Crime impossível

última modificação: 2020-08-21T14:27:15-03:00

Tema criado em 7/7/2020.

Doutrina

"Também conhecido por tentativa inidônea, impossível, inútil, inadequada ou quase crime, é a tentativa não punível, porque o agente se vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos absolutamente impróprios, tornando impossível a consumação do crime (art. 17, CP). Trata-se de um autêntica “carência de tipo1’, nas palavras de Aníbal Bruno (Sobre o tipo no direito penal, p. 56). Exemplos: atirar, para matar, contra um cadáver (objeto absolutamente impróprio) ou atirar, para matar, com uma arma descarregada (meio absolutamente ineficaz).

Cuida-se de autêntica causa excludente da tipicidade." NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 312-313).

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“Há, portanto, duas espécies diferentes de crime impossível, em que de forma alguma o agente conseguiria chegar à consumação, motivo pelo qual a lei deixa de responsabilizá-lo pelos atos praticados. São hipóteses em que a ação representa atos que, se fossem idôneos os meios ou próprios os objetos, seriam princípio de execução de um crime.

Na primeira parte, o dispositivo refere-se à ineficácia absoluta do meio empregado pelo agente para conseguir o resultado. O meio é inadequado, inidôneo, ineficaz para que o sujeito possa obter o resultado pretendido. Esse meio pode ser absolutamente ineficaz por força do próprio agente ou por elementos estranhos a ele. Exemplos clássicos são os da tentativa de homicídio por envenenamento com substância inócua ou com a utilização de revólver desmuniciado ou de arma cujas cápsulas já foram deflagradas.

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Para o reconhecimento do crime impossível é necessário que o meio seja inteiramente ineficaz para a obtenção do resultado. Não exclui a existência da tentativa a utilização de meio relativamente inidôneo, quando há um perigo, ainda que mínimo, para o bem jurídico que o agente pretende atingir. A inidoneidade do meio empregado deve ser perquirida em cada caso concreto. Não haverá crime impossível e sim tentativa punível nas hipóteses em que o agente atira em direção à cama da vítima que acaba de levantar-se, em que ministra veneno em quantidade insuficiente etc. Até as condições da vítima podem tornar idôneo um meio normalmente ineficaz: ministrar glicose na substância a ser ingerida por um diabético, provocar susto em pessoa que é portadora de distúrbios cardíacos etc. Evidentemente, não se pode tachar de meio ineficaz aquele que, na prática, demonstra eficácia.

Na segunda parte, o art. 17 refere-se à absoluta impropriedade do objeto material do crime, que não existe ou, nas circunstâncias em que se encontra, torna impossível a consumação. Há crime impossível nas manobras abortivas praticadas por mulher que não está grávida, no disparo de um revólver contra um cadáver etc.” (MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do CP - volume 1. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 156).

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"a) Teoria objetiva. A teoria objetiva exige a efetiva colocação em perigo do objeto protegido da ação, mediante ação questionada. Parte do injusto do resultado como verdadeira razão para o merecimento de pena do fato e, por isso, requer também da tentativa que apareça como um nascente injusto do resultado.

b) Teoria individual-objetiva ou teoria da impressão. Para essa teoria, o decisivo para a punibilidade da tentativa é a vontade do autor contrária ao Direito, mas não como um fenômeno em si mesmo, senão entendida em seus efeitos sobre a comunidade. A confiança da coletividade na vigência do ordenamento jurídico, como um dos poderes que configuram objetivamente a vida social, se perderia se ficasse impune quem sem propõe seriamente a realizar um delito grave e desse princípio a sua execução.

c) Teoria subjetiva. Leva-se em conta somente a vontade do autor, tanto para a delimitação frente à preparação como respeito ao grau de periculosidade da tentativa inidônea.

A teoria adotada pela nossa legislação é a objetiva, ou seja, somente será punível o fato se o bem jurídico tutelado efetivamente foi posto em perigo ou sofreu ameaça de perigo. Então, nos casos em que o fato não se consuma por ineficácia absoluta do meio ou impropriedade absoluta do objeto, ainda que a vontade do agente seja contrária ao direito, não há punibilidade." (PACELLI, Eugênio. Manual de Direito Penal. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 305-306).

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"Momento adequado para aferição da inidoneidade absoluta: A ineficácia absoluta do meio e a impropriedade absoluta do objeto devem ser analisadas depois da prática da conduta com a qual se deseja consumar o crime. Uma vez realizada a conduta, e só então, deve ser diferenciada a situação em que tal conduta caracteriza tentativa punível ou crime impossível. A regra não pode ser estabelecida em abstrato, previamente, e sim no caso concreto, após a realização da conduta.

- Súmula 567 do Superior Tribunal de Justiça: “Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.” (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. p. 143-144).

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Flagrante provocado, flagrante esperado e crime impossível

"Flagrante provocado ou preparado é o denominado crime de ensaio, ou seja, quando um terceiro provoca o agente à prática do delito, ao mesmo tempo em que age para impedir o resultado. Havendo eficácia na atuação do agente provocador, não responde pela tentativa quem a praticou. É o disposto na Súmula 145 do STF (“Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”). Embora a súmula faça referência somente à polícia, é natural que seja aplicável em outros casos.

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No flagrante esperado, inexiste agente provocador, embora chegue à polícia a notícia de que um crime será praticado em determinado lugar, colocando-se de guarda. É possível que consiga prender os autores em flagrante, no momento de sua prática. Como regra, não se trata de crime impossível, tendo em vista que o delito pode consumar-se, uma vez que os agentes policiais não armaram o crime, mas simplesmente aguardaram a sua realização, que poderia acontecer de modo totalmente diverso do esperado.

Não descartamos, no entanto, que o flagrante esperado se torne delito impossível, caso a atividade policial seja de tal monta, no caso concreto, que torne absolutamente inviável a consumação da infração penal." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 315).

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"Não se deve confundir, outrossim, crime impossível  com crime putativo. No crime putativo, o agente supõe que está praticando um delito, quando, na verdade, está praticando um indiferente penal, um fato atípico. No crime impossível, o agente tem consciência e vontade de cometer um crime, que é impossível de se consumar por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto."  (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 112).

Jurisprudência

  • TJDFT

Apreensão de quantidade mínima de munição e inexistência de armamento apto a efetuar disparo - crime impossível

"1. O colendo Superior Tribunal de Justiça tem se orientado no sentido de que a apreensão de ínfima quantidade de munição, aliada a ausência de artefato apto ao disparo, implica o reconhecimento da incapacidade de se gerar perigo à incolumidade pública. Na realidade, ambas as turmas que compõem a Terceira Seção do STJ orientaram-se no sentido da atipicidade da conduta perpetrada, diante da ausência de afetação do referido bem jurídico, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio. (AgRg no REsp 1840168/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020)."

Acórdão 1259806, 00000293020188070008, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 2/7/2020, publicado no DJE: 3/7/2020.

Crime de furto em local que possua sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico - impossibilidade de reconhecimento de crime impossível

"3. Não há crime impossível pelo fato de existirem dispositivos de segurança que dificultem a subtração: "Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto". Súmula 567/STJ."

Acórdão 1253780, 00089360920188070003, Relator: GEORGE LOPES, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 14/5/2020, publicado no DJE: 10/6/2020.

Contrafação imperceptível aos olhos do homem comum - inexistência de crime impossível

"2. Não há que falar em crime impossível se a contrafação do documento não é perceptível à vista desarmada do homem comum, não se tratando de falsificação grosseira."

Acórdão 1253121, 07113787320198070001, Relator: JESUINO RISSATO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 28/5/2020, publicado no DJE: 9/6/2020.

Falsificação de documento realizada de forma grosseira - crime impossível

"1. A falsidade grosseira da carteira de identidade apresentada pelo réu, constatada, de plano, pela autoridade policial, impõe o reconhecimento de crime impossível e a absolvição por atipicidade da conduta, pois absoluta a impropriedade do documento público adulterado de ofender a fé pública, bem jurídico tutelado pelo tipo penal previsto no art. 304, caput, c/c 297, ambos do Código Penal."

Acórdão 1253091, 00009508620188070008, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 28/5/2020, publicado no DJE: 8/6/2020.

  • STJ 

Alegação de flagrante preparado - impossibilidade de reconhecimento de crime impossível, vez que o tráfico de drogas é classificado como crime permanente

"1. No flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede a sua consumação, cuidando-se, assim, de crime impossível, ao passo que no flagrante forjado a conduta do agente é criada pela polícia, tratando-se de fato atípico.
2. No caso dos autos, embora os policiais tenham simulado a compra dos entorpecentes e a transação não ter se concluído em razão da prisão em flagrante dos acusados, o certo é que, antes mesmo do referido fato, o crime de tráfico já havia se consumado em razão de os sentenciados, tanto o corréu quanto o agravante, terem guardado em depósito e trazido consigo as drogas apreendidas, condutas que, a toda evidência não foram instigadas ou induzidas pelos agentes, o que afasta a mácula suscitada na impetração. Precedentes do STJ e do STF." AgRg no AREsp 1579303 / SP

Apreensão de quantidade ínfima de munição desacompanhada de armamento - crime impossível

"1. A apreensão de ínfima quantidade de munição, aliada à ausência de artefato apto ao disparo, implica o reconhecimento, no caso concreto, da incapacidade de se gerar perigo à incolumidade pública.
2. Ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior, em recentes julgados, orientaram-se no sentido da atipicidade da conduta perpetrada, diante da ausência de afetação do referido bem jurídico, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio. (REsp n. 1.699.710/MS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 13/11/2017; e HC n. 438.148/MS, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 30/5/2018).
3. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de desconsiderar a potencialidade lesiva, na hipótese em que pouca munição é apreendida desacompanhada de arma de fogo (RHC n. 143.449/MS, Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 9/10/2017)." AgRg no REsp 1840168 / MG