Informativo de Jurisprudência n. 499

Período: 16 a 31 de março de 2024

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Publicação: 10 de abril de 2024

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Índice

Direito Administrativo

  • Abordagem policial violenta – traumatismo craniano – dano moral 

  • Responsabilidade civil do Estado – apodrecimento de cadáver – danos morais por falha em prestação de serviço público

Direito Civil e Processual Civil

  • Prisão civil em execução de alimentos – doença grave – conversão de regime fechado para domiciliar – tratamento humanizado

Direito Constitucional

  • Vídeo de react com críticas jocosas e irônicas a imóvel anunciado para venda – liberdade de expressão

Direito da Criança e do Adolescente

  • Adoção de enteado — prevalência do melhor interesse da criança  

Direito do Consumidor

  • Implante mamário – rompimento de prótese e necessidade de novo procedimento cirúrgico – dano moral

Direito Empresarial

  • Rescisão de contrato de aluguel de imóvel comercial — indenização pelo fundo de comércio  

Direito Penal e Processual Penal

  • Estupro de vulnerável – registro não autorizado de intimidade – vítima incapaz de oferecer resistência

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar

  • Declaração de indignidade para oficialato – disparo de arma de fogo em blitz – absolvição pelo Tribunal do Júri

Direito Tributário

  • Distrato de compra e venda de imóvel – IPTU – responsabilidade do novo possuidor

Direito Administrativo

Abordagem policial violenta – traumatismo craniano – dano moral 

O emprego de violência em abordagem policial que resulte em lesões na cabeça da vítima caracteriza excesso que enseja responsabilidade civil do Estado e indenização por danos morais. Homem que sofreu lesões em decorrência de abordagem policial ajuizou ação contra o Distrito Federal a fim de pleitear indenização por danos morais e materiais. Narrou que estava num bar, quando foi abordado por militares de forma truculenta, motivo pelo qual caiu bruscamente no chão, o que resultou em ferimento na cabeça. Acrescentou que fora socorrido pelo Corpo de Bombeiros e levado ao hospital com suspeita de traumatismo craniano; lá foi operado e mantido em coma induzido. O Juízo de origem, ao analisar os pedidos apresentados, julgou-os parcialmente procedentes para condenar o DF ao pagamento de danos extrapatrimoniais, no valor de vinte mil reais. Interposta apelação pelo ente federado, os Desembargadores explicaram que a responsabilidade civil do Estado por atos comissivos é disciplinada pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal, de forma objetiva, segundo a qual basta a demonstração do ato, do resultado danoso e do nexo causal entre os dois. Assim, de acordo com os Magistrados, não se faz necessária a prova da vontade do agente que praticou o ato ilícito. Na hipótese, aduziram que os depoimentos das testemunhas ratificaram as alegações do autor, confirmando a abordagem violenta contra os frequentadores do bar, com uso de spray de pimenta e de golpes que culminaram na queda da vítima. O Colegiado consignou ainda que, no dia e no horário dos fatos narrados, ocorrera operação denominada “Cidade Segura” na mesma localidade, com o intuito de fiscalizar bares que não observavam o horário de fechamento. Apesar de o policial agressor não ter sido identificado, os Julgadores esclareceram que os fatos caracterizam excesso na diligência, o que afasta as excludentes de responsabilidade pelo estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito. Destacaram que a vítima ficou internada por vários dias, com traumatismo crânio encefálico grave e, posteriormente, desenvolveu pneumonia hospitalar; no exame do corpo de delito, foram registradas lesão com perigo de vida e incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias. Além disso, consignaram que a cirurgia deixara cicatrizes irregulares no crânio do apelado. Nesse contexto, os Julgadores entenderam presentes os pressupostos da responsabilidade civil e do dever de reparação de danos ao autor. Por fim, concluíram que a agressão desmotivada e inesperada em momento de lazer do lesionado causara sofrimento excessivo, grave risco de saúde e de vida, além de sequelas permanentes, motivo pelo qual negaram provimento ao recurso.

Acórdão 1824199, 07369801620228070016, Relatora: Des.ª VERA ANDRIGHI, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 28/2/2024, publicado no DJe: 22/3/2024.

Responsabilidade civil do Estado – apodrecimento de cadáver – danos morais por falha em prestação de serviço público

A ausência de acondicionamento adequado de defunto em hospital público, a ponto de ocasionar decomposição do corpo, impedir exame de necropsia e velório tradicional, caracteriza grave falha na prestação de serviço público, apta a justificar indenização por danos morais aos familiares do morto. Esposa e filhos de um homem falecido em decorrência de COVID-19 no Hospital do Paranoá, durante período crítico da pandemia, ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o Distrito Federal, em razão de terem recebido o corpo do ente querido somente três dias após o óbito, em avançado estado de decomposição. O pedido foi julgado procedente, em sentença que condenou a Fazenda Pública ao pagamento de indenização no valor de duzentos mil reais, sendo vinte mil para cada autor. Ao analisar o recurso e a remessa necessária, o Colegiado explicou que o Estado responde de forma objetiva pelos atos de seus agentes que causem danos a terceiros, segundo a teoria do risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Dessa forma, dispensada a avaliação do elemento volitivo na responsabilidade civil por ato comissivo, devem ser comprovados o ato ilícito praticado, o dano ao administrado e o nexo causal entre os dois, de forma que a ausência de qualquer dos requisitos afasta a obrigação de indenizar. Quanto aos prejuízos ocasionados por atos omissivos, aduziram a necessidade de demonstração do nexo normativo impositivo do dever legal de agir para as pessoas jurídicas de direito público ou para seus delegatários. Nesse último caso, somente será caracterizada a culpa do poder público quando provados a efetiva ocorrência de dano e o descumprimento do dever legal de impedir o prejuízo. Nesse contexto, os Julgadores esclareceram que o familiar foi levado ao hospital com febre, tosse e dor de cabeça, vindo a falecer menos de meia hora após ser admitido no nosocômio. Ocorre que o corpo não foi acondicionado adequadamente em câmara de refrigeração e somente foi liberado após três dias, em estado de putrefação, fato impeditivo da realização de necropsia – para averiguar a causa mortis – e do velório. As más condições do cadáver foram decisivas, inclusive, para que o enterro acontecesse com urna lacrada, dada a inviabilidade da despedida com caixão aberto. Assim, embora o recorrente tenha alegado que a ausência de resfriamento do defunto ocorreu devido a protocolo da Secretaria de Saúde do DF, que exigia teste prévio negativo de COVID-19, o exame demorou dois dias para ficar pronto. Desse modo, no entendimento dos Magistrados, a omissão e a negligência estatal ficaram caracterizadas pela falta de adoção dos cuidados necessários para a conservação do cadáver, fato que contribuiu para acelerar o processo de decomposição. Assim, confirmaram que houve falha no dever jurídico de agir para evitar o pior resultado, naquelas circunstâncias. Por fim, concluíram que o abalo moral dos familiares foi suficiente para justificar a manutenção da indenização fixada na sentença e, com isso, negaram provimento ao recurso e à remessa necessária.

Acórdão 1828785, 07165243920228070018, Relatora: Des.ª DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 6/3/2024, publicado no DJe: 20/3/2024. 

Direito Civil e Processual Civil

Prisão civil em execução de alimentos – doença grave – conversão de regime fechado para domiciliar – tratamento humanizado

A conversão do regime fechado para o domiciliar ao executado por débitos advindos de prestação alimentícia não paga é possível apenas em caráter excepcional, mediante apresentação de justificativa sólida, a exemplo de devedor que padece de doença grave e o sistema penitenciário não oferece tratamento adequado. Na origem, o Juízo de Família decretou a prisão civil de executado por dívida de alimentos. Insatisfeito com a medida, o devedor da pensão alimentícia impetrou habeas corpus, com pedido de liminar, ao argumento de ser pessoa acometida por doença psicológica grave e encontrar-se em contínuo tratamento médico. A liminar foi deferida. Ao julgarem o mérito, os Desembargadores ressaltaram que o remédio constitucional não se presta para discutir revisão ou revogação dos alimentos, mas, estritamente, à análise da ilegalidade da prisão. Explicaram que o encarceramento civil em razão de débito alimentar é medida extrema, adotada quando preenchidos os requisitos do art. 528 do Código de Processo Civil, como meio coercitivo extremo para forçar o devedor a cumprir a obrigação. Assim, segundo os Magistrados, em regra, o cumprimento da prisão é em regime fechado, mas, excepcionalmente, é admitida a conversão para o regime domiciliar, nos casos de doenças graves, sem que o presídio possa fornecer o acompanhamento apropriado às necessidades do devedor. No particular, verificaram que o paciente comprovou depender da genitora para levar a medicação anticonvulsivante ao presídio onde está recluso, em vista de diagnóstico, ainda não definitivo, de ansiedade generalizada ou de transtorno afetivo bipolar. Com isso, entenderam ser razoável a conversão do regime fechado para o domiciliar, como forma de humanizar a prestação jurisdicional e garantir ao executado a possibilidade de encontrar outros meios capazes de adimplir o débito, sem agravar a doença. Com esses fundamentos, a Turma concedeu a ordem.

Acórdão 1826430, 07025554020248070000, Relator: Des. CARLOS PIRES SOARES NETO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 28/2/2024, publicado no PJe: 16/3/2024.

Direito Constitucional 

Vídeo de react com críticas jocosas e irônicas a imóvel anunciado para venda – liberdade de expressão

Críticas, ainda que jocosas e satíricas, acerca de arquitetura, decoração e objetos de imóvel exposto à venda por meio de vídeo comercial, não caracterizam, por si, abuso do direito à liberdade de expressão, tampouco violação à imagem e à honra do proprietário e, por isso, não ensejam indenização por dano moral. Proprietário de mansão ajuizou ação de indenização por danos morais contra arquiteta que, por meio de seu canal no Youtube, realizara vídeo de react sobre o mencionado imóvel, anunciado para venda por corretores em outro canal de divulgação de casas de alto padrão. Durante a publicação, requerida teria feito comentários ácidos e desabonadores sobre o bem do autor. Na análise do Juízo de origem, as falas impugnadas não violaram direitos personalíssimos do demandante, motivo pelo qual entendeu não haver ilícito passível de responsabilização civil. Interposta apelação pelo dono do imóvel de luxo, os Magistrados, inicialmente, destacaram que a liberdade de imprensa e o direito à informação não são absolutos, devendo coexistir de forma harmônica com os direitos à intimidade, à honra e à vida privada. No caso, não vislumbraram abuso das opiniões da requerida, uma vez que os comentários se referiram, apenas, à arquitetura e decoração do bem, à descrição de objetos, além de destacar o acerto ou o erro das aquisições que guarneciam a casa. Com efeito, explicaram que, a despeito do tom jocoso e irônico das críticas, ainda que exasperadas e deselegantes, teriam se limitado a externar a opinião da profissional, sem animus de ofensa à pessoa ou imagem do proprietário, o qual sequer fora identificado na publicação. Além disso, no entender dos Julgadores, a exposição pública do imóvel autorizada pelo requerente – por meio de vídeo feito por corretores para anunciar o bem – permite o exercício de crítica por qualquer pessoa, pois exigir autorização para tecer comentários sobre a casa caracterizaria censura prévia. Nesse contexto, a Turma concluiu que a atuação da arquiteta não malferiu os limites do seu direito constitucionalmente assegurado à livre expressão em atividade de comunicação (art. 220 da Constituição Federal), razão pela qual negou provimento ao recurso.

Acórdão 1828581, 07340538820238070001, Relator: Des. FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 6/3/2024, publicado no DJe: 22/3/2024.

Direito da Criança e do Adolescente

Adoção de enteado — prevalência do melhor interesse da criança

É possível a concessão da adoção de enteado ao padrasto quando demonstrada sua atuação parental responsável e zelosa em relação aos cuidados do menor, uma vez evidenciada a existência de fortes laços de afeição, devendo prevalecer o melhor interesse da criança. Justifica-se, portanto, a destituição do poder familiar inerente ao pai biológico, sobretudo diante de postura negligente quanto às obrigações de zelo e proteção do filho, situação caracterizadora de abandono material e afetivo. Na origem, um padrasto ingressou com ação de adoção do enteado e destituição de poder familiar combinada com pedido de guarda provisória contra o pai biológico da criança, contando com a anuência da mãe. Sustentou que vive em união estável com a genitora do menor e que o infante o reconhece como verdadeiro pai desde os sessenta dias de nascido, tendo desenvolvido uma convivência saudável, inclusive com os demais filhos biológicos do autor. O Juízo singular, ao verificar a relação afetiva consolidada entre o requerente e a criança, além da falta de cuidados do pai biológico para com o filho, julgou procedentes os pedidos, para conceder a adoção e extinguir o poder familiar do genitor. Irresignado, o pai requerido interpôs apelação. No exame do recurso, os Desembargadores asseveraram que, entre os vários mecanismos de determinação filiatória, a adoção é aquela que transcende a vinculação biológica por se basear no afeto e na dignidade, podendo ser deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos, conforme previsão do art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Nessa linha, destacaram que a família deixou de ser entidade voltada para os objetivos religiosos, econômicos, políticos e culturais para transformar-se em lugar da comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus integrantes. Com efeito, os Magistrados vislumbraram que o padrasto apresenta condições afetivas, motivacionais, psicológicas e socioeconômicas para a pretendida adoção, revelando disponibilidade emocional para continuar a investir nos laços de parentalidade adotiva em relação ao enteado. Por outro lado, os Julgadores consideraram insuficiente a alegação de que o pai biológico estava preso desde o nascimento da criança, pois o encarceramento não o impedia de demonstrar efetivo interesse pelo filho, notadamente diante da inércia em relação à possibilidade de contato com a criança por meio de visitas periódicas, nos termos do art. 19, § 4º, do ECA. Nesse contexto, a Turma verificou a ocorrência de abandono material e afetivo levado a efeito pelo recorrente, situação característica de negligência do exercício do poder familiar. Assim, em homenagem ao princípio do melhor interesse da criança, uma vez evidenciadas vantagens na concessão da adoção do menor ante a função parental desenvolvida com responsabilidade pelo recorrido/companheiro, além da concordância da genitora, o Colegiado negou provimento ao recurso, para manter íntegra a sentença que concedera a adoção.

Acórdão 1830282, 07149536020228070009, Relator: Des. ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 12/3/2024, publicado no PJe: 20/3/2024.

Direito do Consumidor     

Implante mamário rompimento de prótese e necessidade de novo procedimento cirúrgico dano moral

O fornecedor responde objetivamente por rotura capsular de prótese mamária, diante dos perigos à saúde da consumidora. A necessidade de novo procedimento cirúrgico para substituição de implante de silicone defeituoso viola a integridade física e psicológica da paciente, gerando o dever de indenizar.Na origem, consumidora ajuizou ação em desfavor de empresa fornecedora de prótese mamária, objetivando indenização por danos materiais, morais e estéticos, em razão da necessidade de submissão a novo procedimento cirúrgico para substituição de peça danificada por rotura capsular, sugestiva de extravasamento de silicone, implantada na paciente há menos de três anos. O Juízo Singular julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou a ré a restituir o valor despendido com a cirurgia, como compensação por danos materiais, e ao pagamento de R$ 15 mil a título de danos morais. Na análise da apelação interposta pela requerida, os Desembargadores ressaltaram que o fornecedor responde objetivamente pelo fato do produto, salvo prova de não tê-lo colocado no mercado, inexistência do alegado defeito ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 12, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor).Além disso, consignaram não ser viável sustentar rompimento de prótese mamária como risco inerente ao produto, porquanto tal ocorrência teria o potencial de gerar graves danos à saúde do consumidor, ferindo direitos básicos assegurados pelo CDC (arts. 6º, I, e ). Na hipótese, afirmaram que a necessidade deprocedimento cirúrgico para substituir a prótese decorre diretamente do defeito apresentado pelo produto, fato que violou a integridade física e psicológica, tranquilidade e sossego da paciente, resultando em danos morais. Nesse contexto, caracterizado o dano extrapatrimonial, reputaram adequado o valor da condenação imposta em primeira instância, pois observados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.

Acórdão 1830389, 07164204620198070020, Relator: Des. JOSE FIRMO REIS SOUB, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 12/3/2024, publicado no DJe: 22/3/2024.

Direito Empresarial

Rescisão de contrato de aluguel de imóvel comercial — indenização pelo fundo de comércio  

O contrato de locação de imóvel comercial pode ser rescindido a qualquer momento desde que, vigorando por prazo indeterminado, o locador denuncie por escrito sua intenção de retomada do bem ao inquilino, conferindo-lhe o período de trinta dias para desocupação. Nesses casos, não há de se falar em indenização pelo fundo de comércio, em razão da não conformação das hipóteses de renovação compulsória do contrato, a qual, por sua vez, apenas seria possível nos casos de vigência de contrato por prazo determinado. Pessoa jurídica ingressou com ação de despejo compulsório, com pedido liminar, contra posto de combustível que funcionava em seu imóvel, alegando o direito de rescindir o contrato de locação prorrogado por tempo indeterminado. Sustentou a autora que, embora tenha realizado a devida notificação premonitória para a desocupação de sua propriedade no prazo de trinta dias, a demandada permaneceu inerte. Em reconvenção, a então inquilina requereu a indenização pelo fundo de comércio formado no local por mais de vinte anos, no valor de dois milhões e meio de reais. O Juízo singular, ao reconhecer o direito conferido ao locador de denunciar o contrato por prazo indeterminado, confirmou a liminar de despejo compulsório e declarou rescindido o contrato de locação entre as partes, julgando improcedente a demanda secundária (pretensão do reconvinte). Inconformada, a empresa de combustíveis interpôs apelação. No exame do recurso, os Desembargadores explicaram que a denúncia vazia é a faculdade de o locador rescindir o contrato de locação com vigência por prazo indeterminado, sem a necessidade de expor as razões ensejadoras da retomada do imóvel, conforme previsto no art. 57 da Lei 8.245/1991, em relação a imóveis comerciais. Nesse contexto, segundo os Magistrados, estando vigente a locação por prazo indefinido, é facultada ao locador a rescisão do contrato por meio de denúncia por escrito da intenção, conferindo ao locatário o prazo de trinta dias para desocupação voluntária, nos termos do art. 56, parágrafo único, da mencionada lei. Com efeito, verificaram os Julgadores que constitui direito do autor a solicitação do imóvel, pois, de fato, o contrato vigorava por prazo indeterminado e fora realizada a alusiva notificação para desocupação no prazo legal (trinta dias). Em relação ao argumento da locatária de exercer no local atividades de comércio de combustíveis há mais de vinte anos, fato que teria gerado a expectativa de permanência no imóvel, a Turma asseverou ser insuficiente para justificar a indenização pretendida pelo fundo de comércio, pois não houve a revelação de abusividade na conduta do locador, ante a própria previsão na Lei de Locações a respeito da possibilidade de retomada do imóvel, nos casos de vigência do aluguel por prazo indeterminado. Com efeito, segundo os Magistrados, a demanda não envolve a renovação compulsória da locação, a qual só poderia ser exigida sob a vigência de contrato por prazo determinado, inferindo-se que a pretendida recomposição de perdas e danos pelo fundo de comércio apenas se revelaria legítima se o locatário tivesse que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do ponto comercial, caso a renovação do contrato não ocorresse por causa de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador não desse o destino alegado ao imóvel ou, ainda, não iniciasse as obras que pretendesse realizar ou eventualmente determinadas pelo poder público, no prazo de três meses da entrega do imóvel, segundo preceitos dos arts. 51 e 52, § 3º, da Lei 8.245/1991. Assim, diante da inexistência da prática de ato ilícito por parte do locador, mas de exercício regular de direito em relação a contrato de locação por prazo indeterminado, o Colegiado negou provimento ao recurso, para manter hígida a sentença de despejo.    

Acórdão 1824778, 07220426120228070001, Relator: Des. JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 28/2/2024, publicado no DJe: 20/3/2024.

Direito Penal e Processual Penal

Estupro de vulnerável registro não autorizado de intimidade – vítima incapaz de oferecer resistência

Incorre nos crimes de estupro de vulnerável e registro não autorizado de intimidade sexual a pessoa que, aproveitando-se do estado de embriaguez e entorpecimento da vítima, amiga da família, pratica conjunção carnal e atos libidinosos, filmando todo o ilícito em aparelho celular. Homem condenado por crimes contraa dignidade sexual  (arts. 217-A, § 1º, e  216-B na forma do art. 69, todos do Código Penal) interpôs apelação contra a sentença. A vítima era conhecida da família, frequentava a casa onde os delitos ocorreram e, na ocasião, estava inconsciente pelo uso de álcool, drogas e medicamento, durante festa em que o grupo estava reunido. No exame das razões recursais, os Desembargadores entenderam que o acervo de provas legitima a condenação, uma vez que a palavra da ofendida desfruta de relevante valor probatório, sobretudo quando coerente com os demais elementos produzidos, em especial os de natureza técnica, como o exame de corpo de delito que, in casu, confirmou a prática delitiva. Não obstante, destacaram que o fato de a mulher estar dormindo não macula o vetor culpabilidade, pois inerente ao tipo, o qual considera como vulnerável aquele(a) que “por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. Por outro lado, embora tenham considerado irrelevante a diferença de 24 anos de idade entre o ofensor e a agredida, ressaltaram que a quebra na confiança advinda da relação de amizade transborda o tipo penal, justificando, assim, o aumento da pena-base. Além disso, salientaram correta a valoração negativa das circunstâncias do crime, porquanto o agressor não utilizou preservativo, submetendo a vítima ao risco de gravidez e ao contágio de doenças venéreas. Quanto ao pedido de revisão do cumprimento inicial da pena, o Colegiado confirmou o regime fechado para o delito apenado com reclusão; no entanto, por força do disposto no art. 33, caput, do CP, estabeleceu semiaberto para o cumprimento da detenção. Por fim, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e a situação econômica do réu, reduziu a indenização por danos morais – fixada inicialmente pelo Juízo a quo em cinco mil reais – para mil reais. Assim, a Turma manteve a condenação, mas deu parcial provimento ao recurso.  

Acórdão 1830992, 07087850520238070010, Relatora: Des.ª LEILA ARLANCH, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 14/3/2024, publicado no PJe: 21/3/2024.

Direito Penal Militar e Processual Penal Militar

Declaração de indignidade para oficialato – disparo de arma de fogo em blitz – absolvição pelo Tribunal do Júri

A declaração de indignidade para o oficialato deve observar se a conduta do militar viola a hierarquia e a disciplina castrenses, sendo considerada moralmente reprovável, além de ofender o pundonor e o decoro da classe, de modo que a punição seja proporcional ao ato praticado. Um policial foi considerado incapaz de permanecer nas fileiras da corporação pelo Conselho de Justificação da Polícia Militar do Distrito Federal, por efetuar disparos de arma de fogo contra agente de trânsito, ao ser abordado em blitz de rotina. Na defesa, o representado apontou incongruências nos depoimentos e nas provas técnicas e afirmou ter sido xingado ao se identificar como oficial da PM e se recusar a soprar o etilômetro. Afirmou que, no momento da abordagem, os agentes estavam exaltados, deram voz de prisão ao filho dele, que seguia em outro carro e recebeu um tiro de Taser nas costas, vindo a cair no chão, se contorcendo. O PM alegou que, ao presenciar aquela situação, sacou a arma e disparou para o alto, mas foi igualmente atingido pela arma de choque, e, por reflexo involuntário, sua pistola disparou e acertou autoridade, na altura dos rins. Ao examinar a representação para declaração de indignidade para o oficialato, a Câmara Criminal esclareceu que, nesse tipo de procedimento, é necessário analisar se a conduta praticada atenta moralmente contra a hierarquia e a disciplina e expõe a corporação ao descrédito, por ser reprovável e ofensiva ao pundonor e ao decoro da classe. In casu, verificou que o militar não estava em serviço na data dos fatos e que os resultados dos exames atestaram negativo para alcoolemia, o que sugere arbitrariedade dos agentes ou, ao menos, interpretação equivocada por parte dos funcionários do Departamento de Trânsito do DF – Detran/DF. Além disso, a perícia atestou apenas dois disparos da arma do policial, ao contrário da versão apresentada pelos servidores, que afirmaram ter ouvido quatro tiros. Nesse passo, segundo o Colegiado, o legislador constituinte, ao condicionar a perda do posto e da patente à apreciação do tribunal competente, visou assegurar um julgamento justo aos oficiais de instituições militares, em face das peculiaridades da caserna e das responsabilidades como comandantes, contexto que os distingue da vida civil. Nessa linha, a despeito da independência entre as instâncias, compreendeu que a absolvição do representado sobre idêntico fato pelo Tribunal do Júri, por legítima defesa, inegavelmente, deve repercutir na seara administrativa, especialmente à vista das graves consequências para a vida profissional do PM. Assim, os Julgadores entenderam que a conduta não ofendeu a ética e a moralidade da corporação para justificar a aplicação da penalidade administrativa máxima, uma vez que foi inteiramente direcionada para livrar o filho da prisão por desacato e o disparo decorreu de ação reflexa e involuntária. Com isso, a Câmara Criminal ressaltou que a punição pela transgressão disciplinar deve ter caráter pedagógico e ser proporcional ao ato praticado, motivo pelo qual julgou a representação improcedente.

Acórdão 1830407, 07224225820208070000, Relator: Des. DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Câmara Criminal, data de julgamento: 18/3/2024, publicado no DJe: 22/3/2024.

Direito Tributário

Distrato de compra e venda de imóvel – IPTU – responsabilidade do novo possuidor

A obrigação de pagar o IPTU incidente sobre imóvel objeto de distrato de compra e venda e posterior decisão judicial de rescisão do negócio recai sobre quem foi imitido na posse do bem. A ausência de quitação do imposto na Secretaria de Fazenda pelo responsável tributário, causadora de inscrição indevida de contribuinte em dívida ativa, gera o dever de indenizar danos morais. Ex-proprietária de imóvel interpôs recurso inominado contra sentença que julgou improcedente pedido de repetição de indébito tributário, cumulado com indenização por danos morais, em ação ajuizada contra o Distrito Federal e a Companhia Imobiliária do DF – Terracap. Argumentou que o imóvel objeto da demanda estaria na posse da empresa pública desde 2015, tanto que esta teria promovido compensação tributária relativa ao período compreendido entre 2016 e 2019. Sustentou, assim, não ter obrigação de pagar o encargo referente a 2020, razão pela qual igualmente se insurgiu contra sua inscrição em cadastro de inadimplentes. O Colegiado, na apreciação das razões recursais, explicou que as partes celebraram contrato de compra e venda do bem em questão, mas acertaram distrato administrativo e, posteriormente, obtiveram rescisão judicial do negócio. Com efeito, segundo os Magistrados, o trânsito em julgado dessa última decisão, em novembro de 2019, marcou a imissão automática da posse em favor da companhia. Nessa perspectiva, aduziram que a responsabilidade pelo recolhimento do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU no ano de 2020 era de fato da Terracap, pois o fato gerador do tributo é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, conforme art. 1º do Decreto 28.445/2007, que disciplina o assunto no âmbito distrital. Alertaram que, embora a empresa tenha promovido o abatimento tributário, deixou de realizar a quitação dos débitos na Secretaria de Fazenda do DF, omissão que, além de quebrar a legítima expectativa nutrida pela contribuinte de ver a exação extinta (venire contra factum proprium), ainda ocasionou a inscrição do nome dela em dívida ativa. Desse modo, à luz do princípio da boa-fé objetiva, a Turma reformou a sentença para condenar a empresa pública a ressarcir o valor desembolsado pela ex-proprietária (R$ 30.445,83), assumir a responsabilidade tributária em aberto no Fisco e pagar indenização no valor de cinco mil reais, a título de reparação por danos morais, à requerente.

Acórdão 1831262, 07224913720238070016, Relatora: Juíza MARILIA DE AVILA E SILVA SAMPAIO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 20/3/2024, publicado no PJe: 22/3/2024.

Informativo 

1ª Vice-Presidência 

Desembargador Primeiro-Vice-Presidente: Angelo Canducci Passareli

Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Sandoval Gomes de Oliveira - Presidente; Álvaro Ciarlini, Héctor Valverde Santanna, Maria Ivatônia Barbosa dos Santos e Roberto Freitas Filho – membros efetivos e José Firmo Reis Soub - membro suplente

Juíza Auxiliar da Primeira-Vice-Presidência: Marília Garcia Guedes

Coordenadoria de Doutrina e Jurisprudência : Thaysa Cristina Silva Goulart

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Cleber Alves Ribeiro Braz, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Ana Claudia Nascimento Trigo de Loureiro e Paulo Gustavo Barbosa Caldas

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail:jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br 

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR.

As notas aqui divulgadas foram elaboradas a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da CODJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal. 

Acesse também: 

CDC na visão do TJDFT

Código de Processo Civil na visão do TJDFT

Dano Moral no TJDFT

Decisões em Evidência

Desigualdade e Discriminação Racial na visão do TJDFT

Direito Constitucional na visão do TJDFT

Doutrina na Prática

Entendimentos Divergentes no TJDFT

Inconstitucionalidades

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Lei Maria da Penha na visão do TJDFT

O TJDFT e os Precedentes Qualificados

Perspectiva de Gênero: comunidade LGBTQIA+ no âmbito do TJDFT

Saúde e Justiça