Ação penal pública condicionada

última modificação: 2024-02-28T15:14:43-03:00

  Tema criado em 20/2/2024.

Doutrina

“47.6.1. Conceito

É aquela cujo exercício se subordina a uma condição. Esta tanto pode ser a manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante legal (representação) como a requisição do ministro da Justiça.

Atenção: mesmo nesses casos a ação penal continua sendo pública, exclusiva do Ministério Público, cuja atividade fica apenas subordinada a uma daquelas condições (CPP, art. 24, e CP, art. 100, § 1º).

Por serem exceção à regra de que todo crime se processa mediante ação pública incondicionada, os casos sujeitos à representação ou requisição encontram-se explícitos em lei.

47.6.2. Ação penal pública condicionada à representação

O Ministério Público, titular desta ação, só pode a ela dar início se a vítima ou seu representante legal o autorizarem, por meio de uma manifestação de vontade. Neste caso, o crime afeta tão profundamente a esfera íntima do indivíduo que a lei, a despeito da sua gravidade, respeita a vontade daquele, evitando, assim, que o strepitus judicii  (escândalo do processo) se torne um mal maior para o ofendido do que a impunidade dos responsáveis.

Mais ainda: sem a permissão da vítima, nem sequer poderá ser instaurado inquérito policial (CPP, art. 5º, § 4º). Todavia, uma vez iniciada a ação penal, o Ministério Público a assume incondicionalmente, passando a ser informada pelo princípio da indisponibilidade do objeto do processo, sendo irrelevante qualquer tentativa de retratação.

(...)

47.6.3. Ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça

Neste caso, a ação é pública, porque promovida pelo Ministério Público, mas, para que possa promovê-la, é preciso haja requisição do ministro da Justiça, sem o que é impossível a instauração do processo (CPP, art. 24). A requisição é um ato político, porque 'há certos crimes em que a conveniência da persecução penal está subordinada a essa conveniência política’.

47.6.3.1. Hipóteses de requisição

São raras as hipóteses em que a lei subordina a persecução penal ao ato político da requisição: crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil (art. 7º, § 3º, b, do CP); crimes contra a honra cometidos contra chefe de Governo estrangeiro (art. 141, I, c/c o parágrafo único do art. 145); crimes contra a honra praticados contra o presidente da República (art. 141, I, c/c o art. 145, parágrafo único).” (grifos no original)

(CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. v.1. Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553626096. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553626096/. Acesso em: 20 fev. 2024.)

------------------------------------------------------------------

“30.3.3.1 Representação criminal

 30.3.3.1.1 Conceito

Trata-se da manifestação de vontade exteriorizada pelo ofendido (ou de seu representante legal) no sentido de que seja o agente infrator processado penalmente. Vale dizer: é a autorização dada pela vítima ao Ministério Público para que promova a ação penal pública (condição objetiva de procedibilidade). E esta manifestação de vontade (representação), frise-se, muito embora não reclame qualquer formalidade específica (ausência de rigor legal), deve ser manifesta e inequívoca.

A representação criminal, porém, em nada vinculará o Ministério Público, de modo que não estará o órgão oficial do Estado obrigado a deflagrar, necessariamente, a partir daí, a ação penal. Isso porque cabe ao Ministério Público, como dominus litis, formular um juízo de valor acerca do conteúdo do fato que se lhe apresenta para concluir se existem (ou não) elementos suficientes para alicerçar a acusação formal (provas a respeito da existência material do crime e indícios suficientes de autoria delitiva). A ação penal não é exercício de temeridade, mas, sim, um instrumento estatal em defesa da sociedade. E o Ministério Público, o seu titular por excelência, cuja destinação bem revela o seu caráter (CF, art. 127), é instituição que não se coaduna com acusações frias, gratuitas e desprovidas de um lastro probatório mínimo.

30.3.3.1.3 Prazo

Para o exercício do direito de representação criminal, a legislação penal e processual penal estabeleceram, como regra geral, o prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que o ofendido veio a saber quem é o autor do crime, e não do dia da consumação delitiva (CP, art. 103; e CPP, art. 38). Este prazo, frise-se, é: a) decadencial (logo, não se suspende, interrompe ou prorroga); e b) de natureza penal (logo, inclui-se, em sua contagem, o dia do início, na forma do art. 10 do Código Penal).

30.3.3.1.4 Retratabilidade

A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia pelo Ministério Público (CP, art. 102; e CPP, art. 25). Isso significa dizer que o ofendido, depois de ter representado criminalmente em desfavor do agente, poderá rever o seu posicionamento e retratar-se, de modo a evitar a deflagração da ação penal, desde que assim o faça até a entrega da denúncia em cartório pelo promotor de justiça. Considera a lei que, após a oferta da peça acusatória pelo órgão oficial do Estado, a ação penal já não mais está subordinada ao interesse privado e daí se desvincula por completo.

30.3.3.1.5 Eficácia objetiva

A representação criminal possui eficácia objetiva (e não subjetiva), pois se refere ao fato criminoso propriamente dito ('representação pelo fato’), e não especificamente ao seu autor ('representação pelo agente'). Portanto, em caso de concurso de pessoas, a representação criminal ofertada pelo ofendido em desfavor de um a todos alcançará, já que não lhe é facultado selecionar, a seu livre-arbítrio, quem deseja ver processado. Nessa perspectiva de ideias, é fácil concluir que a retratação da representação feita pelo ofendido em relação a qualquer dos agentes também se estenderá aos demais (aplicação, por analogia, do art. 49 do Código de Processo Penal).

30.3.3.1.6 Destinatário

Nos termos do que dispõe o art. 39 do Código de Processo Penal, a representação criminal será direcionada ao juiz, ao órgão do Ministério Público ou à autoridade policial.” (grifos no original)

(SOUZA, Renee do Ó.; PIPINO, Luiz Fernando R. Direito Penal: Parte Geral. v.1. (Coleção Método Essencial). Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559643196. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559643196/. Acesso em: 20 fev. 2024.)

Jurisprudência  

  • TJDFT

Estelionato – incapacidade da vítima – desnecessidade de representação

 “II - Diante da deficiência mental e parcial incapacidade da vítima para gerir fatos da vida, está configurada a exceção disposta no art. 171, § 5º, III, do CP acerca da exigência de representação para o início da persecução penal.” 

Acórdão 1809983, 07052253920208070017, Relator: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 1/2/2024, publicado no PJe: 10/2/2024.

Lesão corporal grave/gravíssima – inexigência de representação

 “1.1. Não há decadência do direito de representação na hipótese de lesão corporal grave/gravíssima, pois a ação penal é pública incondicionada, situação em que é incabível a exigência de representação.”

Acórdão 1804544, 00019690820198070004, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 25/1/2024, publicado no DJE: 6/2/2024.

Representação criminal – formalidade dispensável

 “5. Conforme jurisprudência desta Corte de Justiça, a representação, nas ações penais públicas condicionadas, dispensa maiores formalidades, sendo suficiente o interesse inequívoco da vítima na persecução penal.”

Acórdão 1790779, 07051995620208070012, Relator: SIMONE LUCINDO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 23/11/2023, publicado no PJe: 11/12/2023.

Retratação da representação – denúncia recebida – prosseguimento da ação penal

“3 - A retratação da representação, após recebida a denúncia, não impede o prosseguimento da ação penal.”

Acórdão 1782761, 07011259520218070020, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 8/11/2023, publicado no PJe: 21/11/2023.

Lesão corporal na condução veículo sob influência de álcool – desnecessidade de representação

“1. A lesão corporal decorrente da condução de veículo automotor sob a influência de álcool afasta a obrigatoriedade de representação da vítima como condição de procedibilidade da ação penal.˜

Acórdão 1774409, 07029636320228070012, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 26/10/2023, publicado no PJe: 30/10/2023.

Mudança na natureza da ação penal – estelionato – retroatividade mesmo após o oferecimento da denúncia

“3.1. Diante da natureza híbrida da norma estampada no art. 171, § 5º, do Código Penal, o STJ e o STF manifestaram-se pela retroatividade da norma por ser mais benéfica ao réu, exigindo a representação da vítima no prazo decadencial de seis meses, a contar de sua intimação, independentemente de a denúncia ter sido oferecida antes ou após a vigência da Lei n. 13.964/2019, mantendo, porém, o posicionamento de que o ato dispensa maior formalidade, bastando, por exemplo, o comparecimento pessoal na delegacia de polícia para registrar o boletim de ocorrência.”  

Acórdão 1770935, 07287847120238070000, Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 19/10/2023, publicado no PJe: 23/10/2023.

Crimes contra a dignidade sexual – ação penal pública incondicionada

“1. Nos termos do art. 225 do Código Penal, nos crimes definidos nos Capítulos I e II do Título VI (Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual), no qual está inserido o delito do art. 215 do CP, procede-se mediante ação penal pública incondicionada, razão pela qual prescindível a representação da ofendida para prosseguimento da demanda.”

Acórdão 1758499, 07182332820208070003, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 14/9/2023, publicado no DJE: 27/9/2023.

Crime de ameaça – transcurso do prazo de seis meses – decadência

“1. Conforme prevê o parágrafo único do art. 147 do Código Penal, a persecução penal do crime de ameaça depende da representação da vítima.   2. Transcorrido prazo superior a 6 meses entre a ameaça perpetrada e a manifestação da vítima pela persecução penal, resta evidenciada a decadência do direito de representação.”

Acórdão 1758310, 07051629520218070011, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 14/9/2023, publicado no PJe: 25/9/2023.

  • STJ

 Comparecimento espontâneo da vítima perante a autoridade policial – equivalência à representação 

“2. O mero comparecimento da vítima perante a autoridade policial só pode ser considerado como representação quando é espontâneo, tal como ocorre nas hipóteses em que comparece à Delegacia para fins de registrar ocorrência policial ou mesmo no Instituto Médico Legal para fins de submissão ao respectivo exame médico legal, pois, em tais casos, está implícita a vontade da vítima em dar início à persecução penal. Por outro lado, quando esse comparecimento não é espontâneo, ou seja, a vítima comparece em observância ao mandado de intimação previamente expedido pela autoridade policial, incumbe à autoridade colher a representação, ainda que circunstanciando esse fato no próprio termo de declaração.” REsp 2097134/RJ, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, data de julgamento: 21/11/2023, data de publicação: 28/11/2023.

  • STF

 Termo de quitação - ajuste entre autor e vítima - renúncia tácita ao direito de representação

“7. No caso concreto, o paciente e a vítima celebraram termo de quitação no qual consta que o ofendido “dá ampla, geral e irrestrita quitação” ao paciente e que aquele obriga-se a aditar a ocorrência policial para informar esse fato à autoridade policial. Essa circunstância traduz renúncia tácita ao direito de representação por se tratar de ato incompatível com a vontade de exercê-lo.” HC 180421 AgR, Relator: Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, data de julgamento: 22/5/2021, data de publicação: 6/12/2021.

Estelionato – trânsito em julgado da condenação – irretroatividade de norma mais benéfica

"III – O trânsito em julgado da condenação impede a incidência, neste momento, da orientação jurisprudencial desta Suprema Corte, que decidiu pela retroatividade da necessidade de representação da vítima nas acusações em andamento por estelionato, crime em relação ao qual a Lei n. 13.964/2019 alterou a natureza da ação penal para condicionada à representação da vítima (§ 5º do art. 171 do Código Penal)." HC 235243 AgR, Relator: Ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, data de julgamento: 19/12/2023 , data de publicação: 2/2/2024.

Veja também  

Com o advento da Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), o crime de estelionato passa a ser processado, em regra, mediante ação penal pública condicionada à representação?