Abandono afetivo

última modificação: 2024-02-26T14:34:12-03:00

Atualizado em 31/1/2024. 

O abandono afetivo é passível de indenização por danos morais, em razão da inobservância dos deveres e obrigações ínsitos ao exercício da parentalidade e da violação aos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana capazes de gerar traumas, lesões ou prejuízos psíquicos a indivíduo em fase de desenvolvimento.

Trecho de acórdão

"(...) Quando se discute abandono afetivo, é sempre importante frisar que o dever descumprido não é o de afeto, porque não pode ser imposto ou medido. Exigem-se as manifestações externas de cuidado e atenção, primeiramente como consequência do poder familiar e, em seguida, como consequência dos deveres mínimos que as relações familiares exigem, enquanto base da sociedade (art. 226, CF). Assim, se essa legítima expectativa é quebrada e causa ofensa à integridade psíquica, configura-se o dano moral passível de compensação financeira. (...) 14. Os atributos psíquicos do ser humano estão relacionados aos sentimentos de cada indivíduo. A própria noção de saúde passa pela higidez mental. A ideia de dignidade humana carrega em si um desejado equilíbrio psicológico. São ilícitas, portanto, as condutas que violam e afetam a integridade psíquica, que causam sentimentos negativos e desagradáveis, como tristeza, vergonha, constrangimento etc. Em conclusão, o dano moral se constitui a partir de ofensa a direitos da personalidade, entre os quais está o direito à integridade psíquica. A dor - afetação negativa do estado anímico - não é apenas um dado que serve para aumento do quantum indenizatório. 15. No caso, está demonstrada a negligência paterna caracterizadora do abandono afetivo com relação ao filho, que tem, atualmente, 28 anos de idade. Embora alegue que não possuía conhecimento do filho, o autor demonstrou que, desde 1994, buscou o reconhecimento da paternidade do réu. É inequívoco que o pai tinha conhecimento da existência do filho. O autor ainda demonstrou que sua irmã já participava de festas de aniversário, mesmo antes do reconhecimento da paternidade do réu, o que corrobora com as afirmações do abandono efetivo. 16. Em que pesem os argumentos apresentado pelo pai, o dano - ofensa à integridade psíquica - suportado pelo filho pelo abandono parental é presumido (in re ipsa) em face do contexto fático. Em outros termos, o abandono (quadro fático) do pai ao filho que cresce sem a figura paterna gera presunção de dor psíquica sofrida. A obrigação dos pais cuidarem dos filhos é dever que independe de prova ou do resultado causal da ação ou omissão. Os argumentos utilizados para justificar o abandono afetivo não são suficientes para tornar lícita a negligência paterna. 17. A quantificação da verba compensatória deve ser pautada nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com a compensação do mal injusto experimentado pela vítima. Ponderam-se o direito violado, a gravidade da lesão (extensão do dano), as circunstâncias e consequências do fato. A quantia, ademais, não pode configurar enriquecimento exagerado da vítima. 18. Na hipótese, o valor foi devidamente justificado com base no tempo e intensidade do abandono e na ausência de tentativas de reaproximação. Desse modo, em razão de tudo o que foi dito e em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se a manutenção da verba compensatória fixada pelo juízo, em razão dos danos morais sofridos, no importe de R$ 30.000,00, que bem atende aos critérios e objetivos acima indicados e não se configura excessiva a ponto de caracterizar enriquecimento sem causa." (grifamos)

Acórdão 1673416, 07023398120218070001, Relator Designado: LEONARDO ROSCOE BESSA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 1º/3/2023, publicado no DJE: 20/3/2023. 

Acórdãos representativos

Acórdão 1754030, 07189086520188070001, Relator: DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 13/9/2023, publicado no DJE: 19/9/2023;

Acórdão 1224147, 00069837220168070005, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 11/12/2019, publicado no PJe: 21/1/2020;

Acórdão 1194633, 20121110031882APC, Relator Designado: ALVARO CIARLINI, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 31/7/2019, publicado no DJE: 23/8/2019;

Acórdão 1163645, 20140112004114APC, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 21/3/2019, publicado no DJE: 9/4/2019;

Acórdão 1154760, 07020022220178070005, Relator Des. JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 27/2/2019, publicado no DJe: 7/3/2019.

Destaques

  • TJDFT

Abandono afetivo – dano moral in re ipsa – indenização de 50 mil reais

"(...) A mesma lógica jurídica dos pais mortos pela morte deve ser adotada para os órfãos de pais vivos, abandonados, voluntariamente, por eles, os pais. Esses filhos não têm pai para ser visto. Também para eles, 'O sonho é o recurso do vidente que nele se refugia a fim de ganhar forças para afrontar o sentido do futuro.' (Fernando Gil, Op. cit.). Também eles afrontam o sentido do futuro e sonham o sofrimento, a angústia e a dor causados pelo desamor do pai que partiu às tontas, quando as malas não estavam prontas e a conta não estava em dia. (...) Não há dúvidas. No simbolismo psicanalítico, há um ambicídio. Esse pai suicida-se moralmente como via para sepultar as obrigações da paternidade, ferindo de morte o filho e a determinação constitucional da paternidade responsável. (...) Por essa razão, o dano moral decorrente do abandono afetivo não depende de perícia, não depende do futuro nem do passado, tampouco depende de resultado negativo na existência filial no presente. O dano é in re ipsa, 'traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação.' (...) Anoto que a ação foi ajuizada quando a autora completou 18 anos, 10 meses e 20 dias de abandono. O último encontro entre pai e filha, em 2001, quando ela contava dois anos de idade, não passou de uma visita feita pela ex-companheira e suas duas filhas ao apelante, no interior de São Paulo, onde ele já havia constituído outra família, como prova a fotografia juntada com a contestação , destacando-se a legenda aposta à mão. Até 28 de março de 2019, data da conclusão do julgamento deste recurso, foram 21 anos, 2 meses e 20 dias (ou 1.107 semanas). Por fim, foram 7.749 dias e noites. Sim, quando o abandono é afetivo, a solidão dos dias não compreende a nostalgia das noites. Mesmo que nelas se possa sonhar, as noites podem ser piores do que os dias. A indenização não é, por tudo isso, absurda, nem desarrazoada, nem desproporcional. Tampouco é indevida, ilícita ou injusta. R$ 50.000,00 equivalem, no caso, contados, ininterruptamente, desde o nascimento da autora, a R$ 3,23 por dia e a R$ 3,23 por noite. Ainda que a indenização tenha sido estabelecida em valor fixo e não em dias e noites, e que esses cálculos não tenham a precisão do tempo contado por um relógio atômico, porque não se sabe o dia exato do início do abandono, não havendo dúvida, contudo, de que foi logo depois do nascimento da autora, esses números apenas ilustram a proporcionalidade e a razoabilidade do valor fixado, que deve ser mantido em R$ 50.000,00, atualizados pelo INPC e juros de 1% ao mês, incidentes da data do arbitramento (data da sentença)." (grifamos)

Acórdão 1162196, 20160610153899APC, Relator Designado Des. DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 28/3/2019, publicado no DJe: 10/4/2019.

Abandono afetivo – estupro de vulnerável contra o próprio filho – cem mil reais por danos morais

"(...) Na hipótese, restou fartamente demonstrado o abandono afetivo, merecendo destaque o fato de que o apelante ostenta condenação criminal transitada em julgado pela prática do crime de estupro de vulnerável perpetrado contra o próprio filho, não cabendo ao juízo cível perquirir acerca da ocorrência ou não dos fatos. (...)  6. A comprovação nos autos da prática dos fatos horrendos perpetrados pelo recorrente contra seu filho é fator capaz de caracterizar a total violação ao dever de paternidade responsável, consagrado no ordenamento jurídico, tanto sob o enfoque constitucional, como infraconstitucional.   7. O comportamento do apelante, demonstrado nos autos supera a pecha da negligência, da desídia e da irresponsabilidade, chegando a ser extremamente nocivo aos interesses do infante, caracterizando o ato ilícito e do qual resultou no apelado as lesões e os traumas indicados no Relatório de Acompanhamento Psicológico.   8. Em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e, considerando a condição econômica das partes, a vedação ao enriquecimento ilícito do ofendido e a extensão do dano causado, a quantia de R$ 100.000,00 afigura-se adequada e suficiente para reparar os danos morais sofridos pelo apelado.  9. Para justificar a imposição de multa por litigância de má-fé, é preciso a demonstração inequívoca de que o apelante agiu com dolo específico (improbus litigator), o que não se extrai dos autos." (grifamos) 

Acórdão 1735887, 07444508020218070001, Relatora: LUCIMEIRE MARIA DA SILVA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 2/8/2023, publicado no PJe: 8/8/2023.

Abandono afetivo – pai em relação à filha – falta de provas – ausente o dano moral

"(...) 1. Para a configuração de dano moral passível de reparação oriundo de abandono afetivo, é imprescindível a prova de conduta ilícita do genitor (omissiva ou comissiva), o trauma psicológico sofrido pelo filho (dano) e o nexo de causalidade entre ambos. Não basta o mero distanciamento afetivo entre pai e filho, sendo necessária prova de que a ausência paterna acarretou efetivo trauma psicológico ao filho, com substancial prejuízo à sua formação como ser humano. 2. No caso concreto, há relação conturbada entre pai e filho, marcada por desentendimentos recíprocos, o que não se confunde com abandono afetivo, pois não há prova de que o genitor foi omisso no seu dever paternal.  3. 'Apesar da dolorosa situação de distância de um pai com o filho, não se verifica um efetivo abalo psicológico decorrente da ausência do pai, tampouco um ato ilícito do réu que tenha causado de forma direta um sofrimento ao autor, sobretudo quando eventual descumprimento do dever jurídico de cuidado e de exercício familiar não decorreu de sua culpa exclusiva.' (...) 4. Inexistindo prova de ilícito, bem como relação de causa e efeito entre a suposta omissão parental e o trauma psicológico experimentado pelo filho, afasta-se o pleito de indenização por dano moral." (grifamos) 

Acórdão 1796393, 07132476020228070003, Relatora: FÁTIMA RAFAEL, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 30/11/2023, publicado no DJe: 26/1/2024. 

  • STJ

Desistência de adoção depois de longo período de convivência – abandono afetivo – 50 salários-mínimos de danos morais

"(...) Hipótese dos autos em que o adotando passou a conviver com os pretensos adotantes aos quatro anos de idade, permanecendo sob a guarda destes por quase oito anos, quando foi devolvido a uma instituição acolhedora.6. Indubitável constituição, a partir do longo período de convivência, de sólido vínculo afetivo,há muito tempo reconhecido como valor jurídico pelo ordenamento.7. Possibilidade de desistência da adoção durante o estágio de convivência, prevista no art. 46, da Lei n.º 8.069/90, que não exime os adotantes de agirem em conformidade com a finalidade social deste direito subjetivo, sob pena de restar configurado o abuso, uma vez que assumiram voluntariamente os riscos e as dificuldades inerentes à adoção.8. Desistência tardia que causou ao adotando dor, angústia e sentimento de abandono, sobretudo porque já havia construído uma identidade em relação ao casal de adotantes e estava bem adaptado ao ambiente familiar, possuindo a legítima expectativa de que não haveria ruptura da convivência com estes, como reconhecido no acórdão recorrido.9. Conduta dos adotantes que faz consubstanciado o dano moral indenizável, com respaldo na orientação jurisprudencial desta Corte Superior, que tem reconhecido o direito a indenização nos casos de abandono afetivo.10. Razoabilidade do montante indenizatório arbitrado em 50 salários mínimos, ante as peculiaridades da causa, que a diferenciam dos casos semelhantes que costumam ser jugados por esta Corte, notadamente em razão de o adolescente ter sido abandonado por ambos os pais socioafetivos." (grifamos) REsp 1981131/MS

Abandono afetivo – violação ao princípio da dignidade da pessoa humana – danos moral e material

"(...) Consoante se verifica nos autos, é evidente que o requerido vive em condições extremamente precárias, por ato voluntário do pai, que, apesar de possuir recursos, não oferece condições, sequer materiais, mínimas para uma sobrevivência digna ao filho, fato que, sem dúvida, acarretou-lhe graves prejuízos de ordem material e moral. O descumprimento voluntário do dever de prestar assistência material, direito fundamental da criança e do adolescente, afeta a integridade física, moral, intelectual e psicológica do filho, em prejuízo do desenvolvimento sadio de sua personalidade e atenta contra a sua dignidade, configurando ilícito civil e, portanto, os danos morais e materiais causados são passíveis de compensação pecuniária. (...) Desse modo, estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio da dignidade da pessoa humana." (grifamos)  REsp 1087561/RS

Abandono afetivo – quadro de ansiedade, traumas psíquicos e sequelas físicas – dano moral – 30 mil reais

"(...) 3- É juridicamente possível a reparação de danos pleiteada pelo filho em face dos pais que tenha como fundamento o abandono afetivo, tendo em vista que não há restrição legal para que se apliquem as regras da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares e que os arts. 186 e 927, ambos do CC/2002, tratam da matéria de forma ampla e irrestrita. (...) 4- A possibilidade de os pais serem condenados a reparar os danos morais causados pelo abandono afetivo do filho, ainda que em caráter excepcional, decorre do fato de essa espécie de condenação não ser afastada pela obrigação de prestar alimentos e nem tampouco pela perda do poder familiar, na medida em que essa reparação possui fundamento jurídico próprio, bem como causa específica e autônoma, que é o descumprimento, pelos pais, do dever jurídico de exercer a parentalidade de maneira responsável. 5- O dever jurídico de exercer a parentalidade de modo responsável compreende a obrigação de conferir ao filho uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, sempre com vistas a não apenas observar, mas efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana, de modo que, se de sua inobservância, resultarem traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis na criança ou adolescente, não haverá óbice para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentados pelo filho. 6- Para que seja admissível a condenação a reparar danos em virtude do abandono afetivo, é imprescindível a adequada demonstração dos pressupostos da responsabilização civil, a saber, a conduta dos pais (ações ou omissões relevantes e que representem violação ao dever de cuidado), a existência do dano (demonstrada por elementos de prova que bem demonstrem a presença de prejuízo material ou moral) e o nexo de causalidade (que das ações ou omissões decorra diretamente a existência do fato danoso). 7- Na hipótese, o genitor, logo após a dissolução da união estável mantida com a mãe, promoveu uma abrupta ruptura da relação que mantinha com a filha, ainda em tenra idade, quando todos vínculos afetivos se encontravam estabelecidos, ignorando máxima de que existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho, mantendo, a partir de então, apenas relações protocolares com a criança, insuficientes para caracterizar o indispensável dever de cuidar. 8- Fato danoso e nexo de causalidade que ficaram amplamente comprovados pela prova produzida pela filha, corroborada pelo laudo pericial, que atestaram que as ações e omissões do pai acarretaram quadro de ansiedade, traumas psíquicos e sequelas físicas eventuais à criança, que desde os 11 anos de idade e por longo período, teve de se submeter às sessões de psicoterapia, gerando dano psicológico concreto apto a modificar a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida. 9- Sentença restabelecida quanto ao dever de indenizar, mas com majoração do valor da condenação fixado inicialmente com extrema modicidade (R$ 3.000,00), de modo que, em respeito à capacidade econômica do ofensor, à gravidade dos danos e à natureza pedagógica da reparação, arbitra-se a reparação em R$ 30.000,00. 10- É incabível condenar o réu ao pagamento do custeio do tratamento psicológico da autora na hipótese, tendo em vista que a sentença homologatória de acordo firmado entre as partes no bojo de ação de alimentos contemplava o valor da mensalidade da psicoterapia da autora, devendo eventual inadimplemento ser objeto de discussão naquela seara. 11- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de julgar procedente o pedido de reparação de danos morais, que arbitro em R$ 30.000,00), com juros contados desde a citação e correção monetária desde a publicação deste acórdão, carreando ao recorrido o pagamento das despesas, custas e honorários advocatícios em razão do decaimento de parcela mínima do pedido, mantido o percentual de 10% sobre o valor da condenação fixado na sentença." (grifamos) REsp 1887697/RJ

Referências 

Art. 226 da Constituição Federal;

Arts. 186, 187 e 927 do Código Civil;

Art. 46 da Lei 8.069/1990.

Tema criado em 12/6/2019.