãe de rapaz morto por policial militar, com uso de arma da corporação. Sustentou que o servidor não estava na condição de agente público no momento do delito, pois estava em gozo de folga. Alegou, ainda, que ofensor e vítima eram supostamente amigos, tanto que, no dia dos fatos, consumiram bebida alcoólica em diferentes estabelecimentos durante a noite. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que a teoria do risco administrativo prevê a responsabilidade civil objetiva do poder público pelos danos causados por seus agentes a terceiros, desde que comprovado o nexo de causalidade entre a conduta do servidor e o prejuízo. Assinalaram que, para a responsabilização estatal, não é essencial que o agente esteja no exercício de suas funções, mas é necessário que tal qualidade seja exteriorizada por meio da ação ou da omissão. Os Julgadores destacaram que, embora o policial tenha utilizado a arma da corporação para cometer o homicídio, o emprego do instrumento de trabalho, por si só, não é suficiente para atrair o dever de reparação estatal à vítima. Com efeito, para que o Estado seja responsabilizado, é imprescindível que o agressor atue ou aparente estar na condição de agente público. Na hipótese, esclareceram que o PM estava fora do local e do horário de serviço e que o crime teria sido motivado pela recusa da vítima em continuar bebendo na companhia daquele. Nesse contexto, o Colegiado entendeu que o sentenciado agiu em circunstâncias exclusivamente relacionadas à vida pessoal – e não na qualidade de policial em serviço –, o que afasta a responsabilidade civil do ente federativo, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Com isso, a Turma concluiu inexistirem elementos que demonstrem a omissão do Estado no cumprimento do dever de evitar o óbito, e, assim, deu provimento ao recurso.
Acórdão 1604477, 07093129820218070018, Relator: Des. LEONARDO ROSCOE BESSA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 10/8/2022, publicado no DJe: 1º/9/2022.
Direito Ambiental
Suspensão de penalidade ambiental – impossibilidade – presunção de veracidade e legitimidade do ato sancionador
Auto de infração, lavrado com base em provas robustas da existência de parcelamento irregular de solo e supressão de vegetação nativa em área de proteção ambiental – APA, detém presunção de veracidade e legitimidade, razão pela qual é incabível, na hipótese, a interrupção dos efeitos das penalidades administrativas. Proprietário que teve embargada obra particular situada em núcleo rural de Brasília interpôs recurso para reformar decisão que negou a suspensão dos efeitos de infração ambiental, apontada pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal (IBRAM). Na ação anulatória, narrou que foi autuado por parcelamento irregular do solo, enquanto executava projeto de construção de moradia sem autorização do órgão competente, e por supressão de vegetação nativa. A fiscalização culminou no embargo da edificação, advertência para sanar a irregularidade em trinta dias e multa superior a quarenta mil reais. Em razões recursais, o agravante alegou que as medidas impostas seriam ilegais e desproporcionais, uma vez que não teria ocorrido supressão excessiva de vegetação nativa, tampouco seria necessária licença ambiental para construção de moradia familiar. Ao apreciarem o mérito do recurso, os Desembargadores perceberam que as imagens do Google Earth e o relatório fotográfico anexado aos autos evidenciaram indícios claros de irregularidades. Desse modo, confirmaram a abrangência e dimensão da degradação do solo situado em área de proteção ambiental (APA), e em consonância com a infração apurada. O Colegiado enfatizou a importância da adoção de medidas repressivas e preventivas na manifestação do poder de polícia, como múnus essencial do Estado na interrupção de práticas capazes de causar danos irreparáveis, ou de difícil reparação, ao meio ambiente e, por conseguinte, à coletividade. Com efeito, os Julgadores afastaram a possibilidade de suspender os efeitos do embargo da área invadida, notadamente na via estreita do agravo de instrumento, sobretudo porque a matéria será apreciada, em profundidade, por ocasião do exame do mérito, no curso da ação principal. À vista disso, dada a veracidade e legitimidade dos atos administrativos, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1613772, 07351941920218070000, Relator: Des. CRUZ MACEDO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 14/9/2022, publicado no PJe: 15/9/2022.
Direito Civil e Processual Civil
Jingle eleitoral – uso não autorizado de música – danos morais e materiais
A utilização de música popular brasileira em jingle de campanha política, sem autorização dos autores, constitui violação de direitos autorais, passível de indenização por danos materiais e morais, de forma solidária entre o candidato e o partido. Cantora renomada, que teve uma de suas composições e a própria imagem utilizada, sem permissão, em jingle de campanha política nas eleições de 2018, ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra partido político e candidato à Presidência da República. Os pedidos foram julgados procedentes, e os requeridos condenados a pagarem indenização de cem mil reais pelos danos morais sofridos pela artista e multa equivalente a vinte vezes o valor do licenciamento da imagem e dos direitos autorais e artísticos, a título de danos materiais. Ao analisarem o recurso dos réus, os Magistrados aduziram que os direitos autorais são resguardados pela Constituição Federal, a qual garante aos autores e a seus herdeiros o uso exclusivo das obras, além de facultar a fiscalização do aproveitamento econômico delas (art. 5º, XXVII e XXVIII). A tutela infraconstitucional, por sua vez, foi consolidada pela Lei 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA), que descreveu as composições musicais, com ou sem letras, como obras intelectuais a serem protegidas (art. 7º, V), de forma que a reprodução ou a utilização só podem ser feitas mediante autorização prévia e expressa do autor e do coautor (art. 32). À vista disso, esclareceram que os jingles são propagandas sonoras curtas, elaboradas para fins eleitorais, baseadas em músicas famosas, com o intuito de popularizar o candidato e de ampliar o alcance da campanha. Ao contrário da paráfrase ou da paródia, dependem de autorização explícita do compositor para sua utilização. Nessa toada, o Colegiado asseverou ser incontroverso que a música “Pintura íntima” e a imagem da cantora foram utilizadas na campanha política do segundo réu sem a devida licença para execução. A versão publicitária foi irregular e largamente difundida nas redes sociais do candidato, do partido e de apoiadores. Em acréscimo, os Julgadores asseveraram que o compositor ostenta prerrogativas morais e patrimoniais sobre sua obra, o que garante a defesa da integridade do acervo quanto a qualquer modificação que possa lhe atingir a honra (art. 24 da LDA). Além disso, a sanção civil pela violação dos direitos autorais prevê responsabilidade solidária entre quem elabora e quem reproduz a criação adulterada (art. 104 da LDA). Da mesma forma, o Código Eleitoral reza que os partidos políticos têm responsabilidade solidária em relação aos atos excessivos na propaganda eleitoral dos candidatos (art. 241). Para os Desembargadores, o Marco Civil da Internet (art. 19, § 2º, da Lei 12.961/2014), de igual modo, viabiliza a proteção dos direitos dos criadores, ainda que a violação tenha ocorrido somente em ambiente digital. Lembraram que o uso irregular das obras ocorre porque, normalmente, os autores não têm conhecimento dos fatos, situação que gera nos infratores a crença da impunidade. Assim, concluíram que a autora teve seus direitos da personalidade violados, em vista do inquestionável reflexo desfavorável de ter sua imagem e obra musical associadas à campanha eleitoral e, pior: no período em que referido partido político enfrentou inúmeras denúncias de corrupção. Por fim, negaram provimento ao recurso.
Acórdão 1609368, 07155854720218070001, Relatora: Desª. SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 31/8/2022, publicado no DJe: 8/9/2022.
Família mosaico – participação da madrasta no pagamento de pensão alimentícia – impossibilidade
A remuneração da madrasta não pode ser considerada como parte da renda familiar do genitor alimentante para fins de cumprimento de obrigação alimentícia, ainda que o novo casal componha estrutura de relacionamento intitulada “família mosaico”, por inexistência de previsão legal para acolhimento da pretensão. Em ação de alimentos, representante legal de menor recorreu de sentença na qual foi fixado valor de pensão alimentícia em 35% do salário-mínimo, ao argumento de que a renda da madrasta também deveria ser considerada para majoração da obrigação alimentar. Segundo a apelante, o ex-companheiro vive em contexto denominado “família mosaico”, no qual a remuneração da atual cônjuge integra a renda familiar e, por isso, deveria servir para elevar o valor da pensão. Ao examinarem o mérito do recurso, os Desembargadores aduziram que a obrigação de prestar alimentos decorre do princípio constitucional da solidariedade e do dever de mútua assistência. E, ainda que reconhecida a necessidade da autora, deve-se analisar a capacidade financeira do réu. Destacaram que o pedido da recorrente, quanto à obrigação de a madrasta prestar alimentos em razão da nova configuração familiar, constituída pela pluralidade de vínculos parentais provenientes de relações anteriores – família mosaico –, não merece prosperar. Os Magistrados esclareceram que o encargo alimentar não deve ser estendido à nova esposa, porquanto inexiste previsão legal para inclusão do salário da companheira do alimentante como parte do orçamento familiar, com o objetivo de majorar o quantum da pensão arbitrada. Ressaltaram que o poder familiar, do qual decorre um conjunto de direitos e responsabilidades, deve ser exercido pelos pais e, subsidiariamente, pelos avós. Ademais, os Julgadores ponderaram que as condições financeiras da madrasta só poderiam ser consideradas na hipótese de demonstração de padrão de vida acima da média do cidadão, circunstância não evidenciada nos autos. Alfim, a Turma entendeu razoável e proporcional o valor fixado a título de alimentos, uma vez observado o trinômio necessidade, possibilidade e proporcionalidade, motivo pelo qual negou provimento ao recurso.
Acórdão 1608917, 07207877120228070000, Relator: Des. EUSTÁQUIO DE CASTRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 16/8/2022, publicado no DJe: 2/9/2022.
Direito Constitucional
Abuso no exercício da liberdade de informação – imputação falsa – reparação por dano moral
O exercício regular da liberdade de expressão entre jornalistas e veículos de imprensa não pode guiar-se por notícias falsas ou distorcidas, sob pena de se convolar em abuso, porquanto o direito de informar não é absoluto e encontra limites em outras garantias igualmente constitucionais. Na origem, então ocupante do cargo de Ministro de Estado pleiteou indenização por dano moral contra veículo de comunicação e jornalista, em razão de reportagens publicadas em 2021 que, no entender do autor, tiveram propósito de deteriorar a imagem dele, como executor do múnus público. Inconformado com o julgamento improcedente do pleito, o requerente interpôs apelação. Inicialmente, a Turma esclareceu que os fatos transcorreram no contexto temporal do início da pandemia de COVID-19, quando havia escassez de vacina e elevada procura entre os representantes das nações que, à época, buscavam obter o maior número de doses ou insumos, no mais breve intervalo de tempo possível. Em seguida, assentou a liberdade da imprensa como um dos pilares da democracia pátria, sobre a qual o regime “se edifica, se mantém e se fortalece”. Alertou, contudo, que o direito de informar e de ser informado não se reveste de caráter absoluto, notadamente em razão da existência de outras garantias igualmente fundamentais, como a que assegura a preservação da imagem (arts. 5º, V e X, e 220, caput, da Constituição Federal de 1988). Esclareceu, ainda, que o exercício regular da liberdade informativa não pode enveredar pelo universo de notícias falsas (fake news), ou descontextualizadas (false light), sob pena de se tornar abusivo. O Colegiado ressaltou que na hipótese de conflito entre valores de igual envergadura constitucional há de ser feito um juízo de ponderação no caso concreto. Dessarte, no entendimento dos Julgadores, conquanto a primeira matéria tenha enunciado “proporcional exercício de crítica” aos procedimentos de aquisição de vacinas gerenciados pelo autor, as duas subsequentes constituíram imputações falsas e/ou distorcidas à atuação do apelante, e sem comprovação do teor. Nesse cenário, os Magistrados concluíram ter-se configurado exercício abusivo da liberdade informativa, nos termos do art. 187 do Código Civil. À vista do excesso praticado por meio das reportagens, reformaram a sentença para condenar os apelados a pagarem, solidariamente, ao ofendido, a quantia de quinze mil reais, a título de reparação pelos danos morais.
Acórdão 1606471, 07457928120218070016, Relator: Juiz FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 24/8/2022, publicado no DJe: 1º/9/2022.
Direito do Consumidor
Programa de emagrecimento – inexistência de falha na prestação do serviço
O insucesso na obtenção do resultado almejado em programa de redução de peso, devido a suposto descumprimento de orientações por consumidora, não configura falha na prestação do serviço apta a ensejar reparação de danos. Uma consumidora ajuizou ação de rescisão contratual, cumulada com pedido de indenização por danos morais e materiais, contra clínica de estética, por não ter obtido êxito em programa de emagrecimento. Sustentou ter informado à recorrida a necessidade de reavaliação do método, o que não fora atendido, e, assim, solicitou a resilição do contrato. Os pedidos foram julgados improcedentes e a autora condenada a pagar o saldo remanescente pelo cancelamento dos serviços. Ao analisarem o recurso da requerente, os Desembargadores explicaram que o serviço adquirido consistia no acompanhamento da cliente para redução de peso corporal, por uma equipe multiprofissional, com duração de 120 dias, ao custo de cinco mil reais. O Colegiado consignou que o sucesso do programa depende das condições de cada participante, pois envolve o cumprimento de orientações, a mudança de hábitos alimentares e a prática de exercícios físicos. Além disso, lembrou que as provas dos autos não permitem comparar a situação corporal da mulher antes do contrato e aquela alcançada depois da desistência do programa. Dessa forma, não houve demonstração clara de eventual ineficácia do serviço prestado. Os Julgadores entenderam, ainda, que os certificados profissionais da recorrida afastam a alegação de ausência de aptidão técnica para conduzir esse tipo de planejamento. Concluíram, pois, que não houve defeito na prestação de serviços, mas sim desistência da participante, com o consequente dever de pagamento proporcional do pacote. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1608174, 07022402020228070020, Relator: Juiz ANTONIO FERNANDES DA LUZ, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 23/8/2022, publicado no DJe: 5/9/2022.
Direito Empresarial
Dissolução parcial de sociedade – quebra da affectio societatis – conexão com procedimento de prestação de contas
A mera alegação de quebra da affectio societatis não se revela suficiente para a exclusão judicial de sócio. Há de se demonstrar a ocorrência de justa causa, ou seja, dos motivos que ocasionaram a quebra. Eventual apuração de desvios na condução da empresa não impede a retirada de sócios e não implica a conexão entre os feitos de prestação de contas e de resolução da sociedade. Na hipótese, clínica de ortopedia e sócios ajuizaram ação de dissolução parcial de sociedade, com a regular apuração de haveres, em desfavor de outros dois integrantes do quadro societário. Argumentaram os autores que os réus não compareciam às reuniões e às assembleias deliberativas, recusavam-se a realizar aportes para despesas operacionais e a contribuir para o pagamento de eventuais prejuízos, caracterizando clima de animosidade entre as partes. Os requeridos, embora citados, não apresentaram contestação, tendo-se manifestado nos autos apenas um dos demandados para afirmar sua anuência à resolução da sociedade e pleitear a conexão do feito com ação de prestação de contas anteriormente ajuizada. O Juízo da Vara de Falências e Recuperações Judiciais afastou a conexão alegada e, ao verificar a quebra da affectio societatis, declarou a dissolução parcial da sociedade em relação aos requeridos, determinando o reembolso do valor de suas cotas por meio do procedimento de apuração de haveres. Irresignado, o primeiro réu interpôs apelação, pleiteando a cassação da sentença em razão da alegada conexão com a ação de prestação de contas apresentada em outro Juízo e insurgindo-se contra sua retirada da sociedade. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores esclareceram que, apesar da parcial identidade entre os litigantes dessa demanda e da mencionada ação para prestar contas, o escopo da apuração de contas visa à identificação de eventuais prejuízos causados, por um dos sócios, na gestão da clínica, matéria que não deve ser analisada no procedimento de dissolução de sociedade, conforme art. 2º da Resolução 23/2010 deste Tribunal. Nesse sentido, afirmaram que a apuração de irregularidades na condução da empresa refoge à competência da Vara de Falências e não impede a retirada de sócios. Em prosseguimento, os Julgadores constataram que a decisão de retirada dos sócios obedeceu ao Enunciado 216 do Conselho da Justiça Federal, o qual estabelece quórum de deliberação representado pela maioria absoluta do capital. Com efeito, para a exclusão de sócios, a Turma destacou que não se revela suficiente a alegação de quebra da affectio societatis – definida como o elemento subjetivo consistente na intenção dos sócios de constituírem sociedade –, fazendo-se necessária a demonstração de falta grave apta a ensejar justa causa, ou seja, dos fundamentos que ocasionaram a alegada ruptura (REsp 1.129.222/PR). Nesse contexto, os Magistrados reconheceram as razões para a retirada dos réus, consubstanciadas na negativa de comparecerem, sem justo motivo, às reuniões e às assembleias deliberativas, além da recusa ao cumprimento das decisões ali tomadas – elementos suficientes para evidenciar comportamento prejudicial à sociedade. Com efeito, a Turma rechaçou a justificativa da fase da pandemia para o não comparecimento às reuniões, uma vez que o requerido não suspendera o atendimento ambulatorial de seus pacientes. Dessa forma, diante do cenário de animosidade entre apelante e sociedade empresarial, permeado por interesses colidentes, o Colegiado negou provimento ao recurso.
Acórdão 1603154, 07057127820218070015, Relator: Des. FÁBIO EDUARDO MARQUES, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 9/8/2022, publicado no DJe: 5/9/2022.
Direito Penal e Processual Penal
Saída temporária de sentenciado sem retorno ao presídio – alegação de doença contagiosa não comprovada – falta grave
O condenado que deixa de se apresentar voluntariamente à unidade prisional, na data prevista para o término da saída temporária, comete falta grave, por ficar caracterizada situação de fuga, mormente quando só retorna ao presídio por força de mandado de prisão. Na origem, Juiz da Execução Penal determinou a regressão do regime prisional e a perda de parte dos dias remidos de condenado à pena privativa de liberdade, em regime semiaberto, que não retornou ao cárcere na data prevista para o fim do gozo da saída temporária. Inconformado, o interno interpôs agravo na execução, a fim de reformar a decisão que lhe aplicou os efeitos da falta grave. Argumentou, para tanto, que não teria retornado à penitenciária por ter contraído sarna, doença contagiosa, capaz de comprometer a própria integridade física e a dos demais detentos. Ao examinarem o mérito do recurso, os Desembargadores explicaram que a ausência de apresentação voluntária ao estabelecimento prisional, no dia determinado para o retorno da saída temporária, pode caracterizar a hipótese de fuga e, por conseguinte, configurar falta grave, nos termos do art. 50, II, da Lei 7.210/1984, Lei de Execução Penal (LEP). No particular, aduziram que o condenado não só deixou de se apresentar voluntariamente na data estipulada, como ainda permaneceu 44 dias em estado de evasão, sem comunicar o motivo às autoridades competentes. Sob outra perspectiva, os Magistrados compreenderam que o interno, igualmente, deixou de acrescentar aos autos elementos de provas capazes de demonstrar, minimamente, o risco de contágio da enfermidade, na medida em que apenas juntou atestado médico, sem recomendação de isolamento, e fotos de lesões cutâneas sem identificação da pessoa enferma. Com isso, verificaram a existência de requisitos firmes e coesos para confirmar a decisão que regrediu o apenado para regime mais severo, consoante dispõe o art. 128, I, da LEP, e que determinou a perda de parte dos dias remidos, na forma do art. 127 da mesma lei, por cometimento de falta grave. Alfim, a Turma ponderou que a conduta do reeducando afrontou o dever-poder do Estado de executar a penalidade imposta, além de fragilizar a confiança depositada pela sociedade nos meios e fins da execução penal, razões pelas quais negou provimento ao recurso.
Acórdão 1611693, 07237228420228070000, Relator: Des. JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 31/8/2022, publicado no PJe: 12/9/2022.
Tribunal do Júri – aparte da defesa em momento inadequado – dissolução do Conselho de Sentença
A interferência da defesa no momento da avaliação dos quesitos, suficiente para incutir dúvida nos jurados, constitui fundamento legítimo para a dissolução do Conselho de Sentença, em vista da violação aos princípios da incomunicabilidade e do sigilo das votações. A Defensoria Pública impetrou habeas corpus em razão da dissolução do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, após suposta interferência inoportuna no momento da votação do quesito relacionado à autoria do fato. Ao analisarem o writ, os Desembargadores esclareceram que as perguntas foram formuladas pela Juíza, de acordo com a pronúncia, e submetidas à apreciação da defesa e da acusação, que não as impugnaram. Depois de iniciada a votação e confirmada a materialidade do delito, foi lido o segundo quesito, que tratava sobre autoria do crime, momento em que o patrono do réu interveio para informar a necessidade de alteração do questionamento. O Ministério Público sustentou que a intervenção da defesa no ato de apresentação do referido quesito teria induzido os jurados em erro, e, como consequência, resultado em afastamento da autoria. Na apreciação das razões recursais, os Julgadores explicaram que o Tribunal do Júri tem composição heterogênea: formado por um Juiz togado e por 25 jurados leigos. Compete àquele proferir sentença com a resolução das questões de direito, além de fazer a dosimetria da pena (art. 497 do Código de Processo Penal – CPP); aos sete jurados escolhidos para compor o Conselho de Sentença, por sua vez, cabe responder aos quesitos relacionados com o fato, de acordo com a consciência de cada um (art. 447 do CPP). Lembraram que o julgamento proferido pelos juízes leigos deve ser imparcial e atender aos princípios do sigilo das votações (art. 5º, XXXVIII, b, da CF) e da incomunicabilidade entre si ou com terceiros (art. 466, § 1º, do CPP), diretrizes que devem ser preservadas pelo Juiz presidente. No caso concreto, o Colegiado entendeu que a anulação do julgamento e a dissolução do Conselho de Sentença foram justificadas pelas intervenções da defesa em momento indevido, que, de fato, teria influenciado o ânimo dos jurados e suscitado dúvida relacionada à autoria do delito. Embora a defesa tenha alegado que se dirigiu à presidente em tom de voz baixo, enquanto os jurados recebiam as cédulas de votação, ficou consignado na decisão que os questionamentos foram feitos em plenário, na presença de todos os participantes, os quais tomaram conhecimento das indagações. Para os Julgadores, essa manifestação da defesa em hora imprópria é suficiente para justificar a dissolução do Conselho de Sentença, porquanto representou influência externa no livre convencimento do Júri (arts. 497 e 485, § 2º, do CPP). Assim, concluíram não haver qualquer ilegalidade ou vício na decisão e denegaram a ordem pleiteada.
Acórdão 1610252, 07247448020228070000, Relator: Des. ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 1º/9/2022, publicado no PJe: 5/9/2022.
Direito Tributário
Ausência de lançamento tributário – permanência indefinida em malha fiscal – forma oblíqua de cobrança de tributo
A manutenção de divergência fiscal por tempo indeterminado, sem o correspondente lançamento tributário, restringe ilegalmente o exercício da atividade empresarial e configura meio coercitivo indireto e irregular de cobrança de tributo. O Distrito Federal interpôs apelação contra sentença que determinou a baixa de divergências da malha fiscal de grande empresa do ramo alimentício, apontamentos esses que causaram entraves no regular exercício das atividades comerciais. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que a constituição do crédito tributário por meio do lançamento “trata-se de ato administrativo que formaliza um liame obrigacional pela individualização dos sujeitos ativo e passivo”. Para materializar referido ato, a Secretaria da Fazenda instituiu sistema denominado "Malha Fiscal/DF", cuja função é gerenciar a regularidade fiscal dos contribuintes do ICMS e do ISS no Distrito Federal, mediante cruzamento de informações nas bases de dados da Secretaria de Fazenda (art. 1º da Portaria SEF 132/2012; e art. 6º da Instrução Normativa 13/2016). In casu, esclareceram que o registro de “divergência” nessa plataforma, sem a correspondente constituição do crédito tributário, inviabiliza a defesa da pessoa jurídica em processo administrativo e o exercício da atividade empresarial, porque restringe a possibilidade de obtenção de certidão de regularidade fiscal, de regimes especiais e de eventuais ressarcimentos de valores pagos a maior. O Colegiado acrescentou que tal conduta configura meio coercitivo de cobrança de tributo sem o devido processo legal ao qual o contribuinte tem direito, gera bloqueio de atividades lícitas, além de violar os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da livre iniciativa. Ressaltou, ainda, que o Fisco deve proceder ao lançamento do crédito tributário a fim de iniciar o processo contencioso administrativo quando entende existir valor a ser recolhido, e, naquela sede própria, discutir a exigibilidade, inclusive para dar oportunidade à pessoa jurídica de apresentar suas razões no caso concreto. Nesse cenário, a Turma reconheceu a ilegalidade da manutenção das divergências na malha fiscal e negou provimento à apelação.
Acórdão 1608915, 07078890620218070018, Relator: Des. MARIO-ZAM BELMIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 16/8/2022, publicado no DJe: 5/9/2022.
Informativo
Desembargador Primeiro-Vice-Presidente: Angelo Canducci Passareli
Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Sandoval Gomes de Oliveira - Presidente; Roberto Freitas Filho, Maria Ivatônia Barbosa dos Santos, César Laboissiere Loyola e Héctor Valverde Santanna – membros efetivos e Alvaro Ciarlini - membro suplente
Juíza Auxiliar da Primeira-Vice-Presidência: Marília Garcia Guedes
Secretário de Jurisprudência e Biblioteca: Caio Pompeu Monteiro Barbosa
Subsecretária de Doutrina e Jurisprudência: Thaysa Cristina Silva Goulart
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Cláudia Nascimento Trigo de Loureiro, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Fernanda Oliveira da Costa Tourinho, Mônica Maria Oliveira Fonseca, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Eliane Torres Gonçalves, Letícia Vasco Mota e Risoneis Alvares Barros
Revisão: José Adilson Rodrigues
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR
As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da SUDJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal.
Acesse também:
Desigualdade e Discriminação Racial na visão do TJDFT
Direito Constitucional na visão do TJDFT
Entendimentos Divergentes no TJDFT
Jurisprudência Administrativa Interna
Lei Maria da Penha na visão do TJDFT
Novo Código de Processo Civil e o TJDFT
Perspectiva de Gênero: comunidade LGBTQIA+ no âmbito do TJDFT