Concurso de causas de aumento ou de diminuição de pena

última modificação: 2023-10-16T16:24:14-03:00

Tema criado em 14/6/2019.

Doutrina

"O artigo 68, parágrafo único, do Código Penal dispõe que:

 Art. 68. (...)

Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

(...)

Antes de tudo, devemos esclarecer que na hipótese da existência de concurso entre causas de diminuição e aumento de pena, previstas na parte geral ou especial do Código Penal, todas as causas deverão ser aplicadas no caso concreto, com observância do regramento previsto pelo artigo 68, caput, do Código Penal, que consagra o sistema trifásico de dosimetria da pena.

Somente na hipótese da existência de concurso entre causas de diminuição ou entre causas de aumento de pena, e ainda, quando previstas na parte especial do Código Penal, é que poderá o juiz sentenciante aplicar o disposto no artigo 68, parágrafo único, do Código Penal.

O que pretendemos deixar esclarecido desde já é que a aplicação do artigo em debate (art. 68, parágrafo único, do CP) está condicionada à existência, no caso concreto, de duas ou mais causas de diminuição ou de duas ou mais causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal, ou seja, causas que concorram entre si (diminuição + diminuição ou aumento + aumento da parte especial), oportunidade em que o julgador poderá limitar a incidência de apenas uma diminuição, ou de apenas um aumento de pena, prevalecendo, todavia, a causa que mais diminua ou aumente a pena.

(...)

Na jurisprudência prevalece, porém, o entendimento da admissibilidade de sua aplicação também às hipóteses de concurso entre causas de diminuição ou entre causas de aumento de pena que tenham previsão em lei penal especial (extravagante), pois, ao se referir à parte especial, o dispositivo legal em destaque estaria igualmente abrangendo as leis penais especiais, além da parte especial do próprio Código Penal.

Por sua vez, na hipótese de concorrerem no caso concreto duas causas de diminuição ou duas causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal (ou em lei penal especial) com outra causa de diminuição ou de aumento de pena prevista na parte geral do Código Penal, somente será possível a aplicação da regra em referência às duas primeiras causas (diminuição + diminuição da parte especial ou aumento + aumento da parte especial), e, a partir da eleição da causa que mais diminua ou aumente a pena e do resultado obtido com a sua incidência, deverá ocorrer a aplicação da terceira causa de diminuição ou de aumento de pena que possui previsão na parte geral do Código Penal, uma vez que essa causa não poderá integrar a regra que é facultada ao julgador à sua aplicabilidade para a hipótese de concurso entre causas previstas na parte especial.

Vemos, então, que o artigo 68, parágrafo único, do Código Penal estabelece, sob o ângulo literal, apenas uma possibilidade (e não um dever) de o magistrado, na hipótese de concurso entre causas de diminuição ou entre causas de aumento de pena previstas na parte especial, limitar-se a uma só diminuição, ou a um só aumento de pena (...).

(...), a aplicabilidade do parágrafo único do artigo 68 do Código Penal é possível quando concorrerem simultaneamente causas de aumento de pena previstas no § 2º e no § 2º-A do artigo 157 do Código Penal, eis que, nesta hipótese, estaremos frente a ocorrência de concurso de causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal, diga-se de passagem, com patamares de majoração diversos (§ 2º: 1/3 até 1/2 e § 2º-A: 2/3), razão pela qual a escolha deverá recair na causa que mais aumente a pena, no caso, 2/3 (§ 2º-A do art. 157 do CP); ou, ainda, na hipótese da ocorrência de concurso entre as causas de aumento de pena previstas no próprio § 2º-A do artigo 157 do Código Penal (incisos I e II), sendo que, nesta situação, a escolha deverá recair sobre qualquer uma delas, pois possuem patamar idêntico de aumento de pena (2/3).

Porém, (...), em quaisquer das referidas situações não se trata de obrigatoriedade (imposição legal) de aplicação do artigo 68, parágrafo único, do Código Penal, mas de mera faculdade disposta ao julgador que poderá optar pela incidência tão somente de uma das causas de aumento (a maior delas, se diversas, ou qualquer uma delas, se idênticas), desde que o caso concreto demonstre a desnecessidade do acréscimo simultâneo, a justificar a adoção da referida medida que se revela bem mais benéfica ao sentenciado.

Contudo, não recomendando o caso concreto a adoção da referida faculdade atribuída ao julgador, deverá ele afastar a possibilidade prevista em lei, de igual modo, justificando o seu posicionamento com a consequente incidência de todas as causas de aumento previstas na parte especial."

(SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória: teoria e prática. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 295-299). (grifos no original)

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 "Pode ocorrer a incidência, num mesmo fato, de mais de uma causa de diminuição, de mais de uma causa de aumento, bem assim de duas de aumento e uma de diminuição, ou de duas de diminuição e uma de aumento; é possível ainda que umas sejam da parte geral, outras da parte especial.

Essas situações são classificadas como: concurso homogêneo, entre causas de diminuição somente ou entre causas de aumento somente; concurso heterogêneo, entre causas de aumento e de diminuição simultaneamente.

(...)

Embora o Código utilize a locução 'pode o juiz' para referir-se à limitação do emprego das causas especiais de aumento em casos de concurso homogêneo, a melhor interpretação é de que seja a situação tratada como cogente. (...)."

(BUSATO, Paulo César. Direito Penal: Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 908-909).  

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"(...), todas as causas, sejam elas de aumento ou redução, que estiverem contidas na Parte Geral serão de incidência obrigatória. Com relação às da Parte Especial, serão obrigatórias quando houver só uma causa de aumento e/ou uma de redução. Existindo mais de uma causa da mesma natureza na Parte Especial, faculta-se ao magistrado aplicar todas ou somente uma delas, escolhendo sempre o maior aumento ou a maior redução."

(ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 447-448).

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"(...). Excepcionalmente, caso existam várias causas de aumento ou diminuição previstas na Parte Especial, pode o julgador computar somente a que mais aumente ou a que mais diminua a pena, conforme preconizado no parágrafo único do art. 68.

(...), cumpre atentar que a expressão 'concurso', contido no dispositivo por último mencionado, tem conteúdo distinto da mesma palavra quando empregada no art. 67. Com efeito, no art. 67, concurso de agravantes e atenuantes transmite a ideia de conflito, de circunstâncias que se contrapõem, sendo que uma deve preponderar ou ambas se anularem. Diferentemente, no parágrafo único do art. 68, concurso de causas de aumento ou de diminuição significa causas que correm na mesma direção, vale dizer, concurso só de causas de aumento ou concurso só de causas de diminuição de pena, em todo caso, contemplado na Parte Especial."

(GUEIROS, Artur; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo. Direito Penal: volume único. São Paulo: Atlas, 2018. p. 377).

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"Concurso entre causas de aumento e de diminuição: todas as causas de aumento e de diminuição previstas na Parte Geral do Código Penal devem ser aplicadas, sem possibilidade de compensação. Aplicam-se, ainda, todas as causas de aumento ou diminuição previstas na Parte Geral em confronto com a Especial. Entretanto, as previstas na Parte Especial podem concorrer entre si, admitindo compensação da seguinte forma: tratando-se de duas ou mais causas de aumento ou duas ou mais causas de diminuição, o juiz pode aplicar a mais ampla delas ou todas. Ex.: no crime de incêndio (art. 250), tendo sido praticado com o intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio (§ 1.º, com aumento de 1/3) e tendo causado lesão grave para a vítima (art. 258, com aumento de metade), o juiz pode aplicar as duas causas de aumento ou somente a mais grave. Se iguais, qualquer delas. Parece-nos que a medida do julgador para aplicar ambos os aumentos (ou diminuições) ou somente a mais ampla (ou maior) deve concentrar-se no elemento subjetivo do agente. No exemplo supra do incêndio, o motivo do agente era alcançar vantagem pecuniária em proveito próprio; quanto ao resultado qualificador, em que medida se deu a sua culpa é o que se precisa analisar (culpa grave, leve ou levíssima). Se houver culpa grave, aplicam-se os dois aumentos. Se houver culpa leve, apenas o mais amplo, ou seja, a metade. Em legislação especial, dá-se a aplicação do art. 68, parágrafo único, do Código Penal, valendo-se da analogia in bonam partem. Desse modo, no concurso dos aumentos possíveis, previstos nos arts. 19 e 20 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), pode o juiz aumentar a pena duas vezes, ou apenas uma, dependendo do caso concreto. (...)."

(NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 529-530). (grifos no original) 

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"(...) o legislador entendeu de, à vista da incidência simultânea de várias causas de aumento ou de diminuição, privilegiar uma única — a que mais aumenta ou a que mais diminui — em prejuízo das demais, de modo a evitar que a consideração de múltiplas causas de aumento ou de diminuição conduzisse o juiz a fixar uma pena desproporcional: alta demais no primeiro caso ou baixa demais no segundo, podendo chegar teoricamente à pena zero, inclusive.

(...)

Discute-se se tal possibilidade constitui uma faculdade ou um dever do juiz. Temos que, a despeito de opiniões em contrário, trata-se de um dever, e não de simples faculdade. (...): o Código fala expressamente de concurso de causas previstas só na Parte Especial. De acordo, portanto, com a literalidade da norma, tal regra não se aplicaria aos casos de concurso entre causas da Parte Especial e da Geral ou só da Parte Geral. Esse, aliás, é o entendimento majoritário na doutrina: se o concurso se der entre causas previstas só na Parte Geral ou previstas na Parte Especial e na Geral, não cabe invocar a regra do art. 68, parágrafo único. No entanto, não parece justificada a restrição, nem um tal apego à letra da lei. Além disso, em princípio é irrelevante o lugar onde se acha localizado no Código a causa de aumento ou de diminuição, devendo dar-se tratamento unitário a tais situações."

(QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 469-470). (grifos no original)  

Jurisprudência

  •  TJDFT

Acórdão que, diante de duas causas de aumento no crime de roubo, aplicou apenas uma delas – a que mais aumenta a pena –, com base no art. 68, parágrafo único, do CP.

"4. O artigo 68, parágrafo único, do Código Penal, preceitua que no concurso de causas de aumento ou de diminuição prevista na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, fazendo prevalecer, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. Assim, diante de duas majorantes (concurso de agentes e emprego de arma de fogo) aumenta-se a pena em 2/3, com fundamento no inciso I do § 2º-A do art. 157 do Código Penal (modificação dada pela Lei 13.654/2018)."

Acórdão 1147124, 20180510040973APR, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, SEGUNDA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 24/1/2019, publicado no DJE: 1/2/2019. 

Entendimento segundo o qual a regra do art. 68, parágrafo único, do CP, é inaplicável quando concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena previstas somente na parte geral ou, então, previstas na parte geral e, também, na parte especial.

Trecho do acórdão

"Nos casos de concorrência de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, tal matéria é disciplinada pelo parágrafo único do artigo 68 do Código Penal, de forma que, em tais situações, o juiz pode se limitar a um só aumento ou uma só diminuição. Entretanto, o concurso de que trata tal dispositivo legal não engloba causas de aumento ou de diminuição da parte geral, de modo que, in casu, não há que se falar na aplicação dessa regra, por se cuidar de frações de aumento que incidem em razão de normas previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal.

Ocorre que, considerando que a única sistematização trazida pelo Código Penal acerca do concurso de causas de aumento ou de diminuição é a prevista no citado parágrafo único do artigo 68 do Código Penal, não há regra semelhante que se aplique ao caso de concorrência entre causas de aumento ou de diminuição previstas todas na parte geral ou algumas na parte especial e outras na parte geral."

Acórdão 704405, 20120910252385APR, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 15/8/2013, publicado no DJE: 21/8/2013. 

Acórdão que negou aplicação do art. 68, parágrafo único, do CP a hipótese de concurso de causas de aumento – uma prevista na parte geral e outra em lei penal extravagante. 

"PENAL. (...). CRIME CULPOSO DE TRÂNSITO. CONCOMITÂNCIA DE CAUSAS DE AUMENTO DE PENA. AUMENTO PELO CONCURSO FORMAL. REGIME PRISIONAL.

(...)

Concorrendo duas causas de aumento de pena, uma prevista na parte geral e outra na legislação extravagante, resta inviabilizado aumento único nos moldes do art. 68, parágrafo único, do CP, (...).

Acórdão 381929, 20030110913992APR, Relator: MARIO MACHADO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 20/8/2009, publicado no DJE: 19/10/2009. 

  •  STJ

Julgado que aplicou o art. 68, parágrafo único, do CP, a concurso de causas de aumento de pena previstas em lei especial.

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO ORDINÁRIO. (...). TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO. (...). DOSIMETRIA DA PENA. ILEGALIDADE. CORREÇÃO REALIZADA. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA ORDEM AO CORRÉU.

(...)

6. Disciplina o parágrafo único do art. 68 do Código Penal que, no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

7. Desse modo, embora presentes duas causas especiais de aumento de pena (arts. 19 e 20 da Lei nº 10.826/2003, a exasperação limitará a apenas uma delas, em metade."

HC n. 433.930/ES, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/6/2018, DJe de 29/6/2018.  (grifos no original)