Ação penal privada
Tema criado em 19/3/2024.
Doutrina
“30.4.1 Introito
Ação penal privada é aquela cuja persecução penal é iniciada pelo particular (ofendido ou seu representante legal) com o oferecimento de queixa-crime, cuja peça inicial acusatória deverá conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas (CPP, art. 41).
30.4.2 Legitimidade
O direito de queixa será exercido, por excelência, pelo ofendido, acaso seja maior de dezoito anos e mentalmente capaz (CPP, art. 30, primeira parte, do Código de Processo Penal).
Tratando-se de ofendido menor de dezoito anos ou mentalmente incapaz, o direito de queixa poderá ser exercido por seu representante legal (CPP, art. 31, segunda parte, do Código de Processo Penal). Se o ofendido não tiver representante legal ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial nomeado pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público (CPP, art. 33). Nota-se que o curador especial, todavia, não estará obrigado a deflagrar a ação penal privada contra o autor do crime, cabendo-lhe avaliar, pois, a conveniência ou não dessa medida, de acordo com os interesses do ofendido. Por fim, no caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, estarão legitimados para o exercício do direito de queixa, nessa ordem: cônjuge (ou companheiro); ascendente; descendente; e irmão (CPP, art. 31), cuja hipótese, frise-se, é de substituição processual (atuação em nome próprio, porém na defesa de interesse alheio).
(...)
30.4.3 Espécies
Como já dito alhures, há três tipos de ação penal privada, senão vejamos:
a) ação penal privada propriamente dita ou exclusivamente privada (CP, 100, § 2º): ação penal privada por excelência, é aquela que admite a substituição processual, ou seja, em caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passará ao seu cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente ou irmão (CP, art. 31).
b) ação penal privada personalíssima: é aquela que somente pode ser deflagrada pelo ofendido. A titularidade do direito de queixa é exclusiva (direito personalíssimo e intransmissível). Portanto, a queixa não poderá ser ofertada pelo representante legal do ofendido e também não se admitirá a substituição processual, ou seja, em caso de morte da vítima ou quando declarada ausente por decisão judicial, os seus sucessores não poderão propor nem prosseguir na ação, operando-se, por via de consequência, a extinção da punibilidade do agente infrator. Em nosso ordenamento jurídico, o único crime perseguido por meio de ação penal privada personalíssima é o de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (CP, art. 236).
c) ação penal privada subsidiária da pública (CP, art. 100, § 3º): fundamentada no art. 5º, inciso LIX, da Constituição Federal, é aquela que poderá ser proposta pelo particular (por meio da chamada queixa subsidiária) acaso não seja intentada pelo Ministério Público no prazo legal. Como regra geral, o prazo para oferecimento de denúncia, estando o réu preso, será de 5 (cinco) dias; e de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto (CPP, art. 46). Somente será admitida esta ação penal privada se o órgão oficial do Estado não se manifestar, de alguma forma, dentro do prazo legal. É forçoso concluir, assim, que não se admitirá a queixa subsidiária se o promotor de justiça ordenou o arquivamento do inquérito policial ou requisitou a realização de diligências à autoridade policial, já que, nessas hipóteses, não há falar-se em inércia do Ministério Público. Nota-se, por fim, que esta ação, muito embora seja proposta por particular (e por isso denominada de ação penal privada), não perde a sua natureza pública, razão pela qual deverá o Ministério Público intervir obrigatoriamente em todos os seus termos (interveniência adesiva obrigatória), sob pena de nulidade (CPP, art. 29).” (grifos no original)
(SOUZA, Renee do Ó.; PIPINO, Luiz Fernando R. Direito Penal: Parte Geral. v.1. (Coleção Método Essencial). Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559643196. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559643196/. Acesso em: 19 mar. 2024).
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“31.5.1. Princípios específicos da ação privada
Existem três princípios específicos da ação privada: a) da oportunidade; b) da disponibilidade; c) da indivisibilidade.
Princípio da oportunidade
Também conhecido como princípio da conveniência, significa que, ainda que haja provas cabais contra os autores da infração penal, pode o ofendido preferir não os processar. Na ação privada, o ofendido (ou seu representante legal) decide, de acordo com seu livre-arbítrio, se vai ou não ingressar com a ação penal.
Princípio da disponibilidade da ação
O querelante pode desistir do prosseguimento da ação por ele intentada por meio dos institutos do perdão e da perempção (arts. 51 e 60 do CPP), bem como pode desistir de recurso que tenha interposto (art. 576 do CPP).
Princípio da indivisibilidade
Está consagrado no art. 48 do Código de Processo Penal que diz que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos. A finalidade do dispositivo é esclarecer que, embora o ofendido possa optar por ingressar ou não com a queixa (princípio da oportunidade), caso resolva fazê-lo deve inserir na acusação todos os autores do delito que tenham sido identificados. Não pode, portanto, mencionar alguns dos autores do crime na queixa e deixar os outros de fora. A intencional exclusão de um deles será interpretada como renúncia em relação a ele e, nos termos do art. 49, a todos se estenderá.
O art. 48 do Código de Processo Penal, em sua parte final, diz que cabe ao Ministério Público velar pela indivisibilidade da ação privada, alertando o juízo de eventual desrespeito à regra para que o juiz declare a renúncia referida no parágrafo anterior.” (grifos no original)
(ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo R. Esquematizado - Direito Penal - Parte Geral. Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555596434. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555596434/. Acesso em: 19 mar. 2024).
Jurisprudência
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TJDFT
Honorários de sucumbência – aplicação analógica do Código de Processo Civil
“1 - No processo penal, tratando-se de ação penal privada, o vencido será condenado em honorários de advogado.”
Acórdão 1824403, 07015264920208070014, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 7/3/2024, publicado no DJE: 13/3/2024.
Vício de representação – necessidade de correção – prazo decadencial de seis meses
“1 - Se a procuração, genérica, não confere poderes especiais para oferecer queixa-crime e o vício não é sanado no prazo decadencial de seis meses, há vício de representação e inépcia da queixa-crime (CPP, art. 44 e 395, I).“
Acórdão 1816144, 07073649220238070005, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 22/2/2024, publicado no PJe: 23/2/2024.
Crime de ação penal privada – foro alternativo – escolha do querelante
“1. Nos termos do que determina o art. 73 do Código de Processo Penal, relativo aos crimes de ação penal privada, mesmo sendo conhecido o local da infração, possibilitado está a parte querelante optar pelo ingresso da ação penal no foro do domicílio do réu/querelado.”
Acórdão 1809372, 07535214120238070000, Relator: GISLENE PINHEIRO, Câmara Criminal, data de julgamento: 31/1/2024, publicado no PJe: 9/2/2024.
Acordo de não persecução penal – ação penal privada – possibilidade de oferecimento pelo Ministério Público
“1. Constatada a omissão do querelante, que não apresentou proposta de acordo de não persecução penal no momento do ajuizamento da queixa-crime, a propositura do referido benefício legal pelo Ministério Público, mesmo após o recebimento da peça acusatória, na qualidade de custos legis, é legítima e oportuna, porque atende à finalidade de pacificação social na perspectiva de um processo penal garantista.”
Acórdão 1706726, 07111679820238070000, Relator: JANSEN FIALHO DE ALMEIDA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 1/6/2023, publicado no PJe: 4/6/2023.
Concurso de crimes – ação penal pública e privada – litisconsórcio ativo
“I - No concurso de crimes de ação penal pública e privada, todas as condutas deverão ser apuradas na mesma ação penal, mediante oferecimento de denúncia pelo Ministério Público e queixa crime pelo ofendido, formando-se verdadeiro litisconsórcio ativo.”
Acórdão 1671960, 07403219820228070000, Relator: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, Câmara Criminal, data de julgamento: 1/3/2023, publicado no PJe: 28/3/2023.
Intimação para alegações finais – transcurso do prazo – extinção da punibilidade pela perempção
“1. Perempção é a perda do direito do querelante de prosseguir na ação privada, em decorrência da sua inércia, implicando inclusive a extinção de punibilidade do querelado (art. 107, IV, CP). 2. Comprovado no feito que a parte querelante, por intermédio de seu advogado, foi devidamente intimada para apresentação das alegações finais e deixou decorrer o prazo legal sem a interposição do referido petitório, resta configurada a sua desídia, consumando-se a perempção, nos termos do art. 60, inciso III, do CPP.”
Acórdão 1644642, 07034585420208070020, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 1/12/2022, publicado no DJE: 14/12/2022.
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STJ
Trancamento de ação penal privada – habeas corpus – possibilidade de intervenção de terceiros
“I - O entendimento quanto à impossibilidade de intervenção de terceiros em sede de habeas corpus é flexibilizado quando se objetiva trancamento de ação penal privada, ao se permitir que o querelante participe do julgamento do writ.” AgRg no REsp 1956757/SP, Relator: Ministro Messod Azulay, Quinta Turma, data do julgamento: 6/2/2024, data de publicação: 15/2/2024.
Procuração com poderes especiais – desnecessidade de formalidades excessivas – mera indicação do fato criminoso
“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não se deve exigir, na procuração outorgada ao advogado do Querelante em ação penal privada, o cumprimento de formalidades excessivas e desarrazoadas. Por essa razão, não é preciso que haja a descrição pormenorizada da ofensa irrogada, bastando a indicação do crime ao qual o fato se adequa.” AgRg no AREsp 2348450/DF, Relator: Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, data do julgamento: 30/11/2023, data de publicação: 5/12/2023.
Princípio da indivisibilidade – necessidade de oferecimento da queixa-crime em face de todos os autores
“2. Nos termos do princípio da oportunidade, cabe ao autor optar por oferecer ou não a queixa-crime, mas se optar pelo oferecimento, deve obrigatoriamente processar todos os autores do delito, sob pena de restar caracterizada a renúncia tácita ao direito de queixa e a extinção da punibilidade, estendida aos demais coautores (art. 49 do CPP e art. 107, V, do Código Penal).” APn 971/DF, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, data do julgamento: 21/9/2022, data de publicação: 27/9/2022.
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STF
Partido político vítima de crime contra a honra – legitimidade ativa para ajuizamento da ação penal privada
“3. Em se tratando do delito de difamação, e sendo a pessoa jurídica passível de ser vítima desse crime, há de ser reconhecida a legitimidade do partido para propor ação penal privada.” ARE 1390441 AgR, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, data do julgamento: 19/12/2023, data de publicação: 17/1/2024.
Ação penal privada – procuração para fins de ajuizamento – necessidade de menção ao fato criminoso
“1. Para a regular instrumentalização da pretensão punitiva, pela via da ação penal privada, é insuficiente a indicação, no instrumento de mandato, da figura típica correspondente à conduta alegadamente praticada, exigindo-se também a menção ao fato criminoso que dá ensejo à imputação.” Pet 9725 AgR, Relatora: Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, data do julgamento: 16/6/2022, data de publicação: 17/6/2022.
Ação penal privada subsidiária da pública – ausência de inércia do Ministério Público – ilegitimidade ativa do querelante
“2. O ajuizamento de ação penal privada subsidiária da pública pela alegada vítima do delito pressupõe, por expressa disposição constitucional, inércia do Ministério Público. A formação da opinião sobre o delito pelo ator estatal a tanto legitimado, ainda que para concluir pela inviabilidade da pretensão acusatória, não se equivale à inércia, para fins de instauração da via subsidiária da pública.” Pet 9579 ED, Relatora: Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, data do julgamento: 20/9/2021, data de publicação: 27/9/2021.