Arrependimento posterior
Tema criado em 15/6/2020.
Doutrina
"O arrependimento posterior é figura nova no nosso ordenamento jurídico e vem tratado no art. 16 do Código Penal. Nele, o agente já consumou o delito, restando-lhe, agora, a reparação do dano ou a restituição da coisa, tudo isso, se possível, até o recebimento da denúncia ou queixa.
O arrependimento posterior é uma causa genérica de diminuição de pena e deve ser considerado na terceira etapa do cálculo da pena (art. 68 do CP), estando subordinado ao seguintes requisitos:
- crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa;
- reparação do dano ou restituição da coisa;
- ato voluntário do agente;
- até o recebimento da denúncia ou da queixa.
Caso a reparação do dano ou a restituição da coisa ocorra após o recebimento da denúncia ou queixa, estará configurada apenas uma circunstância atenuante genérica, prevista no art. 65. III, b, do Código Penal." (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 110).
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"a) Crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Para se beneficiar do instituto em tela, o delito praticado pelo agente deve ter sido praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa. A violência pode ser física, que é o emprego de força física no sentido de que a vítima realize uma conduta ou não (no caso da omissão); e a violência pode ser também moral, traduzindo-se do emprego de grave ameaça à pessoa.
b) Reparação do dano ou restituição da coisa objeto do delito. Para DAMÁSIO, a reparação deve ser integral, como assim também a restituição. Assim, se o dano monta em tal importância, só a reparação integral desse valor perfaz a exigência legal. Da mesma forma, se diversos são os objetos materiais, a restituição de um deles é insuficiente. MIRABETE lembra que a reparação do dano pode ser causa da extinção da punibilidade, como no caso de peculato culposo (art. 312, § 3º) ou excluir a possibilidade da ação penal, como na hipótese do pagamento do cheque antes da denúncia quanto ao ilícito previsto no art. 171, §2º, VI (Súmula 554).
c) Ato voluntário do agente. A reparação deve ser voluntária, porém, não necessita ser espontânea, podendo ser o agente convencido por um terceiro a voluntariamente reparar o dano ou restituir a coisa.
d) Até o recebimento da denúncia ou queixa. O marco final para que o agente seja beneficiado pelo instituto é o recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz. Caso a reparação ou a restituição verifique-se após o recebimento da denúncia ou da queixa, poderá incidir a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, b, CP. Importante a observação de COSTA JÚNIOR quando menciona que se o legislador atendeu às razões de política criminal, seria mais lógico que estabelecesse como prazo fatal o instante em que o réu fosse intimado para o interrogatório, concedendo-lhe três dias para proceder ao ressarcimento ou à restituição." (PACELLI, Eugênio. Manual de Direito Penal. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 312-313).
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"Extensão do benefício: O arrependimento posterior alcança qualquer crime que com ele seja compatível, e não apenas os delitos contra o patrimônio. Raciocínio diverso levaria à conclusão de que essa figura penal deveria estar prevista no título dos crimes contra o patrimônio, e não na Parte Geral do CP. Basta, em termos genéricos, que exista um “dano” causado em razão da conduta penalmente ilícita. Prevalece o entendimento de que a reparação do dano moral enseja a aplicação do arrependimento posterior. Evidentemente, este instituto é inaplicável nos delitos em que não há dano a ser reparado ou coisa a ser restituída. Em outras palavras, o arrependimento posterior é cabível nos crimes patrimoniais e também em delitos diversos, desde que apresentem efeitos de índole patrimonial.
Fundamentos: O arrependimento posterior tem raízes em questões de política criminal, fundadas em duplo aspecto: (1) proteção da vítima, que deve ser amparada em relação aos danos sofridos; e (2) fomento do arrependimento por parte do agente, que se mostra mais preocupado com as consequências de seu ato, reduzindo as chances da reincidência.
(...)
Comunicabilidade do arrependimento posterior no concurso de pessoas: A reparação do dano ou restituição da coisa tem natureza objetiva, comunicando-se aos demais coautores e partícipes do crime, na forma definida pelo art. 30 do CP. Nas infrações penais em que a reparação do dano ou restituição da coisa por um dos agentes inviabiliza igual atuação por parte dos demais, a todos se estende o benefício.
Critério para redução da pena: A redução da pena dentro dos parâmetros legais (um a dois terços) deve ser calculada com base na celeridade e na voluntariedade da reparação do dano ou da restituição da coisa. Quanto mais rápida e mais verdadeira, maior será a diminuição.
Recusa do ofendido em aceitar a reparação do dano ou a restituição da coisa: Seja qual for o motivo que leve a vítima a agir dessa forma, o agente não pode ser privado da diminuição da pena se preencher os requisitos legalmente previstos para a concessão do benefício. Pertinente, assim, a entrega da coisa à autoridade policial, que deverá lavrar auto de apreensão, para remessa ao juízo competente e posterior entrega ao ofendido, ou ainda, em casos extremos, o depósito em juízo, determinado em ação de consignação em pagamento." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. p. 137-138).
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"Análise crítica da Súmula 554 do STF
Estabelece essa Súmula que “o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta o prosseguimento da ação penal”. A consequência extraída é que o pagamento do cheque sem fundo antes do recebimento da denúncia tem força pra obstruir a ação penal. Há uma combinação com a Súmula 246 do mesmo Tribunal (“Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos”).
(...)
Em nosso entendimento, correta está a posição que sustenta ser caso de arrependimento posterior o pagamento de cheque sem fundos, dado com ânimo de fraudar, antes do recebimento da denúncia ou da queixa. Embora os Tribunais Superiores venham aplicando as Súmulas 554 e 246, observa-se que esta última é inútil, pois é certo que para todas as hipóteses de estelionato é indispensável haver o elemento subjetivo do tipo específico, que é a vontade de fraudar, motivo pelo qual a Súmula apenas declara o óbvio.
Por outro lado, quanto à Súmula 554, nota-se que ela é aplicada indistintamente, ou seja, para qualquer situação de pagamento de cheque dado sem provisão de fundos, ainda que tenha havido a intenção de fraude. Tal postura está equivocada, pois o crime de estelionato já se encontra aperfeiçoado e, no máximo, dever-se-ia aplicar a causa de redução da pena, mas não impedir que o órgão acusatório proponha a ação penal, que é pública incondicionada. Correta a análise e a conclusão de Waléria Garcia nesse sentido: “Com as Súmulas 246 e 554, ou sem elas, haverá crime de estelionato se houver fraude, e não haverá crime quando ausente a fraude. Isto é de lei. Referidas súmulas, invocadas e aplicadas de forma distorcida, estão trazendo o descrédito ao Poder Judiciário, representando, a deturpação da ideia originária do Direito Sumular, uma séria ameaça ao Direito” (Arrependimento posterior, p. 143)." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 311-312).
Jurisprudência
- TJDFT
Crime praticado com violência ou grave ameaça – impossibilidade de reconhecimento do arrependimento posterior
"3. Nos crimes praticados com grave ameaça e violência não se aplica o instituto do arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal)."
Acórdão 1253011, 07037137020198070012, Relator: SEBASTIÃO COELHO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 28/5/2020, publicado no DJE: 10/6/2020.
Restituição parcial dos bens – inaplicabilidade do arrependimento posterior
"2. Para que seja configurada a hipótese de arrependimento posterior, contida no artigo 16, do Código Penal, apta a ensejar redução da pena, mister a restituição dos bens em sua totalidade. "
Acórdão 1252730, 00072250320178070003, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 28/5/2020, publicado no DJE: 9/6/2020.
Necessidade de prisão em flagrante para a efetiva restituição do bens – adequação do percentual de redução da pena
"Adequada a redução de 1/3 (um terço), fração mínima, em face do arrependimento posterior, já que a restituição dos bens da vítima só foi possível após a prisão em flagrante do réu, o qual indicou a localização tão somente do televisor subtraído."
Acórdão 1209323, 20180410041040APR, Relator: MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 3/10/2019, publicado no DJE: 25/10/2019.
Arrependimento posterior – conceito
"4. O instituto do arrependimento posterior, disposto no art. 16 do CP, traduz-se em um comportamento pós-delitivo positivo em que o agente, voluntariamente, repara o dano ou restitui a coisa com a finalidade de restaurar a ordem perturbada. Nesse caso, a lei beneficia o criminoso arrependido com a diminuição de sua pena, o que é o caso dos autos."
Acórdão 1204478, 07064005620198070000, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Câmara Criminal, data de julgamento: 30/9/2019, publicado no DJE: 8/10/2019.
- STJ
Homicídio culposo na direção de veículo automotor - impossibilidade de aplicação do instituto do arrependimento posterior
"2. Inviável o reconhecimento do arrependimento posterior na hipótese de homicídio culposo na direção de veículo automotor, uma vez que o delito do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro não pode ser encarado como crime patrimonial ou de efeito patrimonial. Na espécie, a tutela penal abrange o bem jurídico mais importante do ordenamento jurídico, a vida, que, uma vez ceifada, jamais poderá ser restituída, reparada." AgRg no HC 510052 / RJ
Apropriação indébita - o ressarcimento do dano não exclui sua tipicidade
"5. Conforme jurisprudência do STJ, no crime de apropriação indébita o ressarcimento do dano não exclui a tipicidade, apenas configura causa de redução da pena, se praticada antes do recebimento da denúncia, conforme artigo 16 do Código Penal - CP, o qual trata do arrependimento posterior." HC 452163 / RS