Crime cometido com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão
Tema criado em 7/8/2017.
Doutrina
"Cuida-se de agravante que opera sobre a medida do injusto, demonstrando maior desvalor da ação. Exige um elemento objetivo – maior facilidade ou menor risco para a prática do delito – e um elemento subjetivo – uso (consciente e voluntário) ilegítimo ou além dos limites legais do poder inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão."
(PRADO, Luiz Regis et al. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral e Parte Especial. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 432).
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"Na alínea g, com a exasperação da pena a lei dá maior proteção às pessoas que estão submetidas ao agente por uma parcela de mando ou quando existe entre elas uma relação de confiança profissional.
Em primeiro lugar, refere-se o dispositivo ao crime praticado com abuso de poder, que reduz a possibilidade de defesa da vítima, cujo bem jurídico é violado por um agente público que se excede no desempenho de suas funções.
Em segundo lugar, estão os delitos praticados com violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão. Há nessas hipóteses um desvio por parte de quem está obrigado a um respeito maior à lei e que transgride o ordenamento jurídico referente a suas atividades para a prática do delito. Encerram o dispositivo os ilícitos penais praticados com violação de cargo público, já que a palavra 'cargo' tem cunho jurídico, próprio, abrangendo policiais, fiscais etc. Não ocorre a agravante quando o exercício do cargo é elementar do crime, como no peculato, concussão etc. ou mesmo quando se trata de circunstância qualificadora. Também não é possível a exasperação quando o autor do crime foi punido também pelo crime de abuso de autoridade definido na Lei nº 4.898, de 9-12-1965. Refere-se ainda o dispositivo à violação do dever inerente a ofício, atividade remunerada predominantemente material ou manual (motorista, serralheiro, vigia etc.), ministério, atividades religiosas ou sociais (sacerdotes, 'pais-de-santo', assistentes sociais voluntárias etc.), ou profissão, atividade remunerada ou liberal predominantemente intelectual (advogado, médico, engenheiro etc.)."
(MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2016. v. 1. p. 293).
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"(...) Essa alínea prevê duas agravantes diversas: abuso de poder e violação de dever. O abuso de poder e a violação de dever inerente a cargo têm como principal característica serem praticados por funcionários públicos, ou então por particulares ligados a cargos públicos, contra funcionários públicos entre si ou contra o público em geral. Pressupõem no agente a condição de funcionário público, e o crime deve ser cometido no desempenho do cargo público. Ligam-se, assim, ao exercício do poder público e do cargo público de maneira ilegítima e excessiva, com violação das regras de Direito Público. Cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em lei. O abuso de poder e a violação de dever inerente a cargo podem, em determinadas circunstâncias, configurar crime autônomo, e não atuar como agravante genérica. Exemplo: violação de sigilo funcional (art. 325 do CP). Quando o sujeito for punido pelo crime de abuso de autoridade, tipificado pela Lei 4.898/1965, afasta-se essa agravante genérica para evitar o bis in idem. Já a expressão 'violação de dever inerente a ofício, ministério ou profissão' se refere a atividades de natureza privada. Ofício é a atividade remunerada e predominantemente manual. Exemplo: mecânico de automóveis. Ministério diz respeito ao exercício de um culto religioso. Exemplo: padre ou pastor de uma igreja. Deve tratar-se de religião reconhecida e permitida pelo Estado. Profissão, por sua vez, é remunerada e reclama conhecimentos restritos e especializados, com predominância do fator intelectual. Exemplos: advogado, engenheiro, médico etc."
(MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 321). (grifos no original)
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"Ofício é atividade pública autorizada a quem não detém cargo público, como a dos leiloeiros oficiais. Equivale à função, atividade pública, essencialmente provisória, dada a transitoriedade do serviço a que visam atender.
Ministério é atividade desempenhada por religiosos independentemente do culto.
Profissão é a atividade exercida com grau mínimo de preparo ou especialização. A condição é que a profissão esteja regulamentada em lei, sem o que não há falar-se em quebra de deveres a ela inerentes. É na lei regulamentadora que pode-se encontrar o rol desses deveres, v.g., nas que regulam a medicina, a odontologia, a engenharia e a advocacia, tanto assim que os médicos, os dentistas, os engenheiros e os advogados ficam sujeitos pelas infrações ético-disciplinares, a procedimento sancionador dos órgãos de classe incumbidos de fiscalizar o exercício profissional (CREMERS, CREA, OAB)."
(BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. p. 219).
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"(...) onde se lê ofício, deve-se ler função pública (abrangendo o emprego público). Não fosse assim, conferindo-se ao termo ofício o seu sentido vulgar, trata-se de uma ocupação manual, pressupondo habilidade. Evidentemente, para quem exerce um ofício (ex.: pintor ou dona de casa), não há nem poder, nem dever, ao menos expressos em lei. Logo, inexistiria parâmetro algum para o magistrado considerar que um pintor, em ilustração, praticou o crime violando seu dever."
(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 448-449).
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"Ministério é o exercício de atividade religiosa, devendo ser esta reconhecida pelo Estado, implicando, pois, em deveres. Criando-se culto novo, sem qualquer tradição, ainda que possa ser lícito, diante da liberdade de crença e culto reconhecida pela Constituição, não há o fornecimento ao juiz de parâmetro algum para checar se houve abuso no exercício do ministério. Um padre da Igreja católica que cometa difamação, em virtude de segredo ouvido em confessionário, pode ser punido mais gravemente. Entretanto, alguém que idealize um culto ou promova uma nova crença, eleja-se seu representante maior e arregimente fiéis, sem qualquer regramento, não pode ser acusado, igualmente, de romper deveres inerentes ao seu ministério se ocorresse a mesma situação.
Profissão é uma atividade especializada, pressupondo preparo, devidamente regulamentada por lei, afinal, a agravante menciona violação de dever a ela inerente. Ora, todos conhecem ou podem tomar conhecimento dos deveres do médico ou do advogado, pois regulamentados. Podem esses profissionais, infringindo seus mandamentos, cometer crimes com a incidência dessa agravante. O mesmo não se pode dizer de profissões não regulamentadas, que dever algum possuem em lei estabelecido, de modo que não caberia ao julgador criar o que bem entenda para aplicar ao réu em casos anômalos. Exemplo disso seria aquele que se declara 'vendedor', 'promotor de eventos' ou 'modelo'. Quais deveres dessas 'profissões' advêm? Nenhum por certo. Nem se diga, por exemplo, que o vendedor tem o dever de ser leal ao vender determinado produto, pois a lealdade é qualidade de qualquer pessoa, exercendo ou não profissão regulamentada. Inaplicável, pois, a esses casos a agravante."
(NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 225-226).
Jurisprudência
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TJDFT
Exclusão da agravante prevista no art. 61, II, g, do CP, dado que o agente, policial militar, não estava no desempenho das respectivas atribuições ao tempo do crime.
Trecho do acórdão
"Com efeito, é cediço que os delitos praticados com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão, terão sua pena agravada. Porém, é necessário que o agente esteja desempenhando cargo ou ofício público como funcionário, ou praticado o crime violando a confiança que se depositava em quem exerce cargo, ofício, ministério ou profissão, o que não sucedeu."
Acórdão 610569, 20100111412325APR, Relator: ROMÃO C. OLIVEIRA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 26/7/2012, publicado no DJE: 20/8/2012.
Agravamento da pena aplicada a contador, haja vista a violação de obrigação ínsita à sua profissão.
"10. O Código de Ética Profissional do Contador veda a prática de crimes por parte do referido profissional, de modo que incide a agravante genérica prevista no artigo 61, inciso II, alínea 'g', do Código Penal, pois o ato ilícito praticado pelo réu, além de configurar delito tributário, viola expressamente dever inerente à sua profissão."
(O número deste processo não é divulgado em razão de segredo de justiça)
Prescrito o crime de abuso de autoridade (lei 4.898/65), torna-se possível a aplicação da agravante do art. 61, II, g, do CP, na espécie abuso de poder.
"- É de se reconhecer a circunstância agravante de abuso de poder (art. 61, II, 'g', do CP), no crime de lesão corporal, se não houve condenação pelo crime de abuso de autoridade."
Acórdão 877056, 20070710194097APR, Relator: CESAR LOYOLA, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 18/6/2015, publicado no DJE: 1/7/2015.
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STJ
Aplicação da agravante de violação de dever inerente ao cargo a policial militar que foi condenado por tráfico de drogas.
"RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. (...) AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA G, DO CÓDIGO PENAL. VIOLAÇÃO DE DEVER INERENTE AO CARGO. LEGALIDADE.
(...)
7. Incide a agravante do art. 61, inciso II, alínea g, do Código Penal, quando se demonstra que o agente, com a conduta criminosa, viola dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão."
REsp n. 665.472/MS, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 4/12/2009, DJe de 8/2/2010.
O crime de peculato impede, sob pena de bis in idem, a incidência da agravante relativa a violação de dever inerente a cargo prevista no art. 61, II, g, do CP.
"12. Nos termos do artigo 61, caput, do Código Penal, somente se admite o reconhecimento das agravantes previstas em um de seus incisos quando elas 'não constituem ou qualificam o crime': daí a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, firme no sentido de que a incidência da agravante prevista no artigo 61, II, g, do Código Penal se mostra incompatível com o delito de peculato (Código Penal, artigo 312), pois a prática deste pressupõe, sempre, o abuso de poder ou a violação de dever inerente ao cargo (v.g., HC 57.473/PI, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 13/02/2007, DJ 12/03/2007; REsp 100.394/RO, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/1998, DJ 22/06/1998; e REsp 2.971/MG, Rel. Ministro PAULO COSTA LEITE, SEXTA TURMA, julgado em 02/04/1991, DJ 29/04/1991)."
REsp n. 297.569/RJ, relator Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 14/12/2010, DJe de 9/3/2011.