Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Direito à proteção salarial - garantia do mínimo existencial

última modificação: 07/03/2025 10h51

Pesquisa atualizada em 20/2/2025.

O Código de Defesa do Consumidor passou a  assegurar o direito à proteção salarial, a fim de prevenir e tratar o superendividamento, como forma de resguardar o mínimo existencial, preservar o princípio da dignidade da pessoa humana e, assim, não comprometer as necessidades básicas do indivíduo.

Trecho de ementa

"7. Os contratos que impedem uma das partes de prover suas necessidades básicas violam sua função social. Em situações nas quais o contratante, completamente endividado, contrai novos empréstimos a fim de manter sua subsistência, há esvaziamento da autonomia da vontade. A motivação não é a liberdade de contratar, mas a premente necessidade de satisfazer suas necessidades básicas. De outro lado, a mesma instituição que continua a conceder crédito e novos empréstimos a consumidor que reconhecidamente perdeu o controle de sua situação financeira, age em desacordo com a boa-fé. Nesses casos, há claro desrespeito ao mínimo existencial e violação da cláusula constitucional de dignidade da pessoa humana. 8. Não se trata de afastar o Tema 1.085 (STJ), mas de diferenciar a situação do superendividado. O Tema 1.085 se baseia em situação de normalidade, ou seja, quando o nível de endividamento se encontra em parâmetros razoáveis, o que indica pleno exercício da liberdade e direito de escolha do consumidor. Nas situações de superendividamento, os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, devem ser limitados a percentual que resguarde o princípio da dignidade da pessoa humana. O devedor não pode ser privado de manter suas necessidades básicas e as de sua família." (Grifamos)
Acórdão 1938015, 0732905-11.2024.8.07.0000, Relator(a): LEONARDO ROSCOE BESSA, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 23/10/2024, publicado no DJe: 06/11/2024. 

Recurso repetitivo

Tema 1.085 do STJ - tese jurídica: "São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento." REsp 1863973/SP 

Acórdãos representativos

Acórdão 1866299, 0750412-19.2023.8.07.0000, Relator(a): RENATO SCUSSEL, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 15/05/2024, publicado no DJe: 04/06/2024;

Acórdão 1855722, 0707498-03.2024.8.07.0000, Relator(a): LEONARDO ROSCOE BESSA, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 30/04/2024, publicado no DJe: 15/05/2024;

Acórdão 1816438, 0726423-81.2023.8.07.0000, Relator(a): VERA ANDRIGHI, Relator(a) Designado(a): ALFEU MACHADO, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 15/02/2024, publicado no DJe: 14/03/2024;

Acórdão 1806305, 0713316-67.2023.8.07.0000, Relator(a): HECTOR VALVERDE SANTANNA, Relator(a) Designado(a): ALVARO CIARLINI, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 24/01/2024, publicado no DJe: 16/02/2024;

Acórdão 1793092, 0737338-94.2020.8.07.0001, Relator(a): ARQUIBALDO CARNEIRO PORTELA, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 22/11/2023, publicado no DJe: 22/01/2024;

Acórdão 1799539, 0732761-71.2023.8.07.0000, Relator(a): ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 7ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 07/12/2023, publicado no DJe: 22/12/2023.

Destaques  

  • TJDFT

Repactuação de dívidas - inaplicabilidade de superendividamento 

"4. O processo de repactuação de dívidas por superendividamento tem a finalidade de renegociar as dívidas do devedor, mediante o ajuste das condições de pagamento, em que concomitantemente seja garantido que ele possa ter meios suficientes de subsistência, com um padrão de vida digno (mínimo existencial).  5. Esse processo terá início com a realização de audiência conciliatória, na qual estarão presentes os credores, e o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento, com prazo máximo de cinco anos, preservado o mínimo existencial. 6. Caso não ocorra êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, que levará em consideração a renda, os gastos essenciais e a capacidade de pagamento do devedor (CDC, arts. 104-A e 104-B). 7. No caso concreto, ainda não foi instaurado o processo por superendividamento, e está pendente a designação de audiência conciliatória. Desse modo, se mostra prematura, nessa fase processual, determinar a limitação dos descontos no contracheque e na conta corrente do devedor, até porque os mútuos bancários teriam sido celebrados em contexto de pleno exercício da liberdade contratual." (Grifamos)
Acórdão 1958184, 0732722-40.2024.8.07.0000, Relator(a): FERNANDO TAVERNARD, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 22/01/2025, publicado no DJe: 04/02/2025.

  • STJ

Contratos de empréstimo pessoal - limitação de 30% da remuneração - analogia com empréstimos consignados - impossibilidade 

"1. A Segunda Seção deste Tribunal, ao julgar o REsp n. 1.555.722-SP, em 22/8/2018, determinou o cancelamento da Súmula n. 603/STJ, firmando o entendimento de ser lícito o desconto em conta-corrente, ainda que usada para recebimento de salário, das prestações de contrato de empréstimo bancário livremente pactuado entre as partes." AgInt no REsp n. 1.928.694/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 21/2/2022.

Doutrina  

“4.6 PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL 

A finalidade que fundamenta o reconhecimento jurídico e a disciplina da situação do superendividamento é a preservação do mínimo existencial. Para esse propósito convergem todas as normas incluídas no CDC pela Lei 14.181/2021, conformando o direito fundamental de defesa do consumidor na forma da lei e relacionado também com o novo princípio inscrito no Código, vinculando a prevenção e o tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor, permitindo-lhe um ‘novo começo’. Não se ignora o fato de que a possibilidade de reinserção do consumidor superendividado no mercado também fortes argumentos econômicos, de ampliação do próprio mercado. A exclusão social como exclusão do consumo, por outro lado, identifica no superendividamento, sobretudo dos mais pobres, que contam exclusivamente com o acesso ao crédito financeiro para satisfazer necessidades urgentes ou complementar eventualmente a renda, um fator de restrição a bens essenciais à vida, afetando-lhes interesses existenciais, e não apenas econômicos. Nesse sentido, foi estabelecida como direito básico do consumidor ‘a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito’ (artigo 6º, XII, do CDC). 

O mínimo existencial decorre do princípio da dignidade da pessoa humana e apresenta-se vinculado aos direitos fundamentais sociais como uma garantia a recursos materiais para uma existência digna. Em matéria de crédito e consumo, o mínimo existencial está associado à quantia capaz de assegurar a manutenção das despesas de sobrevivência, tais como água, luz, alimentação, saúde, higiene, educação, transporte, entre outras. A ideia é que as dívidas oriundas de empréstimos ao consumo não comprometam demasiadamente a renda do consumidor, colocando em risco a satisfação de suas necessidades fundamentais. 

A preservação do mínimo existencial estabelece-se tanto na repactuação das dívidas quanto na concessão de crédito que, previsto como novo direito básico do consumidor, tem, porém, seu conteúdo preciso remetido à definição de norma regulamentar. Em essência, trata-se de proteger a parcela dos rendimentos do consumidor necessários à satisfação das suas necessidades básicas e as de sua família, à semelhança do que existe em diversos sistemas jurídicos.  

A remessa da definição do mínimo existencial ao regulamento certamente é solução que apresenta dificuldades, mas foi a que alcançou a possibilidade de maioria, em vista das circunstâncias da negociação política que envolveu a aprovação do projeto de lei. Por outro lado, é reconhecido seu caráter mutável no tempo, o que se revela essencial à vida digna em determinada quadra histórica poderá não ser na seguinte, o inverso também pode ocorrer. Da mesma forma, as distintas composições familiares e seus diferentes estágios (p. ex., prole numerosa, ou a necessidade de assistência aos idosos), dificultam sobremaneira uma definição legal estrita, preferindo a melhor possibilidade de atualização do regulamento. A construção do conceito no direito do consumidor serve-se tanto do direito comparado (assim o recurso ao conceito de reste à vivre do direito francês) quanto do próprio direito brasileiro em diversas perspectivas. 

Com o objetivo de regulamentar o tema, foi editado o Decreto 11.150/2022 que, a despeito das dificuldades apontadas, definiu o mínimo existencial como ‘a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário-mínimo vigente na data de publicação deste Decreto’. O reajuste anual do salário mínimo, por sua vez, não implicará a atualização do valor. Nesse sentido, desde a edição do decreto, o mínimo existencial está definido no valor de R$ 303,00. O critério é manifestamente equivocado, frustrando, pela via regulamentar, o conteúdo da lei. O valor em questão, diga-se, não é suficiente para a aquisição de uma cesta básica em boa parte dos estados brasileiros. Considerando a própria finalidade pretendida para o mínimo existencial, vinculado às necessidades essenciais do devedor e de sua família, que ademais nem sequer se limitam à alimentação básica, há evidente insuficiência. Por outro lado, a fixação de um único critério, sem considerar outros decisivos, como a própria extensão da família e pessoas dependentes da remuneração do devedor, frustra o caráter operacional do conceito. Nesses termos, afronta não apenas a legalidade (esvaziando a eficácia de um conceito legal), mas, segundo entendimento respeitável, determina a própria afronta à Constituição, no tocante ao direito fundamental de defesa do consumidor (artigo 5º, XXXII), e à própria dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III). 

Mesmo antes da definição desse critério, normas regulamentares em diferentes entes federados, assim como o próprio entendimento jurisprudencial, para efeito do limite à concessão de crédito consignado, orientou-se pelo reconhecimento de um percentual máximo da remuneração, também visando preservar recursos necessários às necessidades básicas dos consumidores que contraíssem empréstimo sob essa modalidade. Em termos gerais, elegeu-se o percentual de 30% da remuneração como limite, inclusive com a sua associação à finalidade de preservação do mínimo existencial, ou o reverso, no caso de empréstimos concedidos a militares, a preservação de 30% da remuneração para atendimento das necessidades básicas do devedor.27 A multiplicidade dos canais de concessão de crédito, assim como a ausência de controle por parte da fonte pagadora sobre o respeito ao limite, tornou-o relativamente inefetivo em muitas situações. Na redação original do projeto de lei que resultou na Lei 14.181/2021, fazia-se referência ao comprometimento de 30% ‘da renda líquida mensal do consumidor’, o que acabou sendo alterado no curso do processo legislativo. 

O critério percentual, calculado sobre a remuneração líquida do consumidor, tem a vantagem de facilitar a aplicação da norma, especialmente no processo de conciliação e na repactuação das dívidas, para a definição do plano de pagamento pelo juiz. Sem prejuízo de alguma flexibilidade para o juiz delimitar, segundo as circunstâncias do caso concreto, a alteração do critério em face de situações específicas (p. ex., o número de pessoas que dependam economicamente do devedor).  

Nesse sentido, parece evidente que a definição do mínimo existencial, por regulamento, não pode construir-se exclusivamente sobre conceitos indeterminados, de modo a deixar apenas ao intérprete sua concreção segundo as circunstâncias do caso. Tal como definido na lei, torna-se, para além da enunciação de um valor jurídico do maior relevo (preservação do mínimo existencial como proteção da dignidade humana), um conceito operacional, de que dependem tanto a efetividade dos processos de conciliação, repactuação e revisão de dívidas, previstos nos artigos 104-A e 104-B do CDC, quanto a própria aferição do risco de crédito, inclusive para efeito de recusa da contratação que possa levar ao superendividamento, por parte dos fornecedores de crédito.” 

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor - 9ª Edição 2024. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. p.773. ISBN 9786559648856. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559648856/. Acesso em: 05 mar. 2025. 

Veja também 

Direito ao crédito responsável garantia do mínimo existencial 

Empréstimo bancário - limitação dos descontos em conta-corrente do devedor

Referências     

Arts. 5º, V e X; 7º, X da Constituição Federal;

Art. 4º, IX e X; art. 5º VI e VII; 6º XI, XII e XIII e art. 104-A, todos do Código de Defesa do Consumidor;

Lei 14.181/2021.

Link para pesquisa no TJDFT

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