Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Informativo de Jurisprudência n. 491

Período: 16 a 31 de outubro de 2023

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Publicação: 8 de novembro de 2023

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Índice

Direito Administrativo

  • Abuso sexual de estudante em unidade escolar da rede pública de ensino – responsabilidade subjetiva do Estado por omissão – culpa anônima – dano moral 

Direito Ambiental

  • Suspensão de licença ambiental – transporte e transbordo de resíduos de construção – princípio da precaução

Direito Civil e Processual Civil

  • Acusação de racismo em entrevista – discurso de ódio – inexistência de lesão grave à coletividade  

  • Sala alugada – troca de fechadura motivada por desavença – exercício arbitrário das próprias razões 

Direito Constitucional  

  • SUS — Espera excessiva para a realização de cirurgia eletiva — tutela antecipada  

Direito da Criança e do Adolescente

  • Processo para habilitação de adotantes – inexistência de lar favorável à adoção

Direito do Consumidor

  • Venda de animal de estimação com problemas de saúde – responsabilidade objetiva do vendedor – dever de indenizar  

Direito Empresarial

  • Contrato de factoring – cláusula pro solvendo – nulidade

Direito Penal e Processual Penal   

  • Estelionato sentimental – abuso de confiança em relacionamento amoroso 

Direito Tributário

  • Decreto que declara bem de utilidade pública – ausência de limitação imediata ao direito de propriedade – IPTU 

Direito Administrativo

Abuso sexual de estudante em unidade escolar da rede pública de ensino – responsabilidade subjetiva do Estado por omissão – dano moral 

Abuso sexual ocorrido nas dependências de estabelecimento de ensino público caracteriza falha da escola no dever de vigilância dos estudantes e gera ao Estado a obrigação de indenizar a vítima. O Distrito Federal interpôs apelação contra sentença que o condenou ao pagamento de danos morais a aluna abusada sexualmente em escola da rede pública de ensino. Sustentou a inexistência de nexo de causalidade entre o evento e os danos suportados pela vítima. Na análise do recurso,  os Desembargadores consignaram que, segundo o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros. Esclareceram que o pedido reparatório se baseou em prestação deficitária por conduta omissiva de servidores da unidade escolar, os quais não impediram a prática de violência sexual contra a recorrida, coagida por outros alunos a praticar ato libidinoso com colega de sala durante intervalo entre as aulas, na presença de todos. O Colegiado ressaltou que a hipótese contempla dever subjetivo baseado na culpa anônima (faute du service), a qual requer demonstração de que o evento danoso ocorreu por omissão da Administração. In casu, destacou que houve comprovação dos fatos noticiados pelo depoimento dos envolvidos no Procedimento de Apuração de Ato Infracional – PAAI e na fase judicial. Além disso, entendeu que a escola não adotou cuidados elementares para resguardar a incolumidade física e moral da estudante, a qual ainda teve de lidar com a repercussão do caso e os comentários maldosos posteriores. Sendo assim, os Julgadores concluíram que a falha no encargo de vigilância dos discentes caracteriza defeito na prestação do serviço e o consequente dever de indenizar. Quanto ao valor reparatório, afirmaram que deve ser suficiente para evitar ocorrências desse tipo em estabelecimentos de ensino e mitigar razoavelmente a violência sofrida pela adolescente no ambiente escolar. Nesse cenário, a Turma negou provimento ao recurso para manter a condenação por danos morais no valor de cem mil reais.   

Acórdão 1767404, 07005376020228070018, Relator: Des. MARIO-ZAM BELMIRO, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 11/10/2023, publicado no DJe: 25/10/2023.

Direito Ambiental

Suspensão de licença ambiental – transporte e transbordo de resíduos de construção – princípio da precaução

A constatação de potencial risco à segurança ambiental nas atividades de transporte e de transbordo de resíduos da construção civil é causa suficiente para suspensão de licença ambiental, em razão do interesse público e do dever de precaução. Empresa individual pleiteou em Juízo a declaração de nulidade de atos administrativos cumulada com obrigação de fazer contra o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal – Ibram, após ter suspensa a licença ambiental que a autorizava a atuar em Área de Transporte e Transbordo de Resíduos da Construção Civil – ATTR. Defendeu a ilegalidade da medida, por possuir concessão de uso de dois terrenos, a permissão para atuar (art. 4º da Lei Distrital 5.803/2017) e a licença ambiental simplificada. Sobreveio sentença que julgou os pedidos improcedentes. Interposta apelação, os Desembargadores consignaram que a decisão do Ibram foi amparada em relatório técnico, por meio do qual foi identificado significativo tráfego de caminhões na região, grande volume de material processado e excessivo acúmulo de resíduos, fatores aptos a gerar risco de desmoronamento de material acumulado em área de colônia agrícola próxima ao Riacho Fundo I, onde está situada a recorrente. Esclareceram que o ato administrativo atacado se baseou na confirmação de irregularidades com elevado potencial de risco à segurança ambiental, pois a empresa não cumpriu as obrigações estabelecidas na licença simplificada, quais sejam, pesagem e classificação do material, armazenamento temporário e destinação correta dos rejeitos. Assim, entenderam que havia elementos suficientes para o poder público suspender a licença outrora concedida, como decorrência do poder de polícia da Administração, bem como pela qualidade de “guardião da integridade ambiental” (art. 19 da Resolução Conama  237/1997). O Colegiado ressaltou que, além do descumprimento de condicionantes da permissão, a Defesa Civil identificou outros riscos derivados da atividade, como a falta de controle do tipo de material e das condições de armazenamento, com possibilidade de existência de resíduos tóxicos. Com isso, os Julgadores concluíram não haver ilegalidade no ato que cassou a licença da autora, ante a superveniência do interesse público sobre o particular e do princípio da precaução, por meio do qual o Estado busca atuar preventivamente para mitigar riscos ambientais na exploração da atividade privada, resguardada a garantia do devido processo legal à apelante. Por fim, a Turma negou provimento ao recurso da empresa.   

Acórdão 1772550, 07096272920218070018, Relator: Des. LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 11/10/2023, publicado no PJe: 27/10/2023.  

Direito Civil e Processual Civil                                                       

Acusação de racismo em entrevista – discurso de ódio – inexistência de lesão grave à coletividade 

Falas debochadas e expressões indecorosas sobre personalidade do esporte mundialmente reconhecida, embora altamente reprováveis em ambiente minimamente civilizado, não representam grave lesão a bens ou interesses sociais de caráter transindividual, de forma a alcançar grupo de pessoas ou significar ataque ofensivo à coletividade. O uso de linguagem coloquial não enseja dano moral coletivo, ainda que inadequada. Na origem, associações de defesa dos direitos humanos, da pessoa negra e da família homotransafetiva propuseram ação civil pública contra piloto brasileiro de Fórmula 1, em razão de comentários sobre outro  piloto da categoria, reconhecidamente negro, durante entrevista divulgada na plataforma do Youtube; na ocasião, teria proferido palavras e termos supostamente racistas e homofóbicos. Alegaram os autores que, embora as falas tenham sido direcionadas contra o piloto de origem inglesa, toda a sociedade teria sido afrontada, razão pela qual postularam a condenação do requerido ao pagamento de dez milhões de reais, a título de danos morais coletivos. O Juízo singular, por considerar efetivamente discriminatórias as falas do entrevistado e, diante de provas que demonstram sua capacidade econômica, julgou parcialmente procedentes os pedidos para condená-lo ao pagamento de cinco milhões de reais, a título de danos morais coletivos, a serem destinados a fundos voltados à promoção da igualdade racial e contra discriminação da comunidade LGBTQIA+, nos termos do art. 13, § 2º, da Lei da Ação Civil Pública. Irresignados, o piloto demandado e as associações interpuseram apelações, estas últimas pleiteando a majoração da condenação. Ao analisarem os recursos, os Desembargadores asseveraram que o sistema jurídico brasileiro tem compromisso com o combate ao racismo e veda o discurso de ódio (art. 3º, IV, e 13, § 5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Entretanto, destacaram que a utilização da palavra “neguim” na entrevista, ainda que inadequada, com sutil conotação racista, não apresenta conexão, mesmo indireta, a grupo ou coletividade, de modo a caracterizar ofensa a interesse transindividual de ordem coletiva, sendo insuficiente para denotar apologia ao ódio racial ou incitamento à hostilidade ou à violência. Em relação às supostas ofensas associadas à orientação sexual do piloto inglês, os Magistrados, igualmente, não vislumbraram interesse transindividual nem gravidade suficiente para justificar a invocação de proteção coletiva, uma vez que o episódio, embora caracterizado por deboche, recheado de grosseria e altamente rechaçável em qualquer meio civilizado, não apresenta a gravidade necessária para afetar o conjunto de valores norteadores de interesses sociais, vale dizer, não ostenta repercussão capaz de caracterizar dano moral coletivo. Além disso, consideraram que o ato fora dirigido ao piloto, situação reveladora de provável rivalidade, sem direcionamento à comunidade LGBTQIA+. Com efeito, destacaram, ainda, que, apesar de a sentença ter considerado a vítima como homossexual, não há nos autos prova de que o piloto se reconheça como tal, fato desimportante para definir se a fala alcança a coletividade. Quanto à alegação de que a fala do demandado implicaria ataque à “comunidade gaypor associar a performance na corrida à prática de relação sexual, os Julgadores esclareceram que o escárnio cometido não pressupõe comparação entre homossexuais e heterossexuais, uma vez que também poderia ter por objeto a prática sexual entre homem e mulher, circunstância falha para se entender como discurso de ódio contra homossexuais. Nesse sentido, a Turma ponderou que a lei traça diretrizes para a delimitação do dano moral coletivo, consubstanciado por lesão na esfera moral de uma coletividade, isto é, violação de direitos transindividuais de ordem coletiva, de forma a não envolver apenas dor psíquica, mas abalo negativo à moral da sociedade. Para que o instituto não seja tratado de forma trivial, deve haver conduta maculada de grave lesão, antijurídica e apta a afetar, intoleravelmente, os valores e os interesses coletivos fundamentais, mesmo porque as falas não fazem referência a grupos ou comportamentos, senão ao piloto citado, apenas. Alfim, uma vez não reconhecida conduta de racismo ou de injúria racial e por considerar que a utilização de termos da língua portuguesa, embora eivados de inspiração racista, não carregam gravidade e relevância aptas a caracterizar dano moral coletivo, o Colegiado deu provimento ao recurso do requerido, para afastar a condenação, julgando prejudicado o recurso das associações.   

Acórdão 1767391, 07244797520228070001, Relator: Des. AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 11/10/2023, publicado no DJe: 24/10/2023.  

Sala alugada – troca de fechadura motivada por desavença – exercício arbitrário das próprias razões 

Troca de fechaduras de sala alugada em condomínio, sem aviso prévio ou anuência do inquilino, caracteriza exercício arbitrário das próprias razões, além de extrapolar os aborrecimentos da vida cotidiana, motivos pelos quais geram direito à indenização por danos materiais e morais ao locatário. Na hipótese, ex-síndico de prédio residencial propôs ação de danos morais e materiais contra representante fiscal do condomínio, em razão da conduta de trocar, sem aviso ou anuência, fechadura de pequena sala no pilotis, alugada por ele para guardar objetos pessoais. Sustentou que vinha pagando regularmente o valor da locação, firmada verbalmente com o condomínio. Alegou que precisou chamar um chaveiro para ter acesso ao imóvel alugado, ocasião em que fora tratado de forma imprópria pela requerida, a qual começou a filmá-lo e, ato contínuo, ameaçou chamar a polícia por suposta invasão do condomínio. O Juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar a ré ao pagamento de danos materiais, no valor de 270 reais, e de danos extrapatrimoniais em três mil reais. Irresignada, a requerida interpôs recurso inominado. Ao analisarem as razões recursais, os Julgadores asseveraram que, apesar das alegações quanto à irregularidade na ocupação do imóvel – uma vez que o autor, então na condição de síndico, teria entabulado contrato verbal consigo mesmo –, a ré, de forma desarrazoada e indevida, promovera o arrombamento da fechadura da sala, substituindo-a por outra, situação caracterizadora de exercício arbitrário das próprias razões. Nesse contexto, a Turma reconheceu que a requerida não atuara com ânimo de conselheira do condomínio, função que alega ocupar, mas agira motivada por desavenças com o ex-síndico, constrangendo-o mediante a imposição de sua vontade para a desocupação da sala, em vez de buscar a solução do conflito pelas vias legais. Dessa forma, o Colegiado, por entender demonstrados os pressupostos de responsabilidade civil e violados os direitos da personalidade do autor, negou provimento ao recurso para manter as indenizações, conforme estabelecidas na sentença. 

Acórdão 1767673, 07235878720238070016, Relatora: Juíza RITA DE CÁSSIA DE CERQUEIRA LIMA ROCHA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 6/10/2023, publicado no DJe: 25/10/2023.  

Direito Constitucional    

SUS — Espera excessiva para a realização de cirurgia eletiva — tutela antecipada  

A espera por mais de treze meses para a realização de cirurgia de fechamento de enterostomia, por meio da rede pública de saúde, revela-se excessiva, situação que justifica o deferimento de tutela antecipada, a fim de determinar ao ente estatal providências para o atendimento da necessidade do paciente, o qual sofre com o uso de bolsa de colostomia. Paciente do sistema público de saúde ingressou com ação ordinária contra o Distrito Federal para compeli-lo à realização de procedimento cirúrgico de fechamento de enterostomia. Segundo alegações, o autor depende do uso de bolsa de colostomia por perfuração intestinal, situação que gera risco à sua vida, além de causar severa dor física e desconforto associados à depressão. Diante desse quadro, o requerente pleiteou tutela de urgência para realização da cirurgia no período máximo de trinta dias. O Juízo singular, por considerar que a interferência do Poder Judiciário na atuação Administrativa poderia ensejar transtorno à rede pública de saúde, em razão da sobreposição do procedimento em detrimento de outros de caráter emergencial, indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Irresignado, o enfermo interpôs agravo de instrumento. No exame do recurso, a Turma esclareceu que a saúde é bem jurídico constitucionalmente protegido, cabendo ao poder público garantir a todos o acesso universal e igualitário aos serviços e às ações para sua promoção, proteção e recuperação, conforme estabelece o art. 196 da Constituição Federal. Com efeito, os Magistrados verificaram que a solicitação do agravante fora incluída na Central de Regulação de Cirurgias Eletivas há mais de treze meses, situação contrária ao Enunciado 93 da III Jornada de Direito à Saúde do Conselho Nacional de Justiça, o qual considera excessiva a espera por tempo superior a cem dias para a realização de consultas e exames, e por período maior do que 180 dias para cirurgias e demais tratamentos, nas demandas dos usuários do Sistema Único de Saúde – SUS. Nesse contexto, os Julgadores enfatizaram caber ao Distrito Federal o fornecimento à população de acesso a tratamento de saúde por meio da rede pública e, no caso de impossibilidade, efetivar tal providência pela rede privada, às expensas do ente federado, nos limites previstos na Lei Orgânica do DF (arts. 204, I, II, e 207, XXIV). Alfim, comprovada por laudo médico a necessidade do procedimento cirúrgico, o Colegiado deu provimento ao recurso, deferindo a tutela antecipada para determinar ao ente estatal a realização da cirurgia no prazo máximo de trinta dias.  

Acórdão 1769714, 07014026920238079000, Relator: Juiz MARCO ANTONIO DO AMARAL, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 9/10/2023, publicado no PJe: 20/10/2023. 

Direito da Criança e do Adolescente

Processo para habilitação de adotantes – inexistência de lar favorável à adoção

A demora exagerada no processo para adoção de criança devido a constantes suspensões no feito, o abalo emocional no seio familiar e o parecer técnico desfavorável à pretensão justificam o indeferimento do pedido de habilitação cadastral de pretensos adotantes. Casal ajuizou ação de habilitação de adoção de criança com intuito de ampliar a família. Após manifestação contrária do Ministério Público e da assessoria técnica interdisciplinar, o pedido foi julgado improcedente. Irresignados, os autores interpuseram apelação por meio da qual argumentaram reunir condições para o exercício da parentalidade responsável e saudável, e se comprometeram a retomar o processo de adoção, paralisado algumas vezes em momentos anteriores. No exame da temática recursal, o Colegiado explicou que a questão controvertida se limita à análise da capacidade dos pretensos pais para se habilitarem no cadastro de adoção na Vara da Infância e da Juventude do DF, à luz do art. 227, § 5º, da Constituição Federal. Esclareceram que art. 50 da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) prevê a criação de um cadastro de adotandos e outro de interessados na adoção, em cada comarca ou foro regional, cujo preenchimento submete as partes à avaliação de órgãos técnicos vinculados ao Poder Judiciário, com participação do Ministério Público; tudo para resguardar a garantia do direito à mais adequada convivência familiar (art. 50, § 1º, do ECA). No entendimento da Turma, o estudo elaborado por equipe interprofissional visa fornecer subsídios que permitam avaliar a capacidade e o preparo dos pretensos adotantes em prosseguir com o intento (art. 197-C do ECA). No caso concreto, o primeiro laudo psicossocial atestou que os autores passavam por momento de sobrecarga emocional em decorrência do adoecimento da filha biológica mais nova, fato que gerou a suspensão do processo por seis meses, seguido de novo adiamento processual. Nesse ínterim, os recorrentes demonstraram indefinição quanto ao momento adequado para adoção, dificuldade em designar o perfil da criança, sentimentos contraditórios relacionados à nova composição da família e dificuldade no cumprimento dos prazos e regras comuns a todos da lista. À vista disso, os Magistrados aduziram que os interessados não comprovaram a superação das dificuldades, tampouco refutaram os argumentos técnicos acostados ao laudo. Nesse cenário, observaram que os problemas psicoemocionais, a falta de perspectiva de mudança do quadro e a ausência de ambiente adequado para receber o adotando demonstram que o deferimento do pleito nesse momento não atende o interesse superior da criança (art. 29 do ECA). Acrescentaram inexistirem motivos para nova suspensão da demanda,  que já tramita há mais de quatro anos.  Em complemento, os Julgadores afirmaram que o relatório do estudo psicossocial é confiável e retrata a realidade atual dos recorrentes, além de evidenciar problemas emocionais que impedem o prosseguimento do processo de habilitação para o cadastro de adoção. Alfim, por não vislumbrarem motivos legítimos para adoção ou vantagens reais ao futuro adotando, inclusive para o exercício do estágio de convivência, negaram provimento à apelação.

Acórdão 1766781, 00010127720198070013, Relatora: Des.ª CARMEN BITTENCOURT, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 3/10/2023, publicado no PJe: 23/10/2023.

Direito do Consumidor 

Venda de animal de estimação com problemas de saúde – responsabilidade objetiva do vendedor – dever de indenizar  

O vendedor de cães de estimação, o qual desenvolve com habitualidade tal atividade comercial, qualifica-se como fornecedor de produtos e serviços e, por isso, responde objetivamente por eventuais problemas de saúde congênitos e hereditários apresentados pelo animal, devendo indenizar o consumidor pelos gastos com o tratamento veterinário. Na origem, particular propôs ação de danos materiais e morais contra vendedora de animais de estimação, em razão da venda de filhote de cachorro da raça maltês, o qual seria portador de doença genética e congênita. A autora teria adquirido o cãozinho pelo valor de 3.500 reais e, após alguns meses de vida, o animal fora diagnosticado com doença hereditária, degenerativa e incurável, caracterizada por luxação patelar não traumática, situação que ensejou inúmeras despesas com consultas, exames, medicamentos e cirurgias. Diante da comprovação das despesas com serviços veterinários, o Juízo singular reconheceu o prejuízo financeiro e condenou a requerida ao pagamento de mais de nove mil reais a título de danos materiais, negando provimento, entretanto, ao pleito indenizatório por danos extrapatrimoniais. Inconformada, a vendedora apresentou apelação. No exame do recurso, os Desembargadores verificaram que, mesmo informalmente, a apelante realiza com habitualidade a venda de animais, contando, inclusive, com rede social específica para promover o negócio, fato que caracteriza relação de consumo (arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor – CDC). Nesse contexto, ponderaram que a responsabilidade civil dos fornecedores de produtos e serviços é objetiva, fundada no risco da atividade desenvolvida, de modo que a demonstração do liame de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso mostra-se suficiente para comprovação do prejuízo, sendo desnecessário perquirir a existência de culpa (art. 14 do CDC). Com efeito, os Magistrados asseveraram que o aludido contrato de compra e venda do filhote contém cláusula garantindo a procedência de pais saudáveis, livres de patologias e alterações genéticas. Em relação ao argumento de negligência nos cuidados do cão e de que a doença apresentada seria de natureza multifatorial, inerente àquela raça, a Turma verificou a inércia da requerida ante a possibilidade de realizar prova pericial – não tendo se desincumbido, como fornecedora, do ônus de comprovar a ausência de problemas congênitos ou genéticos no bem móvel semovente. Dessa forma, ao considerar os gastos realizados para os tratamentos do cão e o diagnóstico formulado pelo hospital veterinário, o Colegiado negou provimento ao recurso, para manter a condenação.     

Acórdão 1767248, 07200183720218070020, Relator: Des. FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 4/10/2023, publicado no DJe: 23/10/2023.

Direito Empresarial

Contrato de factoring – cláusula pro solvendo – nulidade

As cláusulas inscritas em contrato de fomento mercantil que estabelecem a responsabilização da faturizada pelo não pagamento dos créditos cedidos, chamadas pro solvendo, são consideradas nulas, pois o risco da atividade deve ser integral e exclusivamente assumido pela faturizadora. Na origem, empresa cessionária de operação de factoring ajuizou ação monitória contra avalistas e endossantes, em litisconsórcio com a faturizada e o emitente da cártula, para obrigá-los ao pagamento do valor relativo a cheque prescrito e não adimplido pelo devedor original. Sustentou que a faturizada – empresa que endossou o título à autora – garantiu o pagamento do crédito, em caso de insolvência do emitente, mediante expressa disposição contratual. O Juízo a quo reconheceu a ilegitimidade dos requeridos para responderem pela dívida, ao fundamento de que a prescrição dos cheques afastaria a garantia prestada. Inconformada, a credora interpôs recurso por meio do qual sustentou que a legitimidade dos réus adviria do contrato e não da cártula vencida.  Ao apreciarem o recurso, os Desembargadores afirmaram que o contrato de fomento mercantil ou de factoring consiste na aquisição de créditos, com deságio, por empresa denominada faturizadora, que assume o risco em caso de inadimplemento. Desse modo, os Magistrados enfatizaram que não é possível transferir os ônus da operação de compra de créditos à faturizada/cedente, sob pena de desconfigurar a própria natureza da operação de fomento mercantil. Nesse contexto, destacaram entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do REsp 1.711.412/MG, concluiu serem nulas as cláusulas pro solvendo, nos contratos de factoring  porquanto o risco desse tipo de atividade deve ser integral e exclusivamente assumido pela faturizadora. Com esses fundamentos, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1770624, 07022794920198070011, Relator: Des. GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 11/10/2023, publicado no DJe: 25/10/2023.  

Direito Penal e Processual Penal

Estelionato sentimental – abuso de confiança em relacionamento amoroso   

A prática delitiva conhecida como “estelionato afetivo ou sentimental” ocorre quando o criminoso, mediante artifício ou ardil, utiliza-se da relação amorosa para induzir, incentivar ou manter a parceira em erro, a fim de receber benefício em proveito próprio. Na origem, o Ministério Público ofereceu denúncia contra homem acusado de obter, para si, vantagem econômica ilícita, em prejuízo alheio, mediante abuso de confiança em relacionamento amoroso, condutas tipificadas como crimes de ameaça e estelionato, previstas nos art. 147 e art. 171, ambos do Código Penal – CP. Sustentou que o denunciado convenceu a então namorada a entregar-lhe determinada quantia em dinheiro, a pretexto de investir em bitcoins, cuja lucratividade ampliaria os ganhos dela, contudo, nada repassou à mulher. Como a vítima, desconfiada, se negou a repassar novos valores, o estelionatário ainda a ameaçou. O Sentenciante julgou os pedidos do Parquet parcialmente procedentes, pois absolveu o réu quanto ao delito da ameaça, por entender ausentes as provas para a condenação. A defesa interpôs apelação, por meio da qual argumentou inexistir dolo específico de induzir a vítima em erro para obtenção da vantagem ilícita, uma vez que o dinheiro fora entregue por ela ao denunciado de maneira espontânea, atraída pelo elevado retorno prometido. Ao examinarem o recurso, os Desembargadores afirmaram ter ficado clara a intenção do apelante de ludibriar a mulher, por meio do que se convencionou chamar de “estelionato afetivo ou sentimental”, notadamente em vista do contexto de pressão psicológica extraído das mensagens de celular, nas quais o acusado pede as quantias, sob o prenúncio de terminar com o relacionamento. De igual modo, destacaram trechos de áudios nos quais o rapaz induziu a moça a transferir cada vez mais dinheiro, sob a justificativa de que o custo da aplicação estaria extremamente vantajoso.  Nesse giro, ponderaram que o dolo de obtenção da vantagem ilícita também ficou evidente pela artimanha do réu em passar a ideia de ser “um namorado carinhoso e de confiança", que entendia de investimentos financeiros, sempre atento para sua namorada não sofrer qualquer perda. Com efeito, os Magistrados asseveraram que o estelionato caracteriza modalidade de crime patrimonial praticado mediante fraude, no qual o agente obtém lucro ilícito por meio de ardil que leva à vítima a entregar seus pertences, inconscientemente. Ademais, consignaram que a obtenção da vantagem econômica indevida ocorreu durante o relacionamento afetivo, motivo pelo qual mantiveram a condenação do acusado pela prática de conduta análoga ao estelionato em contexto de violência doméstica, nos termos do art. 171 do CP, combinado com os arts. 5º e  7º da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Alfim, a Turma ainda confirmou a condenação do apelante ao ressarcimento dos prejuízos suportados pela mulher e, com isso, negou provimento ao recurso. 

Acórdão 1770924, 07031309220228070008, Relator: Des. JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 11/10/2023, publicado no PJe: 23/10/2023.  

Direito Tributário

Decreto que declara bem de utilidade pública – ausência de limitação imediata ao direito de propriedade – IPTU 

A simples edição de norma que declara bem de utilidade pública não implica a imediata restrição ao direito de propriedade, pois permanecem intactos os direitos de usar, gozar e dispor do imóvel. Assim, somente devem ser restituídos os valores recolhidos a título de IPTU referentes aos exercícios em que o poder público deteve a posse direta e imediata sobre o terreno. Na origem, proprietária de imóvel pediu a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária com o Fisco, a fim de se abster do recolhimento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, em razão da edição de decreto que declarou o bem como de utilidade pública para fins de desapropriação, além de pleitear a consequente restituição do indébito. A pretensão foi julgada procedente em primeira instância, motivo pelo qual o Distrito Federal interpôs apelação. Em síntese, sustentou a legalidade da cobrança, pois a autora teria o domínio do terreno desde 2012, circunstância que seria suficiente para a incidência do imposto. No exame da temática recursal, os Desembargadores esclareceram, ab initio, que o fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel, nos termos do art. 32 do Código Tributário Nacional – CTN. Em seguida, observaram que, em setembro de 2017, o governo do DF publicou o Decreto Distrital 38.396/2017, o qual declarou a utilidade pública da área  para efeito de desapropriação. Não obstante, esclareceram que a simples edição da norma não implica imediata e automática restrição do direito de propriedade, porquanto o dono do terreno não fica impedido dos direitos de usar, gozar e dispor do bem até ulterior imissão da posse pela Administração. Além disso, embora tenha afirmado nos autos que o GDF teria suspendido seu alvará de construção por causa da decisão desapropriatória, a requerente não juntou documentos aptos a comprovar os reais motivos para referida revogação. À vista de tais elementos, o Colegiado assentou que a demandante esteve efetivamente privada dos poderes inerentes à propriedade apenas no intervalo compreendido entre março de 2018 e agosto de 2020, lapso temporal em que o poder público estava na posse direta do imóvel (art. 34 do CTN). Ainda assim, como o fato gerador do tributo só ocorre em 1º de janeiro de cada ano, entendeu caber restituição relativa apenas aos dois últimos anos. Desse modo e em conclusão, a Turma deu parcial provimento ao recurso para determinar a devolução do indébito tributário recolhido nos exercícios de 2019 e 2020.  

Acórdão 1767361, 07195617420228070018, Relatora: Des.ª SANDRA REVES, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 4/10/2023, publicado no DJe: 25/10/2023. 

Informativo 

1ª Vice-Presidência 

Desembargador Primeiro-Vice-Presidente: Angelo Canducci Passareli

Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Sandoval Gomes de Oliveira - Presidente; Álvaro Ciarlini, Héctor Valverde Santanna, Maria Ivatônia Barbosa dos Santos e Roberto Freitas Filho – membros efetivos e José Firmo Reis Soub - membro suplente

Juíza Auxiliar da Primeira-Vice-Presidência: Marília Garcia Guedes

Coordenadoria de Doutrina e Jurisprudência : Thaysa Cristina Silva Goulart

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Maria Celina Fernandes De Souza e Paulo Gustavo Barbosa Caldas (Coordenador de Doutrina e Jurisprudência - Substituto)

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail:jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br 

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR.

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da CODJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal. 

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