Excesso no uso de algemas

última modificação: 2024-03-20T13:27:24-03:00

Tema atualizado em 4/3/2024.

O Estado responde por danos morais quando demonstrado excesso no uso de algemas que viole a dignidade do preso, causando-lhe sentimentos de vexame, humilhação ou qualquer ofensa à sua integridade moral. 

Trecho de acórdão

"(...) As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (CF, art. 37, § 6º). A responsabilidade civil do ente federativo, em razão de atos comissivos de seus agentes, é objetiva (modalidade risco administrativo), a qual dispensa a comprovação de culpa e exige, para a sua configuração, a coexistência da conduta, do dano e do nexo causal. IV. Suficientemente demonstrados: (a) a conduta ilícita (configurada a detenção injustificada a que o requerente foi submetido, na medida em que foi conduzido à delegacia em viatura policial, sem a observância da cautela necessária, que, no caso concreto, exigiria, ao menos, a mínima conferência preliminar dos demais elementos de identificação - data e local de nascimento, nome dos genitores etc); (b) o dano moral (vexame, humilhação, constrangimento decorrentes da prisão ilegal, inclusive com a divulgação dos fatos na mídia), mediante afetação à integridade psicológica da personalidade (CC, artigo 12); (c) e o nexo de causalidade (os policiais responsáveis pela condução do requerente deram causa direta e imediata aos danos suportados por ele), tudo a atrair o dever indenizatório. V. Em relação ao quantum, deve-se manter a estimativa razoavelmente fixada (R$ 10.000,00), uma vez que guardou correspondência com o gravame sofrido (CC, art. 944), além de sopesar as circunstâncias do fato, a extensão e gravidade do dano, bem como o caráter punitivo-pedagógico da medida, tudo, com esteio no princípio da proporcionalidade. Não evidenciada, pois, ofensa à proibição de excesso que seja apta a subsidiar a pretendida redução. VI. Escorreita, pois, a sentença condenatória do Distrito Federal ao pagamento do valor de R$ 10.000,00, a título de compensação por danos morais. VII. Recurso conhecido e improvido. Sentença confirmada pelos seus fundamentos." (grifamos)  
Acórdão 1606324, 07083374820228070016, Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 24/8/2022, publicado no DJE: 1º/9/2022.

Acórdãos representativos 

Acórdão 1397028, 07113727120218070009, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 9/2/2022, publicado no PJe: 12/2/2022;

Acórdão 1384750, 07256119320208070016, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 5/11/2021, publicado no DJE: 15/12/2021;

Acórdão 1324816, 07232259020208070016, Relator: EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, Primeira Turma Recursa dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 5/3/2021, publicado no DJE: 29/3/2021;

Acórdão 1285472, 07078966620198070018, Relatora: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 11/9/2020, publicado no DJE: 1º/10/2020;

Acórdão 1222960, 07020483220188070019, Relator: JOÃO EGMONT, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 11/12/2019, publicado no DJE: 21/1/2020.

Destaques

  • TJDFT

Uso de algemas dentro dos limites legais – dano moral inexistente

"(...) Narra o autor, ora recorrente, ter sido preso submetido a constrangimento ilegal por policiais militares, inclusive mediante o uso indevido de algemas e condução à delegacia que não possuía competência administrativa para atuação naquela localidade, durante abordagem e averiguação de ocorrência havida entre o autor e terceira pessoa, motivada por batida entre um carro e sua moto. Noticiou que a ação penal instaurada para a apuração de suposto crime de desacato que lhe foi imputado foi arquivada por reconhecimento de ausência de suporte fático necessário para a tipificação do crime de desacato. Afirma que tais fatos causaram danos a sua dignidade, imagem social, sua profissão e relacionamentos pessoais. (...). IV. O dano moral decorre da lesão aos atributos da personalidade, cuja violação causa o sentimento de humilhação, vexame, constrangimento e dor. Não há que se falar em danos morais em decorrência de contratempos, aborrecimentos, descontentamento, cabendo ao Magistrado a verificação da ocorrência ou não de violação capaz de ensejar a indenização pelos danos morais causados, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa   (...). No caso dos autos, conforme se verifica da dinâmica dos fatos, dos documentos e dos vídeos colacionados aos autos, durante a averiguação da ocorrência pelos policiais o requerente e sua esposa estavam com ânimos exaltados, o que exigiu a contenção da situação pela autoridade policial, dando azo para que os policiais agissem de forma dura em cumprimento da sua função constitucional de preservação da ordem pública. Com efeito, é dever de todo o cidadão colaborar com as autoridades para o melhor deslinde dos fatos. VIII. Desta forma, as provas juntadas aos autos não comprovaram, de forma contundente, qualquer ação/omissão do Estado suficiente a configurar o nexo causal entre a conduta dos agentes públicos e o alegado dano experimentado pelo autor, restando demonstrado que os agentes públicos estavam no estrito cumprimento do dever legal, o que exclui a responsabilidade objetiva do Estado. IX. A atuação dos policiais e a prisão ocorreu dentro dos limites legais, não constando dos autos elementos aptos a corroborar a tese de abuso de poder ou atuação ilegal de autoridade. Ademais, a suposta averiguação dos fatos por delegacia com atuação em outra circunscrição não implica nulidade do ato administrativo.

Acórdão 1812735, 07242287520238070016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 2/2/2024, publicado no DJE: 21/2/2024.

  • STJ

Pessoa algemada pela polícia – linchamento por terceiros – responsabilidade do Estado

"(...) Segundo o Tribunal de origem, 'policiais chegaram ao local e Luiz se rendeu passivamente... sem esboçar qualquer reação'. Logo após, foi ele 'algemado por policiais militares' e, em seguida, agredido brutalmente com chutes na cabeça e no tórax desferidos por dois de seus vizinhos, o que lhe causou traumatismo cranioencefálico. Portanto, o presente Recurso Especial encerra duas questões jurídicas sobre a responsabilidade civil do Estado-Polícia: a) se aplicável padrão objetivo ou subjetivo no caso de conduta estatal omissiva contra pessoa sob domínio de agente de segurança pública; b) se ato ilícito de terceiro, nessas circunstâncias, rompe o nexo de causalidade entre o dever de segurança especial da Administração e eventuais danos à vida, integridade e dignidade da vítima. (...) Para o Estado, ao prover segurança ampla e indistinta à coletividade, o ordenamento cria dever jurídico genérico de agir que, se dano ocorrer por omissão, atrai standard subjetivo, caráter que afasta também responsabilização estatal por atos exclusivos de terceiros. Paralelamente, a ele se impõe dever jurídico especial de agir de apuração objetiva, no tocante à segurança pessoal daqueles que se acham sob sua autoridade direta e em razão dela se encontram custodiados, subjugados ou imobilizados, dispensada, por conseguinte, prova de dolo ou culpa administrativa. 6. Assim, independentemente de a conduta constituir ação ou omissão, o Estado responde de maneira objetiva por danos à dignidade e à integridade de pessoa sob custódia ou submissão ao aparelho de segurança. Para tanto, irrelevante o grau (total ou parcial), a duração (curta ou longa) ou o local da constrição da liberdade (presídio; prédio público, particular ou espaço aberto; interior de viatura ou meio de transporte de qualquer natureza, terrestre, aquático ou aéreo). Desimportante também estar a vítima algemada ou simplesmente ter as mãos para trás, ou, noutra perspectiva, encontrar-se imobilizada ou paralisada em virtude apenas de força física ou de temor de autoridade com porte de arma de fogo. 7. Havendo limitação, mesmo incompleta ou fugaz, da liberdade de ir e vir e dos mecanismos de defesa pessoal, a imputação objetiva de responsabilidade civil do Estado (e, por igual, daqueles que exercem segurança privada) por conduta omissiva se mostra de rigor, dada a 'atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem' (art. 927, parágrafo único, do Código Civil). Trata-se, pois, de enquadramento de pura responsabilidade civil objetiva, e não de presunção absoluta ou iure et de iure de culpa. 8. Prender, deter ou imobilizar alguém é expressão máxima de poder estatal. Prerrogativa que, por isso mesmo, nos regimes democráticos, vem acompanhada de garantias e cuidados inafastáveis de proteção absoluta do detido ou subjugado - mesmo os piores criminosos -, condição que se inicia no momento em que autoridade policial restringe a autonomia de ir e vir. Custódia, confinamento, sujeição ou constrangimento por agentes de segurança significam não só perda de liberdade, mas também de viabilidade de autodefesa e de escapar de ameaça ou agressão atual ou iminente. Daí a conduta policial se fazer acompanhar de dever estatal de vigilância e guarda da vida, saúde e dignidade do apreendido e, em havendo dano, de responder administrativa, penal e, de modo objetivo, civilmente por ações e omissões ilícitas. NEXO DE CAUSALIDADE E POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA 9. A objetivação da responsabilidade civil não afasta a necessidade de comprovação de nexo de causalidade, podendo o juiz, quanto a ele, inverter o ônus da prova, nos termos do art. 373, § 1º, do CPC/2015. A apuração da causalidade na omissão ilícita de segurança pública se faz com uma única e simples pergunta: o evento danoso teria sucedido se a vítima não estivesse sob sujeição total ou parcial de agentes estatais? A agressão por terceiro pode não guardar relação retilínea de causa e efeito com a ação policial em si, mas em tal conjuntura a lesão ou morte da vítima não teria acontecido se estivesse livre e desimpedida para se defender ou fugir de ataque de terceiros e, talvez, até de linchamento popular, barbárie que infelizmente ainda se verifica no Brasil. Eis, então, sem rodeios, a base jurídica de regência do nexo de causalidade da responsabilidade civil objetiva derivada de proceder ilícito, comissivo ou omissivo, do Estado-Polícia: se agente de segurança prende, detém ou imobiliza, deve proteger a integridade corporal e mental, a vida e a dignidade da pessoa subjugada contra comportamento de todos, inclusive de si própria e de ação criminosa de terceiro, sendo ineficaz alegar elemento surpresa." (grifamos) AREsp 1717869/MG

Desproporcionalidade da ação policial – uso de algemas – dano moral 

"(...) Na hipótese dos autos, não há dúvidas quanto à gravidade das consequências sentidas pelo autor da ação, bem como o sofrimento e seus desdobramentos psíquicos, isso porque, o uso de algemas e sua condução a Casa de Prisão Provisória enquanto sua genitora estava internada no Hospital é capaz de causar danos ao psicológico da vítima configurando assim o dano moral indenizável. (...) Além do mais, no que diz respeito à proporcionalidade e razoabilidade da fixação da verba a ser indenizada, houve a detida análise pela Corte de origem, não se mostrando excessiva: Em casos de indenização por danos morais, os tribunais pátrios firmaram o entendimento que o arbitramento deve ser feito com moderação, e em obediência aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando- se em conta a condição social e a capacidade econômica do ofensor e do ofendido, para que não haja um enriquecimento sem causa deste último. Além disso, a reparação do dano moral, nesses casos, tem finalidade educativa, como forma de incentivar o respeito aos direitos do consumidor e evitar que essa que também visa a restabelecer o equilíbrio nas relações privadas, realizando-se, assim, a função inibidora da teoria da responsabilidade. [...] Tomando esses parâmetros como critério e em consonância com a realidade espelhada nos autos, hei por bem manter o quantum indenizatório em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como forma de reparação dos danos morais causados ao autor, visto que atendeu ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. E, nessa temática, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que 'a revisão dos valores fixados a título de danos morais somente é possível quando exorbitante ou insignificante, em flagrante violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não é o caso dos autos'." AgInt no REsp 2045342/TO (grifamos)

  • STF

Súmula vinculante 11: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado."

Referências

Art. 37, § 6º, da CF;

Art. 12, art. 927 e art. 944 do CC.

Tema disponibilizado em 16/3/2022.