Introdução

última modificação: 2021-10-08T12:06:36-03:00

Tema criado em 29/9/2021.

Doutrina

"3.1. Imputabilidade

Trata-se da capacidade mental de compreender o caráter ilícito do fato (vale dizer, de que o comportamento é reprovado pela ordem jurídica) e de determinar-se de acordo com esse entendimento (ou seja, de conter-se), conforme se extrai do art. 26, caput, interpretado a contrario sensu. Em outras palavras, consiste no conjunto de condições de maturidade e sanidade mental, a ponto de permitir ao sujeito a capacidade de compreensão e de autodeterminação.

Com efeito, entende-se indigno de censura um ato praticado por quem não tenha condições psíquicas de compreender a ilicitude de seu comportamento. Não se pode considerar reprovável a atitude de uma criança de pouca idade que, na sala de aula, exibe ingenuamente suas partes pudendas. Não há falar, em tal caso, em crime de ato obsceno. A obviedade do exemplo dispensa maiores comentários. O mesmo se pode concluir de ato semelhante praticado por um adulto, completamente desprovido de higidez mental, cuja maturidade seja equivalente à de um infante.

É preciso ressaltar, por fim, que não se deve confundir a imputabilidade penal com a responsabilidade jurídico-penal. Por responsabilidade jurídico-penal entende-se a obrigação de o agente sujeitar-se às consequências da infração penal cometida. Nada tem que ver, portanto, com a capacidade mental de compreensão e autodeterminação (imputabilidade). Tanto é assim que um inimputável por doença mental (CP, art. 26, caput), embora desprovido de condições psíquicas de compreender a ilicitude do seu ato e de se determinar conforme essa compreensão, será juridicamente responsável pelo ato delitivo praticado, pois ficará sujeito a uma sanção (a medida de segurança).

3.1.1. Causas legais de exclusão da imputabilidade

No nosso ordenamento jurídico haverá exclusão da imputabilidade penal nas seguintes hipóteses: a) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (CP, art. 26); b) embriaguez completa e involuntária, decorrente de caso fortuito ou força maior (CP, art. 28, § 1º); c) dependência ou intoxicação involuntária decorrente do consumo de drogas ilícitas (Lei n. 11.343/2006, art. 45, caput); d) menoridade (CP, art. 27, e CF, art. 228).

As três primeiras fundam-se no sistema (ou critério) biopsicológico. A última, no biológico.

O sistema biopsicológico é aquele que se baseia, para o fim de constatação da inimputabilidade, em dois requisitos: um de natureza biológica, ligado à causa ou elemento provocador, e outro relacionado com o efeito, ou a consequência psíquica provocada pela causa.

Assim, por exemplo, um doente mental somente será considerado inimputável se, além de sua enfermidade (causa), constatar-se que, no momento da conduta (ação ou omissão), encontrava-se desprovido de sua capacidade de entender a natureza ilícita do ato ou de se determinar conforme essa compreensão (efeito).

O sistema biológico (etiológico ou sistema francês) consiste naquele em que a lei fundamenta a inimputabilidade exclusivamente na causa geradora. Esse sistema foi adotado com respeito à menoridade, uma vez que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis pelo simples fato de não terem completado a idade mencionada. Não importa saber se a pouca idade influenciou na capacidade de entendimento ou de autodeterminação (que seria evidente numa criança de 2 anos de idade, mas discutível num adolescente com 17 anos).

No caso dos menores de 18 anos, portanto, mostra-se totalmente irrelevante investigar se o sujeito sabia o que fazia (tinha noção de certo e errado) e podia controlar-se (capacidade de autodeterminação).

Há, ainda, o sistema psicológico. Por meio desse sistema, que não foi adotado entre nós, bastaria o efeito para caracterizar a inimputabilidade; o porquê seria irrelevante. Referido sistema foi abandonado com a promulgação do Código Penal. Sob a vigência da legislação penal anterior (Código Penal de 1890), permitia-se a exclusão da responsabilidade quando se verificasse que o agente, independentemente do motivo, se achasse em 'estado de completa perturbação dos sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime' (art. 27, § 4º).

Todas as causas de exclusão da imputabilidade devem fazer-se presentes no exato momento da conduta. O requisito temporal é fundamental. Significa dizer que ao tempo da ação ou omissão criminosa é que se deve analisar a capacidade de entendimento e compreensão da ilicitude do ato, bem como a possibilidade de autodeterminação.

Em tese, portanto, é possível que alguém seja são no momento da conduta e, ao depois, tenha suprimida, em virtude de doença mental, a capacidade de entender e querer. Responderá normalmente pelo crime.

O exame do requisito temporal dá ensejo a outro questionamento. Qual a solução quando alguém propositadamente se coloca numa situação de inimputabilidade para cometer o crime, considerando que, no momento da conduta, terá afastada a capacidade de autodeterminar-se? É o caso do sujeito que voluntariamente se deixa hipnotizar para o fim de cometer o crime, se embriaga ou ingere drogas com esse mesmo propósito. Em tais casos, aplica-se a teoria da actio libera in causa (isto é, ação livre na causa), pela qual o agente responde pelo resultado produzido, uma vez que, ao se autocolocar no estado de inimputabilidade, tinha plena consciência do que fazia (...).

Importante advertir que o sujeito só responderá pelo crime se na causa (ação livre) estiver presente o dolo ou a culpa ligados ao resultado. Em outras palavras, o resultado posterior que se pretende imputar ao agente deve ter sido, ao menos, previsível quando da ação livre (hipnose ou embriaguez, p. ex.).

Como ensina Damásio de Jesus, 'a moderna doutrina penal não aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa à embriaguez completa, voluntária ou culposa e não preordenada, em que o sujeito não possui previsão, no momento em que se embriaga, da prática do crime. Se o sujeito se embriaga prevendo a possibilidade de praticar o crime e aceitando a produção do resultado, responde pelo delito a título de dolo. Se ele se embriaga prevendo a possibilidade do resultado e esperando que ele não se produza, ou não o prevendo, mas devendo prevê-lo, responde pelo delito a título de culpa. Nos dois últimos casos, é aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa. Diferente é o primeiro caso, em que o sujeito não desejou, não previu, nem havia elementos de previsão da ocorrência do resultado'3." (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 318-320). (grifos no original)

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"A imputabilidade penal é um dos elementos da culpabilidade. Mas qual é o seu conceito?

O Código Penal acompanhou a tendência da maioria das legislações modernas, e optou por não defini-la. Limitou-se a apontar as hipóteses em que a imputabilidade está ausente, ou seja, os casos de inimputabilidade penal: art. 26, caput, art. 27 e art. 28, § 1.º.

Contudo, as notas características da inimputabilidade fornecem, ainda que indiretamente, o conceito de imputabilidade: é a capacidade mental, inerente ao ser humano de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Dessa forma, a imputabilidade penal depende de dois elementos: (1) intelectivo: é a integridade biopsíquica, consistente na perfeita saúde mental que permite ao indivíduo o entendimento do caráter ilícito do fato; e (2) volitivo: é o domínio da vontade, é dizer, o agente controla e comanda seus impulsos relativos à compreensão do caráter ilícito do fato, determinando-se de acordo com esse entendimento.

Esses elementos devem estar simultaneamente presentes, pois, na falta de um deles, o sujeito será tratado como inimputável.

O Brasil adotou um critério cronológico. Toda pessoa, a partir do início do dia em que completa 18 anos de idade, presume-se imputável.

28.3. Momento para constatação da imputabilidade

O art. 26, caput, do Código Penal é claro: a imputabilidade deve ser analisada ao tempo da ação ou da omissão. Considera-se, portanto, a prática da conduta. Qualquer alteração posterior nela não interfere, produzindo apenas efeitos processuais.1

Consequentemente, se ao tempo da conduta o réu era imputável, a superveniência de doença mental não altera esse quadro. O réu deve ser tratado como imputável, limitando-se a nova causa a suspender o processo, até o seu restabelecimento. É o que dispõe o art. 152, caput, do Código de Processo Penal." (MASSON, Cléber. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1.º a 120. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. v. 1. p. 468). (grifos no original)

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"Assim como no Direito Privado se pode falar em capacidade e incapacidade para realizar negócios jurídicos, no Direito Penal fala-se em imputabilidade (capacidade) ou inimputabilidade (incapacidade) para responder penalmente por uma ação delitiva praticada.

Note, entretanto, que nem sempre a capacidade civil caminha lado a lado com a imputabilidade, a exemplo do que acontece com o menor de 18 anos, mas casado (embora capaz no campo civil, não será responsabilizado penalmente, pois inimputável).

Sem definir o que seja imputabilidade, enumera o nosso Código as hipóteses de inimputabilidade (distúrbios mentais, menoridade e embriaguez). Para tanto, define alguns critérios:

(A) Critério biológico

Este critério leva em conta apenas o desenvolvimento mental do agente (doença mental ou idade), independentemente se tinha, ao tempo da conduta, capacidade de entendimento e autodeterminação.

Conclusão: basta ser portador de anomalia psíquica para ser inimputável.

(B) Critério psicológico

O critério psicológico considera apenas se o agente, ao tempo da conduta, tinha a capacidade de entendimento e autodeterminação, independentemente de sua condição mental ou idade.

Conclusão: não precisa ser portador de anomalia psíquica para ser inimputável.

(C) Critério biopsicológico

Sob a perspectiva biopsicológica, considera-se inimputável aquele que, em razão de sua condição mental (por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), era, ao tempo da conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Conclusão: não basta ser portador de anomalia psíquica para ser inimputável.

(...)

Qual dos critérios norteou o nosso sistema?

Depende da causa de inimputabilidade, (...)." (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º ao 120. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 360). (grifos no original)

1 SILVEIRA, V. César da. Tratado da responsabilidade criminal. São Paulo: Saraiva, 1955. v. I, p. 126.

3 Direito penal: parte geral, v. 1, p. 513.

Jurisprudência

  • TJDFT

Imputabilidade – capacidade de entendimento e de autodeterminação no momento da prática do crime  

"2. Demonstrada a imputabilidade do acusado por meio de incidente de insanidade mental, conclui-se que ele possuía a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento no momento do crime."

Acórdão 1345617, 00174142720148070009, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 27/5/2021, publicado no PJe: 13/6/2021.

Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado - critério biopsicológico

"Com efeito, a inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado – seja ela decorrente de alcoolismo crônico ou outra causa – depende, além da prova de que o agente padece da enfermidade, da demonstração de que ele era – à época do fato – incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério biopsicológico normativo)."

Acórdão 1217379, 00085576820188070003, Relator: JAIR SOARES, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 14/11/2019, publicado no PJe: 28/11/2019. 

Maiores de 18 anos – inimputabilidade – comprovação – laudo pericial

"(...), presume-se que as pessoas maiores de 18 anos sejam plenamente capazes para entender seus atos. O estado de inimputabilidade ou semi-imputabilidade dos indivíduos maiores deve ser comprovado por meio de laudo pericial."

Acórdão 756537, 20130710044360APR, Relator: JOÃO BATISTA TEIXEIRA, Terceira Turma Criminal, data de julgamento: 30/1/2014, publicado no DJE: 5/2/2014.