Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Homicídio qualificado – paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo torpe

última modificação: 14/04/2025 11h07

Tema criado em 8/4/2025.     

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Doutrina    

Paga ou promessa de recompensa 

Essa modalidade de homicídio qualificado é conhecida como homicídio mercenário porque uma pessoa contrata outra para executar a vítima mediante pagamento em dinheiro ou qualquer outra vantagem econômica, como a entrega de bens, promoção no emprego etc. A paga é prévia em relação ao homicídio, enquanto a promessa de recompensa é para entrega posterior, como no caso em que o contratante é filho da vítima e promete dividir o dinheiro da herança com a pessoa contratada para matar o pai. 

Concordamos com Nélson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso quando dizem que a promessa de recompensa deve estar relacionada com prestação econômica (entrega de dinheiro, bens, perdão de dívida, promoção no emprego etc.) e não de outra natureza. Com efeito, não constitui paga uma mulher oferecer relação sexual a um homem para que ele, em seguida, mate outra pessoa. Igualmente não constitui promessa de recompensa a promessa de sexo futuro para o agente matar a vítima. Em tais casos configura-se a qualificadora prevista na parte final do dispositivo — outro motivo torpe. No sentido de que a promessa de recompensa só se refere à prestação econômica, temos ainda as opiniões de Cezar Roberto Bitencourt e Julio Fabbrini Mirabete, enquanto em sentido contrário podemos apontar o entendimento de Damásio de Jesus. 

No caso de promessa de recompensa, a qualificadora existe ainda que o mandante, após a prática do crime, não cumpra a promessa e não entregue os valores combinados, pois o que importa é que o executor tenha matado em razão da promessa recebida. 

É comum que exista, em um mesmo caso, paga e promessa de recompensa, ou seja, que o contratante adiante uma parte em dinheiro e prometa entregar uma segunda parcela após a prática do crime. Nesse caso, a motivação é uma só (receber dinheiro para matar) e a vítima a mesma, de modo que não se configuram duas qualificadoras. 

O homicídio, como regra, classifica-se como crime de concurso eventual, pois, normalmente, pode ser cometido por uma só pessoa ou por duas em concurso. A figura qualificada em análise, todavia, constitui exceção, na medida em que pressupõe o envolvimento mínimo de duas pessoas, sendo, por isso, classificada como crime de concurso necessário. A pessoa que contrata é chamada de mandante, e a pessoa contratada de executora. É comum, outrossim, a existência de mais de um mandante e, ainda mais comum, a de vários executores. Também há a possibilidade de existirem intermediários — pessoas que, a pedido do mandante, entram em contato com o 'matador' e o contratam para matar a vítima e que também respondem pelo crime. 

(...) 

Comunicabilidade da qualificadora ao mandante 

O executor do homicídio comete o delito por razões altamente imorais, ou seja, pelo lucro, não havendo, de sua parte, motivos pessoais para eliminar a vítima, que, na maioria das vezes, até lhe é desconhecida. Daí a razão de o crime ser qualificado para ele. O que causa acalorada discussão no âmbito doutrinário e jurisprudencial é definir se a qualificadora em tela se aplica também ao mandante, pessoa responsável pela contratação do matador. 

A polêmica, basicamente, gira em torno de se definir se a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é ou não elementar do homicídio mercenário, uma vez que o art. 30 do Código Penal dispõe que as circunstâncias de caráter pessoal não se comunicam aos comparsas, salvo se elementares do crime. O ato de matar em troca de dinheiro ou outros valores é circunstância de caráter pessoal para o executor porque se refere à sua motivação: matar por dinheiro ou outros valores. Assim, caso se entenda que esse aspecto pessoal é elementar do homicídio mercenário, ele se comunica ao mandante, e, caso se entenda o contrário, não. Conforme se verá abaixo, cada uma das correntes procura justificar seu entendimento pautada por argumentos técnicos e lógicos. Senão vejamos: 

1ª Corrente — Não se comunica a qualificadora. 

Para os seguidores dessa corrente, deve-se respeitar o entendimento, praticamente pacífico na doutrina, de que elementares são apenas os requisitos essenciais do crime elencados no tipo básico, sendo chamadas de circunstâncias os fatores que alteram o montante da pena, tais como as qualificadoras. Esse é o aspecto técnico dessa orientação. O aspecto lógico que sempre é ressalvado pelos defensores dessa tese é o de que o mandante tem seus próprios motivos para querer a morte da vítima, pois apenas o executor mata por dinheiro, de modo que deve ter sua conduta avaliada sob o prisma de sua própria motivação. Assim, o vice-prefeito que contrata um pistoleiro para matar o prefeito a fim de ficar com seu cargo responde pela qualificadora genérica do motivo torpe, e o executor por ter matado em razão da paga. Por outro lado, o pai que descobre quem foi o estuprador de sua filha e contrata outrem para matá-lo incorre em homicídio privilegiado, devendo apenas o executor incidir na figura qualificada da paga. 

Em suma, para essa corrente, a paga ou promessa de recompensa não é elementar e, por ser de caráter pessoal, não se estende ao mandante, que deve ser responsabilizado de acordo com os motivos que o levaram a contratar o executor. Nesse sentido, as opiniões de Heleno Cláudio Fragoso, Fernando Capez, Flávio Monteiro de Barrose Rogério Greco. 

(...) 

2ª Corrente — Comunica-se a qualificadora ao mandante. 

Os seguidores dessa orientação, embora reconheçam que normalmente qualificadoras são circunstâncias e não elementares, ressaltam que, excepcionalmente, no caso do homicídio mercenário, não há como deixar de reconhecer que o envolvimento do mandante no crime é requisito essencial para a sua existência — por se tratar de crime de concurso necessário — e, na condição de requisito essencial, deve ser considerado elementar. Assim, deve ser aplicada a qualificadora também a ele, cujo envolvimento no fato criminoso é premissa para sua existência. 

Em suma, se excluído o envolvimento do mandante, o fato não pode ser caracterizado como homicídio mercenário, daí por que seu envolvimento no delito constituir elementar. Trata-se, portanto, de qualificadora sui generis, pois sua existência tem como premissa o envolvimento de duas pessoas e, assim, para ambos deve ser aplicada a pena maior. 

Argumentam, ainda, sob o prisma da lógica, que o mandante deve também ser condenado pela forma qualificada, pois é dele a iniciativa de procurar o executor e lhe propor o crime. Sem essa proposta não haveria o homicídio. 

Ressalte-se, por fim, que, ainda que se adote essa corrente, segundo a qual a qualificadora se estende também ao mandante, poderá acontecer de, na votação em Plenário, os jurados reconhecerem que ele agiu por motivo de relevante valor social ou moral (privilégio) e, caso isso aconteça, o juiz automaticamente se verá obrigado a excluir dos quesitos seguintes a qualificadora da paga em relação ao mandante, pois, conforme será estudado no momento oportuno, o reconhecimento do privilégio inviabiliza as qualificadoras de caráter subjetivo. Assim, pode acontecer de os jurados condenarem o executor na forma qualificada e o mandante na forma privilegiada (pai que contratou alguém para matar o estuprador da filha, por exemplo). 

Em suma, para essa orientação, o delito é, a priori, qualificado para ambos os envolvidos. Por isso, se o vice-prefeito contrata alguém para matar o prefeito para ficar com seu cargo, ambos devem ser condenados pela qualificadora da paga. Excepcionalmente, porém, se os jurados reconhecerem o privilégio para o mandante, ficará afastada para ele a figura qualificada.” 

(GONÇALVES, Victor Eduardo R.; LENZA, Pedro. Esquematizado - Direito Penal - Parte Especial. 12. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2022. E-book. p.105. ISBN 9786555597738. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786555597738/. Acesso em: 08 abr. 2025.) 

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“b) Motivo torpe 

Torpe é o motivo que atinge mais profundamente o sentimento ético-social da coletividade, é o motivo repugnante, abjeto, vil, indigno, que repugna à consciência média. O motivo não pode ser ao mesmo tempo torpe e fútil. A torpeza afasta naturalmente a futilidade. O ciúme, por si só, como sentimento comum à maioria da coletividade, não se equipara ao motivo torpe. Na verdade, o ciúme patológico tem a intensidade exagerada de um sentimento natural do ser humano que, se não serve para justificar a ação criminosa, tampouco serve para qualificá-la. O motivo torpe não pode coexistir com o motivo fútil. A qualificadora do homicídio, para ser admitida na pronúncia, exige a presença de indícios, e sobre eles, sucintamente, deve manifestar-se o magistrado. 

Nem sempre a vingança é caracterizadora de motivo torpe, pois a torpeza do motivo está exatamente na causa da sua existência. Em sentido semelhante, sustenta Fernando de Almeida Pedroso que 'a vingança, como sentimento de represália e desforra por alguma coisa sucedida, pode, segundo as circunstâncias que a determinaram, configurar ou não o motivo torpe, o que se verifica e dessume pela sua origem e natureza'. 

Com efeito, os fundamentos que alimentam o sentimento de vingança, que não é protegido pelo direito, podem ser nobres, relevantes, éticos e morais; embora não justifiquem o crime, podem privilegiá-lo, quando, por exemplo, configurem relevante valor social ou moral, v. g., quando o próprio pai mata o estuprador de sua filha. E um homicídio privilegiado não pode ser ao mesmo tempo qualificado por motivo fútil ou torpe. O STJ, em acórdão relatado pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz, já decidiu nesse sentido, inclusive para afastar a natureza hedionda do fato imputado: 'A vingança, por si só, não torna torpe o motivo do delito. Análise do contexto fático-probatório. Ainda que reprovável a conduta do réu, mostra-se desarra-zoado imputar a torpeza a ela na situação dos autos, uma vez que o agente haveria praticado o delito para vingar as ameaças da vítima à vida dele e de sua família, bem como as agressões físicas e a tentativa de golpes de faca que ele teria sofrido na noite anterior ao crime'. 

Os motivos que qualificam o crime de homicídio, na hipótese de concurso de pessoas, são incomunicáveis, pois a motivação é individual, e não constituem elementares típicas, segundo o melhor entendimento doutrinário.” 

(BITENCOURT, Cezar R. Tratado de Direito Penal - Parte Especial Vol.2 - 24ª Edição 2024. 24. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. p.59. ISBN 9788553622450. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553622450/. Acesso em: 08 abr. 2025.) 

Jurisprudência        

  • TJDFT 

Homicídio motivado por ciúmes motivo torpe – competência do conselho de sentença 

“7. Havendo lastro probatório mínimo, cabe ao Conselho de Sentença decidir, soberanamente, se o réu praticou o homicídio motivado por ciúmes, assim como analisar se referido sentimento, no caso concreto, constitui o motivo torpe que qualifica o crime de homicídio.” 

Acórdão 1980520, 0726584-19.2022.8.07.0003, Relator(a): ESDRAS NEVES, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 20/03/2025, publicado no DJe: 31/03/2025. 

Homicídio qualificado pelo motivo torpe – impossibilidade de valoração do comportamento da vítima em favor do réu 

“4.3. Sendo a compreensão dos jurados de que o motivo para o crime foi torpe, afigura-se indevida a valoração em favor do réu do comportamento da vítima.” 

Acórdão 1977578, 0720598-66.2022.8.07.0009, Relator(a): GISLENE PINHEIRO DE OLIVEIRA, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 13/03/2025, publicado no DJe: 25/03/2025. 

Menoridade relativa e motivação torpe – compensação entre si possibilidade

“9. A menoridade relativa e a motivação torpe, reconhecida pelo Conselho de Sentença, são agravantes de caráter preponderante e devem ser compensadas integralmente entre si.”   

Acórdão 1972045, 0014581-65.2016.8.07.0009, Relator(a): JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 20/02/2025, publicado no DJe: 06/03/2025. 

Antiga qualificadora do feminicídio – motivo torpe configurado – possibilidade de valoração dos “motivos do crime” 

“5.2. Qualificado o crime de homicídio em razão da vítima ser mulher – crime cometido sob a redação anterior a Lei 14.994/2024 –, é possível a utilização de outra qualificadora (motivo torpe) para valorar negativamente o vetor 'motivos do crime'.” 

Acórdão 1965572, 0725826-12.2023.8.07.0001, Relator(a): GISLENE PINHEIRO DE OLIVEIRA, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 06/02/2025, publicado no DJe: 25/02/2025. 

Ato infracional análogo a homicídio – vingança – incidência do motivo torpe  

“2. Cabível a incidência do motivo torpe quando demonstrado que o ato infracional foi praticado por vingança.” 

Acórdão 1923822, 0701389-02.2022.8.07.0013, Relator(a): JANSEN FIALHO DE ALMEIDA, 3ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 19/09/2024, publicado no DJe: 26/09/2024. 

Homicídio mediante paga e com emprego de arma de fogo – prisão cautelar com fundamento na garantia da ordem pública 

“2. Devidamente justificados os motivos que embasaram a decretação da prisão cautelar do paciente, com fundamento na garantia da ordem pública, diante do modo empregado na prática do crime, tendo em vista que, em tese, praticou crime de homicídio qualificado, mediante paga e com emprego de arma de fogo, não existe razão para a concessão da liberdade do paciente.” 

Acórdão 1889923, 0727467-04.2024.8.07.0000, Relator(a): ARNALDO CORRÊA SILVA, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 18/07/2024, publicado no DJe: 23/07/2024.

  • STJ 

Homicídio motivado por ciúmes motivo torpe – competência do Tribunal do Júri 

“2. De acordo com a orientação jurisprudencial desta Corte, cabe ao Tribunal do Júri, considerando as circunstâncias do caso concreto, decidir se o ciúme pode qualificar o crime de homicídio e ainda se caracteriza motivo fútil ou torpe.” 

AgRg no REsp 2122723 / MG, Relator: Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, data do julgamento: 19/3/2025, data da publicação: 25/3/2025.   

Qualificadora da paga ou promessa recompensa – circunstância de caráter pessoal – incomunicabilidade aos mandantes 

"3. A qualificadora da paga ou promessa de recompensa aplica-se somente aos executores diretos do homicídio. 2. A qualificadora da paga ou promessa de recompensa não se comunica aos mandantes do crime, por possuir caráter pessoal.

4. O mandante do delito não incorre na referida qualificadora, já que sua contribuição para o cometimento do homicídio em concurso de pessoas, na forma de autoria mediata, é a própria contratação e pagamento do assassinato." 

AgRg no AREsp 2784521 / MG, Relator: Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, data do julgamento: 4/2/2025, data da publicação: 14/2/2025.   

Antiga qualificadora do feminicídio e motivo torpe – aplicação simultânea – inocorrência de bis in idem 

“5. As qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio possuem naturezas distintas, sendo a primeira de caráter subjetivo (motivação do crime, animus do agente) e a segunda de cunho objetivo, atrelada à condição especial da vítima (do gênero feminino), de modo que a imputação simultânea das referidas qualificadoras não configura bis in idem.” 

AREsp 2572671 / TO, Relatora: Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, data do julgamento: 3/2/2024, data da publicação: 26/12/2024.   

  • STF    

Qualificadora da paga ou promessa de recompensa – circunstância elementar – comunicação ao mandante 

“6. Há julgamentos colegiados no repositório jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal reconhecendo que a qualificadora da paga ou promessa de recompensa se comunica ao mandante do crime, não se limitando ao executor.” 

HC 250085 AgR, Relator: Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, data do julgamento: 22/2/2025, data da publicação: 11/3/2025.   

Homicídio doloso em contexto homofóbico e transfóbico – qualificação pelo motivo torpe – possibilidade 

“I - Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, 'in fine')” 

ADO 26, Relator: Ministro Celso De Mello, Tribunal Pleno, data do julgamento: 13/6/2019, data da publicação: 6/10/2020.

Veja também 

Tribunal do Júri - crimes dolosos contra a vida 

Quiz 

Julgue as assertivas:

  1. A paga ou promessa de recompensa deve estar relacionada com prestação econômica, como entrega de dinheiro, bens, perdão de dívida, promoção no emprego, etc.
  2. Oferecer relação sexual como recompensa para que alguém cometa homicídio configura a qualificadora de homicídio mercenário.
  3. A qualificadora de promessa de recompensa existe mesmo que o mandante não cumpra a promessa após o crime.
  4. Quando há paga e promessa de recompensa em um mesmo caso, configuram-se duas qualificadoras distintas.
  5. O motivo torpe pode coexistir com o motivo fútil em um homicídio qualificado.

Gabarito comentado

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