Ação penal

última modificação: 2023-11-17T14:56:34-03:00

Tema criado em 7/11/2023.

Doutrina 

“24.1. Introdução  

Ação penal é o procedimento judicial deflagrado pelo titular da ação quando há indícios de autoria e de materialidade, a fim de que o juiz declare procedente a pretensão punitiva estatal e condene o autor da infração penal. Durante o seu transcorrer serão assegurados ao acusado amplo direito de defesa, além de outras garantias, como a estrita observância do procedimento previsto em lei, de só ser julgado pelo juiz competente, de ter assegurado o contraditório e o duplo grau de jurisdição etc.  

De acordo com o art. 100, caput, do Código Penal, o Estado, detentor do direito e do poder de punir (jus puniendi), pode conferir a iniciativa do desencadeamento da ação penal a um órgão público (Ministério Público) ou à própria vítima, dependendo da modalidade de crime praticado. Portanto, para cada delito previsto em lei, existe a prévia definição da espécie de ação penal – de iniciativa pública ou privada –, de modo que as próprias infrações penais são divididas nessas duas categorias – crimes de ação pública ou de ação privada.  

Ação penal pública é aquela em que a iniciativa é exclusiva do Ministério Público (órgão público), nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal. A peça processual que a ela dá início se chama denúncia.  

 A ação pública apresenta as seguintes modalidades:  

a) Incondicionada, em que o exercício da ação independe de qualquer condição especial.  

b) Condicionada, na qual a propositura da ação penal depende da prévia existência de uma condição especial (representação da vítima ou requisição do Ministro da Justiça). É o que estabelece o art. 100, § 1º, do Código Penal. 

Ação penal privada é aquela em que a iniciativa da propositura é conferida à vítima. A peça inicial se chama queixa-crime.

 Subdivide-se em:

a) Exclusiva, em que a iniciativa da ação penal é da vítima, mas, se esta for menor ou incapaz, a lei permite que seja proposta pelo representante legal. Ademais, em caso de morte da vítima, a ação poderá ser iniciada por seus sucessores (cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão) e, se esta já estiver em andamento por ocasião do falecimento, poderão eles prosseguir no feito.

b) Personalíssima, na qual a ação só pode ser proposta pela vítima. Se ela for menor, deve-se esperar que complete 18 anos. Se for doente mental, deve-se aguardar eventual restabelecimento.

 Em caso de morte, a ação não pode ser proposta pelos sucessores. Se já tiver sido proposta na data do falecimento, a ação se extingue pela impossibilidade de sucessão no polo ativo.

c) Subsidiária da pública, em que a ação é proposta pela vítima em crime de ação pública, possibilidade que só existe quando o Ministério Público, dentro do prazo que a lei lhe confere, não apresenta qualquer manifestação.

 (...)”

(GONÇALVES, Victor Eduardo R. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1ª a 120). V.1. Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553624726. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553624726/.Acesso em: 10 out. 2023.)   

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"CONDIÇÕES DA AÇÃO

Para que o Estado possa conhecer e julgar a pretensão deduzida em juízo, será preciso que aquele que invoca o seu direito subjetivo à tutela jurisdicional preencha determinadas condições, sem as quais a ação se reconhecerá natimorta, ou seja, embora já exercitada, não conseguirá alcançar a sua finalidade, pois perecerá logo após o seu exercício. O art. 395, II, do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, assevera que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal. Assim, são condições necessárias ao regular exercício do direito de ação de natureza penal:

 a) legitimidade das partes;

 b) interesse de agir;

 c) possibilidade jurídica do pedido;

 d) justa causa. (Em posição contrária, José Barcelos de Souza afirma não ser a justa causa uma condição autônoma, uma quarta condição da ação - Direito processual civil e penal, p. 161.)

2.1.Legitimidade das partes
A legitimidade ativa no processo penal é expressamente determinada pela lei, que aponta o titular da ação, podendo tanto ser o Ministério Público, órgão acusador oficial, ou o particular. Podemos subdividir essa legitimidade ativa em primária e secundária, pois, em determinadas ocasiões, a lei pode transferir essa legitimidade a outra pessoa que não o titular original. Como exemplo, podemos trazer a hipótese na qual o Ministério Público, por inércia, deixa de oferecer a denúncia no prazo legal, transferindo-se o direito de propor a ação penal ao particular, por meio de uma ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, ou seja, subsidiária àquela que deveria ter sido proposta pelo órgão oficial, legitimado primariamente a propô-la. Poderá ocorrer a mudança de legitimação ativa também na hipótese de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, uma vez que o seu direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 100, § 4º, do CP e art. 31 do CPP) 

(...).

2.2 Interesse de agir
O interesse de agir, no processo penal, decorre da necessidade de ter o titular da ação penal que se valer do Estado para que este conheça e, se for convencido da existência e autoria da infração penal, condene o réu ao cumprimento de uma pena justa. Liebman dizia que ‘o interesse de agir é o elemento material do direito de ação e consiste no interesse em obter o provimento solicitado.’ (...)

2.3.Possibilidade jurídica do pedido
A terceira condição da ação diz respeito à possibilidade jurídica do pedido. Nas lições de Vicente Greco Filho, ‘a possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira preveja a providência pretendida pelo interessado.’ (...)

2.4.Justa causa

A última condição necessária para o regular exercício da ação de natureza penal condenatória é a justa causa. Justa causa, aqui, quer dizer um lastro probatório mínimo que dê suporte aos fatos narrados na peça inicial de acusação. Segundo as precisas lições de Afrânio Silva Jardim:

'Esse suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios da autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova da antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo este conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal [...]. Uma coisa é constatar a existência da prova no inquérito e peças de informação e outra coisa é valorá-la, cotejá-la. É preciso deixar claro que a justa causa pressupõe um mínimo de lastro probatório, mas não prova cabal. É necessário que haja alguma prova, ainda que leve. Agora, se esta prova é boa ou ruim, isto já é questão pertinente ao exame do mérito da pretensão do autor, até porque as investigações policiais não se destinam a convencer o juiz, tendo em vista o sistema acusatório e a garantia constitucional do contraditório, mas apenas viabiliza a ação penal.'

O art. 395, III, do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, diz que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal.

(...)"

(GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: artigos 1º a 120 do código penal. v.1.  Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559774593. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559774593/. Acesso em: 30 out. 2023.)

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“3. CRITÉRIO DE INICIATIVA DA AÇÃO PENAL

Estabeleceu-se no Código Penal, em lugar de fazê-lo no Código de Processo Penal, quando a ação penal é pública – incondicionada ou condicionada – ou privada. Para tanto, deve-se consultar, na Parte Especial, em cada tipo penal, o que foi previsto pela lei. Se nada vier destacado, portanto, na omissão, a ação é pública incondicionada. Caso contrário, está evidenciado no próprio artigo (ex.: ameaça – art. 147 –, onde se prevê, no parágrafo único, que somente se procederá mediante representação; crimes contra a honra – arts. 138, 139 e 140, com a exceção do art. 140, § 2.º – onde se prevê a iniciativa mediante queixa, conforme dispõe o art. 145, CP). Em nosso entendimento, dever-se-ia cuidar de ação penal, em todos os seus aspectos, na área processual.

 Lembremos que, havendo concurso de delitos, envolvendo crimes de ação pública e privada, o Ministério Público somente está autorizado a agir no tocante ao delito de ação pública incondicionada. Ex.: em um cenário onde há uma tentativa de homicídio e uma injúria, o Promotor de Justiça só pode agir no tocante ao delito de ação incondicionada (tentativa de homicídio). Pode dar-se, no entanto, o litisconsórcio ativo entre o Ministério Público e o particular, que deverá oferecer queixa-crime.

4.ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL, QUANTO AO POLO ATIVO

Temos duas espécies, a pública e a privada, com subdivisões. A ação penal pública subdivide-se em incondicionada e condicionada.

 A incondicionada é aquela cuja propositura cabe exclusivamente ao Ministério Público, sem depender da concordância do ofendido ou de qualquer outro órgão estatal (art. 100, caput, CP).

 A condicionada depende de prévia provocação do interessado (art. 100, § 1.º, CP): a) o Ministro da Justiça, nos casos de crimes contra a honra do Presidente da República ou de chefe de governo estrangeiro e para a persecução de crimes praticados no estrangeiro contra brasileiro. A requisição é condição para a ação penal e, também, condição de procedibilidade; b) representação do ofendido, nos casos taxativamente previstos em lei. O interesse de proteger o bem jurídico atingido é primordialmente do Estado, mas é preciso também que o particular tenha interesse na punição do autor. Logo, a pretensão punitiva do Estado somente pode ser deduzida em juízo quando há a representação (forma de autorização para agir), que não dá nascimento ao direito de punir do Estado, pois este surge a partir do cometimento do delito.

 A ação penal privada é a transferência do direito de acusar do Estado para o particular, pois o interesse na existência do processo e, consequentemente da punição, é eminentemente privado (art. 100, § 2.º, CP). Note-se que não é transferido o direito de punir, mas tão somente o direito de agir. Canuto Mendes de Almeida já questionou essa terminologia, dizendo que não pode ser privada uma ação que é, na essência, pública, pois trata do direito de punir do Estado, lidando com direitos e garantias individuais do cidadão. Frederico Marques, no entanto, faz a crítica a essa postura, dizendo que é fruto da concepção imanentista de ação (ação correspondendo ao direito material), pois toda ação é pública (mesmo a civil), já que se trata de um direito público subjetivo de caráter instrumental exercido frente ao Estado.

 A ação penal privada é regida pelo princípio da oportunidade, tratando-se de um típico caso de substituição processual – do Estado pelo particular. Apesar de questionável a terminologia utilizada (ação privada), sob o ponto de vista da legitimidade para agir, é correta. Tanto assim que o Código Penal menciona “ação de iniciativa privada” (art. 100, § 2.º). Chama-se privada porque o interesse em jogo é mais particular do que público, e o escândalo gerado pelo processo pode ser mais prejudicial ao ofendido (strepitus judicii) do que se nada for feito contra o delinquente.

 Subdivide-se a ação privada da seguinte forma: a) principal ou exclusiva, quando só o ofendido pode exercer (inclui-se, nesse contexto, a personalíssima, que somente o ofendido, pessoalmente, pode propor, conduzindo-a até o final, ou seja, não há sucessão no polo ativo por outra pessoa; caso morra a parte ofendida, antes do término da demanda, extingue-se a punibilidade do agente); b) subsidiária da pública, que é intentada pelo ofendido diante da inércia do Ministério Público (art. 29, CPP), quando deixa escoar o prazo legal sem oferecimento da denúncia. Alguns autores mencionam a existência da ação penal adesiva, que ocorreria quando o particular ingressasse no processo como assistente do Ministério Público (cf. Frederico Marques, Elementos de direito processual penal, v. I, p. 325). Em nossa visão, trata-se de mera interveniência.

 Perde o direito de ajuizar ação o particular que: a) deixa ocorrer a decadência (decurso do prazo de seis meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime); b) renuncia ao direito de queixa (ato unilateral de desistência de propositura da ação penal); c) perdoa o querelado (ato bilateral, que demanda concordância do querelado, ocorrendo durante o transcurso da ação penal); d) deixa ocorrer a perempção (sanção processual imposta ao querelante quando não proporciona o devido andamento ao feito).

 Decorre do art. 48 do Código de Processo Penal (‘A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade’) ser a ação penal privada indivisível, vale dizer, o particular não tem disponibilidade sobre a extensão subjetiva da acusação. Caso resolva propor contra um coautor, fica obrigado a ajuizá-la contra todos. Afinal, a tutela penal dirige-se a fatos, e não a pessoas, sendo indevida a escolha feita pelo ofendido.”

(NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal.  Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559642830. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642830/. Acesso em: 8 nov. 2023.)

Jurisprudência    

  • TJDFT 

Ausência de justa causa – impossibilidade de prosseguimento da persecução penal

"1. Se a imputação não vier lastreada em um mínimo suporte probatório, a denúncia ou queixa deve ser rejeitada, porquanto a pretensão punitiva não pode ser utilizada aleatoriamente, sob pena de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito ao princípio da presunção da inocência, ocorrendo injusta restrição da liberdade individual."

Acórdão 1777317, 07235865020238070001, Relatora: GISLENE PINHEIRO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 26/10/2023, publicado no DJE: 8/11/2023.

Existência de lastro mínimo probatório – justa causa para a ação penal

1". A justa causa para a ação penal/processo de apuração de ato infracional está principalmente conectada à existência de lastro mínimo probatório para que o Juiz receba a peça acusatória/representação e resta configurada no caso concreto, em que estão presentes os indícios de autoria e materialidade que justificam o recebimento da representação, devendo-se ressaltar que a certeza da materialidade e da autoria somente é exigida no julgamento do mérito da causa. 2. No caso dos autos, tem-se que a abordagem do adolescente não ocorreu de forma aleatória e sem qualquer motivação, visto que os policiais militares narraram que visualizaram o momento em que o representado demonstrou comportamento inquieto, em razão da presença da viatura policial, além de ter empreendido fuga para se evadir da abordagem, caracterizando os elementos concretos referentes à fundadas suspeitas para a busca pessoal."

Acórdão 1774599, 07077326020218070009, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 19/10/2023, publicado no PJe: 2/11/2023.

Pessoa jurídica – imputação do crime de calúnia – legitimidade do sócio-gerente

"1. A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação, mas não de injúria e calúnia. Desse modo, a imputação da prática de crime a pessoa jurídica gera a legitimidade do sócio-gerente para a queixa-crime por calúnia. 2. O sócio ou representante legal da pessoa jurídica possui legitimidade para intentar ação penal privada em favor dela, sendo ele a vítima direta da conduta descrita como delituosa. 3. A justa causa para a ação penal está principalmente conectada à existência de lastro mínimo probatório para que o Juiz receba a peça acusatória."

Acórdão 1774131, 07149018220228070003, Relatora: SIMONE LUCINDO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 19/10/2023, publicado no PJe: 30/10/2023. 

Justificação criminal – condições da ação – falta de justa causa

"1. São requisitos processuais gerais para o regular exercício do direito de ação penal: a) a possibilidade jurídica do pedido; b) interesse de agir; c) legitimidade da parte e d) justa causa. 2. "A justificação criminal se destina à obtenção de provas novas com o objetivo de subsidiar revisão criminal, não sendo o meio jurídico adequado para nova oitiva de testemunhas cujos depoimentos já tiverem sido colhidos no curso da ação penal que se busca anular" (RHC n. 101.478/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 9/4/2019). 2.1 A justificação criminal não se presta a reinquirir a vítima, pura e simplesmente, sem que que a prova nova trazida lance dúvidas acerca da existência do delito. 3. Ausente justa causa para autorizar o processamento da justificação criminal, o indeferimento da inicial é medida de rigor. "
Acórdão 1761205, 07032968120238070011, Relatora: LEILA ARLANCH, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 28/9/2023, publicado no PJe: 2/10/2023.