Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

"No-show" - cancelamento do trecho de volta

última modificação: 24/04/2024 17h45

Tema atualizado em 24/4/2024.

O cancelamento unilateral e automático do trecho de volta do voo, quando o passageiro não realiza o embarque no trecho de ida (no-show), caracteriza conduta abusiva ou excessivamente onerosa à parte mais vulnerável da relação, além de configurar falha na prestação do serviço da companhia aérea  (art.51, IV e XI, do CDC). 

Trecho de ementa

“(...) 6. No caso, o autor/recorrido contratou voo, a ser operado pela ré/recorrente, concernente ao trecho Brasília - Lisboa, ida (03/02/2023) e volta (05/08/2023), pelos preços, respectivamente, de R$ 3.300,57 e R$ 3.143,40, além de R$ 403,00 pelas taxas aeroportuárias. Incontroverso nos autos que o autor/recorrido requereu o cancelamento do voo de volta e o reembolso (...), o que foi negado. (...) De mais a mais, a cláusula de não reembolso coloca o consumidor em desvantagem exagerada e atenta contra a legislação de regência, motivo pelo qual deve ser considerada nula de pleno direito, nos termos do art. 51, IV, do CDC, sob pena, ainda, de enriquecimento ilícito da companhia aérea. (...) 9. Dessa maneira, tem-se por devido o reembolso estipulado em sentença, sob o risco, inclusive, de enriquecimento ilícito da recorrente, dada a larga margem de tempo para revender o assento aéreo.” (grifamos) 

Acórdão 1838800, 07068276020238070017, Relator: ANTONIO FERNANDES DA LUZ, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 26/3/2024, publicado no DJe: 10/4/2024.  

Acórdãos representativos

Acórdão 1834383, 07225289120238070007, Relator: DANIEL FELIPE MACHADO, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 18/3/2024, publicado no DJe: 4/4/2024; 

Acórdão 1813021, 07326971320238070016, Relatora: RITA DE CÁSSIA DE CERQUEIRA LIMA ROCHA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 2/2/2024, publicado no PJe: 21/2/2024;

Acórdão 1773835, 07050602620238070004, Relatora: SILVANA DA SILVA CHAVES, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 23/10/2023, publicado no PJe: 27/10/2023;   

Acórdão 1767370, 07350588220228070001, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 4/10/2023, publicado no PJe: 19/10/2023. 

Destaques

  • TJDFT

Embarque não realizado por falta de assento disponível - cancelamento do trecho da volta – conduta abusiva 

“(...) IV. No caso dos autos, o contrato de transporte não se cumpriu por culpa da ré, que não disponibilizou o assento contratado, ao cancelar o trecho de retorno tendo em vista o não comparecimento dos passageiros para embarque no voo de ida. Com efeito, de fato o art. 17 da Resolução n. 400 da ANAC possibilita à companhia aérea o cancelamento do trecho de volta em caso de não comparecimento, sem aviso, do passageiro no trecho de ida. No entanto, tal resolução tem caráter infra legal e, por isso, não se sobrepõem às disposições de Lei Federal, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor. Tenho que se mostra abusiva, por estabelecer vantagem exagerada para o fornecedor (art. 39, V, do CDC), o ato do fornecedor e a cláusula inserida em contrato de adesão que autorizam a companhia aérea a cancelar, de forma automática e unilateral, a passagem de volta, caso não seja utilizado pelo passageiro o trecho de ida, condicionando a remarcação da viagem ao pagamento de vultosa taxa ou multa, o que, na prática, inviabiliza a sua utilização e impõe a aquisição de novo bilhete, o que ocorreu neste caso. (...) V. Ao adquirir o bilhete de ida e volta, são cobrados do consumidor os custos inerentes aos dois itinerários, razão pela qual não se verifica qualquer prejuízo para a companhia aérea caso venha o passageiro a optar por usufruir de apenas um dos trechos, pois ambos já se encontram antecipadamente pagos. Demais disso, é sabido que, não tendo sido realizado o check-in ("no show"), até o horário máximo estipulado para o fechamento do despacho, abre-se, para a companhia aérea, a prerrogativa de chamar os passageiros que se encontram em lista de espera, circunstância que também afasta qualquer possibilidade de prejuízo ou desequilíbrio contratual que venha a onerar, demasiadamente, o fornecedor.” (grifamos) 

Acórdão 1844846, 07326841420238070016, Relatora: MARILIA DE AVILA E SILVA SAMPAIO, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 15/4/2024, publicado no PJe: 19/4/2024.  

No show por alteração do portão de embarque – falha do serviço não configurada – abusividade no cancelamento do voo de retorno 

“(...) 2. Na origem, os autores, ora Recorrentes, ajuizaram ação de indenização por danos materiais e morais argumentando, em suma, que adquiram passagem aérea, ida e volta, de Brasília ao Rio de Janeiro com a finalidade de visitar o genro doente, que, em razão do agravamento da doença do genro, a primeira Recorrente solicitou, em 26/06/2023, a antecipação do trecho de ida, previsto para 07/07/2023, mas o pedido foi negado e teve que ir de ônibus, que o segundo Recorrente perdeu o voo de ida em razão de mudança do portão de embarque e também precisou ir de ônibus, que a passagem adquirida era reembolsável, mas não conseguiram o reembolso e que a passagem do trecho de volta teria sido cancelada unilateralmente pela Recorrida. (...) No caso em apreço, apesar das alegações trazidas pelos Recorrentes, não consta nos autos elementos que indiquem defeito no serviço contratado, cabendo observar que não foi juntado qualquer documento que comprovasse o pedido de reembolso que deveria ter sido formulado pela primeira Recorrente, diante da alega negativa de remarcação, ou que o no show atribuído ao segundo Recorrente tenha ocorrido por ausência de informação da Recorrida, sendo necessário pontuar que mudanças no portão de embarque são ordinárias e os aeroportos dispõem de painéis indicativos para auxiliar os passageiros. Portanto, inexistem razões para atribuir à Recorrida o ônus de responder pelos danos materiais pleiteados.  8. Não obstante ter sido considerado abusivo o cancelamento do voo da volta, tal fato, por si só, não gera para os Recorrentes o direito de serem indenizados, já que não se trata de hipótese de dano moral presumido (in re ipsa).” (grifamos)

Acórdão 1843979, 07072728720238070014, Relator: MARCO ANTONIO DO AMARAL, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 8/4/2024, publicado no DJe: 19/4/2024.  

  • STJ

No show seguido de cancelamento do trecho de retorno – prática incompatível com a boa-fé  

“ (...) 3. Dentre os diversos mecanismos de proteção ao consumidor estabelecidos pela lei, a fim de equalizar a relação faticamente desigual em comparação ao fornecedor, destacam-se os arts. 39 e 51 do CDC, que, com base nos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, estabelecem, em rol exemplificativo, as hipóteses, respectivamente, das chamadas práticas abusivas, vedadas pelo ordenamento jurídico, e das cláusulas abusivas, consideradas nulas de pleno direito em contratos de consumo, configurando nítida mitigação da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda). 4. A previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show), configura prática rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos referidos dispositivos legais, cabendo ao Poder Judiciário o restabelecimento do necessário equilíbrio contratual. 4.1. Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa-fé objetiva, que deve reger as relações contratuais (CDC, art. 51, IV). Ademais, a referida prática também configura a chamada "venda casada", pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo do "trecho de volta" à utilização do "trecho de ida" (CDC, art. 39, I). 4.2. Tratando-se de relação consumerista, a força obrigatória do contrato é mitigada, não podendo o fornecedor de produtos e serviços, a pretexto de maximização do lucro, adotar prática abusiva ou excessivamente onerosa à parte mais vulnerável na relação, o consumidor.” (grifamos) REsp  1699780/SP 

Cancelamento unilateral de um dos trechos de passagem aérea – conduta abusiva – dano moral

“(...) 2. É abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque no voo antecedente, por afrontar direitos básicos do consumidor, tais como a vedação ao enriquecimento ilícito, a falta de razoabilidade nas sanções impostas e, ainda, a deficiência na informação sobre os produtos e serviços prestados. (...) 4. O cancelamento da passagem de volta pela empresa aérea significa a frustração da utilização de um serviço pelo qual o consumidor pagou, caracterizando, claramente, o cumprimento adequado do contrato por uma das partes e o inadimplemento desmotivado pela outra, não bastasse o surgimento de novo dispêndio financeiro ao consumidor, dada a necessidade de retornar a seu local de origem. 5. A ausência de qualquer destaque ou visibilidade, em contrato de adesão, sobre as cláusulas restritivas dos direitos do consumidor, configura afronta ao princípio da transparência (CDC, art. 4º, caput) e, na medida em que a ampla informação acerca das regras restritivas e sancionatórias impostas ao consumidor é desconsiderada, a cláusula que prevê o cancelamento antecipado do trecho ainda não utilizado se reveste de caráter abusivo e nulidade, com fundamento no art. 51, inciso XV, do CDC. 6. Constando-se o condicionamento, para a utilização do serviço, o pressuposto criado para atender apenas o interesse da fornecedora, no caso, o embarque no trecho de ida, caracteriza-se a indesejável prática de venda casada. A abusividade reside no condicionamento de manter a reserva do voo de volta ao embarque do passageiro no voo de ida.” (grifamos) REsp 1595731/RO

  • STF

Cancelamento do trecho de volta - defeito na prestação do serviço - obrigação das companhias aéreas de indenizar o consumidor

“(...) RESPONSABILIDADE CIVIL - Configurado o adimplemento contratual insatisfatório e o defeito do serviço prestado pelas transportadoras aéreas consistente em cancelamento do voo do trajeto da volta e descumprimento pela apelante das obrigações relativas a efetuar o transporte de retorno dos apelados, uma vez que em desconformidade com horário e trajeto dos bilhetes de passagem, e na falta de prestação de assistência adequada aos autores enquanto aguardavam o embarque de volta e não caracterizada nenhuma excludente de sua responsabilidade, de rigor a manutenção da r. sentença quanto ao reconhecimento da responsabilidade e a condenação da apelante transportadora aérea na obrigação de indenizar os apelados pelos danos decorrentes do ilícito em questão, sendo, a propósito, irrelevante perquirir sobre a existência de outros responsáveis solidários.” ARE 1034705/SP 

Referências

Arts. 4º;  6º, III; 3951, IV e IX; e 54, § 4º, do CDC;

Art. 740 do Código Civil; 

Art. 19 da Resolução 400/2016 da ANAC. 

Tema disponibilizado em 12/8/2020.