Legítima defesa
Tema criado em 28/5/2021.
Doutrina
"Nos termos do art. 25 do Código Penal: 'Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem'.
(...)
Como se extrai do art. 23, II, do Código Penal, a legítima defesa é causa de exclusão da ilicitude. Destarte, o fato típico praticado em legítima defesa é lícito. Não configura crime.
(...)
A análise do art. 25 do Código Penal revela a dependência da legítima defesa aos seguintes requisitos cumulativos: (1) agressão injusta; (2) atual ou iminente; (3) direito próprio ou alheio; (4) reação com os meios necessários; e (5) uso moderado dos meios necessários.
(...)
23.4.1. Agressão injusta
(...)
Trata-se de atividade exclusiva do ser humano. (...).
Portanto, animais que atacam e coisas que oferecem riscos às pessoas podem ser sacrificados ou danificados com fundamento no estado de necessidade, e não na legítima defesa, reservada a agressões emanadas do homem.
Nada impede, entretanto, a utilização de animais como instrumentos do crime, como nos casos em que são ordenados, por alguém, ao ataque de determinada pessoa. Funcionam como verdadeiras armas, autorizando a legítima defesa. Exemplo: 'A' determina ao seu cão bravio o ataque contra 'B'. Esse último poderá matar o animal, acobertado pela legítima defesa.
(...)
Em regra, a agressão é praticada por meio de uma ação, mas nada impede a sua veiculação por omissão, quando esta se apresenta idônea a causar danos e o omitente tinha, no caso concreto, o dever jurídico de agir. Mezger fornece o exemplo do carcereiro que tem o dever de liberar o recluso cuja pena já foi integralmente cumprida. Com a sua omissão ilícita, inevitavelmente agride um bem jurídico do preso, autorizando a reação em legítima defesa.3
Além disso, a agressão deve ser injusta.
Agressão injusta é a de natureza ilícita, isto é, contrária ao Direito. Pode ser dolosa ou culposa. É obtida com uma análise objetiva, consistindo na mera contradição com o ordenamento jurídico.
Não se exige, para ser injusta, que a agressão seja prevista como infração penal. Basta que o agredido não esteja obrigado a suportá-la. Exemplo: pode agir em legítima defesa o proprietário do bem atingido por um 'furto' de uso.
23.4.2. Agressão atual ou iminente
A agressão injusta deve ser atual ou iminente.
Ao contrário do estado de necessidade, em que o legislador previu expressamente somente o perigo atual, na legítima defesa admite-se seja agressão atual ou iminente.
Não pode o homem de bem ser obrigado a ceder ao jnjusto. Seria equivocado exigir fosse ele agredido efetivamente para, somente depois, defender-se. Exemplificativamente, não está ele obrigado a ser atingido por um disparo de arma de fogo para, após, defender-se matando o seu agressor. Ao contrário, com a iminência da agressão é permitida a reação imediata contra o agressor, desde que presente o justo receio quanto ao ataque a ser contra ele perpetrado.
Atual é a agressão presente, isto é, já se iniciou e ainda não se encerrou a lesão ao bem jurídico. Exemplo: a vítima é atacada com golpes de faca.
Iminente é a agressão prestes a acontecer, ou seja, aquela que se torna atual em um futuro imediato. Exemplo: o agressor anuncia à vítima a intenção de matá-la, vindo à sua direção com uma faca em uma das mãos.
A agressão futura (ou remota) e a agressão passada (ou pretérita) não abrem espaço para a legítima defesa. O medo e a vingança não autorizam a reação, mas apenas a necessidade de defesa urgente e efetiva do interesse ameaçado. Com efeito, admitir-se a legítima defesa contra agressão futura seria um verdadeiro convite para o duelo, desestimulando a pessoa de recorrer à autoridade pública para a tutela de seus direitos. E a agressão pretérita caracterizaria nítida vingança.
23.4.3. Agressão a direito próprio ou alheio
A agressão injusta, atual ou iminente, deve ameaçar bem jurídico próprio ou de terceiro.
Qualquer bem jurídico pode ser protegido pela legítima defesa, pertencente àquele que se defende ou a terceira pessoa. Em compasso com o auxílio mútuo que deve reinar entre os indivíduos, o Código Penal admite expressamente a legítima defesa de bens jurídicos alheios, com amparo no princípio da solidariedade humana.
E na legitima defesa de terceiro, a reação pode atingir inclusive o titular do bem jurídico protegido. O terceiro funciona como agredido e defendido, simultaneamente. Exemplo: 'A', percebendo que 'B' se droga compulsivamente e não aceita conselhos para parar, decide agredi-lo para que desmaie, e, assim, deixe de ingerir mais cocaína, que o levaria à morte.
Não mais existem as limitações antigas que autorizavam a legítima defesa apenas em relação à vida e ao corpo. Vige atualmente a mais larga amplitude de defesa dos bens jurídicos, pois o Direito não pode distingui-los em mais ou menos valiosos, amparando os primeiros e relegando os últimos ao abandono.
Em suma, é todo o patrimônio jurídico do indivíduo que se deve ter por inviolável, e no qual ninguém poderá penetrar pela força sem o risco de se ver repelido com a força necessária.4
É possível o emprego da excludente para a tutela de bens pertencentes às pessoas jurídicas, inclusive do Estado, pois atuam por meio de seus representantes e não podem defender-se sozinhas. Veja-se o exemplo da pessoa que, percebendo uma empresa ser furtada, luta com o ladrão e o imobiliza até a chegada da força policial.
Admite-se, também, a legítima defesa do feto. Deveras, o art. 2.º do Código Civil resguarda os direitos do nascituro, que podem ser defendidos por terceiros. É o caso do agente que, percebendo estar a gestante na iminência de praticar um autoaborto, a impede, internando-a posteriormente em um hospital para que o parto transcorra normalmente.
Embora com alguma controvérsia, pode-se ainda falar em legítima defesa do cadáver. Nada obstante não seja titular de direitos, a utilização da causa justificativa encontra amparo no reconhecimento que o Estado lhe confere, em respeito à sociedade e aos seus familiares, criando, inclusive, crimes destinados a esse desiderato, como se dá com a destruição, subtração ou ocultação, e também com o vilipêndio a cadáver (CP, arts. 211 e 212).5
23.4.4. Reação com os meios necessários
Meios necessários são aqueles que o agente tem à sua disposição para repelir a agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, no momento em que é praticada.
A legítima defesa não é desforço desnecessário, mas medida que se destina à proteção de bens jurídicos. Não tem por fim punir, razão pela qual deve ser concretizada da forma menos lesiva possível.
O calor do momento da agressão, todavia, impede sejam calculados os meios necessários de forma rígida e matemática. Seu cabimento deve ser analisado de modo flexível, e não em doses milimétricas. A escolha dos meios deve obedecer aos reclamos da situação concreta de perigo, não se podendo exigir uma proporção mecânica entre os bens em conflito.6
O meio necessário, desde que seja o único disponível ao agente para repelir a agressão, pode ser desproporcional em relação a ela, se empregado moderadamente. Imagine-se um agente que, ao ser atacado com uma barra de ferro por um desconhecido, utiliza uma arma de fogo, meio de defesa que estava ao seu alcance. Estará caracterizada a excludente.
(...)
Se o meio empregado for desnecessário, estará configurado o excesso, doloso, culposo ou exculpante (sem dolo ou culpa), dependendo das condições em que ocorrer.
Ao contrário do que ocorre no estado de necessidade, a possibilidade de fuga ou o socorro pela autoridade pública não impedem a legítima defesa. Não se impõe o commodus discessus, isto é, o agredido não está obrigado a procurar a saída mais cômoda e menos lesiva para escapar do ataque injusto.
O Direito não pode se curvar a uma situação ilícita. Ademais, lhe é vedado obrigar que alguém seja pusilânime ou covarde, fugindo de um ataque injusto quando pode legitimamente se defender.
Há situações, entretanto, em que a fuga do local se mostra a medida mais coerente, não acarretando vergonha ou humilhação. Exemplo: o agente, agredido injustamente por sua mãe, que deseja feri-lo em um acesso inesperado de fúria provocado por fatores até então ignorados, age corretamente ao fugir, quando em tese poderia até mesmo lesioná-la para fazer cessar o ataque.8
23.4.5. Uso moderado dos meios necessários
Caracteriza-se pelo emprego dos meios necessários na medida suficiente para afastar a agressão injusta.
Utiliza-se o perfil do homem médio, ou seja, para aferir a moderação dos meios necessários o magistrado compara o comportamento do agredido com aquele que, em situação semelhante, seria adotado por um ser humano de inteligência e prudência comuns à maioria da sociedade.
Essa análise não é rígida, baseada em critérios matemáticos ou científicos. Comporta ponderação, a ser aferida no caso concreto, levando em conta a natureza e a gravidade da agressão, a relevância do bem ameaçado, o perfil de cada um dos envolvidos e as características dos meios empreendidos para a defesa.
O art. 25 do Código Penal não a exige expressamente, mas firmaram-se doutrina e jurisprudência no sentido de que, assim como no estado de necessidade, a legítima defesa reclama também proporcionalidade entre os bens jurídicos em conflito.
O bem jurídico preservado deve ser de valor igual ou superior ao sacrificado, sob pena de configuração do excesso. Exemplo: não pode invocar legítima defesa aquele que mata uma pessoa pelo simples fato de ter sido por ela ofendido verbalmente.
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23.7.4. Legítima defesa da honra
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Deveras, se não se admite sequer a responsabilidade penal de quem trai o seu cônjuge, com maior razão infere-se que o Direito Penal não autoriza a legítima defesa da honra, principalmente com o derramamento de sangue do traidor." (MASSON, Cléber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral: arts. 1.º a 120. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 414-419 e 421-422). (grifos no original)
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"(...). A mera provocação não dá ensejo à defesa legítima. Ao reagir a uma provocação por parte da vítima, o agente responderá pelo crime, podendo ser reconhecida em seu favor uma atenuante genérica (CP, art. 65, III, b) ou um privilégio, como no crime de homicídio (CP, art. 121, § 1º).
(...)
É possível legítima defesa de legítima defesa? Simultaneamente, não. Se uma das pessoas se encontra em legítima defesa, sua conduta contra a outra será justa (lícita), e, por consequência, o agressor nunca poderá agir sob o amparo da excludente. É possível, no entanto, que uma pessoa aja inicialmente em legítima defesa e, após, intensifique desnecessariamente sua conduta, permitindo que o agressor, agora, defenda-se contra esse excesso (legítima defesa sucessiva – isto é 'a reação contra o excesso').
Devem-se lembrar, também, as seguintes situações possíveis:
1) legítima defesa real contra legítima defesa putativa: isto é, duas pessoas encontram-se, uma em face da outra, estando uma em legítima defesa real e outra, em legítima defesa putativa (imaginária);
2) legítima defesa putativa contra legítima defesa putativa: vale dizer, duas pessoas encontram-se imaginariamente, uma contra a outra, em legítima defesa – na verdade, nenhuma delas pretende agredir a outra, mas ambas são levadas a imaginar o contrário pela situação.
(...)
(...). O agente deve ter total conhecimento da existência da situação justificante para que seja por ela beneficiado. (...). Imagine a seguinte situação e questione se houve ou não legítima defesa: A pretende vingar-se de seu inimigo B e passa a andar armado. Certo dia, avista-o. Ocorre que somente enxerga sua cabeça, pois B se encontra atrás de um muro alto. A não sabe o que está acontecendo do outro lado do muro. Como tencionava matar seu desafeto, saca sua arma e efetua um disparo letal na cabeça de B. Posteriormente, apura-se que, do outro lado do muro, B também estava com uma arma em punho, prestes a matar injustamente C. Constata-se, ainda, que o tiro disparado por A salvou a vida de C. Enfim, A deve ou não ser condenado? Agiu em legítima defesa de terceiro? Não, uma vez que só agem em legítima defesa (e isso vale para as demais excludentes de antijuridicidade) quem tem conhecimento da situação justificante e atua com a finalidade/intenção de defender-se ou defender terceiro.
(...)
A legítima defesa é classificada em:
a) legítima defesa recíproca: é a legítima defesa contra legítima defesa (inadmissível, salvo se uma delas ou todas forem putativas);
b) legítima defesa sucessiva: é a reação contra o excesso;
c) legítima defesa real: é a que exclui a ilicitude;
d) legítima defesa putativa: é a imaginária, trata-se de modalidade de erro (CP, arts. 20, § 1º, ou 21);
e) legítima defesa própria: quando o agente salva direito próprio;
f) legítima defesa de terceiro: quando o sujeito defende direito alheio;
g) legítima defesa subjetiva: dá-se quando há excesso exculpante (decorrente de erro inevitável);
h) legítima defesa com erro na execução ou 'aberratio ictus': o sujeito, ao repelir a agressão injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa da que o agredia. Exemplo: A, para salvar sua vida, saca de uma arma de fogo e atira em direção ao seu algoz, B; no entanto, erra o alvo e acerta C, que apenas passava pelo local. A agiu sob o abrigo da excludente e deverá ser absolvido criminalmente; na esfera cível, contudo, deverá responder pelos danos decorrentes de sua conduta contra C, tendo direito de regresso contra B, seu agressor;
i) legítima defesa geral: é a prevista no caput do art. 25, cujo reconhecimento se dá quando o sujeito, imbuído do propósito defesa, repelir uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio9.
j) legítima defesa especial: é a prevista no parágrafo único do dispositivo, acrescentada pela Lei n. 13.964/2019 (Lei Anticrime), a qual se configura quando o agente de segurança pública repele a agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes (...).
(...)
(...). De acordo com o parágrafo único do art. 25 do Código, 'considera-se em legítima defesa, desde que presentes os requisitos gerais da excludente, o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes'.
Poder-se-ia supor, tendo em vista que o dispositivo vinculou o reconhecimento da legítima defesa ao preenchimento dos requisitos do caput, que a disposição seria desnecessária. Ocorre, porém, que a legítima defesa especial (parágrafo único) difere da legítima defesa geral (caput) sob três aspectos: (i) seu sujeito ativo, (ii) o titular do bem jurídico protegido e (iii) o aspecto temporal.
(i) Sujeito ativo
Enquanto a geral pode ser praticada por qualquer pessoa, a especial somente pode ter como sujeito ativo o agente de segurança pública, ou seja, o servidor público integrante dos quadros da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal, da Polícia Civil, da Polícia Penal, da Guarda Municipal e da Força Nacional de Segurança Pública.
(ii) Titular do bem jurídico protegido
A legítima defesa especial só pode ser exercida para proteger terceiro, vítima de crime, que seja mantida refém, isto é, que tenha sua liberdade de locomoção, de algum modo, restringida.
(iii) Aspecto temporal
Além disso, enquanto a causa de justificação de caráter geral exige uma agressão atual (presente, imediata, em desenvolvimento) ou iminente (prestes a ocorrer), a especial se dá mesmo diante de um risco de agressão; isto é, ela se mostra cabível diante da constatação de um perigo de lesão à vítima de crime mantida refém, ou, em outras palavras, à vista da possibilidade concreta, a partir das circunstâncias fáticas, de que a agressão ao sujeito passivo ocorra num futuro muito breve. A expressão 'risco de agressão' é mais ampla, no aspecto temporal, que 'agressão iminente'. Assemelha-se ao conceito de 'perigo atual' mencionado no art. 24 do Código, no âmbito do estado de necessidade.
Alguns exemplos podem ser citados para ilustrar. Suponha que o ex-marido, inconformado com a disposição da ex-esposa em não reatar o relacionamento, ingresse no imóvel e a mantenha refém; o policial, diante disso, poderá repelir o risco de agressão, se necessário, neutralizando o autor do sequestro. Imagine, ainda, um indivíduo que retenha passageiros de um coletivo rendidos sob ameaça de arma de fogo, alardeando que incendiará o veículo com as pessoas no seu interior; a Polícia, depois de avaliar o cenário, está autorizada a intervir, reagindo contra o sujeito ativo do crime.
O agente de segurança pública, embora autorizado a repelir a agressão ou o risco de agressão à vítima feita refém, não se exime de agir com moderação, empregando somente os meios necessários, sob pena de incorrer em excesso punível. A aferição do excesso deve ser efetuada a partir do cenário ex ante, isto é, considerando os dados objetivos que estavam à disposição do agente de segurança pública no momento de sua reação, e não ex post, vale dizer, depois de encerrada a ação policial, quando então ficam evidenciadas todas as variáveis." (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 306-313). (grifos no original)
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"(...). A ilicitude da agressão deve ser auferida de forma objetiva, independentemente de se questionar se o agressor tinha ciência de seu caráter ilícito. Desse modo, cabe, por exemplo, legítima defesa contra agressão de inimputável, seja ele doente mental, menor de idade etc." (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 152).
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"Não se impõe a observância de proporcionalidade entre o bem jurídico injustamente atacado e aquele atingido no exercício da legítima defesa. Não há escala de valor entre os bens em conflito, nem há direito que se deva admitir violado sob o pretexto da maior relevância do direito do agressor. A proporcionalidade que deve ser observada, (...), é a da relação entre a forma como se deu o ataque e a forma como ocorre a defesa. Noutras palavras, nada impede que alguém que tenha seu patrimônio atacado num furto invista contra a integridade física do furtador para fazer cessar a injusta agressão, desde que, aí sim, o faça proporcionalmente (moderadamente).
A legítima defesa de terceiro não depende de sua autorização, desde que, evidentemente, o bem jurídico que se pretende defender seja indisponível, como a vida. Aliás, é possível até mesmo que o agente invista contra alguém prestes a se suicidar e, atingindo-lhe a integridade física, ponha a salvo sua vida. Por outro lado, se o bem jurídico for disponível, como o patrimônio, o agente que atue contra a vontade do titular o fará ilicitamente, embora, nesse caso, o mais provável seja que proceda em legítima defesa putativa. De fato, é difícil vislumbrar a situação em que alguém se pusesse a proteger o patrimônio de outrem contra a vontade expressa do titular; mas é possível (e mais verossímil) que alguém busque defender o patrimônio de terceiro imaginando que o ataque seja injusto, sem o consentimento do titular." (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º ao 120. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 337-338).
3 MEZGER, Edmund. Tratado de derecho penal. Trad. espanhola José Arturo Rodrigues Muñoz. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1955. t. I, p. 453. 4 BRUNO, Aníbal. Direito penal – Parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. t. I, p. 365. 5 É a posição de MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. 5. ed. Torino: Torinese, 1981. v. II, p. 388. 6 Nesse sentido: LINHARES, Marcello Jardim. Legítima defesa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 344. 8 É também o entendimento de GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. 37.ª tiragem. São Paulo: Max Limonad, 1975. t. I, v. I, p. 306. 9 Lembre-se de que os requisitos relativos ao emprego de meio necessário e à reação moderada não se prendem à configuração da legítima defesa, mas servem de balizamento para a análise de um possível excesso. |
Jurisprudência
- TJDFT
Injusta agressão não demonstrada – inocorrência de legítima defesa
"3. A excludente de ilicitude da legitima defesa não restou configurada no caso, porquanto não evidenciada a injusta agressão por parte da vítima. Pelo contrário, ao que consta, a vítima tentou se defender das investidas do apelante e, como se sabe, ao tentar se desvencilhar das agressões, pode ter provocado as escoriações no rosto do agressor. Assim, a lesão constatada na mão do apelante decorre de sua própria violência empreendida contra a vítima, uma vez que, ao tentar atingi-la de forma violenta com um murro, acabou acertando uma parede."
Acórdão 1340441, 07008153520208070017, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 13/5/2021, publicado no PJe: 21/5/2021.
Uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão – inocorrência – reação desproporcional – legítima defesa não reconhecida
"2. Inviável o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, pois para a sua configuração mostra-se imprescindível o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão, o que não restou verificado no caso."
Acórdão 1313448, 00010723620178070008, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 28/1/2021, publicado no PJe: 10/2/2021.
Discussão encerrada – ausência de agressão atual ou iminente – legítima defesa inexistente
"3. Não havia agressão atual ou iminente no momento em que o apelante arremessou café sobre a vítima, considerando que a discussão entre as partes já havia se encerrado, o que afasta a alegação de que a conduta do apelante configurou legitima defesa."
Acórdão 1296599, 07071381420198070010, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 29/10/2020, publicado no PJe: 10/11/2020.
Agressão futura – inaptidão para a exclusão da ilicitude por legítima defesa
"4. Para que haja configuração da excludente de ilicitude da legítima defesa, é necessário que o agente tenha agido para repelir injusta agressão, atual ou iminente, que não se confunde com agressão futura, sendo que a aquisição de arma de fogo para fins de prevenção de eventual crime não configura a referida excludente. (...)."
Acórdão 1290874, 00008872420198070009, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 8/10/2020, publicado no PJe: 16/10/2020.
Legítima defesa não reconhecida – vingança
"1. Não há que se falar em legítima defesa quando, cessada a suposta agressão, o denunciado, estando sozinho e sem sofrer agressão, além de não estar na iminência de sofrê-la, ateia fogo na motocicleta da vítima. Nessa situação, o que se percebe é que o acusado agiu imbuído de verdadeiro sentimento de vingança."
Acórdão 1245218, 00308275520108070007, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe: 4/5/2020.
Legítima defesa recíproca - inadmissibilidade
"1. Para que se configure a legítima defesa, a agressão que se repele deve ser injusta, razão pela qual não se admite, em nosso ordenamento jurídico, a legítima defesa recíproca (legítima defesa contra legítima defesa)."
Acórdão 805868, 20130810052078APR, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 17/7/2014, publicado no DJE: 28/7/2014.
- STF
Legítima defesa da honra – não exclusão da ilicitude
"Referendo de medida cautelar. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Interpretação conforme à Constituição. Artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e art. 65 do Código de Processo Penal. 'Legítima defesa da honra'. Não incidência de causa excludente de ilicitude. Recurso argumentativo dissonante da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF). Medida cautelar parcialmente deferida referendada.
1. ‘Legítima defesa da honra’ não é, tecnicamente, legítima defesa. A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo direito subjetivo de contra ela agir com violência. Quem pratica feminicídio ou usa de violência com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa. O adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal.
(...)
6. Medida cautelar parcialmente concedida para (i) firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); (ii) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e (iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento." ADPF 779 MC-REF/DF (grifos no original)