Erro na execução – "aberratio ictus"

última modificação: 2020-03-13T14:11:05-03:00

Tema criado em 2/3/2020.

Doutrina

"É o desvio no ataque, quanto à “pessoa-objeto” do crime (cf. Paulo José Costa Jr., O crime aberrante, p. 26). Em lugar de atingir a pessoa visada, o agente alcança pessoa diversa, porque a agressão esquivou-se do alvo original. Não se altera, no entanto, a denominação do crime (ex.: se o agente atira em A para matar, atingindo fatalmente B, termina por cometer homicídio consumado), pois a alteração da vítima não abala a natureza do fato.

Vale ressaltar que o art. 73 do Código Penal prevê hipótese de aproveitamento do dolo, ou seja, quando alguém tem por objetivo ferir certa pessoa, mas, por erro na execução, lesa outro ser humano, o efeito é o mesmo. A lei penal protege qualquer indivíduo, não importando quem seja. Dessa maneira, se A quer matar B, embora termine atingindo C, continua a haver homicídio. E, com razão, responderá o agente como se tivesse eliminado a vítima desejada, com todas as suas características pessoais." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 497).

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"O erro na execução verifica-se não na fase do juízo do agente, mas no mecanismo da ação. A divergência entre o desejado e o produzido não depende de um defeito de percepção ou valoração da realidade, de um erro que se desenvolve na fase de formação de vontade, mas sim de um desvio que surge na atividade executiva subsequente, quando a vontade se traduz em ato.

COSTA JÚNIOR, com precisão, faz a distinção entre erro na execução e erro sobre a pessoa, afirmando que como o erro na execução tem lugar na fase executiva do crime, não há que se falar em erro de pessoa. Este, em verdade, que constitui uma subespécie do error in objeto, origina-se de uma falsa percepção da realidade (erro de percepção), que intervém no processo de formação do dolo. A aberratio ictus, ao contrário, deriva de um erro executivo, que surge em um momento ulterior à ideação e à violação. No error in persona, o agente vem a atingir pessoa diversa daquela que tinha a intenção de ofender, por se haver equivocado a respeito da identidade do objeto, trocando uma pessoa por outra. Na aberratio, o agente  individualiza de modo preciso o sujeito que tencionava ofender e contra ele desenvolve a conduta, não obtendo o resultado que tinha em mira pela aparição de uma causa desviadora. O erro na aberratio, portanto, surge não durante o processo de formação de vontade, mas no estágio em que a vontade se realiza no plano dinâmico. (COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de direito penal, p. 189)." (PACELLI, Eugênio. Manual de Direito Penal. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 320).

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"Pode ocorrer aberratio ictus numa causa justificativa, como, por exemplo, no exercício da legítima defesa. O agente, ao repelir injusta agressão de outrem, atinge um terceiro inocente por mero acidente ou erro no uso dos meios de execução. Nem por isso deixa  a justificativa de ser admissível, se comprovada, uma vez que quem age em legítima defesa pratica um ato lícito. No erro da execução do fato típico, aliás, manda o dispositivo que o agente responda como se o estivesse praticando contra a pessoa que pretendia atingir, que, no caso, é o autor de uma agressão injusta." (MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do CP - volume 1. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 322).

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"Existem duas formas de erro na execução:

a) Aberratio ictus com unidade simples, ou com resultado único, quando outra pessoa que não a visada pelo agente vem a sofrer o resultado morte ou lesão corporal. Exemplo: o agente dispara contra A e erra o alvo, acertando B, que vem a morrer ou sofrer lesão corporal.

Segundo o disposto no art. 73 do Código Penal, existe um só delito, doloso, pois a tentativa contra a vítima virtual resta absorvida pelo crime consumado contra a vítima efetiva.

b) Aberratio ictus com unidade complexa, ou resultado duplo, que ocorre quando o agente vem a atingir a vítima virtual e também a vítima efetiva.

Na realidade, nesses casos, existem dois crimes: um homicídio doloso (tentado ou consumado) em relação à vítima que pretendia atingir e um homicídio culposo ou lesão corporal culposa em relação ao terceiro.

Nessa hipótese, o Código Penal adota a unidade de conduta criminosa, aplicando a regra do concurso formal – art. 70.

Elencamos, a seguir, as hipóteses que podem ocorrer à vista de um caso concreto. Assim, se o agente, pretendendo matar o indivíduo A, atinge também a pessoa de B, temos o seguinte quadro:

- o agente mata A e B: na realidade, há um crime de homicídio doloso em relação a A e um crime de homicídio culposo em relação a B. O agente, então, segundo a regra do concurso formal, responde por homicídio doloso (pena mais grave), aumentada a pena de um sexto até a metade;

- o agente mata A e fere B: na realidade, há dois crimes, quais sejam, um de homicídio doloso em relação a A e uma lesão corporal culposa em relação a B. O agente, entretanto, segundo a regra do concurso formal, responde por homicídio doloso, aumentada a pena de um sexto até metade;

- o agente fere A e B: há também dois crimes, ou seja, tentativa de homicídio em relação a A e uma lesão corporal culposa em relação a B. O agente, portanto, responde por tentativa de homicídio, aumentada a pena de um sexto até a metade, por força do disposto no art. 70 do Código Penal;

- o agente mata B e fere A: na realidade, também há dois crimes, sendo uma tentativa de homicídio em relação a A e um homicídio culposo em relação a B. Entretanto, matou B (vítima efetiva) como se tivesse matado A (vítima virtual), respondendo, nesse caso, por homicídio doloso. Havendo duplicidade de resultado, a pena será a do homicídio doloso, aumentada de um sexto até metade pelo concurso formal." (ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 120-121).

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"Dolo eventual quanto ao segundo resultado: O erro na execução com unidade complexa é admitido apenas quando as demais pessoas forem atingidas culposamente. Se houver dolo eventual no tocante às demais pessoas ofendidas, incide a regra do concurso formal impróprio ou imperfeito (sistema do cúmulo material), somando-se as penas, pois a pluralidade de resultados deriva de desígnios autônomos, ou seja, dolos diversos para a produção dos resultados naturalísticos." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. p. 437).

Jurisprudência

  • TJDFT

Erro na execução - reconhecimento de culpa em relação à vítima não visada - concurso formal perfeito

"9. "Ao erro na execução com resultado duplo (artigo 73, parte final, do Código Penal) podem ser aplicadas tanto a regra atinente ao concurso formal próprio de crimes quanto a regra referente ao concurso formal impróprio de crimes, tudo a depender das circunstâncias concretas." (Acórdão 965443, 20160020107929RVC, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Revisor: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 05/09/2016, Publicado no DJE: 15/09/2016. Pág.: 251/254). Não sendo reconhecida existência de dolo eventual quanto à vítima não visada, que sofreu lesões corporais culposas, aplica-se a regra do concurso formal perfeito, com a limitação da pena prevista no § único do art. 70 do Código Penal, segundo o qual "Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código"."

Acórdão 1145228, 20160310173444APR, Relator: CRUZ MACEDO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 13/12/2018, publicado no DJE: 21/1/2019.

Erro na execução - utilização das qualidades da vítima pretendida no momento da responsabilização penal

"1. O art. 73 do Código Penal, ao disciplinar o erro sobre a execução do crime, estabelece que o agente responde como se tivesse praticado o crime contra a vítima pretendida, fazendo referência expressa ao art. 20, § 3º, do Código Penal, que determina que se deve levar em consideração as condições ou qualidades da vítima contra quem o agente queria praticar o crime. 2. Assim, mesmo que a vítima virtual, ou pretendida pelo agente do crime, não tenha sofrido lesões decorrentes dos disparos de arma de fogo, o agente responde pela tentativa de homicídio, devendo ser consideradas as lesões da vítima ferida, que foi atingida por erro na execução do delito. Ou seja, a pessoa atingida equivale à pessoa pretendida e a punição deve ocorrer como se tratasse da vítima realmente almejada (STJ, REsp 1.492.921/DF). 3. O réu disparou seis tiros contra a vítima virtual, mas nenhum dos projéteis chegou a atingi-la. Dois deles, contudo, lograram ferir a segunda vítima, cujas lesões devem ser tidas como se fossem da vítima pretendida."

Acórdão 1224223, 00012461120188070008, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 12/12/2019, publicado no DJE: 14/1/2020.

  • STJ 

Aberratio ictus - responsabilização penal do autor com base nas qualificações da vítima à qual se pretendia atingir

"4. Em se tratando de caso em que a condenação se dá por aberratio ictus, o fato de que terceiro foi atingido, em lugar da vítima real, em razão de erro na execução, constitui elementar do tipo, uma vez que  a  responsabilidade  do  agente  se dá pela norma do art. 73 do Código  Penal,  segundo  o  qual  a  punição deve ocorrer como se se tratasse da vítima realmente alvejada." REsp 1492921/DF