CDC e o contrato internacional
Produto atualizado em 02/5/2025.
Em regra, a garantia contratual de bens adquiridos no exterior não se aplica no Brasil, pois esses produtos não têm a mesma proteção jurídica dos comprados no território nacional. Eventuais controvérsias serão julgadas pela Justiça brasileira, podendo-se aplicar o Código de Defesa do Consumidor quando houver filial, agência ou sucursal no país, ou se o fabricante oferecer garantia global.
Trecho de ementa
“4. A controvérsia gira em torno da responsabilidade da Samsung do Brasil pela reparação ou troca do aparelho telefônico adquirido pela autora em viagem ao exterior e que veio a apresentar vício no prazo de garantia (7 meses após a aquisição). 5. O enunciado da Súmula nº 8 da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais do Distrito Federal, dispõe que 'os produtos de consumo adquiridos em país estrangeiro não gozam da mesma proteção jurídica outorgada pelas normas brasileiras de proteção e defesa do consumidor, destinadas aos negócios celebrados em território nacional'. No caso, restou demonstrado que a empresa recorrida negou a assistência derivada da garantia, ao argumento de que o aparelho não havia sido adquirido no Brasil, e cuja negociação foi baseada na norma estrangeira ou na garantia contratual. 6. Nesse enquadramento, caberia à recorrente demonstrar que a lei do País onde foi adquirido o aparelho previa a garantia global de eventual vício oculto do produto, e ainda o prazo estipulado para o exercício da garantia, o que não foi feito pela recorrente, não se desincumbindo do ônus que lhe competia, a teor do disposto no art. 373, I do CPC. Portanto, a sentença é irrepreensível.”
Acórdão 1975958, 0701394-59.2024.8.07.0011, Relator(a): MARILIA DE AVILA E SILVA SAMPAIO, SEGUNDA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 10/03/2025, publicado no DJe: 20/03/2025.
Súmula
Enunciado n. 8 da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais do Distrito Federal:
"1. Os produtos de consumo adquiridos em país estrangeiro não gozam da mesma proteção jurídica outorgada pelas normas brasileiras de proteção e defesa do consumidor, destinadas aos negócios celebrados em território nacional. 2. É competente o juiz brasileiro para o processo e julgamento da causa em que o consumidor, baseado na norma estrangeira ou na garantia contratual, busca proteção jurídica a produto adquirido no estrangeiro, contra pessoa jurídica domiciliada no Brasil, assim definida no parágrafo único do art. 21 do CPC".
Acórdãos representativos
Acórdão 1972680, 0704818-94.2024.8.07.0016, Relator(a): ANTONIO FERNANDES DA LUZ, PRIMEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 21/02/2025, publicado no DJe: 12/03/2025;
Acórdão 1948036, 0730927-48.2024.8.07.0016, Relator(a): MARIA ISABEL DA SILVA, SEGUNDA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 25/11/2024, publicado no DJe: 03/12/2024;
Acórdão 1937067, 0704059-91.2023.8.07.0008, Relator(a): ANA MARIA FERREIRA DA SILVA, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 17/10/2024, publicado no DJe: 08/11/2024;
Acórdão 1787451, 0714268-95.2023.8.07.0016, Relator(a): EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, SEGUNDA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 20/11/2023, publicado no DJe: 28/11/2023;
Acórdão 1668691, 0723493-76.2022.8.07.0016, Relator(a): FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, PRIMEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 27/02/2023, publicado no DJe: 10/03/2023.
Destaque
-
TJDFT
Transporte aéreo internacional – falha na prestação do serviço – dano moral configurado - Tema 1240 STF
“8. Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem em voos internacionais, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor (Tema 210 - STF). 9. Contudo, "não se aplicam as Convenções de Varsóvia e Montreal às hipóteses de danos extrapatrimoniais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional" (Tema 1240 - STF). 10. No caso, restou incontroverso que o voo inicialmente adquirido pela autora atrasou em razão de condições meteorológicas adversas. 11. O CDC em seu art. 14, §3º adotou a teoria do risco do negócio ou da atividade, segundo a qual o fortuito externo, com aptidão para romper o nexo causal e afastar a responsabilidade civil do fornecedor de serviços, deve ser imprevisível e estranho à organização do negócio, estando as condições climáticas ou meteorológicas adversas que impedem pouso ou decolagem incluídas nessa categoria de eventos (Acórdão 1915908, 0701138-89.2024.8.07.0020, Relator(a): FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, PRIMEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 30/08/2024, publicado no DJe: 13/09/2024.) 12. Com efeito, é assente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, na hipótese de atraso de voo, o dano moral não é presumido em decorrência da mera demora, devendo ser comprovada, pelo passageiro, a efetiva ocorrência da lesão extrapatrimonial sofrida. (AgInt no AREsp n. 2.374.535/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 26/10/2023). 13. No caso, a situação vivenciada pela autora transcende o mero aborrecimento, haja vista que o cancelamento do voo ocasionou o atraso de mais de 48 (quarenta e oito) horas para chegada no destino final da viagem, restando evidente o desgaste físico e emocional. Ademais, observa-se pelos vídeos acostados aos autos (ID 68559246 e 68559247) que no aeroporto de Bogotá houve ineficiência da companhia aérea em atender os passageiros. 14. Quanto ao valor arbitrado na sentença, R$ 10.000,00, certo é que não observa adequadamente as circunstâncias do caso, levando em consideração a capacidade econômica das partes, a extensão e a gravidade, bem como o caráter punitivo-pedagógico da medida. 15. Isso porque, segundo orienta a Corte Superior, a indenização por danos morais possui tríplice função, a compensatória, para mitigar os danos sofridos pela vítima; a punitiva, para condenar o autor da prática do ato ilícito lesivo, e a preventiva, para dissuadir o cometimento de novos atos ilícitos. Ainda, o valor da indenização deverá ser fixado de forma compatível com a gravidade e a lesividade do ato ilícito e as circunstâncias pessoais dos envolvidos (REsp n. 1.440.721/GO, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 11/10/2016, DJe de 11/11/2016). 16. Na hipótese, deve ser arbitrado o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante condizente com a situação vivenciada pela parte autora. Ressalve-se que houve deficiência na assistência ao passageiro, mas não deixarem de realocá-los noutros voos, embora com um atraso de quarenta e oito horas do horário de chegada ao destino final. (Grifo nosso)
Acórdão 1985438, 0747249-46.2024.8.07.0016, Relator(a): LUIS EDUARDO YATSUDA ARIMA, PRIMEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 28/03/2025, publicado no DJe: 11/04/2025.
Relação de consumo em viagem internacional – cancelamento de hospedagem – omissão da plataforma intermediadora – dano moral
“I. A AIRBNB é parte legítima para demanda que tem por objeto indenização decorrente de falha na prestação de serviços que lhe é imputada pelo consumidor. (...) III. Há defeito na prestação dos serviços de intermediação na hipótese em que a AIRBNB não atua junto à “anfitriã” para evitar o cancelamento indevido do contrato de hospedagem e não auxilia o consumidor na obtenção de acomodação alternativa. IV. Evidenciada a falha na prestação dos serviços, a AIRBNB responde objetivamente pelos danos materiais e morais sofridos pelo consumidor, nos termos dos artigos 6º, inciso VI, e 14 do Código de Defesa do Consumidor. V. Provocam dano moral passível de compensação pecuniária o esgotamento emocional, os transtornos e as adversidades pelas quais passou o consumidor para tentar resolver o impasse causado pelo cancelamento indevido do contrato e para providenciar alternativa de hospedagem para a família em território estrangeiro. VI. Ante as particularidades do caso concreto, não pode ser considerada exorbitante compensação por dano moral arbitrada em R$ 10.000,00.” (Grifo nosso)
Acórdão 1858440, 0736192-47.2022.8.07.0001, Relator(a): JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 02/05/2024, publicado no DJe: 08/07/2024.
-
STJ
Contrato de transporte internacional de insumos – relação de consumo não configurada
“1. Controvérsia acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a um contrato internacional de transporte de insumos. 2. Não caracterização de relação de consumo no contrato de compra e venda de insumos para a indústria de autopeças (teoria finalista). 3. Impossibilidade de se desvincular o contrato de compra e venda de insumo do respectivo contrato de transporte. 4. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à espécie, impondo-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem.”
REsp 1.442.674/PR, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 7/3/2017, DJe de 30/3/2017.
Doutrina
“1. Conceito de fornecedor
O outro elemento subjetivo da relação de consumo – fornecedor – surge a partir de análise conjugada do caput do art. 3º com os seus dois parágrafos – que definem produtos ou serviços.
Para simplificar, o fornecedor é aquele que atua profissionalmente no mercado de consumo, recebendo remuneração direta ou indireta pela produção, distribuição e comercialização de bens e serviços.
O art. 3º, caput, apresenta o conceito de fornecedor, o qual, reitere-se, é fundamental para configurar a relação de consumo e, consequentemente, concluir ou não pela incidência do Código de Defesa do Consumidor a determinada situação fática.
O conceito, que não se confunde com o de empresário (art. 966 do Código Civil), é bastante amplo. Abrange extenso rol de atividades desenvolvidas no mercado de consumo. Podem ser fornecedor a pessoa física, jurídica ou os entes despersonalizados.
Não importa, na definição, se é pessoa de direito público ou privado, nem se é nacional ou estrangeira. Em síntese, toda pessoa que exerce uma das atividades descritas no art. 3º, caput (produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços), pode se encaixar no conceito de fornecedor.
O dispositivo destaca que os fornecedores são aqueles “que desenvolvem” as atividades referidas, ou seja, aquela pessoa que realiza uma ou mais atividades com habitualidade, profissionalidade. A realização pontual e esporádica de uma venda de produto não atrai o conceito de fornecedor. Como exemplo, basta imaginar a pessoa natural que vende sua bicicleta para o vizinho. Portanto, é critério necessário para o conceito de fornecedor que a atividade seja exercida com habitualidade ou profissionalidade.
De outro lado, o CDC não exige, para configuração do fornecedor, a atuação no mercado com o objetivo de lucro: basta que a atividade seja – direta ou indiretamente – remunerada. Não importa o destino dessa remuneração, se ela será ou não distribuída entre os sócios da pessoa jurídica.
A distinção doutrinária que se faz entre associação e sociedade é justamente a finalidade de lucro desta última, vale dizer, a repartição ou distribuição de parte da receita com os sócios. Nas associações, pela própria natureza, não há objetivo de lucro. Todavia, tanto as associações quanto as fundações, embora não visem ao lucro, podem exercer atividade econômica e remunerada. Se o fazem profissionalmente, são, para fins de aplicação do CDC, consideradas fornecedores.
Cuida-se de conceito que, pela amplitude e abrangência, nem sempre coincide com a definição de empresário constante no art. 966 do Código Civil: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.” (BESSA, Leonardo Roscoe. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2025.)
Veja também
Acordos comerciais para compartilhamento de voos - "codeshare" e "interline"
Transporte aéreo internacional - limitação de danos
Referências
Arts. 3º; 6º, VIII e 51, IV, do CDC;
Link para pesquisa no TJDFT
#JurisprudênciaTJDFT, informação jurídica de qualidade, rápida e acessível.