Críticas a ocupante de cargo público - abuso do direito de liberdade de expressão

última modificação: 2023-06-05T10:17:17-03:00

Tema disponibilizado em 31/5/2023.

A proteção da vida privada, da intimidade e da imagem de ocupantes de cargos públicos deve ser mitigada em decorrência da exposição e da visibilidade inerentes às funções desempenhadas. O exercício abusivo e desarrazoado da liberdade de manifestação, contudo, constitui violação aos direitos da personalidade da autoridade, passível de reparação por dano moral.

Trecho de acórdão

"(...) Trata-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de acusações de apologia ao nazismo feitas pela ré em relação à participação do autor no programa de internet Flow Podcast, realizado em 07.02.2022. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido condenando a ré ao pagamento de R$ 5.000,00. (...) No mérito, arguiu que o requerido, Deputado Federal e pessoa pública, está sujeito a críticas e, no caso, proferiu fala indefensável em apologia ao nazismo, ao defender que o nazismo deveria ser descriminalizado. (...) 6. O direito de liberdade de manifestação do pensamento, bem como o da preservação da intimidade, privacidade e honra devem coexistir em harmonia, respeitada a proporção de seu exercício, de forma a não caracterizar injustificada restrição à liberdade de expressão ou desrespeito à dignidade da pessoa humana. 7. Ressalta-se, contudo, que a vida privada, a intimidade e a imagem da pessoa que ocupa cargo público sofrem natural mitigação frente à liberdade de informação e suas prerrogativas inerentes de opinar e criticar, bem assim quando formuladas por outrem e são reproduzidas pelo meio de comunicação, afinal, o cargo que o autor ocupa lhe deixa suscetível às críticas, observação e controle da população. 8. Em verdade, o que caracteriza o dano moral, quando há crítica à pessoa que desempenha um cargo público, em especial, os políticos, é o abuso do direito de criticar. No caso, a parte ré nominou o autor de nazista. 9. É senso comum que no Brasil hoje vive-se a intolerância com o pensamento e palavras daqueles que possuem posicionamento divergente. Banalizou-se discursos de ódio, sendo comum denominar as pessoas de nazistas, fascistas, comunista e etc. 10. Frisa-se que esses termos muitas vezes são proferidos, sem que se saiba o real significado de cada um desses adjetivos ou para aqueles que sabem a ofensa em nominar alguém de nazista torna-se pior ainda, dado o conceito do termo. É grave a conduta de imputar a pecha de nazista a alguém, mormente quando todos sabem que essa ideologia, ultrapassada, é abominada mundialmente. 11. Ao analisar a entrevista concedida pelo autor, como um todo, verifica-se que não houve apologia ao nazismo. Ao contrário, ele afirmou ser veementemente contra tal doutrina, defendendo a liberdade dos cidadãos a livros e registros históricos provenientes do nazismo, a fim de que os cidadãos se informem e concluam o quanto tal doutrina fere os direitos humanos. 12. A Constituição Federal, em seu art. 5º, IV, garante a todos a liberdade de manifestação do pensamento, contudo, no caso observa-se que a ré se excedeu no seu direito fundamental à livre manifestação do pensamento, violando a honra do autor, caracterizando danos morais. 13. Portanto, irretocável a sentença proferida pelo juízo a quo, que assim concluiu: (...) As acusações consubstanciaram em posts na rede social 'twitter', em que a ré afirma que o autor fazia apologia ao nazismo. No entanto, coligindo os dizeres da ré em seu 'twitter' com a entrevista concedida pelo autor ao mencionado podcast, nota-se que, na realidade, em nenhum momento, este se manifestou favorável à abominável ideologia. Pelas declarações da ré, percebe-se que seu olhar sobre a entrevista do autor, no mínimo, incorreu em equívoca avaliação do seu conteúdo, mostrando-se ofensiva ao direito de personalidade do autor'. 14. Portanto, caracterizado o dano moral, correta a sentença que o arbitrou em R$ 5.000,00."  (grifamos)
Acórdão 1676541, 07182721520228070016, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Segunda Turma Recursal do Distrito Federal, data de julgamento: 22/3/2023, publicado no DJE: 27/3/2023. 

Acórdãos representativos

Acórdão 1647975, 07576069020218070016, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Terceira Turma Recursal do Distrito Federal, data de julgamento: 7/12/2022, publicado no DJE: 16/12/2022;

Acórdão 1412234, 07143585620208070001, Relator: GISLENE PINHEIRO, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 6/4/2022, publicado no DJE: 11/4/2022;

Acórdão 1361246, 07020938920208070011, Relator: ANTONIO FERNANDES DA LUZ, Primeira Turma Recursal do Distrito Dederal, data de julgamento: 30/7/2021, publicado no DJE: 24/8/2021;

Acórdão 1343127, 07394638720208070016, Relator: ANA CLAUDIA LOIOLA DE MORAIS MENDES, Segunda Turma Recursal do Distrito Federal, data de julgamento: 24/5/2021, publicado no DJE: 7/6/2021.

Destaques

  • TJDFT

Crítica a posicionamento político de ocupante de cargo público – liberdade de expressão – abuso não caracterizado

"(...) Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado na inicial, objetivando a condenação da requerida ao pagamento de danos morais em razão de publicação que considera ofensiva. Nas razões do recurso, ao pretender a reforma da decisão de mérito, sustenta a parte recorrente, a configuração do dano moral indenizável, porquanto a expressão 'idiota nazista' é muito ofensiva. (...) 4. Da análise do conjunto probatório acostado, verifica-se que a recorrida divulgou, em postagem no Twitter, a expressão 'Cadeia para este idiota nazista', referindo-se ao recorrente. 5. Neste ponto, cumpre esclarecer que a questão discutida nos autos se refere a um conflito entre duas garantias constitucionais: a liberdade de manifestação de pensamento e a violação à honra. (...) 10. O direito de liberdade de manifestação do pensamento, bem como o da preservação da intimidade, privacidade e honra devem coexistir em harmonia, respeitada a proporção de seu exercício, de forma a não caracterizar injustificada restrição à liberdade de expressão ou desrespeito à dignidade da pessoa humana. Assim é que, resguardada a liberdade de expressão e de pensamento, somente o abuso no seu exercício é que, exorbitando a proteção conferida aos direitos da personalidade, enseja a qualificação de ofensa à honorabilidade do enfocado pela publicação, determinando a caracterização do dano moral. Dessa forma, deve o magistrado sopesar os valores constitucionalmente em conflito, de forma a propiciar a solução mais justa e razoável para o caso em análise. 11. Acrescente-se que a responsabilidade de indenizar moralmente nasce com a inequívoca aferição do dano do atributo da personalidade afirmado. Daí porque não se concebe a busca da reparação civil simplesmente pela afirmação de quem se julgar ofendido. E para a reparação civil moral não basta a comprovação dos fatos que contrariam o suposto ofendido, mas, também, que destes fatos decorra prejuízo à sua honorabilidade. Permitir que qualquer evento que traga desgosto seja capaz de atrair reparação de cunho moral é banalizar o instituto e fomentar a indústria da indenização moral. 12. Na hipótese em análise, deve-se registrar que o recorrente ocupa cargo político, e é pessoa pública, status que decorre da própria natureza da função que desempenha. Nesse diapasão, a vida privada, a intimidade e a imagem da pessoa que ocupa cargo público, sofrem natural mitigação frente à liberdade de informação e suas prerrogativas inerentes de opinar e criticar, bem assim quando, formuladas por outrem, são reproduzidas pelo meio de comunicação, afinal, o cargo que o autor ocupa lhe deixa suscetível às críticas, observação e controle da população. 13. Nessa toada, o que caracteriza o dano moral, quando há crítica à pessoa que desempenha um cargo público, em especial, os políticos, é o abuso do direito de criticar. Frise-se que uma coisa é criticar o homem público, apontando-lhe as falhas e os defeitos na esfera moral e administrativa, outra é visar intencionalmente o seu desprestígio, expondo-o ao ridículo. Analisando-se o comentário postado pela recorrida, conclui-se que sua intenção era de criticar determinado posicionamento político esposado em entrevista divulgada em podcast, limitando-se a questionar acerca de sua vida pública, sendo que tal comentário não exorbitou o campo da livre manifestação do pensamento, garantida constitucionalmente e, dessa maneira, incapaz de gerar responsabilidade civil por dano moral." (grifamos)     

Acórdão 1662560, 07182618320228070016, Relator: MARILIA DE AVILA E SILVA SAMPAIO, Segunda Turma Recursal do Distrito Federal, data de julgamento: 15/2/2023, publicado no DJE: 23/2/2023.

Crítica veiculada por meio de emoji de roedor – ato ilícito não configurado

"(...) O parlamentar, em razão do exercício de mandato outorgado por seus eleitores, deve ser considerado pessoa pública e está, naturalmente, mais suscetível às críticas, por vezes, ácidas, acaloradas e permeadas por metáforas.  3. Somente nos casos em que há abuso do direito de crítica, com o desvirtuamento dos fatos, de forma a causar abalo psíquico ou moral, afetando diretamente a honra ou a imagem do indivíduo, é cabível indenização por danos morais. 3.1. Observado, no caso concreto, que a utilização de um emoji de roedor, seguido da palavra liso, foi utilizada em publicação em rede social com o sentido de 'vacilão', conforme gíria regional, por ter o parlamentar se ausentado de sessão na qual seria votado projeto de interesse comum, não há como ser considerada ilícita ou abusiva a manifestação de pensamento por parte da ré, mas exercício regular dos direitos constitucionais à liberdade de pensamento e de expressão, da cidadania e de representatividade política, insuscetível de causar abalo de ordem moral." (grifamos)

Acórdão 1431153, 07307974520208070001, Relator: CARMEN BITTENCOURT, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 15/6/2022, publicado no DJE: 28/6/2022.

  • STJ

Expressão depreciativa em evento partidário – excesso do direito de livre manifestação do pensamento – ofensa à honra

"(...) Com efeito, ao afirmar que o Apelante é 'chefe dessa quadrilha que achaca e assola o nosso País', o Apelado personalizou no Recorrente a sua crítica, mediante expressões socialmente desabonadoras, porquanto 'ser chefe de quadrilha' remonta, no senso comum, liderança no acometimento de práticas ilícitas, com domínio ou poder de mando relativamente aos supostos 'achacadores'. (...). Assim é que, mesmo a crítica entre políticos esbarra no limite ético do respeito ao próximo, de forma que se for socialmente desabonadora, isto é, depreciativa em excesso perante o senso comum, merece a reprimenda estatal com o fito de minimizar o dano ao direito de personalidade. (...). A hipótese vertente nestes autos é, em meu sentir, de incidência muito mais direta da norma constitucional que protege o direito personalíssimo do Apelante, porque o Apelado não se limitou ao exercício da crítica política a determinado grupo em que este se inseria, mas referiu-se nominalmente ao Recorrente, sugerindo, repisa-se, o poder de mando em condutas supostamente ilícitas. Daí que tenho que merece reparo a sentença recorrida, eis que caracterizado o dano moral apto à indenização.(...). Dessa feita, considerando que tanto o Apelante quanto o Apelado são pessoas públicas, cujas ações reverberam nos veículos de notícia; que o Apelado em suas manifestações nos autos, conquanto não ratifique a literalidade das transcrições dos veículos de comunicação, limitou-se a explicar o contexto em que foram proferidos; e que é de conhecimento público que ambas partes possuem razoável padrão financeiro, fixo o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) como suficiente para minimizar e compensar o dano sofrido pelo Apelante, além de conferir efeito pedagógico ao Apelado' (...). Com efeito, a conclusão adotada no acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do STJ, firmada no sentido de que 'Posto seja livre a manifestação do pensamento - mormente em épocas eleitorais, em que as críticas e os debates relativos a programas políticos e problemas sociais são de suma importância, até para a formação da convicção do eleitorado -, tal direito não é absoluto. Ao contrário, encontra rédeas tão robustas e profícuas para a consolidação do Estado Democrático de Direito quanto o direito à livre manifestação do pensamento: trata-se dos direitos à honra e à imagem, ambos condensados na máxima constitucional da dignidade da pessoa humana' (...). Sob esse enfoque, xingamentos, provocações ofensivas, discriminações, bem como ilações pejorativas à honra, à imagem e à vida privada das pessoas, 'devem ser necessariamente punidos, de maneira a desestimular o agressor a repetir atos dessa natureza' (...)." (grifamos) REsp 1677976 /DF 

Divulgação de condenação judicial inexistente sobre adversário político – campanha eleitoral – dano moral

"(...) No caso, o montante originalmente fixado foi reduzido, nesta instância, para patamar mais adequado e proporcional aos danos morais sofridos pelo ofendido, ao qual fora imputada, por adversário político, com objetivo desabonador, durante campanha eleitoral na qual ambos competiam por cargo eletivo, condenação judicial inexistente, com divulgação em redes sociais e em emissoras de televisão, causando danos à honra e à imagem do atingido." AgInt no AREsp 1345246/PR

Veja também

Críticas a agente público – ponderação entre direito à liberdade de expressão e direito à honra

Liberdade de expressão e a livre manifestação de pensamento

Referências

Art. 5º,IV, V, IX, X, XIII e XIV, da CF;

Art. 187 e art. 927 do CC.