Crime doloso

última modificação: 2020-09-21T13:09:17-03:00

Tema criado em 12/08/2020.

Doutrina

"Dolo, em sentido técnico penal, é a vontade de uma ação orientada à realização de um delito, ou seja, é o elemento subjetivo que concretiza os elementos do tipo. O crime é considerado doloso quando o agente prevê objetivamente o resultado e tem intenção de produzir esse resultado ou assume o risco de produzi-lo, conforme preceitua o art. 18, I, do CP.

Partindo da Teoria Finalista, o dolo inclui unicamente o conhecer e o querer a realização da situação objetiva descrita pelo tipo, não fazendo menção à antijuridicidade da conduta (não inclui a consciência da antijuridicidade da conduta).

Segundo WELZEL, toda a ação consciente é conduzida pela decisão de ação, é dizer, pela consciência do que se quer – o momento intelectual – e pela decisão a respeito de querer realizar – o momento volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatores configuradores de uma ação típica real formam o dolo." (PACELLI, Eugênio. Manual de Direito Penal. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 272-273).

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"São elementos do dolo, portanto, a consciência (conhecimento do fato – que constitui a ação típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos elementos típicos futuros em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica, estendendo-se a todos os elementos objetivos conhecidos pelo autor que servem de base  a sua decisão em praticá-la. Numa concepção psicodinâmica, inspirada na psicanálise de Sigmund Freud, também se tem definido o dolo como “a atitude interior de adesão aos próprios impulsos intrapsíquicos antissociais”, em que predomina a ideia do animus, ou seja, a má-fé criminosa.

O dolo inclui não só o objetivo que o agente pretende alcançar, mas também os meios empregados e as consequências secundárias de sua atuação. Há duas fases na conduta: uma interna e outra externa. A interna opera-se no pensamento do autor (e se não passa disso é penalmente indiferente), e consiste em:

a) propor-se a um fim (matar um inimigo, por exemplo);

b) selecionar os meios para realizar essa finalidade (escolher um explosivo, por exemplo); e

c) considerar os efeitos concomitantes que se unem ao fim pretendido (a destruição da casa do inimigo, a morte de outras pessoas que estejam com ele etc.).

A segunda fase consiste em exteriorizar a conduta, numa atividade em que se utilizam os meios selecionados conforme a normal e usual capacidade humana de previsão. Caso o sujeito pratique a conduta nessa condições, age com dolo e a ele se podem atribuir o fato e suas consequências diretas (morte do inimigo e de outras pessoas, a demolição da casa, o perigo para os transeuntes etc.)." (MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do CP - volume 1. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 130-131).

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"Existem três teorias a respeito do conteúdo do dolo:

a) Teoria da vontade, segundo a qual dolo é a vontade de praticar uma ação consciente, um fato que se sabe contrário à lei.

Exige, para sua configuração, que quem realiza a ação deve ter consciência de sua significação, estando disposto a produzir o resultado.

b) Teoria da representação, segundo a qual o dolo é a vontade de praticar a conduta, prevendo o agente a possibilidade de o resultado ocorrer. É suficiente que o resultado seja previsto pelo sujeito, mesmo que não o deseje.

c) Teoria do assentimento (ou do consentimento), segundo a qual basta para o dolo a previsão ou consciência do resultado, não exigindo que o sujeito queira produzi-lo. É suficiente o assentimento do agente ao resultado.

O Brasil adotou, no art. 18, I, do Código Penal, a teoria da vontade (para que exista dolo é preciso a consciência e vontade de produzir o resultado – dolo direto) e a teoria do assentimento (existe dolo também quando o agente aceita o risco de produzir o resultado – dolo eventual)." (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 112-113).

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"Espécies de dolo:

a) Dolo direto e dolo indireto: Dolo direto (determinado, intencional, imediato ou incondicionado) é aquele em que a vontade do agente é voltada a determinado resultado. Dirige sua conduta a uma finalidade precisa. É o caso do assassino profissional que, desejando a morte da vítima, dispara contra ela um único tiro, certeiro e fatal. Dolo indireto ou indeterminado¸ por sua vez, é aquele em que o agente não tem a vontade dirigida a um resultado determinado. Subdivide-se em dolo alternativo e em dolo eventual. Dolo alternativo é o que se verifica quando o agente deseja, indistintamente, um ou outro resultado. Sua intenção se destina, com igual intensidade, a produzir um entre vários resultados previstos como possíveis. É o caso do sujeito que atira contra seu desafeto, com propósito de matar ou ferir. Se matar, responderá por homicídio. Se ferir, responderá por tentativa de homicídio – em caso de dolo alternativo, o agente sempre responderá pelo resultado mais grave. Justifica-se esse raciocínio pelo fato de o CP ter adotado a teoria da vontade (art. 18, I). Se teve a vontade de praticar um crime mais grave, por ele deve responder, ainda que na forma tentada. Dolo eventual é a modalidade em que o agente não quer o resultado, por ele previsto, mas assume o risco de produzi-lo. É possível a sua existência em decorrência do acolhimento pelo CP da teoria do assentimento, na expressão “assumiu o risco de produzi-lo” (art. 18, I). O dolo eventual é admitido por todos os crimes que com ele sejam compatíveis. Há casos, entretanto, em que o tipo penal exige expressamente o dolo direto. Afasta-se, então, o dolo eventual (art. 180, caput, do CP – utiliza a expressão “coisa que sabe ser produto de crime”, indicativa de dolo direto)." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. p. 148).

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"A presença do dolo eventual nos graves crimes de trânsito:

Tem sido posição adotada, atualmente, na jurisprudência pátria considerar a atuação do agente, em determinados delitos cometidos no trânsito, não mais como culpa consciente, e sim como dolo eventual. As inúmeras campanhas realizadas, demonstrando o perigo da direção perigosa e manifestamente ousada, são suficientes para esclarecer os motoristas da vedação legal de certas condutas, tais como o racha, a direção em alta velocidade, sob embriaguez, entre outras.

Se, apesar disso, continua o condutor do veículo a agir dessa forma nitidamente arriscada, estará demonstrando seu desapego à incolumidade alheia, podendo responder por delito doloso. Exemplo extraído da jurisprudência: “A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade ético-jurídica, participa, como o seu veículo automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada – além de ensejar a possibilidade de reconhecimento de dolo eventual inerente a esse comportamento do agente -, ainda justifica a especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o Estado responder, grave e energicamente, à atitude de que, em assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e de lesões corporais” (STF, HC 71.800-1/RS, 1ª. T., rel. Celso de Mello, DJ 20.06.1995, RT 733/478, embora antigo foi um marco à época para definir o dolo eventual nos crimes de trânsito).

É tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual. Em ambos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer. Na culpa consciente, ele acredita sinceramente que conseguirá evitar o resultado, ainda que o tenha previsto. Muitos ainda acreditam que, no contexto do trânsito, prevalece a culpa consciente, pois o agente não acredita que irá causar um mal tão grave. A solução, realmente, não é fácil, dependendo, em nosso ponto de vista, do caso concreto e das circunstâncias que envolvem o crime. É inviável buscar solver o problema com a prova concreta do que se passou na mente do agente, algo utópico na maior parte dos delitos ocorridos no trânsito." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 193).

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"b) Dolus bônus e dolus malus: Essa divisão diz respeito aos motivos do crime, que podem aumentar a pena, como no caso do motivo torpe, ou diminuí-la, tal como se dá no motivo de relevante valor social ou moral.

c) Dolo de propósito e dolo de ímpeto (ou repentino): Dolo de propósito (ou refletido) é o que emana da reflexão do agente, ainda que pequena, acerca da prática da conduta criminosa. Verifica-se nos crimes premeditados. Dolo de ímpeto (ou repentino) é o que se caracteriza quando o autor pratica o crime motivado por paixão violenta ou excessiva perturbação de ânimo. Não há intervalo entre a cogitação do crime e a execução da conduta penalmente ilícita. Ocorre geralmente nos crimes passionais.

d) Dolo genérico e dolo específico: Essa classificação ganhou destaque no sistema clássico do Direito Penal (teoria causalista da conduta). Falava-se em dolo genérico quando a vontade do agente se limitava à prática da conduta típica, sem nenhuma finalidade específica, tal como no crime de homicídio, em que é suficiente a intenção de matar alguém, pouco importando o motivo para a configuração da modalidade básica do crime. Por outro lado, o dolo específico existia nos crimes em que a referia vontade era acrescida de uma finalidade especial. No caso da injúria, por exemplo, não basta a atribuição à vítima de uma qualidade negativa. Exige-se também tenha a conduta a finalidade da macular a honra subjetiva da pessoa ofendida. Atualmente, com a superveniência da teoria finalista, utiliza-se o termo dolo para referir-se ao antigo dolo genérico. A expressão dolo específico, por sua vez, foi substituída por elemento subjetivo do tipo ou, ainda, elemento subjetivo do injusto.

e) Dolo presumido: Não pode ser admitido no Direito Penal moderno, incompatível com a responsabilidade penal objetiva.

f) Dolo de dano e dolo de perigo: Dolo de dano ou de lesão é o que se dá quando o agente quer ou assume o risco de lesionar um bem jurídico penalmente tutelado. É exigido para a prática de um crime de dano. (...) Dolo de perigo é o que ocorre quando o agente quer ou assume o risco de expor a perigo de lesão um bem jurídico penalmente tutelado.

g) Dolo de primeiro grau e dolo de segundo grau: O dolo de primeiro grau consiste na vontade do agente, direcionada a determinado resultado, efetivamente perseguido, englobando os meios necessários para tanto. Há a intenção de atingir um único bem jurídico. Exemplo: o matador de aluguel que persegue e mata, com golpes de faca, a vítima indicada pelo mandante. Dolo de segundo grau ou de consequências necessárias é a vontade do agente dirigida a determinado resultado, efetivamente desejado, em que a utilização dos meios para alcançá-lo inclui, obrigatoriamente, efeitos colaterais de verificação praticamente certa. (...) Exemplificativamente, é o que se verifica no tocante ao assassino que, desejando eliminar a vida de determinada pessoa que se encontra em lugar público, instala ali uma bomba, a qual, quando detonada, certamente matará outras pessoas ao seu redor.

h) Dolo geral, por erro sucessivo ou dolus generalis: É o erro no tocante ao meio de execução do crime, relativamente à forma pela qual se produz o resultado inicialmente desejado pelo agente. Ocorre quando o sujeito, acreditando ter produzido o resultado almejado, pratica nova conduta com finalidade diversa, e ao final se constata que foi esta última que produziu o que se buscava desde o início. Esse erro, de natureza acidental, é irrelevante no Direito Penal, pois o que importa é que o agente queria um resultado e o alcançou. O dolo é geral e envolve todo o desenrolar da ação típica, do início da execução até a consumação.

i) Dolo antecedente, dolo atual e dolo subsequente: Dolo antecedente (inicial ou preordenado) é o que existe desde o início da execução crime. É suficiente para fixar a responsabilidade penal do agente. Dolo atual (ou concomitante) é aquele em que persiste a vontade do agente durante todo o desenvolvimento dos atos executórios. Dolo subsequente (ou sucessivo) é o que se verifica quando o agente, depois de iniciar uma ação com boa-fé, passa a agir de forma ilícita e, por corolário, pratica um crime, ou ainda quando conhece posteriormente a ilicitude de sua conduta e, ciente disso, não procura evitar suas consequências." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. p. 149-151).

Jurisprudência

  • TJDFT

Dolo eventual - previsibilidade de ocorrência de crime mais grave

"3. Demonstrados nos autos que era plenamente previsível a ocorrência do crime mais grave (latrocínio em vez de roubo), pois o réu anuiu com a possibilidade do resultado morte (dolo eventual de matar - animus necandi), ao se associar com o adolescente para a prática do crime de roubo, sabendo que ele portava uma arma de fogo, e ajudá-lo a empreender fuga do local do crime, logo após o menor disparar um tiro contra a vítima a fim de lhe subtrair o aparelho celular, deve ser mantida a condenação do réu pela prática de latrocínio tentado, razões pelas quais são inviáveis o reconhecimento da participação dolosamente distinta, prevista no §2°, do artigo 29, do Código Penal, bem como o pretendido pleito absolutório. (...)."

Acórdão 1249035, 07171909620198070001, Relator: SEBASTIÃO COELHO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 14/5/2020, publicado no DJE: 26/5/2020.

Dolo eventual versus culpa consciente - embriaguez ao volante

"4. Não basta a comprovação da condução de veículo automotor sob a influência de álcool e em velocidade acima da permitida na via para se concluir, automaticamente, pela presença do dolo eventual na causação do homicídio, sob pena de validar-se a responsabilização objetiva, não acolhida no Direito Penal pátrio. As circunstâncias fáticas devem ser examinadas caso a caso, para que não se remeta ao Tribunal do Júri, composto de julgadores leigos, a decisão sobre a existência do dolo eventual ou da culpa consciente, cuja análise, na prática, é tormentosa e demanda conhecimento jurídico sobre os institutos."

Acórdão 1209358, 20170310170619RSE, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 17/10/2019, publicado no DJE: 22/10/2019.

Dolo - teoria finalista

"1. O dolo é, em síntese, a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do tipo penal. A essência do dolo reside na conduta, a finalidade que se tem para mover. Dolo, nesse sentido, é o elemento subjetivo, o que está na cabeça do agente, sua intenção, finalidade.

2. É relevante mencionar que para a Teoria Finalista, acolhida pela reforma do Código Penal Brasileiro de 1984 - postulado deixado por Hans Welzel - o dolo e a culpa integram a conduta, dentro da dimensão subjetiva do Fato Típico.

3. Face aos depoimentos do acusado, aliado aos demais depoimentos testemunhais judicializados, coesos e harmônicos entre si, bem como na ausência de elementos que evidenciam que o réu transportava a arma de forma voluntária e consciente, não há que se falar em dolo."

Acórdão 842693, 20120510014172APR, Relator: GEORGE LOPES, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 15/12/2014, publicado no DJE: 27/01/2015.

  • STJ 

Tribunal do júri - compete ao tribunal do júri a decisão acerca do elemento subjetivo do tipo

"2. No que se refere à desclassificação da conduta, convém assinalar que a decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria. A pronúncia não demanda juízo de certeza necessário à sentença condenatória, uma vez que as eventuais dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se em favor da sociedade - in dubio pro societate.

3. Havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional.

(...)

5. "Consoante reiterados pronunciamentos deste Tribunal de Uniformização Infraconstitucional, o deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime, especificamente, se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente, fica reservado ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, no qual a defesa poderá desenvolver amplamente a tese contrária à imputação penal" (AgRg no AREsp 1166037/PB, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)." AgRg nos EDcl no AREsp 1633337/MG