Crimes culposos
Tema criado em 12/8/2022.
Doutrina
"Crime culposo é o que se verifica quando o agente, deixando de observar o dever objetivo de cuidado, por imprudência, negligência ou imperícia, realiza voluntariamente uma conduta que produz um resultado naturalístico indesejado, não previsto nem querido, mas objetivamente previsível, e excepcionalmente previsto e querido, que podia, com a devida atenção, ter evitado.
(...)
A doutrina nacional é tranquila ao admitir a coautoria em crimes culposos, quando duas ou mais pessoas, conjuntamente, agindo por imprudência, negligência ou imperícia, violam o dever objetivo de cuidado a todos imposto, produzindo um resultado naturalístico.
Imagine-se o exemplo em que dois indivíduos, em treinamento, efetuam disparos de arma de fogo em uma propriedade rural situada próxima a uma estrada de terra pouco movimentada. Atiram simultaneamente, atingindo um pedestre que passava pela via pública, o qual vem a morrer pelos ferimentos provocados por diversas munições. Há coautoria em um homicídio culposo.
Veja-se, a propósito, o clássico exemplo de E. Magalhães Noronha:
Suponha-se o caso de dois pedreiros que, numa construção, tomam uma trave e a atiram à rua, alcançando um transeunte. Não há falar em autor principal e secundário, em realização e instigação, em ação e auxílio, etc. Oficiais do mesmo ofício, incumbia-lhes aquela tarefa, só realizável pela conjugação das suas forças. Donde a ação única – apanhar e lançar o madeiro – e o resultado – lesões ou morte da vítima, também uno, foram praticados por duas pessoas, que uniram seus esforços e vontades, resultando assim coautoria. Para ambos houve vontade atuante e ausência de previsão.44
(...)
Firmou-se a doutrina pátria no sentido de rejeitar a possibilidade de participação em crimes culposos.
Com efeito, o crime culposo é normalmente definido por um tipo penal aberto, e nele se encaixa todo o comportamento que viola o dever objetivo de cuidado. Por corolário, é autor todo aquele que, desrespeitando esse dever, contribui para a produção do resultado naturalístico. Nos ensinamentos de Damásio E. de Jesus:
Todo grau de causação a respeito do resultado típico produzido não dolosamente, mediante uma ação que não observa o cuidado requerido no âmbito de relação, fundamenta a autoria do respectivo delito culposo. Por essa razão, não existe diferença entre autores e partícipes nos crimes culposos. Toda classe de causação do resultado típico culposo é autoria.45
Frise-se, por oportuno, que a unidade de elemento subjetivo exigida para a caracterização do concurso de pessoas impede a participação dolosa em crime culposo. Na hipótese em que alguém, dolosamente, concorre para que outrem produza um resultado naturalístico culposo, há dois crimes: um doloso e outro culposo. Exemplo: 'A', com a intenção de matar 'B', convence 'C' a acelerar seu carro em uma curva, pois sabe que naquele instante 'B' por ali passará de bicicleta. O motorista atinge velocidade excessiva e atropela o ciclista, matando-o. 'A' responde por homicídio doloso (CP, art. 121), e 'C' por homicídio culposo na direção de veículo automotor (Lei 9.503/1997 – CTB, art. 302)." (MASSON, Cléber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral: arts. 1.º a 120. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 550-551).
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"A doutrina nacional admite a coautoria nos crimes culposos, desde que dois ou mais indivíduos, agindo vinculados subjetivamente, atuem de forma negligente, imprudente ou imperita. No caso, o liame subjetivo não envolve, obviamente, o resultado, não querido, mas a própria conduta. A inobservância do dever de cuidado é o substrato da coautoria, rechaçando-se a participação, isto é, qualquer ato de que possa derivar o resultado involuntário é considerado ato de autor." (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º ao 120. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 471).
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"Admite-se, no contexto do delito culposo, a coautoria, mas não a participação. Sendo o tipo do crime culposo aberto, composto sempre de 'imprudência, negligência ou imperícia', segundo o disposto no art. 18, II, do Código Penal, não é aceitável dizer que uma pessoa auxiliou, instigou ou induziu outrem a ser imprudente, sem ter sido igualmente imprudente.
Portanto, quem instiga outra pessoa a tomar uma atitude imprudente está inserido no mesmo tipo penal. Exemplo: A instiga B a desenvolver velocidade incompatível em seu veículo, próximo a uma escola. Caso haja um atropelamento, respondem A e B como coautores de um crime culposo (homicídio ou lesão corporal, na forma prevista no Código de Trânsito Brasileiro).
Na ótica de Nilo Batista, 'a participação é conduta essencialmente dolosa, e deve dirigir-se à interferência num delito também doloso. (...) Não é pensável uma participação culposa: tal via nos conduziria inevitavelmente a hipóteses de autoria colateral' (Concurso de agentes, p. 158).
Embora concordemos totalmente que a participação somente se dá em crime doloso, somos levados a afirmar que, havendo contribuição de alguém à conduta culposa de outrem, configura-se a coautoria e não uma mera coautoria colateral. Esta, em nosso entendimento, demanda a contribuição para o resultado sem noção de que se está atuando em auxílio de outra pessoa. A autoria colateral, no cenário da culpa, para nós, caracteriza a denominada culpa concorrente, pois reservamos a expressão 'autoria colateral' para o dolo." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 302-303). (grifos no original)
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"É admissível a coautoria em crimes culposos. Esta possibilidade consta da Exposição de Motivos do Código Penal de 1940: 'fica solucionada, no sentido afirmativo, a questão sobre o concurso em crime culposo, pois, neste, tanto é possível a cooperação material quanto a cooperação psicológica, i.e., no caso de pluralidade de agentes, cada um destes, embora não querendo o evento final, tem consciência de cooperar na ação'. Exemplo: o passageiro de um veículo incentiva o motorista a empregar velocidade excessiva e este, aceitando a sugestão, passa a dirigir de forma incompatível com o local, vindo a causar um atropelamento culposo em que a vítima morre. O motorista e o passageiro são coautores do delito porque os dois agiram de forma culposa contribuindo para o evento. Nesses casos, considerando que um deles é quem dirigia e o outro quem incentivava, pode ficar a impressão de que o primeiro é autor (porque foi ele quem atropelou a vítima) e o segundo mero partícipe do crime culposo. Ocorre que o último não incentivou a que o motorista matasse alguém. Sua conduta foi de incentivo ao excesso de velocidade. Agiu também com imprudência. Assim, houve duas atitudes culposas, de cuja soma resultou o evento criminoso. Segundo esse raciocínio, que entende como coautores todos os que agem de forma culposa e contribuem, conscientemente, para o resultado culposo, é impossível a participação nos delitos dessa natureza, pois toda e qualquer pessoa que tenha agido culposamente será tratada como coautora do delito.
Não se deve confundir a hipótese acima com a chamada concorrência de culpas, em que duas pessoas agem concomitantemente de forma culposa dando causa ao evento, porém sem que cada uma delas tenha a consciência de contribuir para a eclosão do evento, o que afasta o concurso de agentes. Em tais casos, cada qual responde pelo crime culposo, mas sem estar na condição de coautora. A diferença é que, na concorrência de culpas, não existe o liame subjetivo. Exemplo: uma pessoa dirige o carro em excesso de velocidade, e a outra, na contramão, gerando um acidente com morte, sem que uma tenha prévia ciência da conduta culposa da outra." (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 172-173).
"44 NORONHA, E. Magalhães. Do crime culposo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1966. p. 103." "45 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. 2.ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 422." |
Jurisprudência
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TJDFT
Coautoria em crimes culposos – admissibilidade – doutrina dominante
"No que tange à alegação de coautoria dos passageiros sobreviventes, que sequer são réus nesta ação penal, apesar de a doutrina dominante admitir a coautoria em crimes culposos, pelos fundamentos já exarados acerca da impossibilidade de compensação de culpas no Direito Penal, a responsabilização penal do recorrente não se altera."
Acórdão 990259, 20101210008429APR, Relator: JESUINO RISSATO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 26/1/2017, publicado no DJE: 1/2/2017.
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STJ
Coautoria em crime culposo – possibilidade
"(...), tanto a doutrina quanto a jurisprudência já acolheram a tese da possibilidade de haver co-autoria em crime culposo. A par disso, (...) as lições trazidas por Júlio Mirabete no seu 'MANUAL DE DIREITO PENAL', 6ª Ed., 1991, pag. 224:
'O concurso de agente no crime culposo difere daquele do ilícito doloso, pois se funda apenas na colaboração da causa e não do resultado que é involuntário. Disso deriva a conclusão de que é autor todo aquele que causa culposamente o resultado, não se podendo falar em participação em crime culposo. Nessas hipóteses há sempre co-autoria porque os concorrentes realizam a conduta típica, concretizam o tipo pela inobservância do dever de cuidado, não praticando simplesmente uma conduta que, em si mesma, seria penalmente irrelevante.'" REsp 29.149/TO