Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Ação de repactuação de dívidas por superendividamento - procedimento bifásico

última modificação: 29/07/2025 14h02

Pesquisa disponibilizada em 14/5/2025.

Responda ao Quiz com base nos acórdãos da pesquisa

Nota explicativa

A ação de repactuação de dívidas por superendividamento segue um procedimento bifásico, desenvolvido em duas etapas: a conciliatória, com apresentação de proposta de pagamento pelo consumidor, e a judicial, na qual poderá ser homologado um plano compulsório.

Trecho de ementa

"1. A Lei do Superendividamento (Lei n° 14.181/2021), que promoveu modificações no Código de Defesa do Consumidor, estabelece um rito específico em que é possibilitado a repactuação de dívidas perante os credores, devendo ser observado em uma primeira etapa a fase de conciliação, com a presença de todos os credores das dívidas afetas aos qualificados como superendividados, oportunidade na qual o consumidor deverá apresentar proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas (art. 104-A do CDC). Em não se obtendo êxito na conciliação é que se poderá instaurar uma segunda fase, com revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório (art.104-B do CDC)."
Acórdão 1967394, 0707876-14.2024.8.07.0014, Relator(a): ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 05/02/2025, publicado no DJe: 26/02/2025.

Acórdãos representativos

Acórdão 1985063, 0707252-04.2024.8.07.0001, Relator(a): ANA MARIA FERREIRA DA SILVA, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 27/03/2025, publicado no DJe: 08/05/2025;

Acórdão 1974477, 0749658-43.2024.8.07.0000, Relator(a): HECTOR VALVERDE SANTANNA, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 26/02/2025, publicado no DJe: 18/03/2025;

Acórdão 1968009, 0708165-56.2024.8.07.0010, Relator(a): MAURICIO SILVA MIRANDA, 7ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 12/02/2025, publicado no DJe: 25/02/2025;

Acórdão 1963985, 0710131-34.2022.8.07.0007, Relator(a): RENATO SCUSSEL, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 29/01/2025, publicado no DJe: 18/02/2025;

Acórdão 1958732, 0707063-79.2022.8.07.0006, Relator(a): AISTON HENRIQUE DE SOUSA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 23/01/2025, publicado no DJe: 13/02/2025;

Acórdão 1957797, 0744635-19.2024.8.07.0000, Relator(a): GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 7ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 22/01/2025, publicado no DJe: 05/02/2025;

Acórdão 1958505, 0708474-07.2024.8.07.0001, Relator(a): TEÓFILO CAETANO, 1ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 22/01/2025, publicado no DJe: 03/02/2025;

Acórdão 1954841, 0739333-09.2024.8.07.0000, Relator(a): JANSEN FIALHO DE ALMEIDA, 4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 05/12/2024, publicado no DJe: 26/12/2024.

Destaques 

  • TJDFT

Superendividamento - repactuação de dívidas - procedimento bifásico –  impossibilidade de tutela de urgência
"4. A Lei nº 14.181/2021 prevê um procedimento bifásico para o tratamento do superendividamento do consumidor, compreendendo a fase conciliatória e a fase contenciosa. A antecipação de tutela para limitar descontos sem a conclusão da primeira fase subverteria o procedimento estabelecido nos arts. 104-A e 104-B do Código de Defesa do Consumidor."
Acórdão 1988683, 0701410-12.2025.8.07.0000, Relator(a): JOSE FIRMO REIS SOUB, 8ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 08/04/2025, publicado no DJe: 25/04/2025.

Superendividamento - repactuação de dívidas - ausência de documentos essenciais - violação do rito legal

"2. A parte requerente deve anexar na inicial da ação de repactuação de dívidas a documentação suficiente para apresentação do plano de pagamento aos credores, ou então manejar ação autônoma pertinente para obtenção da pretendida documentação, sob pena de desvirtuar o rito especialíssimo, não sendo possível, como pretende o agravante, utilizar o rito especial da ação de repactuação de dívidas para requerimentos diversos aos que são atinentes ao feito, requerendo no bojo da referida ação, por exemplo a exibição de documentos."
Acórdão 1955929, 0737853-93.2024.8.07.0000, Relator(a): ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 7ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 10/12/2024, publicado no DJe: 06/01/2025.

Mínimo existencial - necessidade de análise do caso em concreto - ausência de pressuposto para a repactuação de dívidas

"5. Foi publicado, em 27 de julho de 2022, o Decreto 11.150, que considera como mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (art. 3º). A determinação de valor fixo para fins de reconhecimento do superendividamento desconsidera as particularidades do caso concreto e, em última análise, ofende o princípio constitucional da isonomia - que significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Não atende tal critério fixar o mesmo mínimo existencial para pessoas que possuem rendas, dependentes econômicos e gastos absolutamente diversos. Assim, o valor estipulado no Decreto que indica o mínimo existencial deve ser considerado apenas como referência; o juiz deve analisar as circunstâncias do caso para concluir - ou não - pela situação de superendividamento."

Acórdão 1938163, 0721698-40.2023.8.07.0003, Relator(a): LEONARDO ROSCOE BESSA, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 23/10/2024, publicado no DJe: 06/11/2024.

  • STJ

Audiência de conciliação - comparecimento do credor à audiência de conciliação - não apresentação de proposta

"6. Como é ônus do devedor a apresentação de proposta conciliatória, ela não pode ser exigida dos credores e, como a consequência da falta de acordo é a eventual submissão do contrato à revisão e repactuação compulsórias, não há respaldo legal para a aplicação analógica das penalidades do art. 104-A, § 2º, do CDC.(...)8. No caso, a aplicação das consequências do art. 104-A, § 2º, do CDC ao credor que compareceu à audiência com advogado com plenos poderes para transigir, apenas por não ter apresentado proposta de acordo, sem serem identificados motivos de ordem cautelar, não tem amparo normativo e deve, assim, ser afastada."

REsp n. 2.188.683/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN de 10/4/2025.

Doutrina

“Da Defesa do consumidor em juízo

(...)

Análise doutrinária

1. Fase conciliatória do tratamento do superendividamento

Os arts. 104-A a 104-C possuem disciplina própria para o tratamento do superendividamento. Em síntese, são duas fases: 1) fase conciliatória (pré-processual); 2) fase do plano judicial obrigatório (processual).
As fases se relacionam. Não é possível avançar para o processo de superendividamento sem antes realizar a fase conciliatória, a qual, como será visto, pode ser promovida também em âmbito extrajudicial em órgãos públicos de defesa do consumidor (art. 104-C).
A fase conciliatória está prevista no art. 104-A. Essa etapa, como deixa claro o dispositivo, é realizada perante juiz de direito, mas, tecnicamente, não há processo por ausência de citação e de formação de relação jurídica processual. Os credores não são citados, e sim notificados para audiência global de conciliação.
O juiz possui papéis fundamentais de direção do procedimento, homologação de eventual plano de pagamento e aplicação de sanção por ausência injustificada de algum credor. O juiz pode presidir diretamente a audiência conciliatória ou transferir a atividade para conciliador credenciado.
Cuida-se de procedimento, pré-processual, com o objetivo de repactuação voluntária das dívidas que se inicia com o requerimento do consumidor. O requerente deve demonstrar que se encaixa no conceito de superendividado (v. comentários ao art. 54-A) e, paralelamente, apresentar proposta de plano de pagamento dos empréstimos, com prazo máximo de 5 (cinco) anos.
O consumidor precisa indicar todos os seus credores das dívidas que se sujeitam ao processo de repactuação global. Na falta de algum documento ou havendo dúvidas sobre sua situação, deve pedir ao juiz que determine que o credor traga os documentos e esclarecimentos necessários.
O art. 104-A não estabelece a obrigatoriedade, mas, se possível, é importante que o consumidor apresente uma proposta escrita do plano que pretende discutir na audiência de conciliação. A providência agiliza e qualifica as discussões na audiência.
Em outros aspectos, deve indicar quais serão os recursos destinados para preservar o mínimo existencial (alimentação, saúde, educação dos dependentes, água, energia elétrica etc.) durante o plano de pagamento.

2. Liminar para limitar ou suspender empréstimos

A situação do consumidor superendividado exige, invariavelmente, medidas urgentes para que ele possa arcar com despesas básicas relativas ao sustento próprio e da família. Muitas vezes, é necessária alguma providência imediata, antes mesmo da realização da audiência de conciliação.
Nesse contexto, o juiz pode, nessa fase inicial, conceder liminar para limitar ou suspender parcelas dos empréstimos. O processo de superendividamento foi concebido para proteger o consumidor superendividado, o que significa, presentes os requisitos da probabilidade do direito e perigo da demora (art. 300 do CPC), a possibilidade de liminar para proteção imediata do mínimo existencial.
As disposições processuais do CPC não são afastadas em face de processo de repactuação global de dívidas. Há necessidade de diálogo das fontes com as regras inseridas no CDC pela Lei 14.181/21.
Pensar de modo contrário significa enfraquecer o processo de superendividamento e impor ao consumidor que ajuíze ações paralelas para obter a liminar.
Ademais, a limitação de descontos, estabelecida pela liminar, pode ser alterada a qualquer momento, inclusive no próprio plano consensual.

3. Não comparecimento do credor à fase conciliatória

Embora com característica pré-processual, o § 2º do art. 104-A estabelece consequências (sanções) para o não comparecimento injustificado de qualquer credor à audiência conciliatória. Prevê o dispositivo que a ausência do credor, que pode ser representado por procurador com poderes especiais e plenos para transigir, acarreta: 1) suspensão da exigibilidade do débito: 2) interrupção dos encargos da mora; 3), sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida.
No tocante à sujeição ao plano de pagamento da dívida, exige a Lei que o montante devido ao credor ausente deve ser certo e conhecido pelo consumidor. Ademais, referido pagamento deve ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.
As sanções referidas devem ser aplicadas por juiz de direito, o qual deve verificar, principalmente, a regularidade da notificação do credor. Se perceber alguma falha procedimental, deve, por óbvio, determinar a repetição do ato.

4. Plano de pagamento do consumidor

Na primeira fase (conciliatória), o consumidor deve apresentar proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 anos.
O plano deve abranger as dívidas decorrentes de relação de consumo, com exclusão das dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural, em face do disposto no § 1º do art. 104-A.
Também estão excluídas as dívidas “oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento”. Na prática, pode haver divergências fática e jurídica quanto a esse ponto, com a necessidade de produção de prova mínima e de contraditório, o que deve ser resolvido pelo juiz de direito na fase processual (art. 104-B).
Ou seja, se houver afirmação por parte do credor de que se trata de crédito obtido sem qualquer intenção de pagamento, o assunto deve ser apreciado pelo juiz, após contraditório e ampla defesa, na fase posterior do procedimento.
Outras questões fáticas e jurídicas relevantes podem necessitar de apreciação judicial, como as relativas à própria invalidade do contrato ou, por exemplo, modificação judicial de taxa de juros. A experiência indica que, invariavelmente, o consumidor superendividado foi, ao menos com relação a alguns empréstimos, induzido em erro.
Realmente, trata-se de empréstimos concedidos sem qualquer atenção à boa-fé objetiva (lealdade e transparência) e ao dever de informar. Muitos consumidores sequer possuem o contrato. Não se observa a exigência do art. 31 c/c art. 46.
A nova legislação sobre crédito e superendividamento não pode servir para legitimar empréstimos abusivos. Portanto, ausente a conciliação com o consumidor, a abusividade e/ou ilegalidade deve ser resolvida, mediante contraditório e ampla defesa, no processo de superendividamento, preferencialmente na segunda fase (processual).
Na segunda fase, os contratos de empréstimo serão necessariamente submetidos à revisão e integração judicial, como expressamente determina o caput do art. 104-B.
O ideal é que se obtenha a repactuação global das dívidas, porque permite avaliação mais adequada quanto à real possibilidade de o consumidor arcar com o conjunto de parcelas decorrentes do acordo.
Todavia, a conciliação pode ser parcial. Pode abranger, inclusive, apenas um contrato. Nesse caso, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada.
No plano de pagamento apresentado pelo consumidor, devem constar, no mínimo, os seguintes elementos: 1) medidas diversas para facilitar o pagamento da dívida, entre as quais a dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor; 2) referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso; 3) data em que será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados de proteção ao crédito; 4) condicionamento da validade do plano à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.

5. Exclusão do consumidor de cadastro de inadimplentes

A Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento) reforça, em várias passagens, a relevância dos bancos de dados de proteção ao crédito, inclusive no art. 104-A, § 4º, inciso III, ao estabelecer que, entre as disposições do plano de pagamento, deve haver referência a data da exclusão do nome do consumidor do referido arquivo.
O dispositivo exige interpretação teleológica. É necessário compreender o significado do papel exercido pelos bancos de dados de proteção ao crédito no mercado de consumo.
Regulamentados pelo art. 43 do CDC, os bancos de dados de proteção ao crédito são entidades que têm por objeto o tratamento (coleta, armazenamento e divulgação) de informações úteis para a análise de risco de concessão de crédito. Surgiram no Brasil na década de 1950 como resposta ao crescimento das vendas a crédito.
O progressivo aumento da relevância das entidades de proteção ao crédito se vincula diretamente à massificação e ao anonimato da sociedade de consumo e, mais recentemente, à expansão da oferta de crédito.
Quanto menos se conhecem os consumidores, potenciais tomadores de empréstimos, maiores a importância e a dependência dos arquivos de consumo. Quanto maior a oferta de crédito, mais relevantes são as atividades desenvolvidas pelas entidades de proteção ao crédito.
Não se concebe a concessão de crédito sem informações do potencial beneficiário do empréstimo. A obtenção de dados pessoais é necessária para propiciar conhecimento mínimo do consumidor e, num segundo momento, avaliar o risco de concessão de crédito.
Almeja-se ganhar confiança, grau favorável de segurança em relação a determinado negócio jurídico. O crédito se ampara na crença de que o mutuário (consumidor) irá cumprir as obrigações assumidas. Assim, presente a intenção de se conceder crédito, há, simultaneamente, o legítimo interesse de colher informações do consumidor para análise do risco de concessão de crédito.
Para que a análise de risco de crédito seja adequada, as informações – negativas e positivas – tratadas pelas entidades de proteção ao crédito devem ser verdadeiras e atuais.
Com o advento da Lei do Cadastro Positivo, superam-se, aos poucos, o entendimento e a postura de que qualquer inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes ganha o significado de impossibilidade de obtenção de crédito (v. comentários ao art. 43). Ora, um atraso pontual pode não ter tanta relevância. De outro lado, o consumidor que possui cinco empréstimos, todos eles sem qualquer atraso, não terá condições financeiras de arcar com as parcelas do sexto empréstimo.
Como destacado em outra oportunidade: “É importante perceber que, a médio prazo, com o tratamento de históricos de crédito (espécie de informação positiva) haverá uma espécie de relativização da noção de informação negativa. Como no histórico de créditos o importante é visualizar o comportamento do consumidor ao longo de determinado período, pontual inadimplência ou atraso no pagamento de uma das prestações deverá ser vista como impontualidade acidental, e não necessariamente como fato capaz de gerar denegação do crédito. De outro lado, mesmo com histórico de crédito favorável, pode ser negada a concessão de crédito ao consumidor ao se constatar, em concreto, que o orçamento do interessado ficará comprometido com a contratação de mais uma dívida (superendividamento)” (BESSA, 2019, p 85-86).
Realizadas essas considerações, afasta-se interpretação da Lei 14.181/2021 (art. 104-A, § 4º e III, e art. 104-C, § 2º, do CDC) no sentido de que o plano de pagamento impede registros em entidades de proteção ao crédito, como se houvesse proibição de considerar a situação – real – do consumidor em análises de risco de crédito.
Não é possível interpretar a Lei no sentido de que as dívidas negociadas não podem, de modo algum, ser registradas, tanto em caso de pagamento pontual (informação positiva) como na ausência de pagamento (informação negativa).
O que se exige é que as informações reflitam a realidade da situação financeira do consumidor para que se avalie corretamente – sem prévios juízos de valor negativos – a possibilidade de crédito após e, excepcionalmente, durante o plano de pagamento.
Em síntese, o agente financeiro deve, após cumprido o plano de pagamento do consumidor, “avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito”, como exige o art. 54-D, inciso II, do CDC.

6. Limite temporal para a renovação do pedido de repactuação das dívidas

A Lei apresenta limite temporal para a possibilidade de renovação do pedido de repactuação das dívidas.
De acordo com o § 5º do art. 104-A, o pedido do consumidor pode ser repetido após decurso do prazo de 2 anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.
Ademais, acrescenta o dispositivo que o pedido do consumidor não importa em declaração de insolvência civil (art. 1.052 do CPC atual c/c os arts. 748 a 786-A do CPC/1973).

Dicas práticas

Mesmo antes da audiência de conciliação é possível requerer, em caso de urgência (art. 300 do CPC), liminar para limitar ou suspender alguns empréstimos.
A apresentação na petição inicial de proposta de plano consensual, embora não seja obrigatória, torna a audiência de conciliação mais efetiva.

(...)

1. Processo por superendividamento

Até o advento da Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), havia o instituto da insolvência civil para lidar com a situação extrema de dificuldade financeira da pessoa natural.
A insolvência civil, que ocorre “toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”, continua disciplinada pelos arts. 748 a 786 do CPC de 1973, em face do disposto no art. 1.052 do atual CPC.
Em síntese, a insolvência acarreta: 1) o vencimento antecipado das suas dívidas; 2) a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo; 3) a execução por concurso universal dos seus credores; 4) impossibilidade de administrar os bens.
Se a insolvência não decorrer de culpa, pode o devedor “requerer ao juiz, se a massa o comportar, que lhe arbitre pensão, até a alienação dos bens” (art. 785). Acrescente-se a possibilidade de extinção das obrigações depois de 5 anos, contados do encerramento do processo de insolvência (art. 778).
Todavia, quando se trata de pessoa natural cujas dívidas decorram de relação de consumo, nos termos do conceito de superendividamento, previsto no art. 54-A, aplica-se o disposto nos arts. 104-A a 104-C, que possuem disciplina própria para o tratamento do superendividamento do consumidor.
São duas fases: 1) fase conciliatória (pré-processual); 2) fase do plano judicial obrigatória (processual).
As fases estão conectadas. Não é possível avançar para o processo de superendividamento (art. 104-B) sem antes realizar a fase conciliatória que, inclusive, pode ser realizada em âmbito extrajudicial em órgãos públicos de defesa do consumidor (art. 104-C).
A fase conciliatória está prevista no art. 104-A. O art. 104-B prevê, a partir de requerimento do consumidor, a instauração de processo por superendividamento em caso de ausência de êxito na tentativa de conciliação em relação a qualquer credor.
O dispositivo é claro no sentido de que o início da segunda fase depende de requerimento do consumidor e, também, que serão realizadas a revisão e integração dos contratos de empréstimo. Neste ponto, basta o requerimento para o início da segunda fase; o consumidor não precisa fazer pedido expresso para revisão e integração dos contratos.
Independentemente de pedido expresso do autor (consumidor), é necessária a análise de eventual abusividade e invalidade de todos os contratos de empréstimo. Reitere-se: o consumidor só precisa fazer requerimento mais amplo de instauração de processo de repactuação.
A revisão e a integração são obrigatórias; estão implícitas no pedido mais amplo do consumidor, o que afasta, pontualmente, a Súmula 381 do STJ, que veda ao juiz analisar de ofício a abusividade de cláusula em contrato bancário.
O objetivo do processo é estabelecer plano judicial compulsório com revisão e integração dos contratos de créditos remanescentes, ou seja, que não foram abrangidos pela fase inicial da conciliação.
Os credores devem inicialmente ser citados para, no prazo de 15 dias, apresentar razões da negativa de aderir ao plano voluntário com juntadas de documentos para esclarecimentos dos fatos (§ 2º).
Por economia processual e em face de requerimento do consumidor, também é possível que na notificação para a fase consensual conste a citação para a fase processual dos credores.
Nessa fase, há contraditório pleno, com ampla possibilidade de produção de prova. O § 1º do art. 104-B prevê a análise de documentos e informações apresentadas na audiência. A instrução do processo por superendividamento é, na verdade, bem mais ampla, se necessário.
O juiz tem poderes plenos para, após contraditório e ampla defesa, analisar e decidir questões processuais e de direito material. Deve examinar a validade de cada contrato de crédito e afastar eventuais cláusulas ou juros abusivos.

2. Plano judicial compulsório

Após a análise das razões apresentadas pelos credores, o juiz apresenta plano judicial compulsório, o qual deve assegurar, no mínimo, o valor do principal devido, com correção monetária, com previsão de liquidação total da dívida, após cumprimento do plano de pagamento consensual.
O § 4º do art. 104-B estabelece que o plano compulsório será realizado “após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em, no máximo, 5 (cinco) anos”. Acrescenta que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 dias, contado de sua homologação judicial. O restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.
A redação do dispositivo não é clara. Em análise da tramitação do projeto de Lei na Câmara dos Deputados, Leonardo Garcia defende que apenas os credores que não participaram da audiência de conciliação estão sujeitos a aguardar o prazo de 5 anos do plano consensual (GARCIA, 2024, p. 812).
Assim, os credores que participaram da audiência, mas não celebraram acordo, não precisam aguardar o prazo do plano consensual. O prazo para início de pagamento desses credores seria de até 180 dias da sentença que define o plano compulsório.

Dicas práticas

No processo por superendividamento o consumidor pode alegar sobre os vícios que afetem a validade dos contratos de crédito, para análise e decisão do magistrado."

(BESSA, Leonardo Roscoe. Código de Defesa do Consumidor comentado. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2025. 628 p. E-book. Disponível: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/364761430/v3/page/1)

Veja também

Ação de repactuação de dívidas por superendividamento - requisitos

Direito à proteção salarial  - garantia do mínimo existencial

Direito ao crédito responsável - garantia do mínimo existencial 

Referências 

Arts.  54-A, 104-A, 104-B, 104-C do CDC; 

Lei 14.181/2021 (Lei do superendividamento);

Arts. 1º, 2º e 3º do Decreto 11.150/2022.

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Quiz 

(O Quiz não reflete necessariamente o entendimento majoritário do tribunal.)

Julgue as assertivas com base nos acórdãos da pesquisa correspondente:

1. A ausência de documentos essenciais à proposta de plano de pagamento na petição inicial não autoriza o uso da ação de repactuação de dívidas para requerer exibição de documentos no mesmo feito, devendo o consumidor manejar ação autônoma para esse fim.

2. No procedimento especial de repactuação de dívidas por superendividamento, previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), a realização de audiência conciliatória é obrigatória, sendo a primeira etapa do procedimento, e deve ser observada pelo juízo sob pena de nulidade da sentença.

Gabarito comentado

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