Morte do agente

última modificação: 2024-04-26T17:15:16-03:00

  Tema criado em 18/4/2024.

Doutrina

“1. INTRODUÇÃO

A punibilidade é uma consequência natural da prática de uma conduta típica, ilícita e culpável levada a efeito pelo agente. Toda vez que o agente pratica uma infração penal, isto é, toda vez que infringe o nosso direito penal objetivo, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi.

Contudo, nem sempre foi assim. Conforme prelecionam Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

'Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus punitionis, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais independentes e desinteressadas.’

Houve, portanto, uma evolução significativa entre a primeira forma de resolução dos conflitos – a autotutela –, até a atual fase da jurisdição, na qual os particulares e também o próprio Estado, quando estiverem diante de um conflito de interesses que não pôde ou não teve condições de ser resolvido pela autocomposição entre as próprias partes, deverão levá-lo até o Estado-Juiz que, com imparcialidade e justiça, deverá decidi-lo, trazendo, assim, de volta a paz social.

É certo que, quando alguém pratica determinada infração penal, o Estado sofre, mesmo que indiretamente, com esse tipo de comportamento, devendo, outrossim, punir o infrator para que este não volte a delinquir (efeito preventivo especial da pena), bem como para que os demais cidadãos não o tomem como exemplo (efeito preventivo geral da pena) e venham também a praticar crimes em virtude da sensação de impunidade que gera quando alguém, mesmo tendo transgredido a lei penal editada formalmente pelo Estado, não sofre qualquer reprimenda.

Entretanto, também é certo que o Estado, em determinadas situações previstas expressamente em seus diplomas legais, pode abrir mão ou mesmo perder esse direito de punir. Mesmo que, em tese, tenha ocorrido uma infração penal, por questões de política criminal, o Estado pode, em algumas situações por ele previstas expressamente, entender por bem em não fazer valer o seu ius puniendi, razão pela qual haverá aquilo que o Código Penal denominou extinção da punibilidade.

Deve ser frisado que quando nos referimos a causas de extinção da punibilidade estamos diante de dados que não interferem na infração penal em si, mas, sim, que a existência desses dados pode impedir que o Estado, mesmo existindo a infração penal, seja impedido de exercitar o seu direito de punir.

Adotamos a posição acima porque, para nós, o crime é a composição da conduta típica, ilícita e culpável. Portanto, não incluímos a punibilidade no conceito de crime, como o fazem alguns autores que, a exemplo de Francisco Muñoz Conde, definem o delito como 'a ação ou omissão típica, antijurídica, culpável e punível.' Para os autores que adotam essa divisão quadripartida do conceito analítico do crime, as causas extintivas da punibilidade conduzirão ao afastamento da própria infração penal. (...)” (grifos no original)

(GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Artigos 1º a 120 do Código Penal. v.1. Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559775798. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559775798/. Acesso em: 18 abr. 2024)

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“5. MORTE DO AGENTE

“Aplica-se a esta causa extintiva da punibilidade o princípio geral de que a morte tudo resolve (mors omnia solvit). A Constituição Federal cuida, também, da matéria, mencionando no art. 5.º, XLV, 1.ª parte, que a pena não deverá passar da pessoa do delinquente, embora o perdimento de bens possa atingir os sucessores nos casos legalmente previstos até o limite do patrimônio transferido. Aliás, justamente por isso é que a pena de multa, ainda que considerada uma dívida de valor, como estipula o art. 51 do Código Penal, com sua nova redação, morrendo o sentenciado antes do pagamento, deve ser extinta, jamais transmitindo-se aos herdeiros a obrigação de quitá-la. É natural que somente os efeitos genuinamente civis subsistam a cargo dos sucessores, como a reparação do dano em virtude do crime.

Exige-se a certidão de óbito – que 'tem por finalidade certificar a existência da morte e registrar a sua causa, quer do ponto de vista médico, quer de eventuais aplicações jurídicas, para permitir o diagnóstico da causa jurídica do óbito: seja o homicídio, o suicídio, acidente ou a morte chamada natural' (Marco Segre) – para provar a morte, a teor do disposto no art. 62 do Código de Processo Penal.

Quanto à morte presumida por ausência (art. 6.º do Código Civil), a doutrina divide-se: alguns sustentam que, declarada a morte no campo civil, pode-se aproveitar tal decreto no contexto criminal, extinguindo-se a punibilidade (Hungria, Noronha, Fragoso, entre outros). Outros, no entanto, seguem à risca o disposto no art. 62 do Código de Processo Penal, aceitando somente a certidão de óbito para a extinção da punibilidade (Mirabete, Damásio, entre outros). (...)” (grifos no original)

(NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. Volume Único. Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559646630. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559646630/. Acesso em: 18 abr. 2024.)

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“2. MORTE DO AGENTE

A primeira das causas extintivas da punibilidade previstas pelo art. 107 do Código Penal é a morte do agente.

O art. 62 do Código de Processo Penal determina:

Art. 62. No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará a extinção da punibilidade.

Não é incomum o fato de o agente fazer juntar certidão de óbito falsa aos autos do processo no qual figura como acusado. Antes de opinar pela extinção da punibilidade, por medida de segurança, entendemos que o Ministério Público deverá requerer ao juiz que confirme o documento apresentado aos autos, expedindo ofício ao cartório de registro civil indicado no documento apresentado em juízo, a fim de que este seja ratificado pelo tabelião. Até mesmo essa medida pode não ser eficaz, pois, como sabemos, se o agente falsificar um documento médico, atestando o seu óbito, poderá levá-lo ao cartório e o registro será realizado.

Contudo, se declarada a extinção da punibilidade depois de tomadas todas as providências a fim de se certificar sobre a autenticidade do documento, se o juiz descobrir que a certidão de óbito apresentada era falsa, poderá, uma vez transitada em julgado a referida decisão, retomar o curso normal da ação penal, desconsiderando-se a decisão anterior? Duas correntes se formaram a esse respeito. A maioria de nossos autores entende que não, podendo o réu ser processado tão somente pelo crime de falso, uma vez que nosso ordenamento jurídico não tolera a chamada revisão pro societate.

O STF, posicionando-se contrariamente ao entendimento anterior, decidiu:

'Revogação do despacho que julgou extinta a punibilidade do réu, a vista de atestado de óbito baseado em registro comprovadamente falso; sua admissibilidade, vez que referido despacho, além de não fazer coisa julgada em sentido estrito, funda-se exclusivamente em fato juridicamente inexistente, não produzindo quaisquer efeitos.’

Da mesma forma, tem decidido o STJ:

'Penal. Habeas corpus. Decisão que extinguiu a punibilidade do réu pela morte. Certidão de óbito falsa. Violação à coisa julgada. Inocorrência.

O desfazimento da decisão que, admitindo por equívoco a morte do agente, declarou a punibilidade, não constitui ofensa à coisa julgada (STF, HC 60.095-RJ, Rel. Min. Rafael Mayer). Ordem denegada' (C 31.234/MG, Habeas Corpus 2003/0190092-8, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, julg. 16/1/2003, DJ 9/2/2004, p. 198).

A morte do agente extinguindo a punibilidade também terá o condão de impedir que a pena de multa aplicada ao condenado seja executada em face dos seus herdeiros. Isso porque o fato de o art. 51 do Código Penal considerá-la como dívida de valor não afasta a sua natureza jurídica de sanção penal, e como tal deverá ser tratada, não podendo ultrapassar a pessoa do condenado, de acordo com o princípio da intranscendência da pena, previsto pelo inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal.” (grifos no original)

(GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Artigos 1º a 120 do Código Penal. v.1. Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559775798. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559775798/. Acesso em: 18 abr. 2024.)

Jurisprudência

  • TJDFT

Morte do agente extinção da punibilidade

“1. Comprovado nos autos o falecimento de um dos acusados, a extinção da punibilidade é medida que se impõe, nos termos do art. 107, inciso I, do Código Penal.”  

Acórdão 1617239, 00075907620168070008, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 22/9/2022, publicado no PJe: 26/9/2022.

Pena de multa – natureza de sanção penal – princípio da intranscendência da pena

“I - A extinção da punibilidade pela morte do agente, prevista no art. 107, I, do Código Penal, se estende à pena de multa. II - A Lei nº 9.268/1996, ao modificar a redação do art. 51 do CP e estabelecer a pena de multa como dívida de valor, não alterou sua natureza jurídica, que continua sendo de sanção penal. III - A opção legislativa pela extinção da punibilidade no caso de morte do agente tem dois fundamentos: o princípio geral de que a morte tudo resolve (mors omnia solvit) e o princípio constitucional que obsta que a pena passe da pessoa do condenado; excepcionadas a obrigação de reparar o dano nos limites das forças da herança e a decretação do perdimento dos bens (art. 5º, XLV, 1ª parte, da CF).”

Acórdão 1336651, 07503326020208070000, Relatora: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 29/4/2021, publicado no PJe: 10/5/2021.

  • STJ

Morte do agente – efeitos extrapenais da condenação – transmissão aos sucessores

“1. No caso da pena de multa, ainda que considerada dívida de valor, nos termos do art. 51 do Código Penal, morrendo o sentenciado antes do pagamento, deve ser extinta, não se transmitindo aos herdeiros a obrigação de quitá-la. 2. A extinção da punibilidade, contudo, não afasta os reflexos cíveis e indenizatórios decorrentes dos atos ilícios em tese praticados. Os efeitos civis subsistem a cargo dos sucessores. Assim, a obrigação de reparar o dano permanece, independentemente de ser ação civil ex delicto ou ação de improbidade administrativa. “

AgRg no REsp 1920741/PR, Relator: Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, data do julgamento: 29/5/2023, data de publicação: 31/5/2023.

Crime ambiental – extinção da pessoa jurídica – aplicação analógica do art. 107, I, do Código Penal

“5. Extinta legalmente a pessoa jurídica ré - sem nenhum indício de fraude, como expressamente afirmou o acórdão recorrido -, aplica-se analogicamente o art. 107, I, do CP, com a consequente extinção de sua punibilidade.”

REsp 1977172/PR, Relator: Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, data do julgamento: 24/8/2022, data de publicação:20/9/2022.

  • STF

Extinção da punibilidade competência juízo da execução

“4. Quanto ao pedido de extinção da punibilidade, em face ao falecimento de um dos Recorrentes, após a interposição do recurso extraordinário com agravo, e ao reconhecimento de eventual prescrição, ressalte-se que tais pleitos devem ser encaminhados, no momento oportuno ao juízo de execução competente. “

ARE 1369965 AgR, Relator: Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, data do julgamento: 13/11/2023, data de publicação:24/11/2023.

Morte do agente – extinção da punibilidade – ausência de análise do mérito

“3. Extinta a punibilidade pelo fato do falecimento da denunciada, emerge por si só, sobranceira, a presunção de inocência, descabendo cogitar-se de culpa ou absolvição.”

ARE 1171095 AgR, Relator: Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, data do julgamento: 23/8/2019, data de publicação: 3/9/2019.