Informativo de Jurisprudência n. 503
Período: 16 a 31 de maio de 2024
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Publicação: 7 de junho de 2024
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Direito Administrativo
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Bullying em escola pública – omissão do Estado não demonstrada – Repercussão Geral Tema 362
A imputação de responsabilidade estatal por episódios de intimidação vexatória em ambiente escolar depende de prova da relação causal entre o dano psicológico sofrido por aluno e a omissão dos agentes públicos quanto ao dever de agir para impedir o resultado lesivo. Caso contrário, ausentes tais pressupostos, não cabe indenização por dano moral, por faltar a demonstração do fato constitutivo do direito invocado em juízo. Leia mais...
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Nascimento de criança em banheiro de hospital público – inadequação de avaliação médica – dano moral
O nascimento de bebê em banheiro de recepção de hospital público, após avaliação inadequada de equipe médica, constitui falha na prestação de serviço, violadora da dignidade dos envolvidos, uma vez que expostos a riscos de saúde desnecessários. Leia mais...
Direito Ambiental
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Extração irregular de areia em área de proteção permanente – alteração da geomorfologia local – crime ambiental
A remoção superficial do solo e o desmatamento da vegetação para extração e comercialização de mineral, em área de proteção permanente e sem o licenciamento dos órgãos competentes, configura crime ambiental. Não se reconhece erro de proibição quando há possibilidade de conhecimento do potencial risco ambiental e não apresentadas as licenças necessárias para a atividade. Leia mais...
Direito Civil e Processual Civil
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Desconstituição de paternidade biológica por abandono afetivo – retificação de registro civil para supressão de patronímico – direito fundamental
A ausência de vínculos entre pais e filhos pode ocasionar intenso sofrimento psíquico e configurar abandono afetivo, situação apta a justificar pedido de desfiliação biológica. Assim, é possível a retificação do nome para suprimir o patronímico, uma vez que a hipótese ultrapassa a esfera do direito registral, tratando, em verdade, do direito fundamental à dignidade da pessoa humana. Leia mais...
Direito Constitucional
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Responsabilidade civil do Estado – morte de criança em obra pública – dano moral
O Distrito Federal responde objetivamente quando os entes estatais encarregados da supervisão e da fiscalização de obra pública se mantêm inertes no dever que lhes cabe e, assim, contribuem para a violação de direitos da personalidade de vítimas de acidente. Leia mais...
Direito da Criança e do Adolescente
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Emissão de passaporte e obtenção de visto para menor – necessidade de suprimento judicial de autorização de um dos genitores para viagem
É possível o deferimento de tutela provisória, para autorizar a emissão de passaporte e o início de procedimentos necessários para obtenção de visto de entrada em país estrangeiro, a menor de idade que pretende viajar apenas com um dos pais, sem que isso signifique, desde já, autorização para sair do país sem consentimento do outro genitor. Diante da previsível demora para a consecução desses documentos, o deferimento da pretensão em caráter de urgência visa somente a afastar o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, caso, ao final, seja julgada procedente a pretensão de realização da viagem. Leia mais...
Direito do Consumidor
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Aquisição de veículo em leilão – anotação indevida de restrição à circulação do bem – dano moral
Cabe à instituição financeira a entrega livre e desembaraçada de veículo arrematado em leilão. A negligência na retirada de restrição indevida que causa prejuízo ao arrematante, violando os direitos da personalidade, caracteriza dano moral e gera o dever de indenização do consumidor. Leia mais...
Direito Empresarial
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Execução de empresa matriz por dívida não tributária – possibilidade de penhora de bens da filial – Tema Repetitivo 614 do STJ
É possível a penhora de ativos financeiros de filiais da empresa executada, ainda que relacionada à execução de débito não tributário, uma vez que as diferentes inscrições no CNPJ não afastam a unidade patrimonial da pessoa jurídica. Assim, como as filiais compõem o mesmo acervo patrimonial da empresa, podem ser responsabilizadas por dívidas da matriz. Leia mais...
Direito Penal e Processual Penal
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Estupro de vulnerável – desclassificação para o crime de importunação sexual –Tema Repetitivo 1121 do STJ
Caracterizado o dolo específico de satisfazer a lascívia, a prática de ato libidinoso com menor de quatorze anos configura o crime de estupro de vulnerável, ainda que a conduta se revele ligeira e ou superficial, entendimento que afasta, portanto, a possibilidade de desclassificação para o delito de importunação sexual. Leia mais...
Direito Tributário
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Diferencial de alíquota de ICMS (DIFAL) – circulação jurídica de serviço –imprescindibilidade de lei complementar – Temas Repetitivos 259 e 1093 do STJ
Editada a Lei Complementar 190/2022, indispensável à disciplina do ICMS quanto às operações interestaduais, o fato gerador do tributo se aperfeiçoa na hipótese de circulação jurídica de bens e de serviços, quando presente a figura do consumidor final não contribuinte, localizado em unidade diversa da Federação, independentemente de existir transferência física do item para o ente federado destinatário. Leia mais...
Íntegra dos textos
Direito Administrativo
"Bullying" em escola pública – omissão do Estado não demonstrada – Repercussão Geral Tema 362
A imputação de responsabilidade estatal por episódios de intimidação vexatória em ambiente escolar depende de prova da relação causal entre o dano psicológico sofrido por aluno e a omissão dos agentes públicos quanto ao dever de agir para impedir o resultado lesivo. Caso contrário, ausentes tais pressupostos, não cabe indenização por dano moral, por faltar a demonstração do fato constitutivo do direito invocado em juízo. Estudante da rede pública de ensino do Distrito Federal interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente pedido de indenização por danos morais, em razão de suposta situação de bullying que afirma ter vivenciado no ambiente escolar. Alegou, em síntese, que os atos de violência psicológica praticados por alunos, a penalidade de suspensão a que foi submetida e a determinação de transferência para outro colégio culminaram em evasão escolar, reprovação por falta e agravamento de seu estado de saúde mental. No exame do recurso da autora, os desembargadores primeiramente citaram o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, sob a sistemática de repercussão geral (Tema 362), o qual orienta a aplicação da responsabilidade objetiva do Estado também nas hipóteses de omissão nas quais se espera um dever de agir para evitar o resultado danoso, tudo conforme a teoria do risco administrativo (art. 37, § 6º, da Constituição Federal). Nessa perspectiva, delimitaram a matéria para definir a ocorrência ou não das atitudes narradas pela discente e a presença ou não de omissão do Estado nas circunstâncias. Assim, em resposta a essas premissas, asseveraram que a requerente não comprovou o nexo de causalidade entre o dano psíquico e a suposta omissão estatal quanto ao dever de garantir proteção e segurança aos alunos da rede pública de ensino. Como suporte para fundamentar a decisão, o colegiado aplicou a Lei Distrital 4.837/2012, instituidora da política de conscientização, prevenção e combate ao bullying nas escolas públicas e particulares do DF, e descritiva das ações e dos comportamentos promovidos por estudante, individualmente ou em grupo, voltados para a intimidação vexatória dos pares. Segundo os magistrados, a apelante não demonstrou nenhuma das condutas elencadas na legislação, não apresentou testemunhas dos fatos, tampouco informou o acontecido aos professores ou à direção do estabelecimento. Em contrapartida, o diretor da escola mencionou o descontrole emocional da mãe da apelante em duas ocasiões nas quais teria ameaçado funcionários e alunos, razão pela qual, inclusive, teve de ser conduzida para a delegacia, onde foi lavrado boletim de ocorrência policial. Com relação à evasão escolar, o colegiado confirmou não existir empecilho para a frequência regular da requerente, sobretudo porque os pais da aluna considerada causadora dos desentendimentos transferiram-na para outra unidade de ensino. Nesse contexto, à vista da ausência de provas de que o serviço público educacional foi ineficiente, inadequado ou sem qualidade (art. 373, I, do Código de Processo Civil), os julgadores entenderam que não houve falha no dever de cuidado por parte dos agentes que atuam em nome do DF. Uma vez não demonstrado o liame entre a inação – contrária à obrigação de agir, no caso – e o suposto dano psicológico, concluíram não caber imputação de responsabilidade ao Estado. Com esses fundamentos, a turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1859122, 07012543820238070018, Relator: Des. JOSE FIRMO REIS SOUB, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 7/5/2024, publicado no PJe: 20/5/2024.
Nascimento de criança em banheiro de hospital público - inadequação de avaliação médica - dano moral
O nascimento de bebê em banheiro de recepção de hospital público, após avaliação inadequada de equipe médica, constitui falha na prestação de serviço, violadora da dignidade dos envolvidos, uma vez que expostos a riscos de saúde desnecessários. Mulher ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Distrito Federal, em decorrência de ter dado à luz o filho no banheiro da recepção do Hospital Regional de Sobradinho, após recusa da equipe médica em encaminhá-la para a sala de parto. A autora relatou ter sido orientada a caminhar pela área externa do centro obstétrico, uma vez que ainda não teria dilatação suficiente, informação contrariada logo em seguida, com o nascimento do neném em local inadequado. O pedido de indenização foi julgado improcedente. Ao analisarem o recurso interposto pela requerente, os desembargadores aduziram que, pela teoria do risco administrativo, o DF responde objetivamente por danos causados aos administrados (art. 37, § 6º, da Constituição Federal), bastando a demonstração da prática de ato ilícito, do resultado danoso e do nexo causal entre eles; ausentes causas excludentes, como culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior. Na hipótese, a turma aduziu que a parturiente procurou o hospital com fortes dores abdominais, mas, apesar do quadro físico, a médica responsável pela avaliação realizou o exame de toque para verificar a dilatação e se recusou a admitir a paciente na sala de parto. Ao seguir a orientação da profissional, sem o necessário apoio da equipe hospitalar, a gestante teve criança no banheiro, expostos, mãe e recém-nascido, a infecções e a risco de morte. Para o colegiado, a ausência de registros formais quanto à sucessão de erros no atendimento da paciente não interfere na comprovação dos fatos relatados na petição inicial. Houve falha no atendimento pré-parto, sem a qualidade ou o rigor técnico exigidos pela situação. Desse modo, no entendimento dos julgadores, a ausência de atendimento apropriado feriu a dignidade humana dos envolvidos, submetidos a situação humilhante. Assim, a maioria assentiu que houve omissão estatal e violação à dignidade de mãe e filho, vencida a relatora. Por fim, a turma deu provimento ao recurso da autora e condenou o DF ao pagamento de cinquenta mil reais, a título de danos morais.
Acórdão 1856391, 07520507320228070016, Relator Designado: Des. LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 9/5/2024, publicado no DJe: 23/5/2024.
Direito Ambiental
Extração irregular de areia em área de proteção permanente – alteração da geomorfologia local – crime ambiental
A remoção superficial do solo e o desmatamento da vegetação para extração e comercialização de mineral, em área de proteção permanente e sem o licenciamento dos órgãos competentes, configura crime ambiental. Não se reconhece erro de proibição quando há possibilidade de conhecimento do potencial risco ambiental e não apresentadas as licenças necessárias para a atividade. O Ministério Público ofereceu denúncia contra cidadão por extração irregular de areia em Área de Proteção Permanente – APP. O juízo sentenciante julgou a pretensão punitiva procedente e condenou o denunciado pelo crime de causar dano direto ou indireto a unidades de conservação e áreas de proteção (art. 40, caput, c/c art. 15, II, ‘a’, da Lei 9.605/1998). O réu interpôs apelação, por meio da qual sustentou desconhecer a classificação da área, bem como a falta de licenciamento ambiental para exercer a atividade, uma vez que o sócio dele seria o responsável pela documentação. Na análise do recurso, os desembargadores consignaram que a materialidade do crime foi comprovada pelo inquérito policial da Delegacia Especial do Meio Ambiente – DEMA, além de laudos, parecer técnico, prova oral e confissão do acusado. Registraram que a perícia confirmou a localização da gleba às margens do Ribeirão da Contagem, na região administrativa de Sobradinho, e que a extração mineral causou diversos danos ambientais, como a retirada de vegetação, a remoção da camada superficial do solo e a alteração da geomorfologia local. Quanto ao erro de proibição alegado pela defesa, os julgadores destacaram ocorrer quando o agente supõe praticar uma conduta legal, mas comete ilícito penal, seja por desconhecer a norma proibitiva, seja por não compreender seu alcance. Quanto a isso, o Colegiado ressaltou que, qualquer pessoa que pretenda realizar obras com risco ambiental tem o dever de consultar a legislação pertinente e obter as licenças necessárias antes de iniciar as atividades. No caso concreto, observou que a licença concedida ao sócio do recorrente era válida para terrenos localizados no Estado de Goiás, e não do Distrito Federal. Ponderou, assim, que não há como invocar erro de proibição, porquanto o réu é pessoa inserida na sociedade, com pleno acesso aos meios de comunicação e sem qualquer justificativa plausível para desconhecer o tipo penal e a documentação exigida. Por fim, os magistrados observaram que desde o exame local realizado pela delegacia especializada há mais de vinte anos não houve iniciativa do recorrente para recuperar a região degradada, conforme acordado na ocasião, o que só confirma a intenção de lucro imediato e a omissão quanto às autorizações administrativas. Com isso, a Turma negou provimento ao apelo.
Acórdão 1860141, 00040914220068070006, Relator: Des. ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 9/5/2024, publicado no PJe: 19/5/2024.
Direito Civil e Processual Civil
Desconstituição de paternidade biológica por abandono afetivo – retificação de registro civil para supressão de patronímico – direito fundamental
A ausência de vínculos entre pais e filhos pode ocasionar intenso sofrimento psíquico e configurar abandono afetivo, situação apta a justificar pedido de desfiliação biológica. Assim, é possível a retificação do nome para suprimir o patronímico, uma vez que a hipótese ultrapassa a esfera do direito registral, tratando, em verdade, do direito fundamental à dignidade da pessoa humana. Uma mulher ingressou com ação de desfiliação parental em desfavor do pai biológico por inadimplemento do dever de parentalidade. Alegou abandono afetivo e material, bem como ausência de convívio entre eles. Relatou ter sido criada pela mãe e pelo padrinho, posteriormente registrado como pai socioafetivo na certidão de nascimento. O juízo sentenciante julgou o pedido improcedente. A autora interpôs apelação. Na análise do recurso, os desembargadores esclareceram que os arts. 226 e 229 da Constituição Federal atribuem aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, para uma vida digna. Ressaltaram que a ausência de afeto prejudica a formação do indivíduo como pessoa, pois gera sentimento de abandono, com reflexos permanentes na vida do descendente. O colegiado destacou que o abandono afetivo representa falta de amparo e cuidado com os filhos, bem como negligência emocional e intelectual, favorecendo sentimento de insegurança e de hostilidade entre os membros do núcleo familiar. Esclareceu que tal situação pode ocasionar sofrimento pelo uso do sobrenome do ascendente e, apesar da imutabilidade conferida ao nome, com exceções específicas da Lei de Registros Públicos (art. 57), a jurisprudência tem flexibilizado esse entendimento desde que haja justo motivo e não cause prejuízo a terceiros. No caso concreto, os julgadores explicaram que a autora relatou a inexistência de vínculo paterno-filial desde a infância e o imenso desconforto e sofrimento psíquico pelo uso do patronímico do genitor, dada a absoluta falta de identificação com ele e ausência de sentimento familiar. Acrescentaram que, além de o recorrido ter manifestado concordância com o pedido autoral, a recorrente incluiu em seu próprio registro de nascimento, o sobrenome do pai socioafetivo – com quem possui identidade emocional. Esclareceram ainda que a pluriparentalidade, até então existente, não pode ocorrer em detrimento da descendente; ao contrário, deve destinar-se a dar maior plasticidade às novas conformações da família, sem violar o direito fundamental à dignidade da pessoa humana. Assim, os magistrados concluíram que o direito ao nome não envolve apenas a questão registral, mas essencialmente o direito fundamental à identidade e, nesse cenário, por entender que o abandono afetivo configura justo motivo, deram provimento ao recurso para autorizar a desfiliação requerida e para admitir a supressão do sobrenome paterno.
Acórdão 1856074, 07361138620238070016, Relatora: Des.ª CARMEN BITTENCOURT, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 9/5/2024, publicado no DJe: 14/5/2024.
Direito Constitucional
Responsabilidade civil do Estado – morte de criança em obra pública – dano moral
O Distrito Federal responde objetivamente quando os entes estatais encarregados da supervisão e da fiscalização de obra pública se mantêm inertes no dever que lhes cabe e, assim, contribuem para a violação de direitos da personalidade de vítimas de acidente. Na origem, cidadã ajuizou ação indenizatória contra o Distrito Federal e outros réus (Novacap, Ibram e sociedade empresária executora da obra) com o intuito de obter pensão vitalícia e o ressarcimento de danos materiais e morais suportados em decorrência do falecimento do filho dela, à época com sete anos de idade, por afogamento nas bacias de contenção de águas pluviais do Parque Veredinha. O juízo singular julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar solidariamente os réus ao pagamento de pensão mensal até a data em que a vítima alcançaria a idade de 65 anos e à reparação no valor de R$ 200.000,00, a título de danos morais. Na análise das razões do recurso interposto pelo Distrito Federal, os desembargadores consignaram que a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por seus agentes, em condutas comissivas ou omissivas, será objetiva, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, baseada na teoria do risco administrativo. Acrescentaram ser necessária a presença de três elementos, quais sejam: conduta administrativa, nexo causal e dano, assim como a ausência de culpa exclusiva ou concorrente da vítima, pois, nesse caso, há responsabilidade objetiva mitigada. Destacaram que, na espécie, as provas colhidas demonstraram que as bacias foram construídas sem qualquer cerca ou barreira de proteção, em desconformidade com o Código de Edificações do DF (art. 58, parágrafo único, do Decreto Distrital 19.915/1998, que regulamentou a Lei 2.105/1998), e com as condicionantes da licença de instalação emitida, o que poderia impedir ou evitar a morte da criança. Nesse contexto, ressaltaram que a inércia dos entes públicos na supervisão e na fiscalização da obra contratada contribuiu para a ocorrência do evento danoso. Por outro lado, os julgadores entenderam que os pais falharam em relação ao dever de cuidado e vigilância para com o menor, ao permitir que a criança saísse de casa desacompanhada, descuido que mitiga a responsabilidade objetiva do Estado, e que tal fato deve ser levado em consideração no momento de quantificar a indenização devida. Além disso, explicaram que o sofrimento dos pais pelo falecimento do filho dispensa comprovação para reconhecimento do dano moral, conforme a orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, segundo a qual o dano extrapatrimonial é presumido em caso de morte de vítimas menores de idade, que viviam sob o mesmo teto de seus parentes. Por fim, os magistrados mantiveram a quantia fixada a título de danos morais, pois atendidos os critérios jurisprudenciais de individualização do fato, os atributos existenciais, a gravidade do dano, a repercussão social no caso concreto e a culpa concorrente da vítima. Com isso, a turma negou provimento à apelação, para manter a condenação do réu.
Acórdão 1854067, 00017975320118070002, Relator: Des. ROBERTO FREITAS FILHO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 24/4/2024, publicado no DJe: 22/5/2024.
Direito da Criança e do Adolescente
Emissão de passaporte e obtenção de visto para menor – necessidade de suprimento judicial de autorização de um dos genitores para viagem
É possível o deferimento de tutela provisória, para autorizar a emissão de passaporte e o início de procedimentos necessários para obtenção de visto de entrada em país estrangeiro, a menor de idade que pretende viajar apenas com um dos pais, sem que isso signifique, desde já, autorização para sair do país sem consentimento do outro genitor. Diante da previsível demora para a consecução desses documentos, o deferimento da tutela de urgência visa somente a afastar o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, caso, ao final, seja julgada procedente a pretensão de realização da viagem. Criança, representada por sua mãe, propôs ação de suprimento judicial de autorização paterna para realização de viagem ao exterior acompanhada de sua genitora, pleiteando liminar a fim de conseguir os documentos atinentes à permissão de entrada no estrangeiro. O juízo singular deferiu parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, para autorizar a emissão de passaporte em nome da filha e a realização dos procedimentos necessários para a obtenção de visto para ingressar nos Estados Unidos da América. Inconformado, e alegando suposto objetivo da mãe de fixar residência no exterior, o demandado interpôs agravo de instrumento. No exame do recurso, os desembargadores esclareceram que, nos casos de viagem ao exterior, é desnecessária a autorização judicial quando a criança ou o adolescente estiver acompanhado por ambos os pais ou responsáveis ou, se a viagem for na companhia de um dos pais, houver autorização expressa do outro genitor, nos termos do art. 84 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo os magistrados, a emissão de passaporte constitui faculdade da autora, uma vez que facilita o exercício de direitos civis e sociais, mormente quando não há elementos justificadores aptos a impedir a obtenção do documento. Nesse sentido, a Turma destacou que, conforme as regras de experiência comum, os procedimentos para a consecução de documentos dessa natureza são demorados e devem ser iniciados com antecedência, sob pena de inviabilizar a realização da pretendida viagem, caso seja autorizada ao fim do processo. Alfim, por reconhecer que a mera emissão do passaporte e do visto não permitirão a saída da criança do país na companhia de apenas um dos genitores, o Colegiado negou provimento ao recurso.
Acórdão 1856756, 07529247220238070000, Relatora: Des.ª SANDRA REVES, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 2/5/2024, publicado no PJe: 16/5/2024.
Direito do Consumidor
Aquisição de veículo em leilão – anotação indevida de restrição à circulação do bem – dano moral
Cabe à instituição financeira a entrega livre e desembaraçada de veículo arrematado em leilão. A negligência na retirada de restrição indevida que causa prejuízo ao arrematante, violando os direitos da personalidade, caracteriza dano moral e gera o dever de indenização do consumidor. Na origem, um homem arrematou veículo levado a leilão e, ao tentar vendê-lo a terceiro, teve a negociação frustrada devido à anotação indevida de restrição à circulação do carro, decorrente de dívida do proprietário anterior. O arrematante, então, ajuizou ação indenizatória contra o banco, responsável pela entrega do automóvel livre e desembaraçado de quaisquer ônus, postulando reparação por danos materiais e morais. O juízo singular julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou o réu ao pagamento de R$ 5 mil a título de danos morais. Na análise do recurso inominado interposto pela instituição financeira, os magistrados inicialmente asseveraram que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável ao presente caso, pois, apesar de o autor ter adquirido o carro para posterior revenda – não figurando na direta relação de consumo –, foi ele atingido pelo evento danoso, sendo considerado consumidor por equiparação ou bystander (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC). Em relação ao mérito, ressaltaram que o dano moral é aquele que agride intensamente a dignidade humana, não alcançando os meros contratempos do dia a dia, sob pena de relativizar o instituto. Na espécie, entenderam que a descabida limitação de tráfego do automóvel privou o recorrido de usar, gozar e dispor livremente do bem, o que caracterizou falha na prestação do serviço bancário. Nesse contexto, os julgadores verificaram que os fatos extrapolaram o mero dissabor cotidiano, ferindo os direitos da personalidade do arrematante, de modo a configurar o dano extrapatrimonial. Assim, o Colegiado deu parcial provimento ao recurso para manter a condenação do banco recorrente, fixando, contudo, a incidência dos juros de mora a partir da data da citação (art. 405 do Código Civil).
Acórdão 1858834, 07174317120238070020, Relator: Juiz ANTONIO FERNANDES DA LUZ, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 3/5/2024, publicado no PJe: 17/5/2024.
Direito Empresarial
Execução de empresa matriz por dívida não tributária – possibilidade de penhora de bens da filial – Tema 614 do STJ
É possível a penhora de ativos financeiros de filiais da empresa executada, ainda que relacionada à execução de débito não tributário, uma vez que as diferentes inscrições no CNPJ não afastam a unidade patrimonial da pessoa jurídica. Assim, como as filiais compõem o mesmo acervo patrimonial da empresa, podem ser responsabilizadas por dívidas da matriz. Exequente de débito não tributário interpôs agravo de instrumento contra decisão proferida em cumprimento de sentença que indeferiu pedido de penhora de ativos financeiros de filiais da empresa executada. Na análise do recurso, os magistrados explicaram que, apesar de cada filial possuir o próprio número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, estes registros derivam da matriz, de modo que a criação de sociedade filial não elide a unidade patrimonial da empresa. Assim, complementaram os julgadores, a pessoa jurídica devedora deve responder com todo o ativo patrimonial que a compõe (art. 591 do Código de Processo Civil), sendo, portanto, possível a filial ser alcançada por dívidas da matriz, conforme tese fixada no Tema repetitivo 614 do Superior Tribunal de Justiça. Acrescentaram, ainda, que apesar de o mencionado entendimento se referir à possibilidade de penhora aplicável a débitos de natureza tributária, as filiais podem responder por quaisquer dívidas da matriz, pois são espécie do estabelecimento empresarial executado, fazendo parte do acervo de uma só pessoa jurídica, a partir da qual ostentam identidade de sócios, mesmos contrato social e firma ou denominação. Nesse contexto, a Turma deu provimento ao agravo para determinar a consulta de ativos financeiros de filiais da empresa agravada.
Acórdão 1859650, 07096156420248070000, Relatora: Des.ª SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 8/5/2024, publicado no DJe: 20/5/2024.
Direito Penal e Processual Penal
Estupro de vulnerável – desclassificação para o crime de importunação sexual – Tema Repetitivo 1121 do STJ
Caracterizado o dolo específico de satisfazer a lascívia, a prática de ato libidinoso com menor de quatorze anos configura o crime de estupro de vulnerável, ainda que a conduta se revele ligeira e ou superficial, entendimento que afasta, portanto, a possibilidade de desclassificação para o delito de importunação sexual. O Ministério Público denunciou um pai pela prática de estupro de vulnerável (art. 217-A, c/c art. 226, II, do Código Penal) perpetrado contra sua filha de onze anos. O juízo singular, ao verificar a autoria e a materialidade do abuso sexual, condenou o acusado à pena de quatorze anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de dois mil reais à vítima, a título de danos morais. Irresignados, o MP e o réu interpuseram apelação. Na análise dos recursos, os desembargadores asseveraram que a palavra da vítima ostenta especial valor probatório nos crimes sexuais, uma vez que infrações dessa natureza são, geralmente, cometidas de forma clandestina, sem testemunhas e sem vestígios. Nesse sentido, destacaram que não apenas a narrativa da ofendida tem relevância substancial para a elucidação do fato, mas também o contexto, os depoimentos prestados por pessoas próximas e os sintomas de estresse pós-traumático apresentados pela vítima – elementos suficientes para estabelecer a autoria e a materialidade. Em relação à tese defensiva de desclassificação da conduta para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP), os magistrados rechaçaram o argumento, ao destacar entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo 1121), o qual preceitua que, presente o dolo específico de satisfação da lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de quatorze anos configura estupro de vulnerável, independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta. Nessa linha, a turma ponderou que o crime imputado se dá com a prática de atos libidinosos, sendo desnecessária a consumação da conjunção carnal para a configuração do estupro, análise que afasta a alegação de tentativa. Dessa forma, por considerar escorreita a pena imposta, mormente no que se refere à reparação pelos danos morais, o colegiado negou provimento aos recursos, para manter íntegra a condenação.
Acórdão 1856001, 07038068920218070003, Relator: Des. WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 2/5/2024, publicado no PJe: 20/5/2024.
Direito Tributário
Diferencial de alíquota de ICMS (DIFAL) – circulação jurídica de serviço – imprescindibilidade de lei complementar – Temas Repetitivos 259 e 1093 do STJ
Editada a Lei Complementar 190/2022, indispensável à disciplina do ICMS quanto às operações interestaduais, o fato gerador do tributo se aperfeiçoa na hipótese de circulação jurídica de bens e de serviços, quando presente a figura do consumidor final não contribuinte, localizado em unidade diversa da Federação, independentemente de existir transferência física do item para o ente federado destinatário. Sociedade prestadora de serviço aeronáutico, sediada em São Paulo, ajuizou ação de anulação de lançamento fiscal contra o Distrito Federal, em razão da cobrança de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, sobre operações interestaduais prestadas ao Exército Brasileiro, na qualidade de consumidor final. Os pedidos foram julgados procedentes para desconstituir os créditos tributários, sob o fundamento de que a Lei Complementar 190/2022 tem vigência posterior aos fatos geradores, situação impeditiva da cobrança da diferença de alíquota (DIFAL), principalmente porque os serviços teriam sido prestados em outra unidade da Federação. Ao analisarem o recurso do DF, os desembargadores explicaram que uma alteração promovida no texto constitucional pela Emenda 87/2015 foi justificada pela necessidade de reequilíbrio de distorções econômicas causadas pelo comércio eletrônico, pois o aumento expressivo da aquisição de mercadorias e serviços de forma não presencial por consumidores de outros Estados ocasionava arrecadação tributária apenas para a unidade federativa de origem do bem. Segundo a nova regra, o ICMS passou a ser dividido entre dois sujeitos ativos arrecadadores, criando-se relação jurídica, na qual ao consumidor final de outro Estado, ainda que não contribuinte do tributo, será aplicada a alíquota interestadual, cabendo ao Estado destinatário o valor relativo à diferença da alíquota interna do Estado remetente. Nesse contexto, os julgadores aduziram que a Lei Distrital 5.546/2015, disciplinadora da cobrança da DIFAL no âmbito do DF, e o convênio 93/2015 do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz não podem mais ser utilizados como base para cobrança do imposto, sobretudo porque a modificação promovida no texto constitucional exigiu lei complementar para instituir a cobrança do imposto. Nesse particular, afirmaram que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema de Repercussão Geral 1093, declarou a inconstitucionalidade de várias cláusulas do mencionado convênio, reafirmando a impossibilidade de sua utilização como substituto da LC exigida para o caso. Na hipótese em apreço, os julgadores afirmaram que o serviço foi prestado pela recorrente à União, cujo domicílio legal é no Distrito Federal (art. 75, inciso I, do Código Civil). Embora a celebração do contrato tenha ocorrido em São Paulo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ entende que o fato gerador do ICMS também se aperfeiçoa pela circulação jurídica da mercadoria por meio da transferência da propriedade/posse (Tema Repetitivo 259 do STJ). Como o consumidor final, Exército Brasileiro, não é contribuinte do imposto, e está localizado em outra unidade da Federação, não importa se houve transferência física de bens ou serviços, bastando a circulação jurídica para caracterizar a ocorrência do fato gerador. Ainda de acordo com os magistrados, não há vedação à cobrança do tributo pelo DF, uma vez que os fatos geradores ocorreram antes da publicação da LC 190/2022 e não em período de modulação dos efeitos da decisão pelo STF. Por fim, entenderam que cabe ao DF a diferença entre a alíquota interna e a interestadual do imposto, razão pela qual deram provimento ao recurso.
Acórdão 1859701, 07139322220228070018, Relator: Des. ALFEU MACHADO, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 8/5/2024, publicado no DJe: 20/5/2024.