Coação moral irresistível
Tema criado em 19/02/2021.
Doutrina
"Estabelece o art. 22 do Código Penal: 'Se o fato é cometido sob coação irresistível (...), só é punível o autor da coação'.
Esse dispositivo legal, nada obstante mencione somente 'coação irresistível', refere-se exclusivamente à coação moral irresistível.
Com efeito, estabelece em sua parte final ser punível só o autor da coação. Em outras palavras, diz que o coagido está isento de pena, expressão que se coaduna com as dirimentes, ou seja, causas de exclusão da culpabilidade.
Na coação moral, o coator, para alcançar o resultado ilícito desejado, ameaça o coagido, e este, por medo, realiza a conduta criminosa. Essa intimidação recai sobre sua vontade, viciando-a, de modo a retirar a exigência legal de agir de maneira diferente. Exclui-se a culpabilidade, em face da inexigibilidade de conduta diversa.
Por sua vez, na coação física irresistível elimina-se por completo a vontade do coagido. Seu aspecto volitivo não é meramente viciado, mas suprimido, e ele passa a atuar como instrumento do crime a serviço do coator. Exclui-se a conduta, e, consequentemente, o próprio fato típico praticado pelo coagido.
(...)
A lei não pode impor às pessoas o dever de atuar de modo heroico. Destarte, se presente uma ameaça séria, grave e irresistível, não é razoável exigir o cumprimento literal pelo coagido do direito positivo, sob pena de suportar riscos que o Direito não será hábil a reparar.
(...)
A coação moral irresistível depende dos seguintes requisitos:
1) Ameaça do coator, ou seja, promessa de mal grave e iminente, o qual o coagido não é obrigado a suportar: se o mal é atual, com maior razão estará excluída a culpabilidade.
Essa ameaça deve ser direcionada à pessoa do coagido ou ainda a indivíduos com ele intimamente relacionados. Se for dirigida a pessoa estranha, pode até ser excluída a culpabilidade, em face de causa supralegal fundada na inexigibilidade de conduta diversa.
Se não bastasse, essa ameaça precisa ser séria e ligada a ofensa certa. Em suma, deve ser passível de realização, pouco importando se o coator realmente deseja ou não concretizá-la.
2) Inevitabilidade do perigo na posição em que se encontra o coagido: se o perigo puder por outro meio ser evitado, seja pela atuação do próprio coagido, seja pela força policial, não há falar na dirimente.
3) Caráter irresistível da ameaça: além de grave, o mal prometido deve ser irresistível.
A gravidade e a irresistibilidade da ameaça devem ser aferidas no caso concreto, levando em conta as condições pessoais do coagido. Trata-se, em verdade, de instituto relacionado com a culpabilidade, razão pela qual não se considera a figura imaginária do homem médio, voltada ao fato típico e ilícito, mas o perfil subjetivo do agente, que será então considerado culpável ou não.
Nada obstante, há entendimentos no sentido de que a gravidade e a irresistibilidade da coação devem ser calculadas com base nas características do homo medius.
4) Presença de ao menos três pessoas envolvidas: devem estar presentes o coator, o coagido e a vítima do crime por este praticado.
No caso do diretor de uma empresa, que é obrigado por criminosos a entregar todos os valores que se encontram guardados em um cofre que apenas ele pode abrir, sob a ameaça de seu filho, em poder de outra pessoa ligada aos assaltantes, ser morto, os envolvidos são: os delinquentes (coatores), o diretor da empresa (coagido) e a própria empresa, lesada em seu patrimônio (vítima).
Admite-se, contudo, a configuração da dirimente em análise com apenas duas pessoas envolvidas: coator e coagido.
Nesse caso, o coator funcionaria também como vítima. Exemplo: em razão de tão grave e irresistível ameaça para praticar crime futuro, o coagido, premido pelo medo e sem outra forma de agir, mata o próprio coator. Essa situação não se confunde com a legítima defesa. De fato, estaria afastada a excludente da ilicitude em face da inexistência de agressão atual ou iminente.
(...)
A coação moral irresistível afasta a culpabilidade do coagido (autor de um fato típico e ilícito). Não há, contudo, impunidade: pelo crime responde (...) o coator. Trata-se de manifestação da autoria mediata, pois o coator valeu-se de uma pessoa sem culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa) para realizar uma infração penal.
Não se pode olvidar, ainda, que o coator responde – além do crime praticado pelo coagido – pelo crime de tortura definido pelo art. 1.º, I, 'b', da Lei 9.455/1977,5 em concurso material.
Inexiste concurso de pessoas entre coator e coagido, em face da ausência de vínculo subjetivo. Não há, por parte do coagido, a intenção de contribuir para o crime praticado pelo coator.
Se, entretanto, a coação moral for resistível, remanesce a culpabilidade do coagido, operando-se autêntico concurso de agentes entre ele e o coator (...)
(...)
Frise-se, todavia, que na coação moral resistível, enquanto a pena do coator será agravada (CP, art. 62, II), a do coagido será atenuada (CP, art. 65, III, 'c', 1.ª parte).
(...)
30.3.5. Temor reverencial
É o fundado receio de decepcionar pessoa a quem se deve elevado respeito. Exemplo: filho que falsifica as notas lançadas no boletim da faculdade com o propósito de esconder as avaliações negativas do conhecimento dos pais, que arduamente custeiam seus estudos.
Não se equipara à coação moral. Não há ameaça, mas apenas receio. Além disso, na seara do Direito Civil o temor reverencial sequer permite a anulação dos negócios jurídicos, não podendo, no campo criminal, elidir a culpabilidade." (MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1.º a 120. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 508-510). (grifos no original)
..........................................................................................................................................................................
"A coação moral dá-se quando uma pessoa for alvo da ameaça de inflição de um mal grave e injusto. É preciso que tal ameaça seja revestida de seriedade. Se alguém diz, em tom irônico, 'me obedeça senão te mato', não há que se falar em coação moral, ainda que o mal prometido seja de indiscutível gravidade, tendo em vista a falta de seriedade na promessa efetuada.
A gravidade do mal prometido deve ser aquilatada segundo o critério de uma pessoa de mediana prudência e discernimento. Significa que, para tais efeitos, é preciso avaliar o que seria grave segundo um padrão (standard) mediano.
A coação moral, por fim, deve ser irresistível. Conforme pondera Cezar Bitencourt, a 'irresistibilidade da coação deve ser medida pela gravidade do mal ameaçado (...) Somente o mal efetivamente grave e iminente tem o condão de caracterizar a coação irresistível prevista pelo art. 22 do CP. A iminência aqui não se refere à imediatidade tradicional, puramente cronológica, mas significa iminente à recusa, isto é, se o coagido recusar-se, o coator tem condições de cumprir a ameaça em seguida, seja por si mesmo, seja por interposta pessoa'11.
Exige-se, ademais, uma ponderação entre o ato exigido e o mal que se promete infligir. Assim, por exemplo, não será irresistível a promessa de ferir o coagido para convencê-lo a matar outrem. Isto porque, ponderando-se os bens em situação de risco proibido (integridade física e vida), não é razoável exigir-se a supressão do bem maior para evitar seja alguém acometido de lesões corporais. Pode haver, por óbvio, situações-limite, em que será preferível decidir em favor daquele que sofreu a coação. Por exemplo: imagine que uma pessoa seja obrigada a efetuar o disparo de arma de fogo letal contra um desconhecido, sob pena de, em se omitindo, ver amputado um de seus membros.
Em resumo, para efeito da irresistibilidade, será mister ater-se ao binômio imediatidade + ponderação.
Quando caracterizada a excludente em estudo, somente será punível o autor da coação. O coagido será isento de pena. Apesar de haver duas pessoas envolvidas na consecução do fato – o coator e o coagido – não se há de falar em concurso de pessoas. O coagido é mero instrumento nas mãos do coator. Por isso, fala-se em autoria mediata. Aliás, cumpre observar que o coator terá contra si uma circunstância agravante (CP, art. 62, II, primeira figura).
Quando se concluir ser resistível a coação, ambos respondem pelo fato – coator e coagido; este com uma atenuante (art. 65, III, c, primeira figura) e aquele com a agravante acima mencionada." (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 331-332).
..........................................................................................................................................................................
"Não se admite a coação irresistível da sociedade. 'A sociedade não pode delinquir, pois onde ela existe, aí está também o Direito. Assim, a coação irresistível há que partir de uma pessoa, ou de um grupo, nunca da sociedade' 237.
Portanto, cai por terra a (absurda) alegação do marido traído no sentido de que assassinou o amante da sua esposa coagido pela sociedade, que o impelira de forma irresistível à prática do delito." (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º ao 120. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 376).
..........................................................................................................................................................................
"(...) De notar que ameaças vagas e imprecisas não podem ser consideradas graves para configurar coação irresistível e justificar a isenção de pena, devendo tratar-se de mal efetivamente grave e iminente, sendo indiferente que se dirija ao próprio coagido ou a alguém de suas ligações afetivas.56
(...)
Damásio de Jesus considera que, além de o coator responder pelo crime com a agravante do art. 62, II, deverá também responder por constrangimento ilegal contra o coagido (CP, art. 146), de sorte que, se, por exemplo, A, sob ameaça de morte, constranger B a lesionar a integridade física de C, A responderá pelos crimes de lesão corporal e constrangimento ilegal, em concurso formal (art. 70), com a incidência da agravante referida.58 Mas semelhante interpretação não procede, porque importa em bis in idem, devendo A, no exemplo dado, responder unicamente pelo crime de lesão corporal com a agravante genérica do art. 62, II. Pela mesma razão, também não pode incidir o art. 1º, I, b, da Lei nº 9.455/97 (...)" (QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 14. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. v. 1. p. 399-400).
Jurisprudência
-
TJDFT
Coação moral irresistível – não reconhecimento – falta de prova de ameaça de mal grave e injusto
"1. Correta a sentença que não reconhece coação moral irresistível quando a defesa não logra êxito em demonstrar a ocorrência de ameaça fundada de mal grave e injusto ocorrido dentro de penitenciária."
Acórdão 1294507, 07336887320198070001, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 22/10/2020, publicado no PJe: 4/11/2020.
Coação moral irresistível – inevitabilidade do perigo – requisito inexistente
"4. Também é requisito para a caracterização da coação moral irresistível a inevitabilidade do perigo por outro modo que não a prática do injusto penal, o qual não se verifica na hipótese em que o agente, ainda que ameaçado de morte, pratica o crime de tráfico de drogas para saldar dívida, uma vez que podia noticiar as ameaças às autoridades competentes para adotar as medidas necessárias e cabíveis aptas prevenir a concretização do mal prometido."
Acórdão 1222306, 20180110345446APR, Relator: CRUZ MACEDO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 21/11/2019, publicado no DJE: 18/12/2019.
-
STJ
Coação moral irresistível – gravidade e iminência do mal prometido e irresistibilidade da ameaça – não comprovação
"1. Não há como acolher a tese de coação moral irresistível, porquanto não ficou suficientemente comprovado que os recorrentes teriam sido vítimas de promessa de mal grave e iminente, tampouco que teriam sofrido ameaças irresistíveis por parte de qualquer outra pessoa. Ao contrário, as instâncias ordinárias destacaram que os recorrentes aceitaram, livremente, o negócio escuso e rentável, pelo qual receberiam cerca de 25 mil dólares cada um, havendo aderido, sem nenhum vício de vontade, ao plano criminoso." REsp 1.136.233/CE
5 "Art. 1.º Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: (...) b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa (grifamos)." 11 Tratado de direito penal: parte geral, v.1, p. 362-363. 56 Cezar Bitencourt, Manual, cit., p. 313. 237 TJSP – AC – Rel. Cunha Bueno – RT 477/342. |
Veja também
Agente que coage ou induz outrem à execução material do crime