Efeitos da condenação
Tema criado em 3/7/2023.
Doutrina
“21.1 Introdução
O efeito principal da sentença condenatória é a aplicação da pena a ser cumprida pelo acusado. Existem, contudo, diversos efeitos secundários previstos tanto no Código Penal quanto em leis especiais. Em alguns casos, esses efeitos secundários são de natureza penal e, em outros, de cunho extrapenal. Estes últimos, por sua vez, subdividem-se em efeitos extrapenais genéricos ou específicos.
21.2. Efeito principal
O efeito principal da condenação, conforme já mencionado, é a imposição da pena (privativa de liberdade ou multa) ou da medida de segurança para os semi-imputáveis cuja necessidade de tratamento tenha sido constatada (os inimputáveis também recebem medida de segurança, mas em razão de sentença absolutória, conforme se verá oportunamente). É certo que o juiz pode, ainda, substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa, ou suspendê-la condicionalmente (sursis). Esses temas, entretanto, já foram estudados, sendo que a finalidade do presente capítulo é exatamente a de analisar os efeitos secundários da condenação.
21.3. Efeitos secundários
São todos os demais efeitos condenatórios. Podem ser de natureza penal ou extrapenal.”
(GONÇALVES, Victor Eduardo R. Curso de direito penal: parte geral. v.1. Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553623118. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553623118/. Acesso em: 7 jul. 2023)
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“2.EFEITOS SECUNDÁRIOS PENAIS E EXTRAPENAIS DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
A sentença condenatória produz efeitos secundários de duas ordens:
a) penais: impedir ou revogar o sursis, impedir ou revogar o livramento condicional ou a reabilitação, lançar o nome do réu no rol dos culpados, propiciar a reincidência etc.;
b) extrapenais: a atuação se dá fora do âmbito penal, subdividindo-se em genéricos e específicos, previstos nos arts. 91 e 92 do Código Penal.
3. EFEITOS GENÉRICOS
3.1 Tornar certa a obrigação de reparar o dano
Trata-se de efeito automático, que não necessita ser expressamente pronunciado pelo juiz na sentença condenatória e destina-se a formar título executivo judicial (art. 515 do CPC/2015) para a propositura da ação civil ex delicto.
(...).
3.2 Perda em favor do Estado de bens e valores de origem ilícita
É a hipótese do confisco, também automática, sem necessidade de ser declarada pelo juiz na sentença, largamente utilizada na Antiguidade como pena total ou parcial. Nessa época, no entanto, terminava atingindo inocentes, como a família do réu, que perdia bens licitamente adquiridos por força de uma condenação que não deveria passar da pessoa do criminoso. Era medida desumana e injusta, até que, hoje, não mais se admite o confisco atingindo terceiros não participantes do delito (art. 5.º, XLV, CF).
Os efeitos da condenação não mais se relacionam com essa modalidade de pena odiosa, porque só afetam instrumentos usados para a prática do delito ou o produto conseguido pela atividade criminosa, nada possuindo de aberrante. Os instrumentos que podem ser confiscados pelo Estado são os ilícitos, vale dizer, aqueles cujo porte, uso, detenção, fabrico ou alienação é vedado. Ex.: armas de uso exclusivo do Exército ou utilizadas sem o devido porte; documentos falsos; máquinas de fabrico de dinheiro etc.
Não cabe para instrumentos de uso e porte lícitos: cadeira, automóvel, faca de cozinha etc. Exemplo interessante é encontrado na jurisprudência, autorizando a liberação do dinheiro, na esfera penal, apreendido em tentativa de evasão de divisas (sujeito é preso em revista feita pela Polícia Federal, buscando sair do Brasil com R$ 30.000,00 em moeda nacional rumo ao Paraguai), por não se tratar de coisa ilícita.
Como exceção, pode-se mencionar o confisco especial previsto na Lei de Drogas, que recai sobre veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, assim como os maquinismos, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão. A Constituição Federal também menciona o confisco de glebas usadas para a cultura de plantas psicotrópicas, sem pagamento de qualquer tipo de indenização (art. 243).
Quanto ao produto do crime, trata-se daquilo que foi diretamente conquistado com a prática delituosa, tal como o dinheiro subtraído do banco ou a coleção de armas retirada de um colecionador. Além do produto, é possível que o delinquente converta em outros bens ou valores o que auferiu por conta do crime, dando margem ao confisco. Nesse caso, fala-se no proveito do crime. Ex.: o apartamento adquirido com o dinheiro roubado do estabelecimento bancário. O art. 91, II, CP, não fala na possibilidade de confisco no caso de contravenção penal, pois utiliza a palavra crime (instrumentos do crime e produto do crime), mas a jurisprudência majoritária prevê a possibilidade desse efeito da condenação ser usado no contexto das contravenções penais. Onde está escrito “crime” leia-se “infração penal”. Trata-se, de fato, da interpretação mais sintonizada com a finalidade da norma penal.
(...).
4.EFEITOS ESPECÍFICOS
4.1 Perda de cargo, função pública ou mandato eletivo
Trata-se de efeito não automático, que precisa ser explicitado na sentença, respeitados os seguintes pressupostos:
a) nos crimes praticados com abuso de poder ou violação do dever para com a Administração Pública, quando a pena aplicada for igual ou superior a 1 ano;
b) nos demais casos, quando a pena for superior a 4 anos.
Cargo público é o cargo criado por lei, com denominação própria, número certo e remunerado pelos cofres do Estado (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União), vinculando o servidor à administração estatutariamente; função pública é a atribuição que o Estado impõe aos seus servidores para realizarem serviços nos três Poderes, sem ocupar cargo ou emprego.
(...).
4.2 Efeito específico da incapacidade para o poder familiar, tutela ou curatela
Trata-se de efeito não automático e permanente, que necessita ser declarado na sentença condenatória. É aplicável aos condenados por crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder, contra filho, filha ou outro descendente, tutelado ou curatelado (art. 92, II, CP).
Pouco interessa, nesse caso, qual o montante da pena aplicada, importando somente se tratar de crime sujeito à pena de reclusão. Embora seja de aplicação rara, ou por esquecimento do magistrado, ou porque este se convence de sua inutilidade no campo reeducativo e pedagógico (lembremos que o efeito é permanente, podendo fomentar o descrédito do pai ou da mãe no lar em relação ao(s) filho(s), mesmo depois de cumprida a pena), o fato é que a lei civil também prevê a hipótese de perda do poder familiar em caso de condenação.
Dispõe o art. 1.638, parágrafo único, do Código Civil (com a redação dada pela Lei 13.715/2018) o seguinte: 'perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que: I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão'.
Sob outro aspecto, constitui forma de suspensão do poder familiar a condenação por sentença irrecorrível, em face de delito cuja pena ultrapasse dois anos de prisão (art. 1.637, parágrafo único, CC). Nesta hipótese, pouco importa se o crime é apenado com reclusão ou detenção (fala-se somente em prisão) ou mesmo se tem a infração penal como vítima o filho. O fundamento é a prisão efetiva, em regime incompatível com o exercício do poder familiar (ex.: aquele que está em regime fechado não tem condições de cuidar do filho). No entanto, se o genitor for condenado a regime semiaberto ou aberto, possuindo condições de criar os filhos, a suspensão se torna desnecessária.
(...).
4.3 Inabilitação para dirigir veículo advinda do art. 92, III, do CP
Trata-se de efeito não automático, que precisa ser declarado na sentença condenatória e somente pode ser utilizado quando o veículo for usado como meio para a prática de crime doloso. A nova legislação de trânsito não alterou este efeito da condenação, pois, no caso presente, o veículo é usado como instrumento de delito doloso, nada tendo a ver com os crimes culposos de trânsito. Como lembra Frederico Marques, “quem usa do automóvel, intencionalmente, para matar ou ferir alguém, não está praticando um ‘delito do automóvel’, mas servindo-se desse veículo para cometer um homicídio doloso, ou crime de lesão corporal também dolosa” (Tratado de direito penal, v. 4). (...)”.
(NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559642830. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642830/. Acesso em: 7 jul. 2023)
Jurisprudência
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TJDFT
Tráfico de drogas – perdimento dos bens
“O perdimento de bens em decorrência da prática do crime de tráfico de drogas tem previsão no artigo 63, inciso I, e § 1º, da Lei nº 11.343/2006. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 638491, fixou a tese de que é possível o confisco de todo bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal (Tema 647).”
Acórdão 1722496, 07186077920228070001, Relator: ESDRAS NEVES, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 29/6/2023, publicado no PJe: 6/7/2023.
Imóvel adquirido com produto de crime – penhorabilidade do bem de família
“7. A impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 1º da Lei 8.009/90, não é oponível em relação ao bem que tiver sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens, nos termos do inciso VI, do art. 3º, do mesmo Diploma Legal.”
Acórdão 1688856, 07145936220218070009, Relator: JANSEN FIALHO DE ALMEIDA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 13/4/2023, publicado no DJe: 26/4/2023.
Perda de cargo público – condenação pelo crime de tortura
“6 Nos termos do § 5º do art. 1º da Lei 9.455/97 e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a perda do cargo público é efeito extrapenal automático da condenação pelo crime de tortura.”
Acórdão 1685635, 00003616120088070003, Relator: CESAR LOYOLA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 13/4/2023, publicado no DJE: 19/4/2023.
Condenação por porte de arma – impossibilidade de restituição do bem
“4. O perdimento da arma de fogo e munições apreendidas não configura pena restritiva de direito, mas sim efeito automático da condenação por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, o que inviabiliza a restituição dos objetos (art. 91, II, alínea "a", do CP c/c o art. 25 da Lei 10.826/2003).”
Acórdão 1694716, 07148424320228070020, Relator: JANSEN FIALHO DE ALMEIDA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 26/4/2023, publicado no DJe: 9/5/2023.
Perda de cargo público – servidores ativos
“5. A aposentadoria, direito à inatividade remunerada, não é abrangida pelo disposto no art. 92 do CP. A condenação criminal, portanto, somente afeta o servidor ativo, ocupante efetivo de cargo, emprego, função ou mandato eletivo. ”
Acórdão 1693824, 00290062920138070001, Relator: ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 27/4/2023, publicado no DJe: 10/5/2023.
Prática de crime doloso – utilização do veículo para realização do crime – inabilitação para dirigir
“17. Constatada a prática de crime doloso e verificando-se que o veículo foi utilizado como instrumento para a realização do crime, é possível a imposição da inabilitação para dirigir veículo, com fundamento no artigo 92, inciso III, do Código Penal, desde que fundamentada a necessidade de aplicação da medida no caso concreto.”
Acórdão 1625782, 00213269520158070009, Relator: CESAR LOYOLA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 6/10/2022, publicado no PJe: 16/11/2022.
Crime de corrupção passiva no exercício do cargo público – efeito extrapenal – perda do cargo
"18 - Mantém-se, como efeito extrapenal da condenação, a perda de cargo público se o agente comete o crime (corrupção passiva) no exercício do cargo, com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (art. 92, I, 'a', do CP).”
Acórdão 1272264, 00047354820168070001, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 13/8/2020, publicado no PJe: 18/8/2020.
Suspensão dos efeitos políticos – pena restritiva de direitos
"3 A Constituição Federal determina no artigo 15, inciso III, que os direitos políticos do cidadão serão suspensos na hipótese de 'condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos'. Desse modo, esse efeito secundário da condenação sempre subsiste, independentemente da do tipo da pena em execução. A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos não impede a suspensão dos direitos políticos. "
Acórdão 1184079, 20160110770837APR, Relator: GEORGE LOPES, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 27/6/2019, publicado no DJe: 10/7/2019.
Perda do poder familiar – condenação por crimes contra membros da família
“11. Segundo o inciso II do art. 92 do Código penal, um dos efeitos da condenação é a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela, nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado. 12. Considerando a quantidade da pena de reclusão aplicada pelos crimes cometidos contra a mãe do menor, pessoa igualmente titular do mesmo poder familiar, e os indícios de maus-tratos infligidos à própria criança, mantém-se a decretação da perda do poder familiar do acusado com relação à criança.“
Acórdão 1290610, 07047686820198070008, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 8/10/2020, publicado no PJe: 16/10/2020.
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STJ