Ter o agente cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima

última modificação: 2023-12-12T11:17:11-03:00

Tema criado em 13/11/2018.

Doutrina

"O art. 65, III, 'c', do CP, trata de situações onde a culpabilidade do agente, embora não excluída, deve merecer um abrandamento. A primeira delas é o verso de agravante no concurso de pessoas, ou seja, da relação entre coator e coato, cuidando-se, in casu, de coação a que podia resistir. (...) para o coator há a incidência da mencionada agravante (art. 62, II, do CP). Para o coato, se irresistível, haverá a exclusão da conduta (coação física) ou da culpabilidade (coação moral); se resistível, tanto a física quanto a moral, diminui-se a sua reprovabilidade. A grande questão aqui gira em torno da aferição do nível de resistibilidade da coação, que somente pode ser verificado no caso concreto.

A segunda parte do dispositivo veicula outra hipótese antagônica da agravante da determinação para que alguém sob sua autoridade pratique o crime (art. 62, III, do CP). A propósito, ao estudar as hipóteses exculpantes, pode-se observar que o cumprimento de ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico acarreta a inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, 2ª parte, do CP). No entanto, se a ordem for ilegal o agente deve se abster de realizá-la; se o faz, associa-se criminosamente àquele que a determinou, mas a lei penal abranda a sua reprovabilidade em razão da influência da hierarquia e disciplina no serviço público.

A parte final do art. 65, III, 'c', do CP, diz respeito aos chamados delitos passionais, isto é, aos atos praticados em razão de forte descarga emocional em reação a injusta provocação da vítima. O arrebato das emoções, em geral violentas, não altera a normalidade de entender e de querer, que é a substância da imputabilidade (art. 28, I, do CP), mas permite a diminuição da reprovabilidade. A influência diferencia-se do domínio apenas por sua menor intensidade. Nesse sentido, o homicídio ou a lesão corporal praticados sob o domínio de violência emoção acarreta as formas privilegiadas dos arts. 121, § 1º, e 129, § 4º, do CP. Atente-se, ainda, que a atenuante sob consideração não alude a um vínculo de proximidade temporal – não se exige o logo após –, mas este parece inerente à relação de causa e efeito exigida entre o ato injusto da vítima e a reação explosiva do agente. Eventual solução de continuidade entre um e outro poderá empiricamente descaracterizar a presente atenuante. Por seu turno, ato injusto da vítima embora possa não ser, necessariamente, ato criminoso, é uma atitude não amparada pelo Direito, o que corrobora o tratamento menos severo ao infrator. Por fim, não há que confundir a injusta provocação da vítima com a injusta agressão, pois, no último caso, poderá acarretar a excludente de antijuridicidade da legítima defesa, desde que presentes os demais requisitos do art. 25, do CP."

(SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Curso de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 512-513).

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"(...) Fundamentam-se essas atenuantes genéricas pelo fato de ser atacado o juízo de culpabilidade do réu, passando sua conduta a apresentar menor reprovabilidade social. No tocante à coação, a de natureza física e irresistível afasta a conduta do coagido, e, consequentemente, o fato típico, por ausência de vontade, um dos elementos inerentes ao dolo e à culpa. Já a coação moral irresistível exclui a culpabilidade do coagido, em face da inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, 1ª parte, do CP). Mas, se tais coações forem resistíveis, haverá concurso de pessoas entre coator e coagido. Aquele terá a pena agravada (art. 62, II, do CP); já em relação a este, a reprimenda será atenuada. Para aferir-se a resistibilidade ou não da coação, analisa-se o perfil do agente, e não a figura do homem médio. Por sua vez a obediência hierárquica de ordem não manifestamente ilegal exclui a culpabilidade, também por inexigibilidade de conduta diversa (art. 22, in fine, do CP). Somente o superior hierárquico responde pelo crime. Todavia, se a ordem for manifestamente ilegal, tanto o superior hierárquico como o funcionário público subalterno responderão, em concurso, pelo crime. Àquele incidirá uma agravante genérica (art. 62, III, do CP), enquanto a este uma atenuante genérica, pois o subalterno é colocado em difícil posição quando o superior lhe determina a execução de ato ilegal. A influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, também figura como atenuante genérica. Se o crime for de homicídio ou de lesões corporais, circunstâncias semelhantes caracterizam privilégio (arts. 121, § 1º, e 129, § 4º, ambos do CP). Nesses casos, porém, reclama-se o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Domínio é mais amplo e mais forte do que influência. O primeiro envolve o controle do agente, ao passo que a última somente perturba o seu ânimo. Ainda, na atenuante genérica basta um ato injusto da vítima, enquanto no privilégio impõe-se sua injusta provocação. Finalmente, no privilégio a reação é imediata ('logo em seguida'), ao passo que na atenuante admite-se certo hiato temporal, uma vez que a lei não condiciona a atuação do agente a determinado período de tempo."

(MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 421). (grifos no original)

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"83. Coação resistível: a coação dá-se em três níveis. Quando é física, exclui a própria conduta (ex.: arremessar alguém contra uma vitrine não constitui, por parte do arremessado, crime de dano, pois não chegou a atuar voluntariamente); quando moral, pode ser irresistível, configurando uma causa de exclusão da culpabilidade (art. 22, CP), bem como resistível, servindo como atenuante. É possível que alguém sofra uma coação a que podia refutar, mas não o tenha feito por alguma fraqueza ou infelicidade momentânea. Ainda que não mereça uma absolvição, deve ser punido com menor rigor. Ex.: alguém furta um estabelecimento por receio de que o coator narre à sua esposa um caso extraconjugal.

84. Cumprimento de ordem superior: essa ordem superior, dada no contexto das relações de direito público, onde há hierarquia, pode provocar também três consequências: a) ordem legal, exclui a antijuridicidade do fato, por estrito cumprimento do dever legal; b) não manifestamente ilegal, exclui a culpabilidade (obediência hierárquica – art. 22, CP); c) ilegal. Neste último caso, permite-se ao juiz aplicar ao agente uma atenuante, pois é sabida a dificuldade do subordinado em evitar o cumprimento de uma ordem superior, mesmo que ilícita.

85. Violenta emoção: é sabido que a violenta emoção pode provocar o cometimento de crimes. Quando se trata de homicídio ou lesão corporal, pode servir de causa de diminuição da pena (art. 121, § 1.º, e art. 129, § 4.º, CP), embora nesses casos exija-se 'domínio' de violenta emoção 'logo após' injusta provocação da vítima. Tratando-se da atenuante, o legislador foi mais complacente: basta a 'influência' de violenta emoção, vale dizer, um estágio mais ameno, mais brando, capaz de conduzir à perturbação do ânimo, bem como não se exige seja cometido o delito logo em seguida à provocação, cabendo um maior lapso de tempo entre a ação e a reação.

85-A. Premeditação e violenta emoção: incompatibilidade. O agente que planeja cuidadosamente a prática do delito, não pode alegar, em hipótese alguma, estar violentamente emocionado, até por que a lei exige que o distúrbio emocional seja fruto da injusta provocação da vítima. Obviamente, além disso, há uma relação de imediatidade entre o ato da pessoa ofendida e a reação desencadeada no autor da agressão. Tal situação é inviável quando o agente tem tempo suficiente para premeditar o ataque."

(NUCCI, Gulherme de Souza. Código Penal Comentado. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 528-529). (grifos no original)   

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"(...) com relação ao agente que pratica o crime sob violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, temos presente que tal situação necessita estar comprovada a ponto de indicar que o autor tenha sofrido perturbação em seu equilíbrio psíquico causado por ato injusto do ofendido.

Porém, não podemos confundir ato injusto com agressão injusta, pois, se assim agir a vítima, permitir-se-á ao agente atuar em legítima defesa.

Ademais, a circunstância atenuante em debate se difere da causa especial de diminuição de pena prevista nos artigos 121 § 1º e 129 § 4º, ambos do Código Penal, pois, para a diminuição se exige que o agente, no momento da prática do delito, esteja sob o domínio de violenta emoção, porém, para a atenuação da pena, bastará que o agente esteja sob o efeito de mera influência.

Deixar-se dominar é perder completamente o controle da situação (causa de diminuição de pena); influenciar-se é agir quando o ato podia ser evitado, mas a violenta emoção o impulsionou a praticá-lo (circunstância atenuante).

A influência é um minus em relação ao domínio."

(SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória: Teoria e Prática. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 212).

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"e) Coação física ou moral resistível (art. 65, III, c)

De acordo com o texto legal, deve-se atenuar a pena daquele que praticou o fato sob coação a que podia resistir. O Código não determina se a circunstância refere-se à coação física (vis absoluta) ou moral (vis relativa) resistíveis; bem por isso, entende-se que ambas estão compreendidas na disposição.

(...)

f) Cumprimento de ordem de autoridade superior (art. 65, III, c)

A pena também será atenuada se o agente praticar o fato em cumprimento de ordem de autoridade superior. Mencionada circunstância pressupõe que o autor do fato seja funcionário público e tenha cumprido ordem de seu superior hierárquico. Exige-se, outrossim, que o comando expedido seja manifestamente ilegal. Ordem manifestamente ilegal é aquela cuja antijuridicidade é evidente e desde logo perceptível. Assim, por exemplo, se um delegado de polícia ordena aos investigadores sob seu comando que exijam propina de um empresário, a fim de não autuá-lo em flagrante por crime contra as relações de consumo, a ordem cumprida é de uma ilegalidade manifesta. Tanto o delegado como seus subalternos cometem crime. Aquele será condenado e receberá a agravante prevista no art. 62, III, do CP; estes serão igualmente responsabilizados pelo fato, mas com a incidência da atenuante sub examen."

(ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral: (arts. 1º a 120). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 418-419). (grifos no original)

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Jurisprudência 

  • TJDFT

Acórdão que não reconheceu a atenuante prevista no art. 65, III, c, do CP, por falta de provas de que o apelante agira impelido por violenta emoção provocada por ato injusto da vítima.

"APELAÇÃO CRIMINAL. DIREITO PENAL. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DOSIMETRIA. (...) 2ª FASE. ATENUANTE DA VIOLENTA EMOÇÃO PROVOCADA POR ATO INJUSTO DA VÍTIMA. NÃO CABIMENTO. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM AS DEMAIS PROVAS COLIGIDAS NOS AUTOS. RECURSO DA ACUSAÇÃO NÃO CONHECIDO. INTEMPESTIVIDADE. RECURSO DA DEFESA CONHECIDO E DESPROVIDO.

(...)

3. Inexistindo prova de que o réu agiu impelido de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, não há que se falar na aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, 'c', do CP."

Acórdão 1115902, 20161310051286APR, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, TERCEIRA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 9/8/2018, publicado no DJE: 14/8/2018. 

Entendimento segundo o qual um empurrão dado pela vítima no réu não foi suficiente para provocar nele violenta emoção apta a atenuar a pena do crime de lesão corporal.

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE LESÕES CORPORAIS. CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. LEGÍTIMA DEFESA NÃO CONFIGURADA. DOSIMETRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

(...)

4. Incabível o acolhimento do pedido do apelante de reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III, 'c' do CP. Não se verifica no caso que o crime foi cometido sob a influência de violenta emoção, provocado por ato injusto da vítima, pois o fato da vítima ter empurrado o réu não enseja, por si só, em situação a provocar uma violenta emoção no réu para ele agir com tamanha brutalidade e, assim, desferir socos no rosto dela, bem como agredi-la com uma chave de roda, instrumento de metal que potencializa a gravidade da lesão."

Acórdão 1065323, 20160310047605APR, Relator: MARIA IVATÔNIA, SEGUNDA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 6/12/2017, publicado no DJE: 11/12/2017.  (grifos no original)

Julgado cujo entendimento foi pela inaplicabilidade da atenuante genérica prevista no artigo 65, III, c, do CP, haja vista que o réu não provou que estava sendo ameaçado.

"1. Não há que se falar em absolvição devido à alegada coação moral irresistível ou mesmo aplicação da atenuante da coação moral resistível (artigo 65, inciso III, alínea 'c', 1ª parte, do Código Penal) senão há qualquer prova de que o recorrente tenha transportado drogas em razão de ameaças do traficante com quem tinha dívida ou que estivesse sofrendo qualquer outro risco iminente."

Acórdão 932141, 20150110166513APR, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, SEGUNDA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 31/3/2016, publicado no DJE: 6/4/2016. 

Acórdão que reconheceu a atenuante prevista no art. 65, III, C, do CP, e negou a  incidência da minorante prevista no art. 129, § 4º, do CP, pois esta exige, para a sua configuração, o domínio de violenta emoção para a prática do crime, o que, in casu, não ocorreu. 

"5. Para a configuração do privilégio do artigo 129, §4º, do Código Penal, a intensidade da emoção deve ser de tal ordem que o sujeito seja dominado por ela. O fato de o réu ter agredido e ameaçado de morte a sua companheira durante uma discussão, mesmo que provocada pelo ciúme desta, não permite o seu reconhecimento, na medida em que este comportamento não tem o condão de causar extrema alteração do estado de espírito que possa ser caracterizada como 'domínio de violenta emoção'. Entretanto, embora não tenha o condão de provocar extrema excitação sensorial e afetiva, este comportamento injusto da vítima certamente influenciou na prática dos crimes, circunstância que melhor se adéqua à atenuante do artigo 65, inciso III, alínea 'c', deste mesmo diploma legal."

Acórdão 882350, 20140910038380APR, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, SEGUNDA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 16/7/2015, publicado no DJE: 22/7/2015. 

Acórdão que aborda a distinção entre o homicídio privilegiado, previsto no art. 121, § 1º, do CP, e a atenuante do art.  65, III, C, do mesmo Diploma Legal. 

"Convém destacar a sutil diferença entre o privilégio descrito no § 1º do art. 121, e a circunstância atenuante prevista no artigo 65 do Código Penal. Incide o primeiro quando o agente comete o crime sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima; a segunda, quando apenas influenciado por esse sentimento, dispensado o requisito temporal."

Acórdão 254754, 20060450020806APR, Relator: EDSON ALFREDO SMANIOTTO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 3/8/2006, publicado no DJU SEÇÃO 3: 4/10/2006.  (grifos no original)  

  • STJ

Acórdão segundo o qual a desconfiança de estar sendo vítima de adultério não serve para atenuar a pena do réu, sob a alegação de que tenha agido sob a influência de violenta emoção provocada por ato injusto da vítima.

"HABEAS CORPUS. PENAL. CRIMES DE TORTURA E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. (...) VIOLENTA EMOÇÃO, PROVOCADA POR ATO INJUSTO DA VÍTIMA. ATENUANTE NÃO CONFIGURADA. REGIME INICIAL FECHADO DE CUMPRIMENTO DA PENA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO.

(...)

6. A simples desconfiança de adultério não se presta a configurar a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, atraindo a aplicação da atenuante genérica prevista no art. 65, inciso III, alínea c, do Código Penal. Ademais, a tese defensiva foi fundamentadamente afastada pelas instâncias ordinárias, soberanas em matéria de prova."

HC n. 113.733/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18/11/2010, DJe de 6/12/2010.