Circunstâncias qualificadoras
Tema criado em 20/9/2019.
Doutrina
"São qualificadoras do crime aquelas circunstâncias que: a) revelam determinados motivos, interesses, meios ou modos de execução; b) produzem resultados graves ou gravíssimos para o bem jurídico afetado; c) expõem a vítima ao maior poder de ação do agente, seja em função da idade, de parentesco ou outra relação de confiança. Em tais hipóteses, a reprovabilidade da conduta justifica um tratamento penal específico e mais rigoroso. O CP ora destaca as hipóteses de qualificação por meio da rubrica, p. ex.: homicídio qualificado (art. 121, § 2.º); furto qualificado (art. 155, § 4.º); dano qualificado (art. 163, parágrafo único), ora prevê tais tipos de ilícito sem a indicação nominal: lesões corporais (art. 129, §§ 1.º a 3.º); abandono de incapaz (art. 133, §§ 1.º e 2.º); maus-tratos (art. 136, §§1.º e 2.º); rixa (art. 137, parágrafo único); favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 228, §§ 1.º e 2.º), além de muitos outros. Em ambas as hipóteses existe um traço comum: os limites mínimo e máximo para cada tipo qualificado, isto é, as penas cominadas são mais elevadas que as do tipo fundamental. (...).
As circunstâncias qualificadoras do crime apresentam-se, também, sob duas espécies: a) objetivas e b) subjetivas. São objetivas o meio e o modo de execução (veneno, fogo, explosivo etc.) e a condição da vítima (criança, velho, enfermo e mulher grávida); são subjetivas as que dizem respeito aos motivos (fútil, torpe, dissimulação etc.)." (DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 757-758).
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"(...) as qualificadoras são verdadeiras elementares adicionais que vão se juntar ao tipo-base, para formar um novo tipo derivado, influindo, portanto, na tipificação do fato." (MARINHO, Alexandre Araripe; FREITAS, André Guilherme Tavares de. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 516).
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"As qualificadoras atuam na legislação para majorar a própria pena em abstrato prevista para o delito, ou seja, ocorre uma elevação do patamar mínimo e máximo previsto no preceito secundário do tipo, de modo exato.
Diante disso, vemos que a incidência ou não de alguma circunstância que qualifique determinada infração penal é tarefa reservada à seara legislativa, pois se traduz na vontade externada pelo próprio legislador ao tipificar uma conduta ilícita de forma diferenciada, com alteração tão somente da pena em abstrato, promovendo a inserção de situações que demonstrem a necessária elevação do grau de relevância (importância) da conduta ilícita praticada pelo agente (ação ou omissão) diante do bem juridicamente protegido pela norma penal incriminadora.
As circunstâncias qualificadoras exalam a existência de maior relevância atribuída pelo legislador para determinadas situações (taxativamente previstas) que possam ocorrer na configuração de determinado tipo penal (delito).
(...) somente possuem previsão na parte especial do Código Penal ou em leis penais especiais, (...).
A existência de circunstância qualificadora fará que o juiz sentenciante inicie o processo de dosimetria da sanção penal em concreto a partir da pena em abstrato prevista para a forma qualificada da infração penal, o que conduzirá a um deslocamento para outro preceito secundário do tipo (crime qualificado), situação que, desde o início, impactará na fixação da pena-base, que é a primeira pena em concreto a ser estabelecida pelo julgador.
(...)
A pena em abstrato prevista para determinado delito qualificado sempre será maior do que a pena prevista em abstrato para o próprio delito em sua forma simples. A forma simples da infração é prevista no caput do tipo penal incriminador, enquanto a forma qualificada, quando existente, encontrará previsão em algum parágrafo a ele diretamente ligado. Havendo a incidência de alguma circunstância que qualifique o delito, o julgador deixará de aplicar a pena em abstrato cominada no caput para fazer incidir a pena em abstrato prevista para a forma qualificada.
(...), a presença de uma única qualificadora conduzirá à imediata adequação da conduta ilícita para um tipo penal específico que possui sanção própria cominada em abstrato (pena mínima e máxima), o que nos permite afirmar que bastará a incidência de apenas uma circunstância qualificadora para que ocorra a alteração da pena em abstrato cominada para determinada infração penal.
Por esse motivo, tecnicamente, não existe a figura do crime conhecido vulgarmente como duplamente ou triplamente qualificado, pois o delito se tornará qualificado com a incidência de apenas uma circunstância qualificadora, e a presença tão somente dessa única qualificadora, ou de diversas outras circunstâncias que qualifiquem a infração penal, em nenhum momento será capaz de modificar a pena em abstrato cominada no preceito secundário do tipo.
(...)
Concorrendo apenas uma circunstância que qualifique a infração penal, nessa hipótese, ela servirá para que haja o deslocamento da pena em abstrato cominada para o delito, o que tornará o juiz sentenciante impedido de levar em consideração novamente esta única qualificadora durante o processo de aplicação da pena em concreto (sistema trifásico), sob pena de incorrer em bis in idem.
Havendo, no entanto, a incidência de duas ou mais circunstâncias que qualifiquem o crime, nessa hipótese, bastará apenas uma para que a infração penal se torne qualificada, com a consequente modificação da pena em abstrato cominada para a infração, permitindo ao julgador levar em consideração a circunstância que não foi empregada para qualificar o delito durante a aplicação do sistema trifásico, como forma de majorar a pena em concreto a ser fixada.
(...)
Na hipótese da incidência de duas ou mais circunstâncias que qualifiquem o delito, em que momento do sistema trifásico elas deverão ser valoradas pelo julgador para a definição da pena em concreto?
(...), surgem duas correntes na doutrina e jurisprudência:
1ª corrente: na hipótese das circunstâncias que qualificam o crime e que não foram empregadas pelo julgador para a sua definição (crime qualificado) terem previsão como circunstâncias agravantes, elas deverão ser aplicadas (valoradas) na segunda fase do sistema trifásico, diante da existência de previsão legal expressa como agravantes (rol taxativo); ao revés, na hipótese de não possuírem previsão legal expressa como circunstâncias agravantes, somente nessa situação é que deverão ser aplicadas (valoradas) na primeira fase do sistema trifásico, incidindo na circunstância judicial que melhor se amoldar (adequar);
2ª corrente: as circunstâncias que qualificam o crime e que não foram empregadas pelo julgador para a sua definição (crime qualificado) sempre deverão ser aplicadas (valoradas) na primeira fase do sistema trifásico, incidindo na circunstância judicial que melhor se amoldar (adequar) à definição da pena-base, diante da existência de vedação legal expressa quanto à possibilidade de agravar a pena provisória ou intermediária (art. 61 do CP).
Atualmente, a posição dominante encontra assento na primeira corrente, (...), situação com que estamos plenamente de acordo. (...)
A adoção desse entendimento é fruto da própria interpretação do sistema trifásico, sobretudo no que tange à hierarquia das fases, que sempre deverá ser observada para a dosimetria da pena em concreto.
(...). Somente se não houver previsão expressa como agravante é que deverá ter incidência na primeira fase, que surge, portanto, com natureza de subsidiariedade.
(...) não existem qualificadoras previstas na legislação penal que simultaneamente atuem como causas de aumento de pena (terceira fase), (...).
(...), na hipótese de concorrerem simultaneamente circunstâncias qualificadoras que possuam previsão como agravantes e outras não, deverá o juiz sentenciante, em obediência à hierarquia do sistema trifásico, primando pela necessidade de melhor adequar a sanção penal concreta à relevância atribuída pelo legislador, fazer incidir aquela circunstância que não possui previsão como agravante para qualificar o crime, e as demais que possuem previsão como agravantes deverão ser valoradas na segunda fase do sistema trifásico, visando à formação da pena provisória ou intermediaria." (SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória: teoria e prática. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 289-293). (grifos no original)
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"Parece-nos, (...), que ambas as formas de aproveitamento das qualificadoras ofendem o princípio da legalidade, em evidente prejuízo ao réu, mesmo porque, de acordo com o art. 61, caput, do Código, as circunstâncias agravantes somente incidem 'quando não constituem ou qualificam o crime', (...)." (QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 459).
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"(...) Há entendimento minoritário no sentido de que, na pluralidade de qualificadoras, somente uma pode ser empregada pelo julgador desprezando-se as demais, pois a função a elas correlata (aumentar a pena em abstrato) já foi desempenhada. Essa posição encontra forte resistência, uma vez que a sua aplicação prática viola o princípio da isonomia constitucionalmente consagrado. De fato, pessoas em situação diversa receberiam igual tratamento pelo magistrado responsável pela fixação da pena privativa de liberdade." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019. p. 419).
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"É importante notar que as qualificadoras não fazem parte das etapas de fixação da pena, pois integram o preceito secundário do tipo penal e, deste modo, são consideradas como ponto de partida para a dosimetria da pena." (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º a 120). 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. Volume único. p. 476).
Jurisprudência
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TJDFT
Acórdão segundo o qual, havendo mais de uma circunstância qualificadora, uma deve ser utilizada para qualificar o crime, enquanto a outra deve ser aproveitada para agravar a pena, na segunda fase da dosimetria — caso esteja prevista como agravante —, ou utilizada para elevar a pena-base.
Trecho de acórdão
"(...), compartilho do entendimento de que, presente mais de uma qualificadora, é possível que uma seja utilizada para qualificar o crime e, a outra, como circunstância agravante - caso esteja elencada como tal no Código Penal - ou, ainda, como circunstância judicial desfavorável, apta a ensejar a fixação da pena-base acima do mínimo legal."
Acórdão 1189116, 20181410005129APR, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, SEGUNDA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 25/7/2019, publicado no DJE: 30/7/2019.
Entendimento no sentido de que qualificadoras do crime de homicídio não podem ser valoradas como circunstâncias agravantes, em face do disposto no art. 61, caput, do CP.
"O recurso que dificultou a defesa da vítima, bem como o motivo torpe, que no delito de homicídio configuram qualificadoras, ainda que isoladamente, não podem ser utilizados como agravantes, com espeque na literalidade do artigo 61, caput, do Código Penal, que veda o reconhecimento de agravantes, quando referidas circunstâncias devam constituir ou qualificar o delito."
Acórdão 1035128, 20171010025937APR, Relator: ROMÃO C. OLIVEIRA, PRIMEIRA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 27/7/2017, publicado no DJE: 4/8/2017.
Acórdão segundo o qual basta uma qualificadora para configurar o crime qualificado e, havendo outras, poderão exasperar a pena na primeira ou na segunda fases da dosimetria.
"Havendo mais de uma qualificadora, é possível usar uma única para compor o tipo qualificado, reservando outra para exasperar a pena na primeira ou segunda fase da dosimetria. Estando a qualificadora prevista também como agravante genérica, deve migrar para a segunda fase; aquelas não previstas como tal, podem ser usadas na primeira fase, compondo as circunstâncias judiciais."
Acórdão 1162188, 20080410084869APR, Relator: MARIO MACHADO, PRIMEIRA TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 28/3/2019, publicado no DJE: 8/4/2019.
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STJ
Julgado no sentido de que a utilização de qualificadoras como circunstâncias judiciais é residual, ou seja, apenas devem ser valoradas na primeira fase quando não configuram circunstâncias agravantes.
"1. (...). As qualificadoras só devem ser utilizadas como circunstâncias judiciais desfavoráveis, de forma residual, quando não estão expressamente previstas como agravantes."
REsp n. 1.567.577/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/4/2017, DJe de 26/4/2017.
Acórdão segundo o qual, havendo mais de uma qualificadora, uma pode ser empregada para tipificar o crime e as demais podem ser utilizadas como agravantes — se assim forem previstas —, ou como circunstâncias judiciais.
"– Reconhecida a incidência de duas ou mais qualificadoras, uma delas poderá ser utilizada para tipificar a conduta como delito qualificado, promovendo a alteração do quantum de pena abstratamente previsto, sendo que as demais poderão ser valoradas na segunda fase da dosimetria, caso correspondam a uma das agravantes, ou como circunstância judicial, na primeira fase da etapa do critério trifásico. Na espécie, ao exasperar a pena-base utilizando como fundamento a incidência de uma das qualificadoras do crime de homicídio, a Corte local alinhou-se à jurisprudência deste Sodalício, inexistindo, no ponto, coação ilegal a ser reconhecida ex officio. Precedentes."
HC n. 385.220/ES, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/6/2017, DJe de 13/6/2017.
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STF
Julgado segundo o qual, havendo concurso de qualificadoras, apenas uma deve ser utilizada para qualificar o delito e as demais devem ser consideradas como circunstâncias agravantes ou, subsidiariamente, como circunstâncias judiciais.
"1. Na hipótese de concorrência de qualificadoras num mesmo tipo penal, uma delas deve ser utilizada para qualificar o crime e as demais devem ser consideradas como circunstâncias agravantes genéricas, se cabíveis, ou, residualmente, como circunstâncias judiciais. Precedentes."
HC 99809/PR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 23-08-2011, DJe-178 DIVULG 15-09-2011 PUBLIC 16-09-2011