Crime cometido em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido

última modificação: 2023-07-31T19:26:24-03:00

Tema criado em 14/11/2017.

Doutrina

"Na alínea do inciso II do art. 61 do Código Penal, encontra-se previsão para a agravação da pena diante de circunstâncias que representem o aproveitamento por quem realiza o crime da existência de uma situação de perigo comum, como o incêndio, o naufrágio e a inundação, ou, ainda, de uma situação de desgraça particular do ofendido. Cabe notar não ser necessário que o sujeito crie a situação de perigo, mas que apenas a aproveite. Assim, a agravante de que ora se cuida não se confunde com a circunstância prevista na alínea d do mesmo dispositivo legal. Na hipótese da referida alínea, é o sujeito quem manipula o fogo ou o explosivo, de modo que a situação de perigo comum é obra sua.

As calamidades públicas impõem o dever social de mútua assistência, e o cometimento do crime nessas circunstâncias demonstra insensibilidade para com os mandamentos emanados da solidariedade social. A calamidade produz situação de incapacidade, total ou parcial, de defesa por parte da vítima, e a exigência de abstenção da conduta é maior do que no caso de não concorrerem tais circunstâncias.

Na situação especial da desgraça particular do ofendido, o condenado aproveitou-se de acontecimento de especial relevo para a vida da vítima, de modo a atacá-la em momento de maior dificuldade ou impossibilidade de defesa. O acontecimento e seus efeitos maléficos devem, obrigatoriamente, ser conhecidos por quem deles conscientemente aproveita-se.

O fundamento geral da agravação do juízo de reprovação da culpabilidade, nessas hipóteses, não é exatamente a ausência de solidariedade humana ou a frieza moral de quem realiza o crime, mas a maior exigibilidade social dirigida a quem se aproveita das circunstâncias de maior fragilidade da vítima. Por isso, a agravante não se aplica aos crimes culposos praticados contra a vítima que se encontra em situação de perigo em razão de incêndio, naufrágio, inundação ou outra situação de desgraça particular.

As dimensões da calamidade ou da desgraça que aflige o ofendido repercutem diretamente nas possibilidades de defesa de seu bem jurídico. Quanto mais fragilizado o ofendido, maior o dever social de assistência e a exigibilidade de o sujeito compatibilizar seu comportamento com a ordem jurídica. Variando de acordo com a graduação dessa exigência, o aumento de pena deverá ser determinado pela maior exigibilidade de conduta diversa que se possa dirigir ao condenado no caso concreto. Dessa forma, quanto maiores as proporções da calamidade ou desgraça particular do ofendido, maior será a exigibilidade de conduta diversa e, consequentemente, maior deverá ser o aumento de pena decorrente da agravante."

(GALVÃO, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. 7. ed. Belo Horizonte: D´Plácido, 2016. p. 858-859).

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"Essa circunstância implica maior gravidade do injusto, de modo a agravar o desvalor da ação, dado que a produção do resultado delituoso revela-se mais provável. É necessário que o agente tenha se aproveitado, de modo consciente e voluntário, da ocasião ou do momento particularmente difícil em que se encontra a vítima, com o fim de dificultar sua defesa. Tal agravante também se fundamenta em razões político-criminais, pois o agente pode prevalecer-se das circunstâncias não apenas para debilitar a defesa da vítima, mas também para facilitar sua impunidade."

(PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: Jurisprudência, Conexões Lógicas com os Vários Ramos do Direito. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 335).

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"(...) Nessa alínea o CP mais uma vez se utiliza da interpretação analógica ou intra legem. Essa agravante genérica justifica-se pela insensibilidade moral do agente, que não observa os mais comezinhos postulados de fraternidade e de solidariedade humana e se aproveita de situações calamitosas ou de desgraça particular da vítima, que se encontra em posição de inferioridade, para praticar um crime. Calamidade pública é o acidente generalizado, a tragédia que engloba um número indeterminado de pessoas. Exemplo: roubo cometido durante incêndio em uma universidade durante o período letivo. Desgraça particular do ofendido, por outro lado, é o acidente ou tragédia relativo a uma pessoa ou a um grupo determinado de pessoas. Exemplo: saque dos bens da vítima logo após o capotamento do seu automóvel."

(MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 322). (grifos no original)

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"Por ocasião de calamidade pública: O CP manda agravar a pena quando o agente se aproveita de especiais situações para a prática do crime, perpetrando-o em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou outra calamidade pública semelhante. Embora não tendo provocado tais situações, o agente se vale das facilidades que dela decorrem: dificuldades de policiamento, menor cuidado da vítima etc.

Desgraça particular do ofendido: Refere-se ao aproveitamento de situação de luto ou acidente da vítima ou de seus familiares ou de enfermidade destes."

(DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 271). (grifos no original)

Jurisprudência 

  • TJDFT

Acórdão que confirmou a incidência da agravante relativa ao cometimento do crime em ocasião de desgraça particular do ofendido, haja vista que a ré, aproveitando-se da enfermidade das mães, subtraiu-lhes os filhos recém-nascidos.

"Direito Penal e Processual Penal. Subtração de bebês recém-nascidos. ECA, art. 237.

(...)

2.5 - Desgraça particular das ofendidas (art. 61, II, 'j', CP)

Por fim, o juiz a quo corretamente julgou que a apelante se valeu do estado de enfermidade então enfrentado pelas mães dos bebês recém-nascidos subtraídos para a consecução dos crimes.

A vítima (...), mãe de um dos bebês subtraídos, esclareceu que deu a luz às 12h35min e no momento da subtração de sua filha ainda estava se recuperando do parto (mídia audiovisual à fl. 184). Ressalte-se que a apelante deixou o hospital na posse dos bebês por volta das 16 horas, conforme se depreende dos depoimentos de (...), vigilantes do hospital (mídia de áudio à fl. 184). Ou seja, menos de 4 horas após o parto de uma das pacientes, a apelante, se aproveitando dessa situação, subtraiu o bebê recém-nascido, sem que a mãe pudesse empreender qualquer tipo de defesa.

Além do mais, a vítima (...), mãe de outro bebê subtraído da maternidade, disse que no segundo dia após o nascimento de seu filho ela teve um problema de saúde, seu intestino parou de funcionar e precisou usar uma sonda, por isso não conseguia se levantar e nem se movimentar sozinha. Afirmou que após o encerramento do horário de visitas, ela adormeceu, talvez por efeito dos remédios que estava tomando, e quando acordou o bebê não estava ao seu lado (mídia de áudio à fl. 335). Assim, a apelante tinha pleno conhecimento do estado enfermo da vítima, e se aproveitou desse fato para subtrair o bebê recém-nascido da vítima, sem que essa pudesse esboçar qualquer tipo de reação.

Mantida, portanto, a agravante pelo fato de apelante ter se aproveitado de um momento de desgraça particular das vítimas para subtrair seus bebês recém-nascidos." - (grifos no original)

Acórdão 964224, 20120210047596APR, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 1/9/2016, publicado no DJE: 8/9/2016.

Desprovimento do recurso do ministério público na parte em que visava à aplicação da agravante prevista no art. 61, II, j, do CP, sob o fundamento de que o problema das vítimas com a justiça não caracteriza desgraça particular.

"APELAÇÃO CRIMINAL – EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO – DOSIMETRIA DA PENA.

 (...)

De outra parte, também não prospera a alegação do Ministério Público, no sentido de que está configurada, in casu, a agravante prevista no art. 61, II, 'j' do CP, pois o réu/apelado teria praticado os crimes em comento, em ocasião de desgraça particular dos ofendidos.

Comentando referida agravante, Celso Delmanto ensina que:

'Desgraça particular do ofendido: Refere-se ao aproveitamento de situação de luto ou acidente da vítima ou de seus familiares, ou de enfermidade destes'

À luz dessa lição, verifica-se que não é todo e qualquer infortúnio, do qual possa se aproveitar o agente para praticar o crime, que pode gerar a aludida agravante.

No caso dos autos, o réu/apelado agiu no momento em que ambas as vítimas estavam enfrentando problemas com a Justiça, situação que, a meu ver, não autoriza o reconhecimento da agravante."  - (grifos no original)

Acórdão 443786, 20030110937015APR, Relator: SÉRGIO ROCHA, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 19/8/2010, publicado no DJE: 1/9/2010.