Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Informativo de Jurisprudência n. 506

Período: 1º a 15 de julho de 2024

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Publicação: 17 de julho de 2024

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Destaques desta edição

Direito Administrativo 

  • Acertos financeiros para servidor público – requerimento extemporâneo – prescrição reconhecida – Tema 1109 do STJ 

    A prescrição constitui matéria de ordem pública, razão pela qual o reconhecimento administrativo do débito não pode ser relevado sem autorização legal específica. O débito assumido pela Administração não equivale à renúncia tácita da prescrição. Leia mais...

Direito Ambiental 

  • Alegada posse de imóvel público – ocupação por mera tolerância da Administração Pública – natureza difusa do direito à preservação do meio ambiente

    A ocupação de terras públicas constitui detenção de natureza precária, decorrente de mera tolerância da Administração Pública, situação insuficiente para caracterizar posse. Dada a ausência de legitimidade do detentor, não se reconhece eventual obrigação do poder público de reparar danos causados por construção de via de acesso no meio de lote, mesmo diante de alegada defesa do meio ambiente – interesse jurídico de natureza difusa, o qual exige manejo de instrumento próprio para a tutela de direitos coletivos. Leia mais...

Direito Civil e Processual Civil

  • Alienação fiduciária em garantia – comprovação da mora do devedor – Tema 1132 do STJ 

    O credor fiduciário é obrigado a comprovar a comunicação da mora ao devedor na ação de busca e apreensão. O envio de carta registrada com aviso de recebimento para o endereço informado no contrato atende ao dever legal, dispensando-se a prova do recebimento pelo próprio destinatário ou por terceiros, conforme julgamento repetitivo do STJ (Tema 1132). Leia mais ...

  • Cumprimento de sentença – prestação alimentícia decorrente de ato ilícito – penhora de auxílio-doença

    A penhora do benefício auxílio-doença é permitida, excepcionalmente, para a satisfação de débitos relacionados à prestação de alimentos oriundos de ato ilícito, desde que não haja comprometimento da subsistência e do mínimo existencial do devedor. Lei mais...

Direito Constitucional 

  • Suicídio em via pública – adoção dos protocolos para identificação – omissão estatal não configurada

    A ausência de localização de familiares de pessoa que ceifou a própria vida em via pública do Distrito Federal não caracteriza omissão de agentes públicos, quando adotados todos os protocolos para identificação do corpo e sepultamento social. Leia mais...

Direito da Criança e do Adolescente  

  • Relação de subordinação entre pais e filhos – excesso no poder disciplinar – crime de maus-tratos  

    Considerada a relação de subordinação entre pais e filhos, o excesso no poder disciplinar exercido pelo pai configura abuso dos meios de educação e ensino, fato caracterizador do crime de maus-tratos, sobretudo quando resulta em ofensa à integridade física da criança, ainda que se tenha como legítimo o direito de corrigir o menor. Leia mais...

Direito do Consumidor

  • Falha em aplicativo Buser – transtornos em viagem – dano moral a pessoa com autismo 

    A startup Buser, que conecta pessoas a empresas de transporte, é responsável, solidária e objetivamente, por falhas nos serviços prestados, pois exerce atividade lucrativa. Assim, é cabível reparação por danos morais quando comprovada série de contratempos enfrentados por pessoa com autismo e Transtorno Misto Ansioso e Depressivo. Leia mais...

Direito Empresarial 

  • Reconhecimento de grupo empresarial – unidade de gestão e objetivo comum – solidariedade passiva

    A comunhão de esforços para a consecução de objetivos comuns, o gerenciamento único, a utilização de idêntico endereço para sociedades diferentes e a assinatura de contratos sugestiva de coincidência de patrimônios são indicadores da existência de grupo econômico. Constatadas as convergências, as empresas integrantes do conjunto devem responder solidariamente pela satisfação do crédito em execução. Leia mais...

Direito Penal e Processual Penal

  • Prisão domiciliar – tentativa de violação do sinal da tornozeleira eletrônica – revogação do benefício e regressão de regime 

    A tentativa de violação do sinal da tornozeleira eletrônica, por meio de envelopamento do dispositivo, caracteriza falta grave, apta a ensejar a revogação da prisão domiciliar e a regressão para regime fechado. Leia mais...

Direito Tributário 

  • Compra e venda de imóvel por procuração – impossibilidade de transferência da propriedade – substituição do sujeito passivo responsável pelo IPTU 

    Realizada a compra e venda de imóvel por meio de procuração, a titularidade do sujeito passivo responsável pelo pagamento do IPTU passa a ser do adquirente em razão da posse – fato gerador do tributo –, ainda que o documento não represente instrumento hábil para a transferência da propriedade. Leia mais...

Direito Administrativo

Acertos financeiros para servidor público – requerimento extemporâneo – prescrição reconhecida – Tema 1109 do STJ

A prescrição constitui matéria de ordem pública, razão pela qual o reconhecimento administrativo do débito não pode ser relevado sem autorização legal específica. O débito assumido pela Administração não equivale à renúncia tácita da prescrição. Na origem, professora ajuizou ação de cobrança contra o Distrito Federal, com intuito de receber débitos no valor de R$ 19.114,60, reconhecidos administrativamente pela Secretaria de Educação do DF. Em contestação, o ente distrital suscitou a prejudicial de prescrição da pretensão quanto aos valores relativos aos cinco anos anteriores ao ajuizamento do feito. O juízo singular extinguiu a demanda, com resolução do mérito, ante o reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 487, II, do Código de Processo Civil. Na análise do recurso inominado interposto pela autora, os magistrados asseveraram que as pretensões contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou do fato que originou o direito, conforme preceitua o art. 1º do Decreto 20.910/1932. Ressaltaram que o art. 4º desse diploma legal prevê, como hipótese de suspensão da prescrição, o tempo em que o requerimento administrativo ficar aguardando reconhecimento ou pagamento do débito pelo órgão distrital. Na espécie, constataram que o processo administrativo foi iniciado no ano de 2023 e os créditos reconhecidos referem-se aos anos de 2013, 2016 e 2017. Assim, à vista da inobservância do prazo quinquenal, verificaram que o processo administrativo não suspendeu a prescrição da pretensão da autora. Além disso, o colegiado destacou que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 1109, firmou o entendimento de que, no caso concreto, quando a Administração Pública concorda com o direito pleiteado pelo interessado, mas inexiste lei que autorize a mencionada retroação, não ocorre renúncia tácita à prescrição, a ensejar o pagamento retroativo de parcelas anteriores à mudança de orientação jurídica (art. 191 do Código Civil). Nesse contexto, os julgadores reconheceram a prescrição da pretensão deduzida na inicial, uma vez que a recorrente ingressou com o processo administrativo quando já expirado o prazo legal. Com isso, a turma negou provimento ao recurso. 

Acórdão 1880393, 07418151320238070016, Relatora: Juíza MARGARETH CRISTINA BECKER, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 17/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024. 

Direito Ambiental

Alegada posse de imóvel público – ocupação por mera tolerância da Administração Pública – natureza difusa do direito à preservação do meio ambiente

A ocupação de terras públicas constitui detenção de natureza precária, decorrente de mera tolerância da Administração Pública, situação insuficiente para caracterizar posse. Dada a ausência de legitimidade do detentor, não se reconhece eventual obrigação do poder público de reparar danos causados por construção de via de acesso no meio de lote, mesmo diante de alegada defesa do meio ambiente – interesse jurídico de natureza difusa, o qual exige manejo de instrumento próprio para a tutela de direitos coletivos. Suposto possuidor de área em colônia agrícola ingressou com ação cominatória de obrigação de fazer contra o Distrito Federal e a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – Novacap, para a remoção de obra de passagem construída no meio do seu lote, bem como para promover a reparação da degradação ambiental. Sustentou que os réus teriam construído passagem improvisada com pavimentação asfáltica sem meio-fio, licença ambiental nem galerias de captação de águas pluviais, fato que impactou negativamente as minas de água da região, prejudicando o abastecimento da comunidade local. A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal – Adasa passou a integrar o feito. O juízo singular, ao verificar que o autor ocupa ilegalmente imóvel público, de propriedade da Terracap, julgou improcedentes os pedidos. Inconformado, o requerente interpôs apelação. Ao examinar o recurso, os desembargadores consignaram que o requerente não é proprietário da área onde busca a remoção da passagem nem pode ser considerado legítimo ocupante do imóvel, malgrado o fato de apresentar cartão de produtor rural, com declaração de atividade de registro emitido pela Adasa. Na verdade, observaram que a natureza pública da área enseja circunstância de ocupação de bem público por mera tolerância da Administração Pública, a qual não induz à alegada posse. Segundo os magistrados, como a destinação das coisas públicas é servir ao interesse coletivo, a função social da propriedade não protege a ocupação caracterizada pela mera detenção. Além disso, esclareceram que a via já existia antes da pavimentação, ligando chácaras rurais. Em relação aos danos ambientais, destacaram que a suposta diminuição de recarga dos aquíferos pode ser atribuída a causas multifatoriais e complexas, constatação apta a afastar elementos de irregularidade na mencionada obra. Por conseguinte, a turma enfatizou que, embora a preservação da natureza deva ser de responsabilidade de todos, a pretendida recuperação do meio ambiente revela-se, na verdade, como interesse jurídico de natureza difusa, conceituação que demanda o manejo de instrumento adequado para tutelar direito amplamente coletivo, por meio de pessoa legitimada para tanto. Assim, por não constatar irregularidade na obra questionada, o colegiado negou provimento ao recurso.

Acórdão 1881032, 00080356420168070018, Relator: Des. MAURICIO SILVA MIRANDA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 19/6/2024, publicado no DJe: 2/7/2024.

Direito Civil e Processual Civil

Alienação fiduciária em garantia – comprovação da mora do devedor – Tema 1132 do STJ

O credor fiduciário é obrigado a comprovar a comunicação da mora ao devedor na ação de busca e apreensão. O envio de carta registrada com aviso de recebimento para o endereço informado no contrato atende ao dever legal, dispensando-se a prova do recebimento pelo próprio destinatário ou por terceiros, conforme julgamento repetitivo do STJ (Tema 1132). Na origem, instituição financeira ajuizou ação de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente, com o objetivo de consolidar o domínio e a posse do bem em seu favor. O juízo singular indeferiu a petição inicial e extinguiu a demanda, sem resolução do mérito, por entender não ter sido adequadamente cumprida a emenda determinada, nos termos do arts. 321, parágrafo único; 330, IV; e 485, I, todos do Código de Processo Civil. Na análise da apelação interposta pelo banco, os desembargadores asseveraram que, comprovada a mora, o credor fiduciário poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, nos termos do art. 3º do Decreto-Lei 911/1969. Ressaltaram que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 1132, firmou o entendimento de que é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, dispensando-se a prova do recebimento pelo próprio destinatário ou terceiros. Na espécie, verificaram que o credor se desincumbiu do seu ônus de demonstrar o encaminhamento da notificação extrajudicial ao endereço informado pelo devedor no contrato, ainda que os Correios tenham devolvido o aviso de recebimento com o motivo “não procurado”. Nesse contexto, os julgadores concluíram que a mora do devedor foi devidamente comprovada pelo credor, não verificando qualquer irregularidade apta a obstar o prosseguimento da ação. Assim, a turma deu provimento ao recurso para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para o regular processamento.  

Acórdão 1876800, 07117833020248070003, Relatora: Des.ª SANDRA REVES, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 12/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024.  

Cumprimento de sentença – prestação alimentícia decorrente de ato ilícito – penhora de auxílio-doença

A penhora do benefício auxílio-doença é permitida, excepcionalmente, para a satisfação de débitos relacionados à prestação de alimentos oriundos de ato ilícito, desde que não haja comprometimento da subsistência e do mínimo existencial do devedor. Em cumprimento de sentença, exequente interpôs agravo de instrumento contra decisão que indeferiu pedido de penhora no valor de um salário-mínimo mensal do auxílio-doença de pessoa condenada ao pagamento de pensão e danos morais, em razão de acidente automobilístico. Sustentou que, em consequência do ocorrido, foi dispensado do trabalho, por incapacidade laborativa, teve de utilizar prótese na perna esquerda e realizar tratamento de fisioterapia, sem qualquer suporte do executado. Em exame de mérito da temática recursal, os desembargadores esclareceram que os alimentos podem ser classificados em legais, convencionais, e indenizatórios – estes devidos em decorrência da prática de ato ilícito. Explicaram que a penhora pode, excepcionalmente, recair sobre parte do benefício previdenciário, quando o crédito exequendo for considerado “prestação alimentícia”, independentemente da origem, nos termos do art. 833, § 2º, do Código de Processo Civil. Segundo os julgadores, ao menos na parte referente à indenização por ato ilícito, a indenização se enquadra no conceito de “prestação alimentícia”, circunstância que permite o deferimento da medida, desde que não comprometa a subsistência, nem viole o mínimo existencial do devedor. Nessa linha, acrescentaram que cabe ao executado o ônus de demonstrar que a penhora afetará essa parcela indispensável à sobrevivência, conforme aplicação analógica do art. 854, § 3º, I, do CPC. Assim, entenderam razoável a penhora de auxílio-doença no valor equivalente a 50% do salário-mínimo vigente, até a satisfação do débito referente à pensão. Com isso, a turma deu provimento parcial ao recurso.  

Acórdão 1880677, 07501307820238070000, Relator: Des. RENATO SCUSSEL, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 19/6/2024, publicado no PJe: 2/7/2024. 

Direito Constitucional

Suicídio em via pública – adoção dos protocolos para identificação – omissão estatal não configurada

A ausência de localização de familiares de pessoa que ceifou a própria vida em via pública do Distrito Federal não caracteriza omissão de agentes públicos, quando adotados todos os protocolos para identificação do corpo e sepultamento social. Mãe de homem que se suicidou em via pública ajuizou ação de indenização por danos morais contra o Distrito Federal, sob alegação de negligência dos policiais na identificação do filho. Narrou que a suposta falha teria ocasionado enterro como indigente, sem que a família tivesse sido comunicada do óbito. O pedido foi julgado parcialmente procedente para fixar a indenização por danos morais, no valor de R$ 20.000,00. Ao analisarem o recurso do DF, os desembargadores explicaram que a responsabilidade civil do Estado, em regra, é regida pela teoria do risco administrativo (art. 37, § 6º, da Constituição Federal), na modalidade objetiva, segundo a qual as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público respondem pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, sem necessidade de avaliação do elemento subjetivo. Ressaltaram que, nos casos de negligência, todavia, a responsabilidade é apurada de forma subjetiva, mediante comprovação da lesão e do descuido dos agentes. Acrescentaram ser ônus da parte autora comprovar omissão relevante dos policiais (art. 373 do Código de Processo Civil), o que não ocorreu na hipótese. Nesse contexto, os julgadores destacaram que não houve falha na identificação do falecido, uma vez que os documentos pessoais foram localizados na carteira junto ao corpo e, com o auxílio desses dados, foram adotadas todas as diligências possíveis para localização dos parentes. Nessa perspectiva, o colegiado esclareceu que as mortes com causas acidentais ou violentas, incluindo o suicídio, são objeto de avaliação do Instituto de Medicina Legal, vinculado à Polícia Civil do DF, que elabora o exame cadavérico, cuja finalidade última é a correta identificação do indivíduo morto para a confecção da certidão de óbito. Dessa forma, observaram que o corpo foi direcionado para enterro social, com indicação precisa do local e do ocupante do jazigo, fato que afasta a alegação de que o finado teria sido sepultado como indigente. A turma afirmou, ainda, que o documento de identificação do falecido era de outra unidade da federação, elemento que dificultava a localização dos parentes. Além disso, consignou que os familiares só reclamaram o desaparecimento meses após a morte, circunstância que dificultou o encontro de pessoas próximas. O colegiado destacou que, embora não haja exigência legal de busca de parentes em caso de suicídio, os agentes policiais fizeram a procura informalmente, de modo a afastar a alegada negligência e, por outro lado, denotar atuação correta, com zelo e cuidado para a localização da família. Por fim, como todos os protocolos necessários para o caso foram adotados, os magistrados concluíram que não houve comprovação do dano ou do nexo causal apto a justificar a condenação, motivo pelo qual deram provimento ao recurso.

Acórdão 1868417, 07029304820238070009, Relator: Des. TEÓFILO CAETANO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 22/5/2024, publicado no DJe: 4/7/2024. 

Direito da Criança e do Adolescente

Relação de subordinação entre pais e filhos – excesso no poder disciplinar – crime de maus-tratos

Considerada a relação de subordinação entre pais e filhos, o excesso no poder disciplinar exercido pelo pai configura abuso dos meios de educação e ensino, fato caracterizador do crime de maus-tratos, sobretudo quando resulta em ofensa à integridade física da criança, ainda que se tenha como legítimo o direito de corrigir o menor. Na origem, um pai foi denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime de maus-tratos contra seus filhos, em contexto de violência doméstica contra criança (art. 136, § 3º, do Código Penal, na forma do art. 2º, I e II, da Lei 14.344/2022 (Lei Henri Borel) c/c o art. 4º, I, da Lei 13.431/2017). Segundo o órgão ministerial, o acusado teria desferido alguns chutes no filho e dado um pisão na filha, em razão de terem-se recusado a acompanhá-lo no dia reservado à visita. O juízo singular condenou o réu à pena de dois meses e vinte dias de detenção, no regime aberto, concedendo a suspensão condicional da pena. Irresignado, o pai interpôs apelação. Ao apreciarem o recurso, os desembargadores esclareceram que não apenas a mãe da criança relatou a reação desproporcional do réu, o qual revidou fortemente a uma brincadeira do filho de cinco anos, mas também a filha menor confirmou o fato, por meio de depoimento especial. Com efeito, os julgadores destacaram que o chute no menor fora comprovado por laudo de exame de corpo de delito, o qual indicou lesões contusas na perna da criança. Nesse sentido, os julgadores ponderaram que o pai abusara dos meios de correção e disciplina inerentes ao poder patriarcal, valendo-se de meios imoderados para repreender a criança. Nessa perspectiva, a turma reconheceu as elementares do crime de maus-tratos, haja vista a relação de subordinação havida entre o pai e as crianças, em razão do exercício de autoridade, guarda e vigilância, situação desvirtuada pelo abuso nos meios de correção com o alegado intuito de correção e ensino. Dessa forma, ainda que considere legítimo o direito de correção dos filhos, em razão do excesso no poder disciplinar, o qual resultou na ofensa à integridade física do menor, o Colegiado negou provimento ao recurso, para manter a condenação.  

Acórdão 1881907, 07038556320228070014, Relatora: Des.ª GISLENE PINHEIRO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 20/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024. 

Direito do Consumidor

Falha em serviço Buser – transtornos em viagem – dano moral a pessoa com autismo

A startup Buser, que conecta pessoas a empresas de transporte, é responsável, solidária e objetivamente, por falhas nos serviços prestados, pois exerce atividade lucrativa. Assim, é cabível reparação por danos morais quando comprovada série de contratempos enfrentados por pessoa com autismo e Transtorno Misto Ansioso e Depressivo. Consumidora ajuizou ação de reparação cível contra o aplicativo Buser, pelos transtornos suportados em viagem realizada de Brasília para Belo Horizonte, onde faria prova de concurso público. A autora, diagnosticada dentro do espectro autista, sustentou alteração no local de embarque, atraso nos horários, cancelamento do trecho de retorno, em contexto de extrema desorganização. Condenada ao pagamento de três mil reais por danos materiais e morais, a requerida interpôs apelação. Ao analisarem o recurso, os desembargadores afirmaram que a startup integra a cadeia de fornecimento, aufere lucro com as próprias viagens e com a atividade de intermediação entre passageiros e transportadoras, motivo pelo qual deve responder objetiva e solidariamente pela falha na prestação dos serviços.  Assim, rejeitada a questão preliminar de ilegitimidade passiva, explicaram que a caracterização do dano moral requer prova de situação de extrema gravidade, suficiente para causar abalo psicológico considerável e na honra do ofendido. No particular, verificaram que a autora sofre de Transtorno Misto Ansioso e Depressivo e, não bastasse a condição pessoal, enfrentou alteração do local do embarque, atraso considerável na partida e, por fim, cancelamento do trecho de retorno da viagem. Desse modo, segundo os Julgadores, os fatos vivenciados superam o mero aborrecimento e são capazes de gerar o dano moral, notadamente pelo forte abalo emocional gerado à pessoa com autismo. Contudo, reduziram para dois mil reais o valor da indenização, por entenderem adequado, proporcional e condizente com o efeito pedagógico da compensação, sem caracterizar enriquecimento sem causa. Ao fim, demonstrado o efetivo cancelamento do itinerário de volta, a turma manteve a condenação por danos materiais, nos termos da sentença.   

Acórdão 1883051, 07162910220238070020, Relator: Des. ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 25/6/2024, publicado no DJe: 4/7/2024. 

Direito Empresarial

Reconhecimento de grupo empresarial – unidade de gestão e objetivo comum – solidariedade passiva

A comunhão de esforços para a consecução de objetivos comuns, o gerenciamento único, a utilização de idêntico endereço para sociedades diferentes e a assinatura de contratos sugestiva de coincidência de patrimônios são indicadores da existência de grupo econômico. Constatadas as convergências, as empresas integrantes do conjunto devem responder solidariamente pela satisfação do crédito em execução. Duas empresas interpuseram agravo de instrumento contra decisão que, em cumprimento de sentença, indeferiu pretensão para reconhecimento da existência de grupo empresarial. Na apreciação do recurso, os desembargadores aduziram a definição de grupo econômico, colhida do art. 265 da Lei 6.404/1976, segundo a qual sociedades controladora e controlada ajustam entre si recursos ou esforços para um objetivo comum e lucrativo. Esclareceram, assim, que o ajuntamento só se verifica nos casos em que há comunhão societária, convergência de sócios, atuação coordenada ou unidade diretiva. Na comparação das semelhanças entre as empresas indicadas pelos agravantes, observaram que um dos sócios mantinha união estável com integrante do quadro de três outras pessoas jurídicas indicadas nos autos. Além disso, consignaram que os avisos de recebimento de atos judiciais dirigidos a destinatários, em tese, distintos, foram recebidos pelo mesmo funcionário, em um único endereço. Constataram, ainda, que, embora os contratos fossem habitualmente firmados por uma determinada sociedade, quem emitia os pertinentes boletos de cobrança era outra, em “clarividente confusão patrimonial”, a qual tornava infrutífera a busca por valores para satisfazer a execução. Nessa perspectiva, os magistrados afirmaram que a responsabilidade existente entre os componentes de grupo empresarial é solidária e se perfaz por meio da teoria da aparência, a despeito da existência de personalidades jurídicas diferentes ou do desenvolvimento de atividades em locais diversos. Com esses fundamentos, o Colegiado considerou evidenciada a formação do grupo, porquanto demonstrada a convergência de esforços e a unidade de gestão entre as sociedades. Por fim, deu provimento ao recurso para a inclusão das empresas no polo passivo da demanda de execução originária. 

Acórdão 1880211, 07155360420248070000, Relatora: Des.ª CARMEN BITTENCOURT, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 18/6/2024, publicado no DJe: 1º/7/2024. 

Direito Penal e Processual Penal

Prisão domiciliar – tentativa de violação do sinal da tornozeleira eletrônica – revogação do benefício e regressão de regime

A tentativa de violação do sinal da tornozeleira eletrônica, por meio de envelopamento do dispositivo, caracteriza falta grave, apta a ensejar a revogação da prisão domiciliar e a regressão para regime fechado. Condenado à pena de mais de 21 anos de reclusão interpôs agravo em execução contra decisão que revogou a prisão domiciliar concedida e impôs a regressão ao regime fechado, em decorrência de falta grave praticada (art. 50, VI, e art. 39, V, todos da Lei de Execução Penal). Na análise do recurso, os magistrados explicaram que o agravante foi abordado pela polícia militar e conduzido à delegacia, por ter envelopado a tornozeleira eletrônica que usava, em flagrante tentativa de violação do sinal do dispositivo. Afastaram o pedido apresentado pela defesa – abono da falta devido à necessidade de o apenado ir ao hospital para tratamento de ombro deslocado –, pois entenderam não haver dúvidas quanto à tentativa de violação do sinal do equipamento, confessada pelo sentenciado em audiência. Tal fato, destacaram, inviabiliza o monitoramento do réu e evidencia descompromisso com a execução da pena, de modo a caracterizar falta grave, passível de equiparação à fuga. Nesse contexto, observaram tornar-se desnecessária a demonstração de práticas reiteradas para aplicação imediata das sanções legais. Além disso, o colegiado ressaltou que a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico constitui medida excepcional e, por isso, caberia ao beneficiado maior cuidado para não transgredir as regras de utilização do dispositivo. Nesse sentido, a turma, com amparo na legislação (art. 118, I, e art. 146-C, parágrafo único, I e VI, da Lei de Execução Penal) e no entendimento jurisprudencial predominante, concluiu pela legalidade e proporcionalidade da decisão recorrida, motivo pelo qual negou provimento ao agravo. 

Acórdão 1881763, 07166610720248070000, Relator: Des. DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 20/6/2024, publicado no DJe: 2/7/2024. 

Direito Tributário

Compra e venda de imóvel por procuração – impossibilidade de transferência da propriedade – substituição do sujeito passivo responsável pelo IPTU

Realizada a compra e venda de imóvel por meio de procuração, a titularidade do sujeito passivo responsável pelo pagamento do IPTU passa a ser do adquirente em razão da posse – fato gerador do tributo –, ainda que o documento não represente instrumento hábil para a transferência da propriedade. Na origem, vendedor de uma casa ingressou com ação de obrigação de fazer combinada com indenização por danos morais contra o adquirente do imóvel, para compeli-lo a realizar a transferência da propriedade e determiná-lo como sujeito passivo responsável pelo imposto predial e territorial urbano – IPTU, o qual não vinha sendo pago desde 2016. Segundo alegações do autor, o negócio fora realizado há mais de vinte anos por meio de procuração e, em razão da inadimplência do imposto, teve seu nome inscrito na dívida ativa. O juízo singular, ao verificar a ausência de poderes para transferência do imóvel na procuração em causa própria outorgada ao comprador, julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando o requerido a pagar os débitos tributários lançados em nome do alienante e o valor de cinco mil reais, a título de danos extrapatrimoniais. Irresignado, o alienante interpôs apelação. Na análise do recurso, os desembargadores esclareceram que a procuração em causa própria (in rem suam) pode representar negócio jurídico apto à transferência de propriedade de imóvel desde que apresente não só a individualização do bem, mas também a forma de pagamento e de quitação do preço, além de cláusulas de irrevogabilidade, irretratabilidade e dispensa de prestação de contas – elementos essenciais não verificados no mencionado instrumento. Nesse sentido, os julgadores ponderaram que, ao não apresentar os requisitos e as formalidades necessários para a obtenção dos efeitos de compra e venda, não há como impor a transferência da titularidade do imóvel. Entretanto, os magistrados asseveraram que o imposto predial territorial urbano – cujo fato gerador pode ser a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis – ostenta natureza jurídica propter rem (em razão da coisa) e, por isso, deve ser sub-rogado na pessoa do adquirente, em consonância com o art. 130 do Código Tributário Nacional. Dessa forma, a turma reconheceu que, ao exercer a posse do imóvel, o comprador é considerado contribuinte do tributo, devendo figurar no polo passivo da obrigação tributária. Assim, diante da necessária sub-rogação verificada na aquisição da residência, o colegiado deu parcial provimento ao recurso, apenas para determinar a transferência da titularidade do sujeito passivo responsável pelo IPTU.  

Acórdão 1882270, 07136242820228070004, Relatora: Des.ª MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 20/6/2024, publicado no DJe: 5/7/2024. 

Informativo

Primeira-Vice-Presidência

Desembargador Primeiro-Vice-Presidente: Roberval Casemiro Belinati

Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Sandoval Gomes de Oliveira - Presidente; Álvaro Ciarlini, Héctor Valverde Santanna, Maria Ivatônia Barbosa dos Santos e Roberto Freitas Filho – membros efetivos e José Firmo Reis Soub - membro suplente

Juíz Auxiliar da Primeira-Vice-Presidência: Luis Martius Holanda Bezerra Junior

Coordenadoria de Doutrina e Jurisprudência: Paulo Gustavo Barbosa Caldas 

Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Cleber Alves Ribeiro Braz, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues

Colaboradores: Ana Claudia Nascimento Trigo de Loureiro, Cristiana Costa Freitas, Letícia Vasco Mota e Maria Celina Fernandes de Souza

Revisão: José Adilson Rodrigues

Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda

E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br 

Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR.

Os textos aqui divulgados foram elaborados a partir de acórdãos selecionados pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência da CODJU e não constituem, portanto, repositório oficial da jurisprudência deste Tribunal. 

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