Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Informativo de Jurisprudência n. 477

Período: 16 a 31 de março de 2023

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Publicação: 26 de abril de 2023

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Índice 

Direito Administrativo 

  •  Falta de vagas para internação em UTI – responsabilidade civil – ausência de omissão estatal

Direito Civil e Processual Civil 

  •  Locação de imóvel comercial – desconfiguração do layout original – recusa de recebimento das chaves  

Direito Constitucional 

  •  Dissolução incondicionada de vínculo matrimonial – celebração no exterior – direito potestativo   

Direito da Criança e do Adolescente

  • “Síndrome de Burnout do cuidador” – sobrecarga da genitora – mudança em regime de convivência com filho autista 

Direito do Consumidor 

  •  Ninho de baratas em poltrona de ônibus – troca de assento não autorizada pela empresa – dano moral 

Direito Empresarial 

  •  Fraude em guia de atendimento a paciente – prejuízo à sociedade empresária – responsabilidade do sócio

Direito Penal e Processual Penal 

  •  Relação homoafetiva entre mulheres – incidência da Lei Maria da Penha 

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar 

  •  Extravio de inquérito disciplinar militar – inexistência de tipo culposo – atipicidade da conduta  

Direito Previdenciário 

  • Isenção de imposto de renda e contribuição previdenciária – câncer de mama – laudo médico oficial, contemporaneidade e recidiva dispensáveis 

Direito Tributário 

  • Restituição de imposto de renda – possibilidade de penhora 

Direito Administrativo 

Falta de vagas para internação em UTI – responsabilidade civil – ausência de omissão estatal     

O Distrito Federal não responde civilmente por não promover a internação de paciente em leito de UTI da rede pública ou particular de saúde à vista da ausência absoluta de disponibilidade de leitos. Órfã ajuizou ação de indenização por danos morais reflexos contra o Distrito Federal, em razão do falecimento da genitora, enquanto esta aguardava vaga em Unidade de Terapia Intensiva – UTI. O ente distrital afirmou que, à época, a Central de Regulação da Secretaria de Estado de Saúde do DF informou inexistir disponibilidade. Em sentença, o Juízo de origem entendeu que a falha na prestação do serviço de saúde ocasionou o resultado morte da mãe da requerente e gerou o dever de indenizar, razão pela qual fixou o valor dos danos extrapatrimoniais em R$ 25.000,00. Autora e réu interpuseram apelações. Os Julgadores explicaram que a responsabilidade estatal por omissão é subjetiva, de modo que é imprescindível a comprovação da culpa ou do dolo do agente (§ 6º do art. 37 da Constituição Federal). Consequentemente, a inércia do ente público, quando devia e podia agir, dá causa à responsabilização civil por negligência, se presentes o dano e o nexo causal. Os Desembargadores relataram que a paciente veio a óbito poucos dias após solicitação médica de deslocamento para UTI e de decisão judicial para esse fim. Frisaram que o DF fez diversos pedidos de transferência para inúmeras entidades públicas e privadas de saúde, porém, sem êxito, em razão da ausência integral de disponibilidade de vagas. Os Magistrados esclareceram que a morte da enferma ocorreu durante a segunda onda da pandemia da COVID-19, período em que a escassez de leitos de cuidados intensivos era de amplo conhecimento público. Acrescentaram que a falecida era acometida de múltiplas comorbidades, como doença pulmonar obstrutiva crônica, decorrente de tabagismo, e que não havia registro de vacinação contra o coronavírus. O Colegiado ainda consignou que a finada permaneceu todo o tempo assistida em sala vermelha de Unidade de Pronto Atendimento – UPA, local destinado ao acompanhamento de pessoas em estado mais grave. À vista dessas peculiaridades, afastou a responsabilidade estatal por entender ausente a alegada omissão culposa. Assim, a Turma deu provimento ao recurso do Distrito Federal e julgou improcedente o pedido inicial.   

Acórdão 1674433, 07039692420218070018, Relator: Des. ROMULO DE ARAUJO MENDES, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 8/3/2023, publicado no PJe: 21/3/2023. 

Direito Civil e Processual Civil 

Locação de imóvel comercial – desconfiguração do layout original – recusa de recebimento das chaves  

O locador não é obrigado a receber as chaves antes do término do contrato de locação sem que o locatário retorne o imóvel ao estado original, tanto no que concerne às condições de habitabilidade quanto no que concerne à configuração espacial do lugar. Empresa locatária pleiteou a rescisão antecipada do contrato de locação de várias salas comerciais, cumulada com a consignação da devolução das chaves e do valor da multa penal constante do instrumento. Alegou ter sido surpreendida pela recusa do recebimento pela locadora, a qual exigiu retorno das edificações às condições originais. Narrou que o ajuste firmado entre as partes autorizou alteração dos imóveis a fim de permitir o pleno exercício de negócio do ramo farmacêutico. Aduziu ainda que ficou estabelecido na transação que eventuais benfeitorias seriam revertidas em favor do proprietário, ao final. A locadora, por sua vez, argumentou que os espaços deveriam ser devolvidos no estado da vistoria inicial. O Juiz sentenciante julgou os pedidos improcedentes, por entender legítima a recusa da requerida em terminar a relação contratual sem as providências previamente acertadas. Irresignada, a locatária interpôs apelação. Os Desembargadores, ao analisarem as razões recursais, explicaram que é justa a recusa de receber as chaves, se o locatário se nega a devolver o imóvel no estado que o recebeu, ressalvadas as deteriorações normais pelo uso regular da coisa (art. 23, III, da Lei 8.245/1991; e art. 569, IV, do Código Civil). Assim, explicaram que, na hipótese de existirem obras necessárias para retornar à configuração original dos bens alugados, não é possível ao locatário requerer a entrega das chaves em consignação. No caso concreto, salientaram a expressividade das modificações feitas nos imóveis: o autor recebeu várias salas e lojas individualizadas, em condições de uso e habitabilidade, e as transformou em dois espaços únicos e contínuos, sem divisórias ou paredes. Nesse contexto, os Julgadores esclareceram que, embora o recorrente tivesse autorização expressa para realizar benfeitorias nos bens locados, as modificações executadas não constituíram mera obra de adaptação ou de reforma, mas verdadeira construção que transformou completamente a planta original. Ressaltaram que as modificações empreendidas alteraram drasticamente o layout original e provocaram a desconfiguração dos imóveis, tornando-os inabitáveis individualmente. Os Magistrados acrescentaram que o direito potestativo do inquilino de entregar as chaves apenas surge quando findo o contrato de locação e, ainda assim, mediante cumprimento das obrigações locatícias, como a entrega do imóvel no estado original. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso. 

Acórdão 1673576, 07145822320228070001, Relator: Des. ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 7/3/2023, publicado no PJe: 28/3/2023. 

Direito Constitucional 

Dissolução incondicionada de vínculo matrimonial – celebração no exterior – direito potestativo   

A Constituição Federal assegura ao cônjuge brasileiro o direito potestativo de ter dissolvido o vínculo matrimonial formalizado mediante celebração realizada em país estrangeiro, com registro em consulado brasileiro, independentemente de qualquer condição ou prazo para obtenção do efeito constitutivo negativo, especialmente na hipótese de país não signatário de acordo de cooperação internacional. Curadoria especial, na qualidade de representante legal de cidadão bengalês, interpôs apelação contra sentença prolatada por Vara de Família do Distrito Federal, que decretou o divórcio entre o representado e uma brasileira, após casamento celebrado em Bangladesh. Sustentou, em síntese, a incompetência absoluta da Justiça brasileira para julgar o caso, especialmente em razão de possível nulidade em citação realizada por edital, que não teria atingido a finalidade de cientificar o requerido acerca do feito. Defendeu que a ciência deveria ocorrer necessariamente por meio de carta rogatória. Ao apreciarem o mérito recursal, os Desembargadores aduziram que a Constituição Federal assegurou ao nubente brasileiro o direito potestativo à dissolução de vínculo conjugal, dispensada qualquer condição ou prazo, porquanto respeitada a autonomia de vontade do interessado. In casu, esclareceram que o casamento fora celebrado na Embaixada Brasileira em Daca, Bangladesh, contudo, por não se submeter à religião muçulmana, como desejava o esposo, a postulante retornou ao Brasil, onde permanece separada de corpos há mais de dois anos. Nesse contexto, ressaltaram que os desdobramentos jurídicos daquele ato internacional devem produzir efeitos análogos aos previstos pela legislação brasileira, pois o registro da solenidade ocorreu no consulado do Brasil na capital estrangeira, com transcrição em cartório civil do Distrito Federal, conforme o art. 32, § 1º, da Lei 6.015/1973. Noutro giro, os Julgadores asseveraram inexistir acordo de cooperação internacional vinculando o Estado Brasileiro e Bangladesh, tampouco tradutor juramentado na língua “bengali”, que justificasse solução diplomática por meio de carta rogatória, como reivindicado pela curadoria especial. Além do mais, frustradas diversas tentativas de localizar o réu – como envio de cartas pelos Correios, contato em aplicativo de celular, busca em sistemas de cadastro pessoal, dentre outras –, reputaram válida a citação por edital. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso, para confirmar a competência da autoridade brasileira para processar e julgar a demanda, nos termos do art. 21, II e III, do Código de Processo Civil; e do art. 12 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. 

Acórdão 1677403, 07026971620218070011, Relator: Des. ALVARO CIARLINI, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 15/3/2023, publicado no DJe: 30/3/2023.  

Direito da Criança e do Adolescente 

“Síndrome de Burnout do cuidador” – sobrecarga da genitora – mudança em regime de convivência com filho autista   

O regime de convivência que melhor atende os interesses do infante com necessidades especiais é aquele que privilegia e equilibra a divisão de tarefas entre o pai e a mãe da criança, mormente na hipótese em que a genitora exerceu o papel de cuidadora quase exclusivamente e se encontra com a saúde prejudicada, em vista do estado de exaustão a que chegou. Genitor de criança com autismo interpôs apelação contra sentença prolatada em demanda ajuizada pela mãe, na qual ficou estabelecida para o pai a guarda do filho comum em finais de semana alternados, desde a busca na escola às sextas-feiras até a devolução no mesmo local às segundas. O recorrente pleiteou, em resumo, a redução do intervalo de permanência com o menor e a modificação no regime das férias. Ao examinarem as razões apresentadas pelo apelante, os Desembargadores primeiramente destacaram que os interesses dos menores têm primazia sobre a vontade dos pais. Alertaram, nessa toada, que o art. 227 da Constituição Federal assegura à criança, ao adolescente e ao jovem tratamento com absoluta prioridade, e que, de modo semelhante, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA preconiza a proteção integral dessas pessoas em desenvolvimento. Em seguida, os Magistrados observaram que o menor possui diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista – TEA em grau elevado, porquanto comprometida a autonomia e manifestados prejuízos intelectuais. Nesse contexto, aduziram que a genitora possui a guarda unilateral do infante desde 2014 e, de lá para cá, mantém-se absorvida pela rotina quase exclusivamente voltada aos inúmeros cuidados especiais com o filho, que a levaram, inclusive, a um quadro de grave comprometimento da própria saúde: atualmente a mulher foi diagnosticada com depressão e com a “síndrome de Burnout do cuidador” – estado de esgotamento físico e psíquico causado por exaustão. À vista desse cenário, o Colegiado observou a inexistência de provas que evidenciem a impossibilidade de o pai dividir com a apelada os cuidados demandados pela criança, notadamente porque foram fixados dias certos e finais de semana alternados. Concluiu, assim, que o regime de convivência determinado na sentença é o que melhor atende os interesses do menor, em especial porque já demonstrados os danos decorrentes da sobrecarga da mãe nas obrigações assumidas até agora. Negou-se, portanto, provimento ao recurso.    

Acórdão 1670308, 07475580920208070016, Relator: Des. LEONARDO ROSCOE BESSA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 1º/3/2023, publicado no DJe: 16/3/2023.   

Direito do Consumidor 

Ninho de baratas em poltrona de ônibus – troca de assento não autorizada pela empresa – dano moral  

A conduta de empresa de transporte coletivo de passageiros que permite infestação de insetos peçonhentos em ônibus destinado a viagens longas viola a boa-fé objetiva, ao desconsiderar a legítima expectativa do consumidor de usufruir do trajeto em conforto e segurança, razão pela qual deve reparar os danos advindos do desleixo. Consumidora interpôs recurso contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido de reparação de danos materiais e morais em desfavor de empresa de transporte. A recorrente alegou que o valor da condenação por danos morais – quinhentos reais – não serviu de reprimenda para a pessoa jurídica, a qual não garantiu a higiene e o conforto mínimos para viajar. Para tanto, rememorou a situação constrangedora pela qual passou ao observar a presença de um ninho de baratas na poltrona da filha logo após o embarque em ônibus interestadual e a solicitação imediata, mas sem êxito, para troca do assento. Na análise do recurso, os Magistrados consignaram que os documentos juntados aos autos confirmaram a compra de duas passagens para o trecho Brasília–Belo Horizonte, bem como a presença dos bichos numa das cadeiras. Destacaram que a conduta de permitir a infestação de insetos peçonhentos em veículo destinado a viagem de aproximadamente onze horas “viola claramente a boa-fé objetiva, porquanto desconsidera os legítimos interesses e expectativas da consumidora”. O Colegiado confirmou o direito da autora à indenização por danos morais, uma vez que a falha na prestação do serviço obriga o fornecedor a reparar o prejuízo dela decorrente (art. 6º, VI, e art. 14, § 1º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor). Em relação ao quantum, os Julgadores entenderam que o valor fixado na origem se revelou inócuo para o cenário ultrajante e representou descaso com a autora, cuja filha de sete anos também presenciou os fatos e ficou assustada com a situação. Esclareceram que fixar a reprimenda em patamar irrisório é incentivar a recorrida a agir com idêntica desídia e descaso em relação a outros passageiros, que esperam ambiente seguro e salubre ao contratar o serviço de transporte. Com isso, a Turma deu provimento ao recurso para aumentar o valor fixado a título de danos morais para dois mil reais.   

Acórdão 1671456, 07151043220228070007, Relatora Designada: Juíza MARILIA DE AVILA E SILVA SAMPAIO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 6/3/2023, publicado no DJe: 21/3/2023. 

Direito Empresarial 

Fraude em guia de atendimento a paciente – prejuízo à sociedade empresária – responsabilidade do sócio    

O sócio que emite guias de atendimento psicoterápico por meio fraudulento responde pelos prejuízos materiais causados à sociedade empresária. Na origem, clínica de psicologia ajuizou ação de reparação de danos materiais e morais contra uma das sócias, em razão da emissão fraudulenta de guias de atendimentos a clientes não efetivamente realizados. A autora relatou que o embuste consistiu na aposição de assinaturas falsas em diversos relatórios do plano de saúde ao qual eram credenciadas, fato que só se tornou conhecido após o bloqueio de documentos pela operadora, em função do ilícito cometido pela sócia. Em razão disso, aduziu que a empresa teve de restituir os valores recebidos indevidamente. O Juízo a quo julgou o pedido indenizatório improcedente com base na conclusão da perícia grafotécnica pela incompatibilidade entre a assinatura aposta nas fichas e o padrão de grafia da ré. Na análise do recurso interposto pela sociedade, os Desembargadores consignaram que, a despeito da ausência de prova quanto à falsificação das assinaturas, foi comprovado que a apelada encaminhou ao faturamento do setor administrativo da clínica relatórios que não correspondiam aos atendimentos. Destacaram que, de acordo com o manual de normas de conduta da empresa, cada profissional era responsável pelo preenchimento, conferência e envio de guias de seus respectivos pacientes. O Colegiado ressaltou, ainda, que comissão interna instaurada pela sociedade empresária concluiu que a sócia emitiu guias de dezoito sessões não realizadas, ato considerado falta grave, motivo pelo qual foi excluída da sociedade após decisão tomada em assembleia geral extraordinária. Nesse contexto, os Julgadores concluíram que a ré cometeu o ilícito e causou prejuízos materiais indenizáveis à apelante, quais sejam, restituição de valores ao plano de saúde e ressarcimento do montante despendido com a troca de fechaduras do estabelecimento, na forma dos arts. 186, 402, 403 e 927 do Código Civil. Todavia, refutaram a existência de dano moral, porquanto não demonstrada violação à honra objetiva da pessoa jurídica, requisito imprescindível à reparação e que não se confunde com o ilícito decorrente de infração a cumprimento de dever societário. Assim, a Turma deu parcial provimento à apelação para condenar a apelada ao pagamento de indenização pelos danos materiais.  

Acórdão 1673179, 07074876020188070007, Relator: Des. JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 2/3/2023, publicado no DJe: 28/3/2023. 

Direito Penal e Processual Penal  

Relação homoafetiva entre mulheres – incidência da Lei Maria da Penha 

A violência praticada contra mulher por ex-companheira, em contexto de relacionamento homoafetivo, atrai a incidência da Lei Maria da Penha, fixando a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, sobretudo quando há inequívoca relação de supremacia sobre a vítima, em total desrespeito da condição feminina. Na origem, ex-companheira em relação homoafetiva fora condenada às penas de um ano e dois meses de reclusão e um ano e dez dias de detenção, pela prática dos crimes de lesão corporal e ameaça em contexto de violência doméstica contra vítima com quem convivia (art. 129, § 13, e art. 147, caput, ambos do Código Penal, na forma dos arts. 5º e 7º da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha). Inconformada, interpôs apelação, alegando a incompetência absoluta do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, ante a inexistência de intimidação ou subjugação decorrente do sexo feminino, por se tratar de relacionamento entre mulheres. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores asseveraram que, para atrair a incidência da Lei Maria da Penha, além da condição da vítima mulher, se faz necessário que o agressor ou a agressora se prevaleça da relação íntima de afeto ou que a violência resulte do convívio doméstico ou familiar com a ofendida, conforme dicção do caput do art. 5º da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, lembraram os Julgadores que o parágrafo único da citada norma consigna, ainda, que tais relações pessoais independem de orientação sexual, ou seja, a lei deve incidir sobre toda ofensa e violência contra a mulher com base na hierarquia ou na superioridade do ofensor ou da ofensora em face da vítima. Na espécie, os Magistrados destacaram que as agressões havidas na relação homoafetiva caracterizam violência baseada no gênero de uma parte sobre a outra, uma vez que há indicação nos autos de vulnerabilidade da vítima em relação à ex-companheira, consistente nos sentimentos de posse e de ciúmes, os quais motivaram agressões físicas e xingamentos pelo suposto fato de relacionamento da ofendida com outras pessoas, em total desrespeito à condição feminina. Assim, reconhecida a relação de supremacia e de fragilidade entre as ex-companheiras, revelando opressão contra a vítima, a Turma entendeu pela manutenção da competência do Juizado de Violência Doméstica para julgar o feito. Em relação às teses de legítima defesa e da absorção do crime de ameaça pelo de lesão corporal, os Julgadores entenderam que a extensão das lesões sofridas pela vítima impede o reconhecimento de que a ré tenha agido para repelir injusta agressão, pois, no mínimo, teria agido com excesso; além disso, não haveria como aplicar o princípio da consunção, uma vez que a infração penal de ameaça não foi meio necessário para concretização das lesões corporais. Dessa forma, ao reconhecer suficientemente demonstradas a autoria e a materialidade das infrações penais, o Colegiado negou provimento ao recurso.    

Acórdão 1677156, 07115398820218070009, Relator: Des. JANSEN FIALHO DE ALMEIDA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 16/3/2023, publicado no PJe: 27/3/2023. 

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar  

Extravio de inquérito disciplinar militar – inexistência de tipo culposo – atipicidade da conduta  

O acusado não pode ser punido por crime militar de extravio de documento público, na forma culposa, por ausência de previsão legal da modalidade não dolosa da infração, ainda que caracterizada desídia na custódia de processo administrativo disciplinar. O Ministério Público denunciou major da Polícia Militar por ter, dolosamente, extraviado autos de sindicância de que tinha a guarda, uma vez que era o encarregado da apuração. O Conselho Especial de Justiça absolveu o acusado, nos termos do art. 439, “b”, do Código de Processo Penal Militar – CPPM, por entender que ele não praticou o verbo nuclear do tipo, extraviar, previsto no art. 321 do Código Penal Militar – CPM, independentemente de ter agido com desídia ao deixar de entregar os autos tão logo foram localizados. Inconformado, o Parquet recorreu. Ab initio, os Desembargadores consignaram inexistir dúvida de que o procedimento administrativo em questão esteve em local desconhecido por longo período, mais de cinco anos. Todavia, ao analisarem a tese defensiva, verificaram que a versão apresentada pelo apelado se revelou verossímil e em consonância com os depoimentos das testemunhas ouvidas na fase judicial. Segundo a defesa, o réu restituiu os autos ao setor competente quando deixou de ser encarregado pelo inquérito, todavia não tomou recibo da devolução nem teve o cuidado de verificar se a entrega de fato se efetivou. A Turma constatou ainda que o acusado localizou os autos, posteriormente, quando soube da sindicância instaurada contra si, mas não os devolveu à Corregedoria por pensar que deveria aguardar a nomeação de novo sindicante, fato que demorou dois anos para acontecer. Assim, os Magistrados entenderam não haver juízo de certeza quanto ao dolo de extraviar. Afirmaram, entretanto, que o denunciado agiu com negligência: falta de cautela, de atenção e de diligência, enquanto estava responsável pela guarda do procedimento em apuração. Com base no contexto probatório, os Julgadores inferiram não haver certeza de que o incriminado atuou com vontade livre e consciente de extraviar documento público que estava sob sua guarda em razão do cargo, de modo que não ficou comprovado o dolo de realizar a conduta descrita no tipo penal. Consequentemente, como não existe previsão da modalidade culposa para o crime que se imputa ao acusado – visto que a legislação castrense prevê que o agente, salvo previsão legal expressa, somente poderá ser punido se praticar crime doloso (parágrafo único do art. 33 do CPM) –, concluíram pela atipicidade da conduta. Com isso, a Turma manteve a sentença absolutória.  

Acórdão 1672948, 00053932220198070016, Relator: Des. CESAR LOYOLA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 1º/3/2023, publicado no DJe: 17/3/2023.  

Direito Previdenciário 

Isenção de imposto de renda e de contribuição previdenciária – câncer de mama – laudo médico oficial, contemporaneidade e recidiva dispensáveis   

Os portadores de neoplasia maligna ou de outras doenças graves são isentos da incidência de imposto de renda sobre o valor auferido a título de aposentadoria, pensão ou reforma, sem necessidade de submissão a médico oficial para atestar contemporaneidade ou recidiva da doença, quando suficientemente demonstrada a existência da comorbidade, mediante laudo particular hígido. No início, beneficiária de pensão por aposentadoria ingressou com ação declaratória contra o Distrito Federal e o Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal – Iprev, para obter isenção de imposto de renda – IR e de contribuição previdenciária, ao argumento de ter sido diagnosticada com câncer de mama. Pediu, ainda, a restituição de toda a quantia recolhida indevidamente. O Sentenciante julgou os pedidos procedentes, amparado nas Súmulas 598 e 627 do Superior Tribunal de Justiça, que dispensam a demonstração atualizada dos sintomas da doença e o laudo médico oficial, para reconhecimento judicial do direito à dispensa tributária. Inconformados, os réus interpuseram apelação na qual sustentaram que, geralmente, pessoas acometidas por câncer mamário têm alto índice de cura e, após cinco anos de tratamento, podem ser consideradas não mais portadoras da neoplasia maligna. Desse modo, como a autora fora diagnosticada em 1996 e não juntou documentação oficial atualizada reportando o estágio da mazela, não poderia usufruir das vantagens. Com isso, pleitearam o afastamento das súmulas no caso. O apelo foi rejeitado monocraticamente pelo Relator, nos moldes do art. 932, IV, do Código de Processo Civil, por cuidar-se de hipótese contrária à súmula do STJ. Dessa última decisão, sobreveio agravo interno interposto pelos requeridos, por meio do qual reforçaram idênticos argumentos apresentados na apelação. No exame do mérito de toda a matéria, os Desembargadores afirmaram que a Súmula 627 do STJ estabelece que o contribuinte diagnosticado com câncer tem direito à isenção de IR sobre o valor recebido a título de aposentadoria, pensão ou reforma, sem condicionar o benefício a eventual cura da moléstia. Esclareceram que o gozo do direito não depende de perícia médica oficial, lavrada no momento da concessão ou do usufruto da benesse, isto é, contemporânea aos sintomas; tampouco se sujeita à prova de recidiva da enfermidade, pois visa atenuar os encargos financeiros suportados pelo doente, tais como acompanhamento médico periódico perene, medicação, exames e cuidados adicionais com a saúde. Por outro lado, à luz da Súmula 598, os Magistrados ponderaram que o Juízo pode dispensar laudo médico oficial, para efeito de reconhecimento do benefício, desde que suficientemente comprovada a enfermidade por outros meios. No particular, a doença foi demonstrada por diversos exames laboratoriais, tratamento radioterápico, quimioterapia e a própria remoção total da mama (mastectomia) atingida pelo câncer. Com esses elementos, o Colegiado entendeu desnecessário submeter a contribuinte à perícia médica oficial para confirmar a neoplasia maligna, motivo pelo qual negou provimento ao agravo.   

Acórdão 1675190, 7074335620218070018, Relator: Des. JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 8/3/2023, publicado no DJe: 23/3/2023.   

Direito Tributário 

Restituição de imposto de renda – possibilidade de penhora 

É possível a penhora da restituição de imposto de renda de devedor inadimplente, uma vez que tal verba pode não advir propriamente de salário, apenas. O reconhecimento da impenhorabilidade desses valores depende da análise da origem da receita sobre a qual incidiu o imposto, cabendo ao executado o ônus de demonstrar a natureza salarial do crédito a ser recebido pelo Fisco. Na origem, instituição financeira propôs ação de execução de título extrajudicial contra cliente que, embora regularmente citado, não pagara a dívida nem indicara bens para garantir o adimplemento da obrigação. Em consequência, o banco exequente requereu a penhora de valores referentes à restituição do imposto de renda do executado. O Juízo singular, por sua vez, negou a constrição judicial, por considerar impenhorável a restituição a ser realizada pelo Fisco, presumindo a origem salarial do crédito. Irresignada, a instituição financeira interpôs agravo de instrumento. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores explicaram que, de fato, o inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil – CPC estabelece que são impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos e salários, bem como outras verbas destinadas à remuneração do trabalho. Nesse contexto, esclareceram que o fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, além dos proventos de qualquer natureza – assim considerados os acréscimos patrimoniais não compreendidos por aqueles, conforme previsão do art. 43 do Código Tributário Nacional – CTN, ou seja, não apenas a remuneração ou a renda de caráter salarial enseja a exação, mas, também, ganhos de capital, aluguéis, aplicações financeiras e outras verbas que não ostentam natureza impenhorável. Assim, ponderaram que a restituição do imposto, consistente na devolução pelo Fisco de valores pagos a maior, pode não se originar, necessariamente, de verbas salariais protegidas pela cláusula legal de impenhorabilidade. Além disso, os Julgadores mencionaram que há entendimentos no sentido da relativização da regra de impenhorabilidade de valores oriundos de salário, desde que não haja comprometimento do mínimo existencial indispensável para a preservação da dignidade do devedor e de sua família. Nesse descortino, os Magistrados asseveraram que constitui ônus da parte devedora indicar, de forma efetiva, a natureza salarial da importância em dinheiro a ser restituída pelo Estado, uma vez que não apenas a remuneração de caráter de salário constitui fato gerador do imposto. Dessa forma, diante da ausência de certeza quanto à origem dos valores a restituir, a Turma deu provimento ao recurso, para autorizar a constrição judicial sobre eventual quantia a que tenha direito o executado, a título de restituição do mencionado imposto.  

Acórdão 1671510, 07270355320228070000, Relatora: Desª. DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 1º/3/2023, publicado no PJe: 30/3/2023. 

Informativo 

1ª Vice-Presidência 

Desembargador Primeiro-Vice-Presidente: Angelo Canducci Passareli.

Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Sandoval Gomes de Oliveira - Presidente; Roberto Freitas Filho, Maria Ivatônia Barbosa dos Santos, César Laboissiere Loyola e Héctor Valverde Santanna – membros efetivos e Alvaro Ciarlini - membro suplente.

Juíza Auxiliar da Primeira-Vice-Presidência: Marília Garcia Guedes.

Coordenadoria de Doutrina e Jurisprudência : Thaysa Cristina Silva Goulart.

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Fernanda Oliveira da Costa Tourinho, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues. 

Colaboradores: Eliane Torres Gonçalves.

Revisão: José Adilson Rodrigues.

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda. 

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br 

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR.

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da CODJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal. 

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