Emoção e paixão
Tema criado em 6/12/2021.
Doutrina
"O Código Penal dispõe, em seu art. 28, I, que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal.
Utilizou-se, pois, de um critério legal, ao estatuir taxativamente que tais estados de ânimo não elidem o apontado elemento da culpabilidade.
(...)
Emoção e paixão são perturbações da psique humana.
Emoção é o estado afetivo que acarreta na perturbação transitória do equilíbrio psíquico, tal como na ira, medo, alegria, cólera, ansiedade, prazer erótico, surpresa e vergonha.
Paixão é a emoção mais intensa, ou seja, a perturbação duradoura do equilíbrio psíquico. Dela são exemplos, entre outros, o amor, a inveja, a avareza, o ciúme, a vingança, o ódio, o fanatismo e a ambição.
Enrico Altavilla, sob a ótica da psicologia judiciária, diz que 'é o estudo das emoções e das paixões que, principalmente, nos convence de que bem poucos homens podem afirmar terem sido, durante toda a sua existência, completamente normais'. E em seguida invoca as palavras de Kant, para quem: 'A emoção é a água que rompe com violência o dique e se espalha rapidamente; a paixão é a torrente que escava o seu leito e nele se incrusta. A emoção é uma embriaguez, a paixão é uma doença'11.
E, para Nelson Hungria:
Pode dizer-se que a paixão é a emoção que se protrai no tempo, incubando-se, introvertendo-se, criando um estado contínuo e duradouro de perturbação afetiva em torno de uma ideia fixa, de um pensamento obsidente. A emoção dá e passa; a paixão permanece, alimentando-se de si própria. Mas a paixão é como o borralho que, a um sopro mais forte, pode chamejar de novo, voltando a ser fogo crepitante, retornando a ser estado emocional agudo.12
Portanto, a diferença entre a emoção e a paixão repousa, fundamentalmente, na duração. Aquela é um sentimento transitório, enquanto a paixão é duradoura, uma emoção em câmera lenta.
(...)
Ainda que sejam de elevada intensidade, a emoção e a paixão, como visto, não excluem a imputabilidade penal.
Porém, o Código Penal, implicitamente, permite duas exceções a essa regra:
- coação moral irresistível, em face da inexigibilidade de conduta diversa, (...); e
- estado patológico, no qual se constituem autênticas formas de doença mental.
28.13.5. Emoção e paixão patológicas
Em seu art. 28, I, o Código Penal refere-se à condição de normalidade, isto é, emoção ou paixão incapaz de retirar do agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Quando, contudo, a emoção ou paixão configurar um estado mórbido ou patológico, deverá ser compreendida como uma verdadeira psicose, indicativa de doença mental. Logo, se comprovada pericialmente, a situação encontrará respaldo no art. 26, caput (inimputabilidade), ou em seu parágrafo único (imputabilidade restrita ou semi-imputabilidade).
28.13.6. Espécies
A emoção e a paixão podem ser sociais, como é o caso do amor, ou antissociais, tendo como exemplo o ódio, funcionando como circunstância judicial na aplicação da pena-base, em conformidade com o art. 59, caput, do Código Penal.
Fala-se, ainda, em emoções:
a) astênicas: são as resultantes daquele que sofre de debilidade orgânica, gerando situações de medo, desespero, pavor; e
b) estênicas: são aquelas decorrentes da pessoa que é vigorosa, forte e ativa, provocando situações de cólera, irritação, destempero e ira.13
28.13.7. Disposições especiais no Código Penal
O art. 65, III, 'c', parte final, diz que se o crime foi cometido sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, a pena será atenuada. Estará presente, destarte, uma atenuante genérica, funcionando na segunda fase de aplicação da pena.
Por sua vez, os arts. 121, § 1.º, e 129, § 4.º, preveem, no tocante ao homicídio e à lesão corporal, respectivamente, a figura do privilégio – causa especial de diminuição da pena – quando o crime é cometido sob o domínio de violenta emoção, e logo em seguida a injusta provocação da vítima.
28.13.8. A questão do homicídio passional
O Código Penal Republicano, de 1890, dispunha em seu art. 27, § 4.º: 'Não são criminosos os que se acharem em estado de completa privação dos sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime'.14
Com base nesse dispositivo legal, os criminosos passionais eram comumente absolvidos, sob o pretexto de que, ao encontrarem o cônjuge em flagrante adultério, ou movidos por elevado ciúme, restavam privados da inteligência e dos sentidos.
Com a regra ora prevista no art. 28, I, do Código Penal, essa interpretação não pode ser admitida. Emoção e paixão não excluem a imputabilidade penal, mormente quando o crime foi motivado por um suposto 'amor'.
(...)
Nada obstante, vez ou outra se constata a absolvição de homicidas passionais confessos. Isso se dá, notadamente, pela circunstância de serem julgados pelo Tribunal do Júri, composto por juízes leigos e que decidem pela íntima convicção, sem fundamentação dos seus votos, muitas vezes movidos pela piedade, pela farsa proporcionada pelo acusado ou mesmo por se identificarem com a figura do réu." (MASSON, Cléber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral: arts. 1.º a 120. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 477-480). (grifos no original)
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"A emoção e a paixão, como expressamente consigna nosso Código Penal, não excluem o crime (art. 28). Um dos motivos que inspirou o legislador a inserir essa regra no texto foi a experiência verificada, sob a égide do Código Penal de 1890, com a excludente conhecida como 'perturbação dos sentidos' (art. 27, § 4º). Segundo o registro de autores como Lyra e Hungria, tal dirimente foi utilizada como fonte de impunidade para diversos criminosos passionais que, sob o manto da 'perturbação dos sentidos' provocada pela forte emoção ou pela paixão, ficaram a salvo da responsabilização criminal por graves crimes cometidos.
Sob outro giro, ainda, não custa recordar que a emoção é um estado presente em qualquer atitude criminosa. O autor do delito (por mais amoral que seja) sempre agirá revestido de alguma emoção, seja ela qualificada como tensão, apreensão, nervosismo, alegria, prazer, irritação, ansiedade etc. Fosse alguém impune por emocionar-se, não se aplicaria mais pena criminal alguma.
Emoção e paixão não se confundem. Por emoção entende-se a forte e transitória perturbação da afetividade ou a viva excitação do sentimento. Cuida-se de um estado momentâneo. A paixão, por outro lado, corresponde a um forte sentimento de cunho duradouro. Como ilustra Fernando Capez, um torcedor de futebol fanático sente 'paixão' por seu clube preferido, e emoção quando o time marca um gol.
Deve-se lembrar que a emoção, muito embora não isente de pena, pode influenciar na sua quantidade, beneficiando o agente com uma sanção reduzida. Para que isso ocorra, todavia, não bastará a emoção pura e simples, exigindo-se junto dela outros requisitos. Assim, por exemplo, se uma pessoa praticar um homicídio sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, sua pena será reduzida de um sexto a um terço (CP, art. 121, § 1º). Aquele que praticar a infração penal sob a influência de violenta emoção provocada por ato injusto do ofendido receberá uma atenuante genérica (CP, art. 65, III, c)." (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 335).
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"O inciso I do art. 28 do Código Penal assevera que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal.
A emoção, segundo Montovani,
'é uma intensa perturbação afetiva, de breve duração e, em geral, de desencadeamento imprevisto, provocada como reação afetiva a determinados acontecimentos e que acaba por predominar sobre outras atividades psíquicas (ira, alegria, medo, espanto, aflição, surpresa, vergonha, prazer erótico, etc.). Paixão é um estado afetivo violento e mais ou menos duradouro, que tende a predominar sobre a atividade psíquica, de forma mais ou menos alastrante ou exclusiva, provocando algumas vezes alterações da conduta que pode tornar-se de todo irracional por falta de controle (certas formas de amor sexual, de ódio, de ciúme, de cupidez, de entusiasmo, de ideologia política)'.45
Com essa redação quis o Código Penal permitir a punição dos chamados crimes passionais, ou seja, aqueles que são motivados por uma intensa paixão ou emoção. Os crimes passionais, como sabemos, são alegados com frequência perante o Tribunal do Júri, cuja composição do Conselho de Sentença é formada, geralmente, por pessoas leigas, que desconhecem as leis penais. Julgam de acordo com o seu sentimento e colocam na urna o voto da sua consciência. Não precisam motivar suas decisões, razão pela qual aceitam as teses, tanto da acusação como da defesa, que mais satisfazem a sua natureza. Com muita frequência, os jurados acolhem o descontrole emocional do réu e o absolvem do crime por ele cometido. Embora a perturbação mental sofrida pelo réu, advinda da sua emoção ou paixão, não afaste, no juízo singular, a sua imputabilidade, isso não impede que os seus pares o absolvam, após se colocarem no lugar do agente." (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120 do CP. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. v. I. p. 402-403).
"11 ALTAVILLA, Enrico. Psicologia judiciária. O processo psicológico e a verdade judicial. Tradução de Fernando Miranda. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1981. v. I, p. 104-105." "12 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. v. I, p. 523." "13 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 261." "14 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Jalovi, 1980. p. 271." "45 Apud SILVA FRANCO, Alberto. Código penal e sua interpretação jurisprudencial – Parte geral, v. I, t. I, p. 430." |
Jurisprudência
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TJDFT
Lesão corporal – domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima – causa de diminuição da pena – reconhecimento
"Não há dúvidas de que o réu lesionou a vítima, pelo que deve ser condenado à pena do crime do art. 129, § 9º do CP.
A conduta da vítima – atirar pedra contra o veículo do réu, provocando-o – caracteriza injusta provocação da vítima, o que permite reconhecer a causa de diminuição da pena prevista no § 4º do art. 129 do CP.
(...)
(...). Presente a causa de diminuição do § 4º do art. 129 do CP – crime cometido sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Nas circunstâncias em que o crime ocorreu – o réu agiu de imediato à provocação da vítima, dando-lhe um soco e parando as agressões logo em seguida – deve ser aplicada a redução da pena na fração máxima de 1/3."
Acórdão 1246037, 00061119220188070003, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 30/4/2020, publicado no PJe: 11/5/2020.
Emoção ou paixão – não exclusão da imputabilidade
"2 A materialidade e a autoria no crime de ameaça se reputam evidenciadas no depoimento da vítima, harmônico, coerente e corroborado por testemunhas oculares do fato. A ameaça é idônea para incutir temor quando a ofendida logo em seguida registra a ocorrência e pede medidas protetivas, o que significa que não a recebeu como mero desabafo ou bravata do agente. O fato de ter sido proferida durante uma discussão não afasta o seu caráter de intimidação, mesmo porque a emoção ou paixão não excluem a imputabilidade. (...)."
Acórdão 1106357, 20160510008430APR, Relator: GEORGE LOPES, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 21/6/2018, publicado no DJE: 4/7/2018.
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STJ
Emoção e paixão – inaptidão para a exclusão da imputabilidade
"8. O delito de desacato pressupõe o dolo de ultrajar, faltar com o respeito ou menosprezar funcionário público, sendo fundamental a demonstração da vontade livre do agente. Entrementes, a teor do art. 28, II, do CP, a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal. Decerto, a perda momentânea do autocontrole, ainda que motivada por sentimento de indignação ou cólera impelidas por injusta provação da vítima, não elidem a culpabilidade, podendo, ao máximo, justificar a redução da pena com fulcro no art. 65, III, 'c', do mesmo diploma legal." RHC 81.292/DF
Homicídio – domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima – causa de diminuição da pena – inaplicabilidade da atenuante prevista no art. 65, III, c, do CP – distinção
"1. Não é possível a aplicação concomitante do privilégio do § 1º do art. 121 do CP e o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea 'c', do CP. Tais institutos não se confundem, visto que, quanto ao homicídio privilegiado, o sujeito está dominado pela excitação dos seus sentimentos (ódio, desejo de vingança, amor exacerbado, ciúme intenso) e foi injustamente provocado pela vítima, momentos antes de tirar-lhe a vida. As duas grandes diferenças entre o privilégio e a atenuante (art. 65, III, c, do CP) são as seguintes: a) para o privilégio exige a lei que o agente esteja dominado pela violenta emoção e não meramente influenciado, como mencionado no caso da atenuante; b) determina a causa de diminuição de pena que a reação à injusta provocação da vítima se dê logo em seguida, enquanto a atenuante nada menciona nesse sentido (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 741).
2. No presente caso, durante o julgamento, o Conselho de Sentença reconheceu que o homicídio foi cometido na sua forma privilegiada, sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, nos termos do artigo 121, § 1º, do CP e, não, sob influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima (art. 65, inciso III, alínea 'c', do CP). Dessa forma, por serem institutos diversos, não há como se reconhecer a incidência do privilégio e da atenuante genérica." AgRg no REsp 1.835.054/SP